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Cooperativas rurais fraudulentas

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D E C I D E - S E :

Os autores atuam no caso sub judice em defesa de interesses da categoria profissional dos trabalhadores rurais, e não em defesa de interesse individual de cada um dos associados das cooperativas demandadas, tendo em vista que objetivam reprimir a intermediação ilegal de mão-de-obra para a colheita de laranja, com a restauração da ordem jurídica, no que pertine aos direitos constitucionalmente assegurados aos trabalhadores rurais, o que traduz a defesa de interesses de uma pluralidade de pessoas que integram ou que possam vir a integrar a categoria profissional dos trabalhadores rurais, hipótese albergada no artigo 83 inciso III da Lei Complementar nº 75 de 20 de maio de 1.993, que atribuiu ao Ministério Público do Trabalho, dentre outras, competência para promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos, sendo oportuno destacar que referido diploma legal harmoniza-se perfeitamente com as disposições contidas nos artigos 127 e 129 da Constituição Federal.

Destarte, julgam-se improcedentes as preliminares teladas.

ILEGITIMIDADE AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

A formação de litisconsórcio entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa de interesses coletivos ou difusos encontra admissibilidade na norma inserta no parágrafo 5º do artigo 5º da Lei 7.347/85, combinado com o artigo 1º inciso IV desse mesmo diploma legal.

Ampara-se, outrossim, no parágrafo 1º do artigo 127 da Constituição Federal, não se havendo falar em interesse da união a justificar a intervenção do Ministério Público Federal, com o conseqüente deslocamento da competência à Justiça Federal.

Rejeitam-se as preliminares.

INCOMPETÊNCIA RATIONE MATERIAE DA JUSTIÇA DO TRABALHO. LIQUIDAÇÃO DA SOCIEDADE COOPERATIVA. RELAÇÃO DE NATUREZA CIVIL ENTRE OS SÓCIOS E A SOCIEDADE.

A teor do que dispõe o artigo 114 da Constituição Federal, compete à Justiça do Trabalho, além do julgamento de dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, o julgamento de outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da Lei.

Com o advento da Lei Complementar nº 75 de 20 de maio de 1.993, artigo 83 inciso III, conferiu-se à Justiça do Trabalho competência para o julgamento de ação civil pública objetivando a defesa pelo Ministério Público de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais garantidos na Constituição Federal.

A declaração de inidoneidade das cooperativas demandadas não eqüivale à liquidação da sociedade na forma prevista no Decreto-lei nº 1.608 de 18 de setembro de 1939, artigos 655 a 674, tendo em vista que o provimento meramente declaratório não resolve sobre o patrimônio das mesmas, embora possa alicerçar a dissolução e liquidação perante à Justiça Comum, sendo de competência exclusiva da Justiça do Trabalho a declaração de inidoneidade de sociedade cooperativa, quando a ilicitude ou imoralidade de seu objeto se verifica em virtude de afronta aos direitos sociais assegurados constitucionalmente. Haja vista o citado artigo 83 inciso III da Lei Complementar nº 75 de 20 de maio de 1.993.

Quanto à incompetência da Justiça do Trabalho em razão da relação jurídica de natureza civil entre os sócios e a sociedade cooperativa, já decidiu o Plenário do Supremo Tribunal Federal (conflito de jurisdição nº 6.959-6-DF, J. 23.05.1990), que à determinação da competência da Justiça do Trabalho não importa que dependa a solução da lide de questões de direito civil".

Do voto do Ministro Relator, Dr. Sepúlveda Pertence, extrai-se o tópico a seguir transcrito, que bem elucida a questão:

Para saber se a lide decorre da relação de trabalho não tenho como decisivo, data venia, que a sua composição judicial penda ou não de solução de temas jurídicos de direito comum, e não especificamente, de direito do trabalho. O fundamental é que a relação jurídica alegada como suporte do pedido esteja vinculada, como o efeito à sua causa, à relação empregatícia.

Vale dizer, não afasta a competência da Justiça do Trabalho, no caso em exame, estabelecida no artigo 83 inciso III da Lei complementar 75/93, o fato de ser alegado em defesa relação jurídica diversa da empregatícia, à medida que quando há negativa do vínculo de emprego, a regra é a alegação de relação jurídica de natureza civil em defesa, sem que isso afaste a competência desta Justiça, a quem compete aplicar subsidiariamente o direito comum, para dirimir os litígios afetos à sua competência.

Não deve causar espécie que os órgãos jurisdicionais trabalhistas, quando apreciam questões que lhe são submetidas, apliquem preceitos e solucionem temas pertinentes ao direito comum, eis que a própria Consolidação das Leis do Trabalho - & único do artigo 8º - estabelece, claramente, que O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.

De conseqüência, não se pode dar guarida às alegações defensivas nos tópicos ora analisados.

RITO PROCESSUAL. AFRONTA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. NULIDADE.

Conforme preleciona Rodolfo de Camargo Mancuso, em Ação Civil Pública, 2ª edição, R.T., São Paulo, 1992, pág. 56, A petição inicial observará os ditames prescritos para o procedimento comum, podendo, conforme o caso, apresentar a forma indicada nos arts. 292 (rito ordinário) ou 275 (rito sumaríssimo) do CPC, cabendo lembrar, quanto a este último, que o procedimento ordinário lhe é supletivo (CPC, art. 273). A escolha do rito não é discricionária ao autor, mas deve pautar-se pelos critérios legais: se a causa é de valor não superior a 20 salários mínimos, ou, excedendo a esse teto, enquadra-se, ratione materiae, nas hipóteses elencadas no inciso II do art. 275 (pensamos no caso da alínea "d" - "ressarcimento por danos em prédio urbano ou rústico", factível, v.g., em caso de dano à fachada de prédio de interesse histórico ou de particular beleza arquitetônica; e na alínea "g" - " cumprimento de leis e posturas municipais quanto... ao plantio de árvores" - figuramos a hipótese em que a ação tenha por objeto compelir uma madeireira ao replantio das essências nativas em área florestal por ela devastada). No particular, a conclusão XVI do Simpósio de Curitiba (RT 482/271): " Não podem as partes optar pelo procedimento ordinário nos casos em que a lei prescreve o procedimento sumaríssimo" (maioria). E José Carlos Barbosa Moreira: " O procedimento comum, por sua vez, pode ser ordinário ou sumaríssimo (art. 272). Ainda aqui, a linha divisória fixa-se por exclusão: a lei enumera taxativamente, dentre as causas submetidas ao procedimento comum aquelas em que se deve observar o sumaríssimo (art. 275) e todas as restantes adotarão o ordinário".

Da lição supra transcrita conclui-se que o rito processual da ação civil pública poderá ser sumário ou ordinário, variando de acordo com a matéria objeto da lide e o valor da causa, sendo certo, portanto, que em se tratando de matéria afeta à competência da Justiça do Trabalho, o rito a ser adotado será o previsto na Consolidação das Leis do Trabalho, mormente porque estabelece a cognição plena, não restringindo faculdades processuais dos litigantes.

O rito processual adotado possibilitou aos litigantes o contraditório e ampla defesa, conforme estabelece o artigo 5º inciso LV da Constituição Federal, inexistindo afronta ao devido processo legal.

Ademais, não se cuida, na espécie, de nulidade cominada (art. 244 do Código de Processo Civil), devendo prevalecer o princípio da instrumentalidade das formas, mesmo porque nos processos sujeitos à apreciação da Justiça do Trabalho só haverá nulidade quando resultar dos atos inquinados manifesto prejuízo aos litigantes (art. 794da CLT).

Destarte, tem-se que o rito processual adotado para o processamento desta ação atende ao disposto no artigo 5º inciso LV da Constituição Federal.

ILEGITIMIDADE AD CAUSAM DA PRIMEIRA REQUERIDA. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL.

Como preliminar de defesa, a primeira requerida alega a sua ilegitimidade ad causam, ao fundamento de que compra laranjas já colhidas pelos produtores rurais, sendo destes últimos a opção de contratar a mão-de-obra para a colheita, sustentando que a petição inicial é inepta, pois seria inócua a sua condenação a abster-se de prática que não realiza, sendo imprescindível a inclusão dos produtores rurais no polo passivo da ação, uma vez que não pode ser responsabilizada por ação ou omissão de terceiros.

Sabe-se que os cúmplices respondem solidariamente com os autores da ofensa no âmbito da obrigações por ato ilícito (parágrafo único do artigo 1518 do Código Civil), de forma que a responsabilização da primeira requerida por ação ou omissão de terceiros, perfeitamente cabível em tipificada a hipótese contida no art. 1.518 do Código Civil, depende da análise do mérito, não ensejando o acolhimento de sua ilegitimidade ad causam, nem a inépcia da petição inicial.

Aliás, faz-se oportuna a lição de Washington de Barros Monteiro, em Curso de Direito Civil, Direito das obrigações, 2ª parte, 15ª edição, Saraiva, 1.980, pág. 398: Num delito em que se verifique a co-participação de várias pessoas, são todas consideradas como co-autoras, nos termos do art. 35 (Código Penal, art. 25). No direito Civil, porém, poderá existir tal cumplicidade, no caso em que terceiro, por exemplo, ajuda uma das partes a violar o contrato; responderá ele pela ilicitude de sua cooperação e poderá ser civilmente responsabilizado.

A solidariedade, nos casos apontados, justifica-se, não só para aumentar as garantias do ofendido, como pela própria natureza do fato gerador da obrigação e identidade do direito lesado.

Por outro lado, a solidariedade passiva não impõe litisconsórcio necessário, pois o credor tem direito a exigir o cumprimento da obrigação apenas de um ou alguns dos co-obrigados, não ficando inibido de acionar judicialmente os demais, caso tenha proposto a ação em face de um dos devedores solidários apenas, haja vista os artigos 904 e 910 do Código Civil, de forma que não se vislumbra a comunhão una e incindível de obrigações dos produtores rurais de laranja e da primeira requerida que pudesse tornar ineficaz a sentença sem a presença dos primeiros na lide, o que revela a inexistência de litisconsórcio necessário.

Mais uma vez, o magistério de Washington de Barros Monteiro, obra acima citada, 1ª parte, pág. 178, elucida a questão: A solidariedade passiva não impõe, destarte, litisconsórcio necessário. Cada devedor pode ser demandado isoladamente. Nessa matéria só se pode instituir litisconsórcio voluntário ou facultativo. Por conseguinte, se um dos devedores vem a ser demandado individualmente, não pode exigir a presença dos demais no processo. Não pode ele pretender assim que o autor traga também a juízo todos os correi debendi, o que constituiria , como diz Chiovenda, verdadeira exceptio plurium litisconsortium, só admitido em casos isolados e especiais. Exigir a intervenção de todos seria, indubitavelmente, violar citado art. 904.

Outrossim, não pode o juiz, baseando-se no art. 47, parágrafo único, do Código de Processo Civil, ordenar ex officio a citação dos demais devedores. A solidariedade passiva caracteriza-se precisamente pela faculdade que tem o credor a exigir e receber a prestação do coobrigado que escolhe. A autoridade judiciária não tem direito de sobrepor-se a essa eleição, impondo ao autor a presença no feito de outros litigantes, o que, ademais, acarreta novas despesas e maior demora.

Considerando que esta ação vem fundamentada em ato ilícito, julgam-se improcedentes as preliminares em epígrafe.

INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL. ACUSAÇÃO INESPECÍFICA. ILEGITIMIDADE AD CAUSAM DA TERCEIRA REQUERIDA.

Da análise dos fatos narrados na petição inicial emerge claramente a acusação imputada a cada uma das cooperativas demandadas, qual seja, a intermediação ilegal de mão-de-obra rural para a colheita de laranja, decorrendo de tal alegação pretensão lógica e não vedada no ordenamento jurídico, ou seja, declaração de inidoneidade dessas demandadas, sendo certo que a aludida acusação dos autores legitima as rés a figurarem no polo passivo da ação, revelando-se matéria de mérito a alegação da terceira reclamada de que não violou leis ou regulamentos, fato que se restar reconhecido ensejará a improcedência da ação, e não a sua carência por ilegitimidade passiva ad causam.

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INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL. DOCUMENTO INDISPENSÁVEL À PROPOSITURA DA AÇÃO. INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO.

Ao contrário do alegado pela terceira requerida, o inquérito civil público não é documento indispensável à propositura da ação civil pública, eis que o artigo 129 inciso III da Constituição Federal cuida apenas das funções institucionais do Ministério Público, nada mencionando sobre documentos indispensáveis à propositura da ação civil pública, de forma que prevalece a faculdade do Ministério Público instaurar ou não o inquérito civil público, consoante norma inserta no artigo 8º & 1º da Lei 7.347/85.

Perfilhando idêntico entendimento, Rodolfo de Camargo Mancuso, em Ação Civil Pública, 2ª edição. RT, 1.992, pág. 88: ...afinal, como o reconhece Hugo Nigro Mazzilli, tal inquérito não é condição de procedibilide da ação civil pública que poderá ser movida antes ou no curso daquele (ex.: cautelar satisfativa), ou mesmo independentemente dele (se o Parquet já conta com suficientes subsídios e já formou sua convicção quanto à necessidade e oportunidade de propositura da ação.

Assim, conclui-se que o inquérito civil público é procedimento meramente administrativo e de instauração facultativa, não obstaculizando a sua falta, a propositura da ação civil pública.

Rejeita-se, pois, a inépcia da petição inicial.

CARÊNCIA DE AÇÃO. INTERESSE. LEGITIMIDADE. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO.

Ao fundamento de que é a própria lei quem estabelece a inexistência de vínculo empregatício entre as cooperativas e os cooperados, e entre estes e os tomadores de serviços, a quarta requerida sustenta a ausência das condições da ação.

Como ensina Pontes de Miranda - Comentários ao Código de Processo Civil, Tomo I, 5ª edição, Forense, R.J., 1.996, pág. 78/79, No momento em que alguém se sente ferido em algum direito, o que por vezes é fato puramente psicológico, o Estado tem interesse em acudir à sua revolta, em pôr algum meio ao alcance do lesado, ainda que tenha havido erro de apreciação por parte do que se diz ofendido. A Justiça vai recebê-lo, não porque tenha direito subjetivo, de direito material, nem, tampouco, ação: recebe-o como a alguém que vem prestar perante os órgãos diferenciados do Estado a sua declaração de vontade, exercendo a sua pretensão à tutela jurídica.

...o Estado só organizou a lide judiciária com o intuito de pacificação, como sucedâneo dos outros meios incivilizados de dirimir as contendas, e o de realização do direito objetivo, que é abstrato. Paz, mais do que revide, é a razão da Justiça.

Quer isto dizer que o exercício da pretensão à tutela jurisdicional não se subordina à procedência da pretensão de direito material, mas sim à necessidade de se dirigir ao Estado, para que este diga o que for de direito no caso concreto, tendo em vista a vedação à auto-tutela de interesses.

A interpretação da lei ou a declaração de sua eficácia no caso concreto compete ao Estado-Juiz, não ensejando a priori o decreto de carência de ação, sem a análise das razões que conduziram o jurisdicionado a postular a tutela jurídica Estatal.

No caso sub judice, o interesse processual do Ministério Público provém de sua legitimidade para promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos, nos termos do artigo 83 inciso III da Lei Complementar nº 75 de 20 de maio de 1.993, enquanto a possibilidade jurídica das pretensões deduzidas na peça de ingresso encontram amparo no artigo 670 do Decreto-lei nº 1.608 de 18 de setembro de 1.939, mantido em vigor pelo artigo 1.218 do Código de Processo Civil, no artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho, na Lei 5.889 de 08 de junho de 1.973, e nas normas constitucionais insculpidas no artigo 5º incisos XIII, XX, XXIII, XXXV, e em seu parágrafo 2º, como também nos artigos 6º, 7º e 170 da Magna Carta, de forma que não se acolhe a carência de ação argüida pela quarta demandada.

Analisadas as preliminares suscitadas em contestação, passa-se a análise do

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JUNTA DE CONCILIAÇÃO E JULGAMENTO DE BEBEDOURO (SP),. Cooperativas rurais fraudulentas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. -1652, 23 dez. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16372. Acesso em: 28 mar. 2024.

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