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Cooperativas rurais fraudulentas

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M É R I T O

Cuida-se de ação civil pública objetivando a declaração de ilegalidade do uso de terceirização de mão-de-obra para a colheita de laranja pela primeira demandada, com sua condenação a abster-se de tal prática, provendo a mão-de-obra necessária à colheita em quaisquer de seus estabelecimentos ou filiais, nos moldes previstos na Consolidação das Leis do Trabalho e na Lei 5.589/73, cominando-lhe multa diária em caso de descumprimento do preceito contido na sentença, ou retardamento, além de declaração de inidoneidade das cooperativas requeridas, para o fornecimento de mão-de-obra.

Em defesa, sustenta-se a legalidade da terceirização da colheita de laranja, bem como a idoneidade das cooperativas para o fornecimento de mão-de-obra.

Da análise do conjunto probatório destes autos, conclui-se que a terceirização da colheita de laranja pela primeira requerida é ilegal, como também é ilegal a atuação das cooperativas requeridas na alocação de mão-de-obra para a colheita de laranja, denunciando, outrossim, os elementos de convicção destes autos, que as demandadas e os produtores rurais de laranja agem em conluio, objetivando fraudar direitos assegurados constitucionalmente aos trabalhadores rurais, conforme se passa a demonstrar.

ILICITUDE DO OBJETO DAS COOPERATIVAS DEMANDADAS

A lei 5.764 de 16 de dezembro de 1.971 não autoriza a criação de cooperativas que tenham por objeto o fornecimento de mão-de-obra a terceiros, destinada ao atendimento de serviços habituais do empreendimento, seja urbano ou rural, mesmo porque se contivesse tal previsão, estaria a mesma revogada pela Constituição Federal de 1.988, que elenca dentre os seus princípios programáticos , a busca do pleno emprego e a redução das desigualdades regionais e sociais (artigo 170 incisos VII e VIII), tendo assegurado a todos os brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, o direito de não serem compelidos a se associarem ou permanecerem associados (artigo 5º inciso XX), de forma que qualquer norma infraconstitucional que restrinja a liberdade de acesso a empregos, compelindo o trabalhador, de forma direta ou indireta, a se associar, para obter trabalho, não se coaduna com a norma fundamental insculpida no artigo 5º inciso XX da Constituição Federal, relevando notar que a busca do pleno emprego e o direito à liberdade de não se associar restariam seriamente comprometidos, para não dizer extintos, caso houvesse permissibilidade legal para a formação de cooperativas de trabalho com a finalidade de fornecer mão-de-obra destinada ao atendimento de atividades não eventuais do empreendimento rural ou urbano, pois bastaria ao empreendedor optar pela terceirização de toda a mão-de-obra necessária à consecução de seus fins sociais, através de cooperativas, para compelir os trabalhadores a se associarem e manterem-se associados, porque, como se sabe, a vontade do indivíduo no aspecto ora analisado sempre se curvará diante das necessidades da vida, sendo evidente que os empregos desapareceriam.

Obviamente não é este o tipo de cooperativismo incentivado pelo legislador no parágrafo 2º do artigo 174 da Constituição Federal, cujas disposições devem ser interpretadas em sintonia com as disposições contidas nos artigos 5º inciso XX e 170 inciso VIII, não oferecendo qualquer respaldo à situação jurídica das demandadas o disposto no artigo 5º inciso II e parágrafo único do artigo 170 da Magna Carta, tendo em vista que a autonomia da vontade e a liberdade negocial encontram limites nos direitos fundamentais do indivíduo e em princípios programáticos de nosso Estado democrático de direito, não sendo permitido compelir o trabalhador a associar-se ou a permanecer associado, tampouco impedir à concretização da busca do pleno emprego.

Oportuno ressaltar que o cooperativismo na esfera da prestação de serviços autônomos não afronta o disposto no artigo 5º inciso XX da Constituição Federal. Isto porque o trabalhador autônomo independe de estrutura organizacional de outrem para desenvolver o seu ofício, como por exemplo médicos, advogados, engenheiros, pedreiros, etc., eis que prestam serviços eventuais a uma clientela indeterminada, e quando se associam em cooperativas é efetivamente com o desejo de reunir esforços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, tal como preconiza o artigo 3º da Lei 5.764 de 16 de dezembro de 1.971: " Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro".

Necessário neste tópico fazer a distinção entre o trabalho eventual e o contínuo, eis que das razões supra expostas percebe-se que somente o trabalho eventual autoriza a criação de cooperativas de trabalho, objetivando o fornecimento de mão-de-obra dos associados a terceiros; caso contrário tipificar-se-á afronta ao artigo 5º inciso XX e 170 inciso VIII da Constituição Federal, conforme abordado linhas atrás nesta decisão.

Sabe-se que o trabalho eventual é aquele destinado a atender um evento, ou seja, um acontecimento imprevisível, como por exemplo o trabalho de um médico, de um pedreiro ou de um dentista em relação ao cliente pessoa física, que embora tenha sua preferência pelo profissional não sabe quando irá necessitar de seus serviços, da mesma forma que o médico ou o pedreiro após prestar o serviço e receber seus honorários ou o preço ajustado pela empreitada, não sabe quando o fará novamente ao mesmo cliente, não dependendo tais profissionais da doença ou do sinistro na casa desse cliente para prosseguir normalmente o exercício de sua profissão, razão pela qual o vínculo empregatício não se estabelece entre tais profissionais e o tomador de seus serviços, exceto quando se inserem de forma fixa em estrutura organizacional de terceiros na condição de empregados.

Já o trabalho contínuo que caracteriza a relação de emprego, é aquele presidido pela habitualidade dos serviços, tanto para o prestador como para o tomador, como ocorre nas atividades sazonais agrícolas, durante as quais o empreendedor rural sabe de antemão que necessitará de determinado contigente de trabalhadores para realizar a colheita, não se havendo confundir atividade sazonal com serviço eventual, a primeira previsível e habitual, o segundo imprevisível e esporádico, podendo ser afirmado com segurança que o trabalho do safrista não é autônomo, pois além de contínuo, subordinado e assalariado, finda a safra, ele não detém autonomia para prosseguir trabalhando, dependendo de novo emprego no meio rural, para prover a própria subsistência e de sua família. Se autônomas fossem as suas atividades profissionais, não se subordinariam à sazonalidade da atividade no empreendimento agrícola.

As declarações de Walter Ribeiro Porto, produtor de laranja, comprovam a subordinação jurídica dos colhedores de laranja, que tipifica a relação de emprego. Vejamos os seguintes tópicos do depoimento dessa testemunha, fls. 1428/1430:

"...anteriormente era a Cutrale quem procedia a colheita e de três anos para cá o depoente começou a colher por intermédio das cooperativas;"

"...na época das cooperativas é o depoente quem fiscaliza a colheita, inclusive, dando ordens, repreendendo o pessoal e inclusive pedindo substituição de algum colhedor;"

"...é o depoente que faz o pagamento para os colhedores, por intermédio da cooperativa;"

De tal depoimento conclui-se com certeza que o trabalhador rural que se ativa em safras é autêntico empregado, da mesma forma que o é, o trabalhador rural que se ativa durante todas as atividades do ano agrícola, à medida que se insere em estrutura organizacional do empreendedor rural, colocando a sua força de trabalho à disposição deste, de forma contínua durante o lapso temporal da colheita, mediante salário por unidade de obra.

As cooperativas demandadas, sem exceção, contêm dentre os seus objetos sociais, a contratação de tarefas de características rurais para os associados, conforme se constata da análise do artigo 2º alínea "a" de seus estatutos sociais juntos aos autos às fls. 713/735, 255/292 e 749/786, sendo certo que tarefas de características rurais abrangem qualquer tipo de prestação de serviços, inclusive contínuos e subordinados, o que encontra óbice na Constituição Federal. Haja vista os artigos 5º inciso XX e 170 inciso VIII.

Portanto, as cooperativas demandadas têm objeto ilícito, pois como já abordado nesta decisão, as sociedades cooperativas que objetivam aproximar o trabalhador do tomador de seus serviços, quando estes serviços forem contínuos e destinados ao atendimento de atividade habitual do empreendimento rural ou urbano, afrontam princípio programático e direito fundamental insculpidos em nossa Constituição Federal, quais sejam, a busca do pleno emprego (artigo 170 inciso VIII) e o direito assegurado a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no pais de não serem compelidos a associarem-se ou a permanecerem associados (artigo 5º inciso XX), considerando que tais cooperativas submetem aludidos direitos ao arbítrio da classe empresarial que, em optando pela terceirização de toda mão-de-obra necessária à consecução de seus fins sociais, através de cooperativas de trabalho, baniria os empregos, obrigando o trabalhador a se associar e permanecer associado para prover a própria subsistência, excluindo, naturalmente, do mercado de trabalho, aqueles que se opusessem à associação compulsória.

Consequentemente, revela-se equivocado o entendimento esposado pelas requeridas em defesa, sendo de se declarar a ilicitude do objeto das cooperativas demandadas, no que pertine à contratação da execução de quaisquer tarefas de características rurais pelos associados, com fulcro no artigo 5º inciso XX, 170 inciso VIII e artigo 60 & 4º inciso IV, todos da Constituição Federal, registrando-se que o livre exercício de atividade econômica e a autonomia da vontade resguardados no parágrafo único do artigo 170 e artigo 5º inciso II da Carta Política de 1.988, não autorizam a violação de outros princípios da ordem econômica e financeira, nem a violação de outros direitos e garantias fundamentais.

ATIVIDADE FIM DA PRIMEIRA REQUERIDA - SUCOCÍTRICO CUTRALE LTDA.

A teor do que dispõe o artigo 300 do Código Comercial, "O contrato de qualquer sociedade comercial só pode provar-se por escritura pública ou particular; salvo nos casos dos arts. 304 e 325. Nenhuma prova testemunhal será admitida contra e além do conteúdo no instrumento do contrato social."

Complementando aludido comando legal, o artigo 302 do mesmo código, em seu item "4", estabelece que " A escritura, ou seja pública ou particular, deve conter: 4. Designação específica do objeto da sociedade,....".

Excetuadas as normas legais supra, inexiste em nosso ordenamento jurídico outros dispositivos legais que possam alicerçar a conceituação da atividade fim da sociedade comercial, sendo oportuno registrar que aos órgãos jurisdicionais não compete criar conceitos sobre determinado instituto jurídico, olvidando o que dispõe a legislação pátria vigente.

Destarte, a atividade fim da sociedade comercial é aquela indicada em seu documento societário, conforme estabelece o artigo 302 item 4 do Código Comercial, mostrando-se imprópria a produção de outro tipo de prova, para revelar a atividade fim da primeira requerida, mormente porque não há nos autos impugnação ao seu documento societário, do qual se constata, dentre as suas atividades sociais, desde o ano de 1.990, " a agricultura e a pecuária em geral e a prestação de serviços correlatos (fls. 879/897, cláusula 2ª), além da produção, indústria, comércio, importação e exportação de produtos e sucos hortifrutícolas em geral, seus derivados, subprodutos e resíduos".

Acresce-se que a primeira requerida é proprietária de diversas fazendas, como demonstra o documento de fls. 879/897, nas quais explora atividade agrícola, especificamente a cultura de laranja, como declararam de forma categórica as testemunhas Rogério Visconti Vieira, Reinaldo Sanches e Eliseu Attilio Nonino, depreendendo-se do depoimento desta última que a primeira demandada é responsável por 30% (trinta por cento) da produção de laranja que abastece suas unidades industriais. Haja vista os seguintes tópicos dos depoimentos dessas testemunhas:

" o depoente trabalha na primeira ré desde 1.967, atualmente no departamento de logística e relacionamento com clientes;...cerca de 70% da laranja processada provém de terceiros;" - Eliseu Attilio Nonino, 1ª testemunha da 1ª requerida, à fls. 1445.

"... trabalha para a primeira desde agosto de 1.988, sendo que atualmente exerce a função de gerente de produção das fazendas próprias, lotado em Araraquara-SP;...em 1996 o depoente era gerente regional agrícola das fazendas da região de Bebedouro, lotado nesta cidade;" - Rogério Visconti Vieira, 1ª testemunha do juízo, à fl.1430.

"... o depoente trabalha para a Cutrale desde 10 de julho de 1.985, atualmente como supervisor agrícola;...nas propriedades da Cutrale os materiais de colheita continuam sendo dela própria;" - Reinaldo Sanches, 2ª testemunha do juízo, à fl. 1432.

Sabe-se que a colheita é um dos ciclos produtivos da cultura da laranja, de forma que se inclui dentre as atividades agrícolas da primeira demandada, a qual faltou com a verdade ao afirmar em sua contestação que apenas compra laranja já colhida, tendo em vista que produz 30% (trinta por cento) da laranja que abastece as suas unidades industriais, como se depreende do depoimento da testemunha Eliseu Attilio Nonino.

Destarte, são despiciendas maiores digressões sobre o assunto, para se afastar a alegação defensiva da primeira requerida de que a colheita de laranja (atividade agrícola) não se inclui dentre os seus fins sociais, uma vez que a prova documental de fls. 879/897, aliada à prova oral supra citada, elide de forma contundente tal alegação, revelando-se despropositadas as comparações entre as indústrias de autopeças e a fornecedora do aço plano (COSIPA), entre as indústrias de autopeças e as montadoras de veículos, tendo em vista ser notório que cada uma dessas empresas têm fins sociais distintos, devidamente explicitados em seus documentos societários, não se inserindo a fabricação de peças dentre as atividades sociais da COSIPA ou das montadoras de automóveis.

Do exposto, conclui-se que é ilícita a terceirização da mão-de-obra para a colheita de laranja pela primeira ré nas propriedades rurais onde desenvolve atividade agrícola relacionada à cultura de citrus, pois tal prática só pode ser admitida nas hipóteses expressamente estabelecidas em lei, ou seja, em se tratando de trabalho temporário e de vigilância, regulados pela Lei 6.019 de 03 de janeiro de 1.974 e 7.102 de 20 de junho de 1.983, respectivamente, sob pena de restarem frustrados direitos trabalhistas, inclusive erigidos à nível constitucional, como o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, valendo lembrar que se consagrou na jurisprudência, com a edição do enunciado 331 do Colendo T.S.T., a aplicação do artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho, para coibir expedientes engendrados com o escopo de obstar a aquisição de direitos pelos trabalhadores mediante a pulverização de categorias profissionais.

Oportuno registrar que a febre da classe empresarial com relação à "flexibilização" e "terceirização" não pode influenciar os órgãos jurisdicionais em suas decisões antes de tais institutos serem concretizados em lei, considerada esta a elaborada em consonância com a Constituição Federal, eis que a classe trabalhadora se opõe a tais inovações, de forma que o juiz não tem como presumir que atenderá às exigências do bem comum (art. 5º da Lei de Introdução do Código Civil) se admitir terceirização não prevista em lei, olvidando a ordem jurídico-trabalhista até então vigente.

De consequência, declara-se ilegal a terceirização de mão-de-obra pela primeira requerida, destinada à colheita de laranja, em todas as propriedades rurais onde desenvolve atividade agrícola, pessoalmente ou através de prepostos.

FIM ILÍCITO DAS COOPERATIVAS DEMANDADAS. ATIVIDADE AGRÍCOLA DA PRIMEIRA REQUERIDA EM PROPRIEDADES RURAIS DE TERCEIROS. APLICAÇÃO DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 442 DA CLT. SIMULAÇÃO FRAUDULENTA. MEIOS DE PROVA.

Na lição de WALMOR FRANKE em Direito das Sociedades Cooperativas, São Paulo, Saraiva, Editora da Universidade de São Paulo, 1973, pág. 15:

"É preciso distinguir entre o fim (causa final) da sociedade cooperativa e o seu objeto.

O fim da cooperativa é a prestação de serviços ao associado, para a melhoria do seu status econômico. A melhoria econômica do associado resulta do aumento de seus ingressos ou da redução de suas despesas, mediante a obtenção, através da cooperativa, de créditos ou meios de produção, de ocasiões de elaboração e venda de produtos, e a consecução de poupanças.

Objeto do empreendimento cooperativo é o ramo de sua atividade empresarial; é o meio pelo qual, no caso singular, a cooperativa procura alcançar o seu fim, ou seja, a melhoria da situação econômica do cooperado".

Da lição supra transcrita, conclui-se que a existência da sociedade cooperativa tem por fundamento a melhoria da situação econômica de seus associados, sendo ilícito o seu fim quando se verifica o contrário.

Sabe-se, porque notório e confirmado pelo preposto da primeira requerida em depoimento pessoal, que os colhedores de laranja desta região, até a safra do ano de 1.994, desenvolviam suas atividades laborais na condição de empregados de empresas prestadoras de serviços rurais, prática ilegal, mas tolerada, em virtude dessas empresas registrarem os trabalhadores, fornecendo-lhes transporte seguro para ida e regresso do trabalho, pagando-lhes os direitos trabalhistas assegurados em lei, tais como, descansos semanais remunerados, feriados, férias proporcionais com acréscimo de um terço, gratificação natalina proporcional, FGTS, dias não trabalhados em virtude de fatores alheios à vontade do empregado, licenças médicas, além de observarem os acordos e convenções coletivas da categoria profissional dos trabalhadores rurais, remunerando, inclusive, as horas in itinere, tendo se posicionado a jurisprudência no sentido de responsabilizar solidariamente ou subsidiariamente o tomador dos serviços em caso de inidoneidade financeira de tais empresas.

Com o advento das cooperativas de trabalho, criadas a partir de instrução emanada da Federação da Agricultura do Estado de São Paulo, como se vê do documento de fls. 71/72, a situação financeira dos colhedores de laranja, que a rigor deveria ser melhorada, em face do fim específico do cooperativismo, tornou-se lastimável, eis que desses laboristas foram suprimidos todos os direitos trabalhistas, sem qualquer compensação, embora a prestação de serviços tenha prosseguido presidida pela subordinação jurídica que caracteriza a relação de emprego. Além disso, esses trabalhadores foram compelidos com o tal cooperativismo a assumirem riscos da atividade econômica dos produtores rurais de laranja, pois passaram a custear o transporte deles mesmos para os locais de difícil acesso e não servidos por transporte público, sem receber o pagamento de horas despendidas no percurso; deixaram de receber o pagamento de repousos semanais, feriados, licenças médicas, além de não serem remunerados em dias nos quais a colheita é inviabilizada por intempéries ou suspensa pela indústria por razões técnicas, não tendo oferecido as sociedades cooperativas nenhum benefício que pudesse justificar tamanha abnegação dos trabalhadores rurais. Enfim, não há nos autos nenhum elemento que possa justificar a existência das cooperativas demandadas, ou seja, o seu fim lícito.

A prova oral amealhada nestes autos demonstra com clareza lapidar que os colhedores de laranja desta região foram compelidos a se associar em cooperativas diante da orquestrada supressão de empregos, e prestam serviços de forma juridicamente subordinada, sujeitando-se a ordens de serviço e ao cumprimento de horários, revelando-se autênticos empregados. Revelam, outrossim, as provas destes autos, que as cooperativas demandadas não passam de uma longa manus da primeira requerida, que, embora tenha celebrado contratos de compra e venda com os seus fornecedores prevendo a responsabilidade destes com a colheita da laranja, prosseguiu desenvolvendo tal atividade agrícola nas propriedades rurais deles, da mesma forma que o fazia quando seus contratos com os fornecedores previam a aquisição dos frutos na árvore, pois dirige os serviços dos colhedores de laranja, determinando quando e onde devem trabalhar, por intermédio das cooperativas demandadas, que atuam como meras prepostas, subordinadas que são à primeira requerida.

Vejamos a prova oral e documental que se segue, comprobatória de tal conclusão:

"...até a safra de 1994, havia empreiteiras de mão-de-obra que realizavam serviços de colheita...;

"...até 1994, eram as empreiteiras que realizavam a colheita das laranjas adquiridas pela primeira reclamada;"

...a primeira reclamada celebrava contratos, antes de 1.994, com as empreiteiras, para a realização de serviços de colheita; que a partir de 1.995, os serviços de colheita ficaram a cargo dos fornecedores." - Depoimento do preposto da 1ª requerida.

" o depoente é produtor de laranjas e faz seis anos que vende o produto para a Cutrale; que, anteriormente era a Cutrale quem procedia a colheita e de três anos para cá o depoente começou a colher por intermédio das cooperativas; que, as cooperativas vieram facilitar a colheita para os produtores, principalmente os pequenos, porque não havia como registrar o pessoal, dado que não era um serviço continuado; que, anteriormente os produtores preferiam o contrato de "fruta na árvore" porque não tinha condições de proceder à colheita; que, é a indústria quem verifica se a laranja está com "ratio" adequado, sendo que o depoente não pode proceder à colheita enquanto não é feito o exame no laboratório da indústria, porque se não a fruta não da o suco adequado; que, o depoente acha que os técnicos da Cutrale comparecem em cada pomar para verificar o "ratio" e aprovar a colheita, pois que isso sempre acontece no pomar do depoente; que, o depoente, assim como a maioria dos produtores, não tem caminhão para levar a laranja até a indústria; que, contratam as cooperativas, que inclusive conhece camioneiros e ajustam o frete; que, a remuneração do frete é paga pelo depoente; que, na época das cooperativas é o depoente quem fiscaliza a colheita, inclusive, dando ordens, repreendendo o pessoal e inclusive pedindo substituição de algum colhedor; que, anteriormente essa tarefa era da indústria; que o depoente foi procurado pela Cooperagri para a colheita de laranjas, não sabendo se a indicação procedeu de outro produtor ou "de algum elemento da Cutrale"; que, mais ou menos a indústria facilita o recebimento de laranjas em suas unidades; que, há adiantamento da quantia avençada no contrato, para o que não importa a quantidade de fruta fornecida ou mesmo o numerário a ser despendido no pagamento dos colhedores; que é o depoente quem faz o pagamento para os colhedores, por intermédio da cooperativa; que, a partir de quando a laranja está apta para a colheita, esta pode ser feita em até três meses, o que vai depender do fornecimento de caminhões e da capacidade de recebimento da indústria; que apesar da fiscalização do depoente há também um chefe ou fiscal da cooperativa; que, há necessidade de existir um encarregado da colheita, para determinação dos talhões a serem colhidos e fiscalização da turma;...o depoente fornece laranja apenas para a Cutrale" - Walter Ribeiro Porto, 1ª testemunha da 1ª requerida.

Esses depoimentos conduzem à indagações relevantes, como por exemplo, por que coincidentemente a colheita passou a ser de responsabilidade do produtor simultaneamente com o aparecimento das cooperativas de trabalho? Por que a colheita não é contínua para o produtor, se após aptos os frutos pode ser realizada em três meses e a venda é realizada na "porta da fábrica" ou "posta em caminhões", sendo irrelevante a qualidade dos frutos para a moagem, tendo em vista que o brix-ratio é obtido através de misturas na fábrica? Por que os trabalhadores rurais, pessoas extremamente humildes e necessitadas, seriam tão magnânimas a ponto de criarem cooperativas unicamente para facilitar a colheita aos produtores, renunciando aos direitos trabalhistas alcançados através de lutas históricas, sem qualquer compensação? Por que antes da existência das cooperativas os produtores não tinham condições de realizar a colheita, e depois delas passaram a tê-las, mesmo sendo fim precípuo de todas as cooperativas a melhoria das condições econômicas de seus associados? Por que as cooperativas ajustam fretes para transportar os frutos colhidos para a primeira reclamada, se os contratos são de "posta caminhão" ou "posta portão" (na primeira hipótese a cargo da 1ª requerida o transporte dos frutos, e na segunda a cargo do produtor), ou seja, por conta e a mando de quem a cooperativa se encarrega de resolver problemas de transporte do produtor ou da indústria? Por que o produtor fiscaliza a colheita, dando ordens, repreendendo o pessoal e inclusive solicitando a substituição de colhedores, se se apregoa a autonomia das cooperativas e de seus associados? Por que há necessidade de existir um encarregado da colheita integrante da cooperativa, se o produtor já fiscaliza a colheita e vende os frutos já colhidos no caminhão ou na porta da fábrica? Por que, além da fiscalização da colheita pelo próprio produtor rural, há associado da cooperativa que se investe na função de encarregado de colheita, determinando os talhões a serem colhidos e fiscalizando os serviços, adotando a posição de preposto da 1ª requerida, ou seja, de fiscal do produtor e dos serviços da própria cooperativa? Por que o produtor rural, ao ser procurado pela cooperativa, chega a supor que foi a mando da primeira requerida, quando ele pode realizar a colheita de forma autônoma? Por que a primeira requerida facilita o recebimento das laranjas colhidas pelas cooperativas e faz adiantamentos ao produtor por conta de frutos que ainda não foram entregues no caminhão ou na porta da fábrica?

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Tais indagações são respondidas por João Fanhani às fls.88/90, como também pela prova documental e oral colhidas nestes autos, que corroboram integralmente o depoimento de João Fanhani, não incluído tal depoimento dentre aqueles acusados de terem sido prestados sob coação. Aliás o seu teor não foi especificamente impugnado. Vejamos.

A coincidência da colheita de laranjas ter passado à responsabilidade do produtor rural simultaneamente com o aparecimento das cooperativas demandadas, ou seja, a partir da safra do ano de 1.995, deve-se obviamente à edição do parágrafo único do artigo 442 da CLT, e à circular 042/95 da Federação da Agricultura do Estado de São Paulo - fls. 71/72, que sugere a formação de cooperativas de trabalho, apontando para a vantagem de não formar vínculo de emprego com o tomador de serviços, de forma que a transformação das antigas empreiteiras em cooperativas pela primeira requerida proporcionou-lhe a comodidade de prosseguir comandando a colheita por intermédio das cooperativas, sem que os colhedores de laranja mantivessem vínculo de emprego com ela ou com os produtores rurais.

As declarações de João Fanhani - fls. 88/90 - demonstram claramente que as cooperativas de trabalho nesta região, na verdade, são as indústrias citricultoras que menciona transvestidas em sociedades cooperativas, haja vista, o seguinte tópico de seu depoimento, colhido aos 31 de julho de 1.996:

"...por volta de abril ou maio do ano passado, reuniram-se 30 empreiteiros de mão de obra, ou melhor, turmeiros, que trabalhavam para diversas indústrias da região (Cutrale, Cargil, Citrovita, Coimbra, dentre outras), e resolveram fundar a cooperativa; essa decisão foi tomada porque as indústrias disseram que só iam dar serviço através de cooperativas; que não iam mais registrar os apanhadores, carregadores, fiscais e turmeiros na colheita; essa decisão da indústria foi informada numa reunião realizada num barracão da Cutrale; quem informou a decisão foi um diretor da Cutrale que o declarante conhece pelo nome de Décio; que então foi proposta a fundação da cooperativa por uma pessoa conhecida como Gildo; que Gildo foi quem cuidou da documentação da cooperativa e hoje é seu administrador, recebendo 5% do faturamento; que essa reunião foi convocada pela Cutrale através de Décio; que trabalhou pra a Cutrale desde 78, só sendo registrado a partir de 1.984, na Servicat; por volta de 1990, passou a ser contratado pela Sercol; Sercol e Servicat eram empreiteiras a serviço da Cutrale; que quem mandava nos trabalhadores dessas empreiteiras eram os fiscais da Cutrale; os fiscais determinavam os pomares o tipo de laranja...no ano passado começou a trabalhar com a cooperativa , colhendo para a Cutrale, melhor dizendo, nos pomares em que a Cutrale determinava; que a indústria determina o tipo de laranja em função do grau de acidez, "rexo", (teor de doçura) e "Blits" (produtividade);...que sabe diferenciar a laranja pelos critérios da indústria por ter aprendido com os fiscais da Cutrale durante os anos em que trabalhou para a empresa;...que a cooperativa só trabalha com a safra da laranja, desativando-se na entressafra e reiniciando seus trabalhos no início da safra; não há nenhum tipo de atividade para os cooperados na entressafra;".

Esse depoimento revela também as razões que levaram os trabalhadores rurais que se ativam nas safras de laranja a serem tão desprendidos, renunciando a todos os direitos que lhes são assegurados nas leis trabalhistas, para se associarem em cooperativas, sem qualquer compensação, tendo em vista que a supressão dos empregos pelas indústrias, com a contratação exclusiva de associados de cooperativas, obriga, naturalmente, qualquer assalariado a se curvar ao sistema cooperativo imposto, sendo despida de idéia a fundamentação defensiva calcada na capacidade civil do trabalhador, considerando que o Código Civil é diploma legal editado anteriormente à Consolidação das Leis do Trabalho, e mesmo assim, esta última tratou de dispor sobre direitos irrenunciáveis do trabalhador, reconhecendo a sua incapacidade de manifestar livremente a vontade, isenta de vícios, diante da supremacia do poder econômico.

Da análise do depoimento de João Fanhani é possível encontrar respostas para todas as indagações decorrentes do depoimento da segunda testemunha da primeira requerida, especialmente por que antes da existência das cooperativas os produtores não tinham condições de realizar a colheita e depois passaram a tê-las, tornando-se, subitamente, conhecedores de seus mecanismos e com auto-suficiência financeira para custeá-la. Com efeito, sendo as cooperativas comandadas e administradas por pessoas, cujos nomes foram propostos pela primeira requerida, mantendo-se à frente dos serviços de colheita os antigos turmeiros das empreiteiras (nas cooperativas denominados coordenadores de equipe), conhecedores da variedade das frutas, bem como da forma de aferir sua maturação, a primeira requerida obteve condições de continuar dirigindo os serviços de colheita com os mesmos prepostos, sem ter que se preocupar com a inexperiência do fornecedor ou eventual solidariedade com as antigas empreiteiras nas ações trabalhistas, diante da inexistência de vínculo empregatício preconizada no parágrafo único do artigo 442 da CLT, entre a cooperativa e seus associados, e entre estes e os tomadores dos serviços, o que evidentemente proporcionou expressiva redução no preço da mão-de-obra, de forma que a alteração dos contratos com os fornecedores a partir da safra do ano de 1.995, ajustou-se como luva ao inovador sistema cooperativista, surgido logo após a sugestão da Federação da Agricultura do Estado de São Paulo, favorecendo indústrias, produtores, turmeiros que alugam seus ônibus à cooperativa, além de receberem comissão sobre a produção dos colhedores; e, sem dúvida alguma, favorecendo, expressivamente, as administradoras de cooperativas, que cobram pelos seus serviços nada menos que 5% do faturamento da sociedade, como revela a prova oral, sendo de se concluir que as cooperativas demandadas têm fim ilícito e imoral, pois se dedicam a mercancia de mão-de-obra de humildes trabalhadores rurais, em prol da primeira reclamada e de seus fornecedores, bem como de turmeiros e administradoras, lesando direitos desses trabalhadores, que se tornaram reféns de tais cooperativas, impedidos que estão de deixá-las, diante da supressão dos empregos. O expressivo número de trabalhadores associados às cooperativas possibilita dimensionar o número de empregos suprimidos nesta região, e a evidente imposição do sistema cooperativo aos trabalhadores para terem acesso ao trabalho.

Corroborando as declarações de João Fanhani, merecem destaque os depoimentos a seguir transcritos, que bem demonstram a subordinação das cooperativas demandadas à primeira requerida, como também a fraude perpetrada contra os direitos dos trabalhadores rurais, a partir de interpretação equivocada dada ao parágrafo único do artigo 442 da CLT, pela Federação da Agricultura do Estado de São Paulo. Vejamos.

"...trabalha para a primeira desde agosto de 1.988, sendo que atualmente exerce a função de gerente de produção de fazendas próprias;...o responsável pela colheita era o representante da cooperativa;...o supervisor de colheitas também acompanha a colheita em talhões predefinidos em contratos com as cooperativas;...no dia da entrevista a colheita de "grape fruit" estava paralisada porque a programação passada pelo depoente na semana anterior não poderia ser colhida, porque a indústria estava com excedente;...a indústria solicitou a paralisação;...todas as variedades de laranja depende de programação;...o pessoal da entrevista chegou às 7:30 horas, momento no qual os colhedores já haviam sido dispensados pelo depoente;...o depoente deixou o recado na portaria e os colhedores nem entraram;" - ROGÉRIO VISCONTI VIEIRA, 1ª TESTEMUNHA DO JUÍZO.

"...o depoente trabalha para a Cutrale desde 10/07/85, atualmente como supervisor agrícola;...o depoente recebe do seu supervisor a quantidade de caminhões a ser colhido em determinado dia e repassa para seu pessoal da cooperativa, indicando-lhes o talhão a ser colhido;" - REINALDO SANCHES, 2ª TESTEMUNHA DO JUÍZO.

"... o preço da Cutrale é invariável, variando apenas o preço pago às cooperativas porque "às vezes o empregado quer ganhar mais;" - WALTER RIBEIRO PORTO, 2ª TESTEMUNHA DA PRIMEIRA REQUERIDA.

"...a depoente trabalhou como colhedora de laranjas, tendo sido registrada pela empresa Sercol nas safras de 1991,1992,1993 e 1994, conforme anotações às fls. 12/16 de sua CTPS ora exibida;...na safra de 1995 a depoente "entrou" para a Cooperagri, segunda ré;...na safra de 1996 o turmeiro da cooperativa, Sr. Ezequiel Mateus, não permitiu que depoente trabalhasse por intermédio da mesma, porque ao final da safra anterior "procurou seus direitos trabalhistas";...o empreiteiro Ezequiel levou a documentação para os componentes da turma assinarem na fazenda Capim Verde, em Taquaral, dizendo aos mesmos que iriam ingressar na cooperativa e não haveria registro, sendo que iriam "ganha mais"; que, no entanto não receberam remuneração maior quando trabalharam pela cooperativa;...mesmo na época das cooperativas havia fiscais da Cutrale e das próprias cooperativas, que davam ordens de serviço e fixavam o horário de trabalho;...o ônibus era do próprio empreiteiro;...os colhedores precisavam estar no ponto " das 6:00 horas em diante", sendo que às 7:00 horas já estavam nas fazendas;...os colhedores não poderiam deliberar sobre horário de trabalho;...os fiscais da Cutrale compareciam na lavoura e conversavam somente com o empreiteiro, não sabendo a depoente o teor da conversa;...havia pessoas da cooperativa que também compareciam na lavoura, mas quem tomava conta da turma era apenas o turmeiro;...os serviços intermediados pelas cooperativas só existem durante a safra, ao final da qual os colhedores ficam "parados";...a negociação do preço por caixa de laranja não tinha participação dos colhedores, os quais apenas depois de estarem trabalhando, às vezes reivindicavam aumento de preço, o que não era atendido;...não somente a depoente foi "ameaçada" de não ter mais trabalho, mas também outras pessoas que ajuizaram ação trabalhista, tanto que algumas até desistiram da "queixa";...depois da coopersetra trabalhou na Cootrabe, coopercol e Coopermix sucessivamente;" - CLARA EUGÊNIA DE OLIVEIRA, 1ª TESTEMUNHA DOS AUTORES.

"a depoente trabalhou para a empresa Sercol nas safras de 1993 e 1994, conforme anotações contidas às fls. 12/13 de sua CTPS ora exibida;...por intermédio da empresa Sercol colhia laranjas em fazendas da Cutrale, como Capim Verde e Santa Alice, e em outras fazendas;...o empreiteiro Moacir, dois dias antes de iniciarem os trabalhos, compareceu no bairro para cadastramento da turma, sendo que depoente assinou a proposta de admissão a Cooperagri no ônibus do referido empreiteiro;...posteriormente trabalhou para a coopersetra,...sabe que o empreiteiro Moacir também trabalhava para a empresa Sercol, prestando serviços para a Cutrale;... que alteração na forma de fiscalização dos serviços pelos empreiteiros mudou para pior, sendo que na época das cooperativas os colhedores eram obrigados a trabalhar mais, sendo que se chegasse um caminhão na lavoura às 17:30 horas o empreiteiro e o pessoal da cooperativa obrigavam a turma a proceder à colheita;...o material de colheita (sacola e escadas) pertenciam a Cutrale, pois que havia inscrição no material;...os fiscais da Cutrale faziam as mudança de pomares a serem colhidos e inclusive efetuavam os pagamentos ao empreiteiro, que repassava aos colhedores;...se faltasse apenas não recebia pagamento, o que também ocorria quando estava doente;...na entressafra não houve serviços; que, sabe ler mais ou menos." - FÁTIMA DONIZETE RODRIGUES, SEGUNDA TESTEMUNHA DOS AUTORES.

" O depoente trabalha como empregado da segunda reclamada. O coordenador de equipe, o coordenador de campo e o presidente da cooperativa vão aos pomares para analisar as condições de colheita; essas pessoas definem se haverá ou não colheita e, em caso positivo, o preço a ser cobrado por caixa-peso (40.8 quilos); a cooperativa e a primeira reclamada celebraram contrato de prestação de serviços de colheita; a cooperativa possui onze mil cooperados, sendo que apenas mil/mil e quinhentos estão em atividade; somente trabalhadores que prestam serviços na citricultura são associados da cooperativa; colhedores, carregadores e coordenadores de equipe não recebem idêntica remuneração; a remuneração do coordenador de equipe é composta por uma porcentagem do valor cobrado pelas caixas de laranja colhidas pelos cooperados;...se o coordenador também é o proprietário do ônibus que transporta os trabalhadores, o coordenador também recebe um frete;...a cooperativa não fornece transporte aos trabalhadores que, por decisão própria, não trabalharem no mesmo horário cumprido pela equipe;" - DEPOIMENTO DO PREPOSTO DA SEGUNDA REQUERIDA.

"O depoente é presidente da terceira reclamada... nas propriedades da Cutrale, um representante dessa empresa indica ao depoente os pomares, os talhões e os tipos de laranja a serem colhidos; o depoente e o coordenador de equipe informam aos cooperados os serviços a ser executados; os cooperados não têm um horário específico, mas têm um horário "comercial" de trabalho; a cooperativa possui três mil cooperados, todos em atividade; alguns empregados da cooperativa, antes de serem admitidos, prestaram serviços a outras empreiteiras (empresas prestadoras de serviço); as assembléias são realizadas na sede da cooperativa. O depoente conhece a empresa Gercoop-Gerenciamento de Cooperativas; tal empresa ocupa-se da administração da cooperativa (parte burocrática); a Gercoop realiza os seguintes serviços: digitação da produção anotada nos apontamentos, serviços contábeis, processa a folha de pagamento e os respectivos cheques; a Gercoop recebe, a título de remuneração pelos serviços referidos, cinco por cento do valor da produção dos cooperados; o depoente atuou como supervisor de recursos humanos na área agrícola, quando laborou para a empresa Central Enérgica Moreno; a esposa do depoente e Vanderlei da Silva Neves são sócios da Gercoop; a Gercoop apenas gerencia uma cooperativa; a Gercoop localiza-se em Cajobi; as pessoas contratadas pela Gercoop trabalham na sede da cooperativa; o depoente nunca atuou como colhedor de laranja; o depoente é um dos fundadores da cooperativa; o depoente recebe, a título de remuneração, R$ 1.800,00 por mês, na safra ou entressafra da laranja;". - DEPOIMENTO DO PRESIDENTE DA TERCEIRA REQUERIDA.

" A depoente trabalha como secretária administrativa da cooperativa; a cooperativa e primeira reclamada celebraram contrato de prestação de serviços de colheita; a colheita foi contratada para ser realizada nas fazendas pertencentes à primeira reclamada; a cooperativa possui apontadores e coordenadores de equipe, que tomam conta da turma; colhedores, carregadores e coordenadores de equipe recebem remuneração por produção; O coordenador que transporta os trabalhadores também recebe um frete; estão associados à cooperativa aproximadamente dezenove mil cooperados, dos quais apenas dois mil estão em atividade; no final do exercício passado (1996), definiu-se em assembléia que as sobras seriam utilizadas na aquisição de materiais de colheita; os produtores, inclusive a Cutrale, emprestam à cooperativa os materiais necessários à colheita das laranjas;...não sabe dizer se a cooperativa presta algum serviço ao associado; existem na cooperativa associados que exercem a função de apontadores, conhecidos como fiscais;...a depoente não se recorda da remuneração mensal do presidente e demais diretores da cooperativa, mas sabe que tal remuneração foi fixada em assembléia." - DEPOIMENTO DA PREPOSTA DA QUARTA RECLAMADA.

Cotejando os depoimentos já transcritos nesta decisão, percebe-se que para os trabalhadores associados nas cooperativas, o coordenador de equipe que os conduzem em seu ônibus aos locais de trabalho, recebendo frete e comissão sobre a produção deles, é o mesmo indivíduo das antigas empresas de prestação de serviços, conhecido como "empreiteiro" ou "turmeiro", que cadastra os trabalhadores anualmente em seus bairros, para trabalharem na safra. Percebe-se, outrossim, que o apontador ou coordenador de campo das cooperativas demandadas, é o antigo fiscal das empresas prestadoras de serviços (feitor), indivíduos que os trabalhadores sempre acreditaram que fossem empregados da Cutrale, de forma que o fato desses trabalhadores não saberem informar ao certo quem é associado da cooperativa ou empregado da Cutrale, é perfeitamente compreensível, diante do imbróglio engendrado pela primeira requerida, seus empreiteiros, fiscais, e produtores rurais de laranja, para impor no meio rural esse esdrúxulo sistema cooperativo.

Constata-se dos depoimentos em análise, a ilicitude e a imoralidade do fim das cooperativas demandadas, pois como ensina Valmor Franke, em Direito das Sociedades Cooperativas, São Paulo, Saraiva, Ed. Da Universidade de São Paulo, 1973, pág. 18, "Se na obtenção ou colocação das prestações, a cooperativa atuasse de forma diversa da acima exposta; se, ao colocar uma prestação, ela tentasse reduzir , em detrimento dos cooperados, o valor que lhes deve ser retornado; se ela procurasse aumentar ao máximo os custos operacionais, a serem levados à conta de seus membros, estaria tal proceder em contradição com o caráter de um "empreendimento-membro", e verificar-se-ia o caso de um empreendimento autônomo, preocupado com a realização de lucros. Criar um empreendimento cooperativo, para que o mesmo se enriqueça à custa dos cooperados seria, na observação de Henzler, um fato anormal, sem correspondência com a verdadeira natureza da cooperativa" 31.

Entretanto, a prova oral denuncia que as cooperativas demandadas reduziram significativamente os ganhos dos trabalhadores rurais, aumentaram os custos operacionais da sociedade em evidente favorecimento aos coordenadores de equipe, antigos empreiteiros, alugando seus ônibus e remunerando-os com comissão sobre a produção dos colhedores; favorecendo as administradoras ao remunerar seus serviços com o percentual de 5% (cinco por cento) do faturamento da cooperativa; favorecendo aos presidentes das entidades, como o da terceira requerida, que confessou o recebimento de R$ 1.800,00 (mil e oitocentos reais) de remuneração mensal, tanto na safra quanto na entressafra, enquanto os colhedores de laranja não auferem sequer um terço desse valor a titulo de remuneração mensal, como se constata da análise de recibos juntos aos autos, além de ficarem sem quaisquer rendimentos na entressafra. Favoreceram, outrossim, a primeira requerida e produtores rurais, à medida que ambos se viram liberados de riscos inerentes à atividade econômica que desenvolvem, considerando que os trabalhadores rurais associados em cooperativas passaram a custeá-los, merecendo ser citado, como exemplo, a suspensão da colheita por ordem da primeira requerida, conforme declarou a 1ª testemunha do juízo, "...no dia da entrevista a colheita de "grape fruit" estava paralisada porque a programação passada pelo depoente na semana anterior não poderia ser colhida, porque a indústria estava com excedente;...a indústria solicitou a paralisação;...o pessoal da entrevista chegou às 7:30 horas, momento no qual os colhedores já haviam sido dispensados pelo depoente;". Nesse dia os trabalhadores se deslocaram até o local da prestação de serviços, arcando com o pagamento de frete, sem receber remuneração. Vale dizer, custeando risco da atividade econômica da primeira requerida, quando a esta última competia assumi-lo, pois foi ela quem determinou a suspensão dos serviços, sendo certo que o labor dos associados das cooperativas não pode ser denominado de atividade econômica, diante do caráter subordinado e assalariado da prestação de serviços, sem qualquer organização empresarial.

Conclui-se, portanto, diante do conjunto probatório destes autos, que as cooperativas demandadas e seus associados são subordinados à primeira requerida. As cooperativas atuam como meras prepostas da primeira requerida através dos denominados coordenadores de equipe (antigos empreiteiros) e apontadores ou coordenadores de campo (antigos fiscais ou feitores), sendo os presidentes dessas cooperativas, pessoas que ocupam de forma simbólica o cargo, pois, na realidade, presidem apenas os interesses da primeira requerida, de seus fornecedores, ex-empreiteiros, atualmente coordenadores de equipe, e seus próprios interesses, como fez o presidente da terceira requerida, que contratou a administradora "Gercoop", que tem como sócia a sua mulher.

Oportuno salientar que a criação desses entes pseudo cooperativos veio alicerçada em interesse ilegítimo da classe patronal, qual seja, a supressão do contrato de trabalho nas épocas de safra, com a conseqüente exoneração das responsabilidades trabalhistas e sociais, conforme se constata da circular nº 042/95, editada pela Federação da Agricultura do Estado de São Paulo (doc. fl. 71), relevando notar que as cooperativas demandadas, todas "singulares", não demonstraram nos autos a prestação de quaisquer serviços diretos aos seus associados, como estabelece o artigo 7º da Lei 5.764/71 - "As cooperativas singulares se caracterizam pela prestação direta de serviços aos associados"- nem poderiam fazê-lo, à medida que o conjunto probatório indica a total ausência de organização empresarial dessas cooperativas, que no mínimo deveriam viabilizar exame médico dos associados, a fim de avaliar suas condições físicas, pois seres humanos não podem ser arrebanhados como animais para o trabalho, devendo ser registrado que o fato da primeira requerida ser filiada à Federação da Indústria do Estado de São Paulo, não faz presumir que tenha sido esquecida pela Federação da Agricultura do Estado de São Paulo, tendo em vista que é pujante produtora rural.

Se não bastasse a ilicitude do objeto das cooperativas demandadas, declarada em item próprio desta decisão, a ilegalidade e imoralidade do fim colimado pelas mesmas estão estampadas nos autos, conforme se constata do supra exposto e fundamentado, podendo-se afirmar que tais cooperativas passam a milhas do sistema cooperativista, eis que são incapazes de otimizar a situação econômica de seus associados, mostrando-se ilícito o fim a que se dedicam efetivamente, qual seja, reduzir preço de mão-de-obra, favorecendo terceiros em detrimento de direitos dos trabalhadores rurais, mediante simulação fraudulenta.

Por outro lado, embora a primeira requerida possa adequar o brix-ratio da matéria prima que utiliza na fabricação de suco de laranja mediante procedimentos laboratoriais, conforme demonstram os documentos de fls. 1408/1412, 1452/1460 e 1680/1688, tal prova documental restou ilidida pela prova oral produzida nos autos, que demonstra, tal qual alegado na preambular, que a primeira requerida agia de forma diversa, eis que a colheita dos frutos cítricos a ela destinados desenvolvia-se sob o seu poder diretivo, de forma a se harmonizar com a programação da produção industrial para exportação, revelando, outrossim, a prova oral, a inviabilidade da colheita dos frutos de forma autônoma e desvinculada da produção industrial. Haja vista os depoimentos a seguir transcritos:

"...o depoente trabalha na primeira ré desde 1967, atualmente no departamento de logística e relacionamento com clientes; que as funções primordiais do referido departamento é verificar o desejo e a satisfação dos clientes, bem como prestação de assistência técnica;...que o departamento é responsável pelo planejamento global da safra e respectiva programação das atividades da indústria; que desde a florada, de agosto a outubro de cada ano, até o estágio ideal de maturação da laranja, o que ocorre cerca de dez meses após, há um acompanhamento por parte da indústria, por amostragem, aos pomares de clientes e da própria Cutrale; que é a indústria quem define quando ocorre o estágio ideal de maturação da laranja, como relação brix:ácido, coloração. teor total de sólidos solúveis, para que a laranja se torne apta à fabricação de suco; que até duas semanas antes da própria colheita pode haver exame laboratorial por parte da indústria para constatar o estágio ideal de maturação, sendo que então é liberado o recebimento de determinada região;... o depoente trata com clientes de toda Europa, da América do Norte e Latina e também da Asia; que, há característica para que o produto seja aceito no EUA, tais como brix entre 20 e 66,9 graus, relação entre brix-acidez mínimo 11 máximo 18, cor mínima 36 USTA escore, sabor mínimo 37;...em resumo cada país ou comunidade tem características próprias;" - ELISEU ATTÍLIO NONINO, 1ª TESTEMUNHA DA 1ª REQUERIDA.

"... é produtor de laranjas e faz seis anos que vende o produto para a Cutrale; é a indústria quem verifica se a laranja está com "ratio" adequado, sendo que o depoente não pode proceder à colheita enquanto não é feito o exame no laboratório da indústria, porque se não a fruta não da o suco adequado;... apesar da fiscalização do depoente há necessidade de existir um encarregado de colheita, para determinação dos talhões a serem colhidos...o depoente fornece laranja apenas para a Cutrale;... cada talhão de laranjas é de determinada qualidade, sendo que quando a indústria libera a colheita é para determinada variedade;" - WALTER RIBEIRO PORTO, 2ª testemunha da 1ª requerida.

"...trabalha para a primeira desde agosto de 1.988,...inquirido sobre a pergunta de como a indústria teria garantia de que a fruta seria colhida de acordo com a amostragem (fl. 1363) o depoente diz que a análise laboratorial é feita de março até o final da safra, apenas para verificação do período de maturação; que, os encarregados de colheita e supervisores de colheita são empregados das fazendas, sendo que dentre as suas funções se encontra a de indicar os talhões a serem colhidos e acompanhar a referida colheita;... o supervisor de colheita também acompanha a colheita em talhões pré-definidos em contratos com as cooperativas;...no dia da entrevista a colheita de "grape fruit" estava paralisada porque a programação passada pelo depoente na semana anterior não poderia ser colhida, porque a indústria estava com excedente; que, a indústria solicitou a paralisação;...o pessoal da entrevista chegou às 7:30 horas, momento no qual os colhedores já haviam sido dispensados pelo depoente;" - ROGÉRIO VISCONTI VIEIRA, 1ª TESTEMUNHA DO JUÍZO.

Ora, como se explica o fato da primeira requerida dispensar os colhedores, se não detém qualquer poder de comando sobre os serviços de colheita, e se não há necessidade desta última se harmonizar com a produção industrial, conforme as necessidades de matéria prima específica.

Assim, mostram-se inócuos em face dos laboristas, os contratos celebrados pela primeira requerida e seus fornecedores, quando estes últimos não assumem as responsabilidades trabalhistas decorrentes do pacto laboral, porquanto tais contratos se prestam apenas a ocultar uma situação de fato, em prejuízo da classe trabalhadora, devendo, responder, solidariamente, a primeira requerida e seus fornecedores pelos danos perpetrados aos direitos dos trabalhadores, diante do que dispõe o artigo 1518 do Código Civil, ou seja, são solidariamente responsáveis pelos danos decorrentes de violação de direitos todos os autores da ofensa, não se podendo negar que tanto o produtor de laranja ao assumir os encargos da colheita perante a primeira requerida, como esta última ao dirigir a prestação de serviços dos colhedores de laranja, inclusive dispensado-os quando lhe convém, são responsáveis pela violação dos direitos constitucionalmente assegurados aos trabalhadores rurais.

Consequentemente, considerar-se-á atividade fim da primeira requerida, para efeito deste julgado, a colheita de laranja em todas as suas propriedades rurais e nos pomares de seus fornecedores que não procederem ao registro do contrato de trabalho na CTPS dos colhedores de laranja.

De outra parte, vale lembrar que age em fraude à lei, a pessoa que, para burlar norma cogente, usa de expediente aparentemente lícito, alterando, deliberadamente, uma situação de fato, para se furtar à incidência da lei.

Portanto, o real empregador, assim considerado aquele que dirige a prestação de serviços, sendo beneficiário da mesma, ao utilizar-se de interposta pessoa para contratar a mão-de-obra, pratica a denominada simulação fraudulenta, pois é evidente a sua intenção de colocar-se, simuladamente, numa posição em que a lei trabalhista não o atinja, furtando-se, dessa forma, aos seus efeitos.

A utilização, nessa hipótese, do falso contrato de prestação de serviços com terceiros, destinado a ocultar a relação de emprego e subtrair a aplicação da lei trabalhista, tipifica a hipótese contida no artigo 102, inciso II, do Código Civil, sendo írrito tal expediente.

Pode-se dizer, portanto, que a cominação preconizada no artigo 9º da CLT, incidirá em todos os casos concretos nos quais se constatar a intermediação de mão-de-obra para atender a atividade habitual do tomador de serviços, pois a Lei 8.949 de 09 de dezembro de 1.994, que introduziu ao artigo 442 da CLT o seu parágrafo único, não revogou os demais preceitos consolidados, especialmente o artigo 9º da CLT, como também nenhum dispositivo da Lei 5.889 de 08 de junho de 1973; tampouco pretendeu o legislador ordinário editar norma que viesse a afrontar princípios constitucionais que regem a ordem econômica e social do país e direito fundamental assegurado na Constituição Federal.

Releva notar que a literalidade do parágrafo único do artigo 442 da C.L.T., leva à conclusão de que, revestindo-se o fornecedor de serviços da forma de sociedade cooperativa, em hipótese alguma a prestação de serviços poderia gerar vínculo de emprego entre a Cooperativa e o Cooperado, nem entre este e os tomadores de serviço.

Tal interpretação é simplista, não se revestindo da necessária metodologia científica de interpretação das normas jurídicas, uma vez que o legislador edita normas jurídicas abstratas, sem antever eventual simulação pelos destinatários dela, competindo ao aplicador da lei, em face do caso concreto, harmonizar a norma sujeita à exegese, com outras do mesmo repositório e, especialmente, com as disposições constitucionais que regem a espécie em exame, sem perder de vista os princípios essenciais do direito específico.

Ensina Carlos Maximiliano, in Hermenêutica e Aplicação do Direito, 13ª edição, Forense, R.J., 1993, pág. 128, que O Direito objetivo não é um conglomerado caótico de preceitos; constitui vasta unidade, organismo regular, sistema, conjunto harmônico de normas coordenadas, em interdependência metódica, embora fixada cada uma em seu lugar próprio.

Por sua vez, Américo Plá Rodriguez, in Princípios de Direito do Trabalho, tradução de Wagner D. Giglio, 3ª tiragem, LTr, SP, 1994, pág. 11, traduz, em sua obra, com muita propriedade, a lição de José Antônio Vasquez: Não basta que o jurista do trabalho aborde a realidade sem os preconceitos idealistas do velho direito, para sua interpretação, precisa armar-se de uma teoria universal do direito e deduzir em sua integração os princípios essenciais do Direito do Trabalho, os quais devem presidir todas as suas soluções, isentas de vacilações e obscuridade.

A cosmovisão do Direito do Trabalho conduz à ilação de que o mesmo tem, por escopo, aparar desigualdades entre o capital e o trabalho, estabelecendo regras que coloquem os envolvidos no processo produtivo em condições moralmente aceitáveis, de maneira que se promova a livre iniciativa dos povos, sem que haja o aviltamento do trabalhador dentro do processo produtivo, em face da supremacia do poder econômico, uma vez que a valorização da pessoa humana e o princípio de que o trabalho não é mercadoria, mas sim, forma de crescimento moral, intelectual e espiritual do homem em busca do bem comum, espelha anseio da humanidade, que ultrapassou fronteiras, rompeu séculos e, a cada dia, está mais presente no coração dos povos.

Revela isso o desejo de uniformidade do direito positivo, com caráter geral, no plano das nações: meta que vem sendo perseguida pela Organização Internacional do Trabalho desde a sua criação, haja vista o preâmbulo de sua Constituição:

A paz universal e permanente só pode basear-se na justiça social; existem condições de trabalho que implicam tal grau de injustiça, miséria e privações para grande número de seres humanos, que o descontentamento causado constitui uma ameaça à paz e harmonia universais, sendo urgente melhorar essas condições (Extraído de Direito Internacional do Trabalho, Arnaldo Süssekind, 2ª edição, LTr, 1987, pág. 27).

O ordenamento jurídico pátrio não destoa do contexto mundial, uma vez que a nossa ordem econômica e financeira se funda na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, visando assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, elencando, dentre os seus princípios programáticos, a busca do pleno emprego e a redução das desigualdades regionais e sociais, haja vista o artigo 170, da Carta Política do ano de 1988.

Como se não bastasse, o legislador constituinte elencou, no artigo 7º da Magna Carta, direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, salientando que a enumeração contida nesse dispositivo não obsta a aplicação de outros direitos que visem à melhoria da condição social do trabalhador, o que traduz a recepção da lei 5.889/73 pela Constituição Federal de 1988.

Dessa forma, a interpretação de qualquer norma infraconstitucional deve harmonizar-se com esses princípios constitucionais, eis que a lei emana da consciência jurídica nacional, não se podendo interpretar o direito como obra individual e arbitrária de um homem ou de um grupo reduzido.

No caso em análise, a interpretação que as rés pretendem que se dê ao parágrafo único do artigo 442 da CLT, ou seja , que, com o advento da lei 8.949/94, desapareceram óbices à terceirização, desde que a intermediadora de mão-de-obra revista a forma de sociedade cooperativa, além de afrontar princípios que inspiram o direito do trabalho, colide frontalmente com os princípios constitucionais que regem a ordem econômica e financeira de nossa República Federativa. Vejamos.

A teor do que dispõe o caput do artigo 442 da CLT, a existência de uma relação de emprego depende da situação real em que se ache colocado o trabalhador em relação ao beneficiário de seus serviços, sendo irrelevante o que pactuaram, se as estipulações do contrato não corresponderem à realidade.

Vale dizer, no direito do trabalho prevalece sempre o princípio da primazia da realidade, carecendo de qualquer valor jurídico expedientes engendrados com o escopo de ocultar a relação de emprego, mesmo que tais expedientes estejam acobertados por aparente legalidade, à medida que, como já salientado anteriormente, o artigo 9º da CLT comina a nulidade a todos os atos simulados tendentes a obstar a aplicação das leis de proteção ao trabalho.

Não é diferente quando a intermediação de mão-de-obra é feita através de sociedades cooperativas, pois estas não estão imunes à incidência de normas legais cogentes, que reprimem a simulação fraudulenta e a má-fé de um modo geral.

Por isso, o fornecimento de mão-de-obra através de sociedades cooperativas não pode destinar-se ao atendimento de atividade habitual do tomador de serviços, sob pena de se consagrar a simulação fraudulenta, pois bastaria ao empregador terceirizar, através de cooperativas, toda a mão-de-obra necessária à consecução de seus fins sociais, para se isentar de todos os encargos trabalhistas e sociais, além de se isentar também dos riscos de atividade econômica que, nos termos do artigo 2º da Consolidação das Leis Trabalho, correm à conta exclusiva do empregador, dele não participando o empregado. Tanto assim, que o legislador constituinte elencou, dentre os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais (artigo 7º), além de outros que visem a melhoria de sua condição social, a irredutibilidade salarial.

No caso em exame, como exaustivamente salientado nesta decisão, a colheita de laranja, como um dos ciclos produtivos da cultura de laranja, inclui-se dentre os fins sociais da primeira requerida, considerando que ela explora atividade agrícola relacionada à cultura de laranja em suas fazendas, além de atrair para si o poder diretivo dos serviços de colheita nas propriedades rurais de seus fornecedores, sendo solidariamente responsável com estes últimos por eventual lesão aos direitos dos trabalhadores.

Consequentemente, a intermediação de mão-de-obra para a colheita de laranja, seja através dos denominados empreiteiros ou empresas prestadoras de serviços rurais, seja através de cooperativas, é ilegal, em função de ocultar o real empregador, subtraindo-se dos trabalhadores direitos mínimos que lhe são assegurados na Constituição Federal, na Consolidação das Leis do Trabalho, em normas coletivas e demais leis federais de proteção ao trabalho, além de concorrer para a criação dos chamados subempregos, que nada mais são que postos de trabalho nos quais se verifica a desvalorização da pessoa e do trabalho humanos, com a submissão do trabalhador a condições existenciais indignas, o que se afasta dos comandos preconizados no artigo 170 da Constituição Federal, devendo se aplicar o artigo 9º da CLT e o enunciado 331-I do Colendo T.S.T., este vertido nos termos que se seguem:

"A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019 de 03/01/74)".

Pensadores incautos apregoam que tal posicionamento jurisprudencial espelha o retrocesso, porque, no momento atual, o que importa aos trabalhadores é o trabalho e não o emprego, esquecendo-se de que o programa constitucional de nosso Estado de Direito é a busca do pleno emprego, e não do pleno trabalho, melhor ajustando-se esta última meta aos regimes escravocratas.

Sabe-se que as entidades sindicais de classe não detêm competência para legislar, de forma que a cláusula nona da Convenção Coletiva referida em contestação pela primeira demandada, se entendida como autorizadora da intermediação de mão-de-obra rural, é írrita, pois no sistema regulamentado das relações de trabalho, adotado pelo Brasil, os direitos mínimos de proteção ao trabalho são especificados na legislação, de forma que as convenções e acordos coletivos são válidos somente quando ampliam direitos e garantias, partindo do mínimo já estabelecido em Lei.

Acresça-se ao já exposto que não se vislumbra hipótese de incidência do parágrafo único do artigo 442 da CLT ao trabalho rural, à medida que a execução do mesmo se realiza por conta do empreendedor rural ou de prepostos seus, destinando-se, sempre, ao atendimento da atividade-fim do empreendimento, o que revela vínculo de emprego nos termos dos artigos 2º e 3º da Lei 5.889/73, a qual regula as relações de trabalho rural, sendo certo que a Lei 8.949/94, que introduziu o parágrafo único ao artigo 442 da CLT, estabelecendo disposições gerais a par das já existentes, não contém nenhuma referência à revogação de dispositivos da Lei 5.889/73, que ensejasse a aplicação do parágrafo 1º do artigo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, sendo certo que nenhum Decreto revoga Lei, no particular, o art. 1º da Lei 5.889/73 pelo Decreto nº 73.626/74.

Por outro lado, em seu artigo 17, a Lei 5.889/73 estende a todos os trabalhadores rurais, mesmo que não compreendidos na definição de empregado, os benefícios que preconiza, desde que prestem serviços a pessoa física ou jurídica que explore atividade agroeconômica, em caráter permanente ou temporário, diretamente ou através de prepostos.

Há, portanto, evidente incompatibilidade entre o parágrafo único do artigo 442 da C.L.T., com as disposições contidas na Lei 5.889/73, devendo, assim, em relação ao trabalho rural, prevalecer esta última que, no caput do seu artigo 1º, prevê a aplicação dos preceitos consolidados ao trabalho rural, unicamente quando estes não colidirem com suas próprias disposições.

Isto não quer dizer que os trabalhadores rurais estejam impedidos de se associarem em Cooperativas para exploração da terra por conta própria, dela retirando bens dos quais possam dispor da forma que melhor lhes aprouver, pois, em tal hipótese, estar-se-á diante do verdadeiro trabalho rural cooperativado, decursivo da "affectio societatis", o qual mereceu referência pelo legislador constituinte no artigo 174, parágrafo 2º da Constituição Federal, devendo se aplicar nesse caso a Lei que rege o cooperativismo, especialmente o seu art. 90, da mesma forma que se aplica ao trabalhador urbano.

Em casos outros, nos quais os obreiros trabalhem na terra por conta alheia, sem retirar dela bens "in natura" decorrentes do próprio trabalho, ou, se retirando, não podem deles dispor livremente, estar-se-á diante de uma simulação de Cooperativa, ou mais precisamente, diante da intermediação e exploração ilegal de mão-de-obra, o que encontra óbice não só na Lei 5.889/73 e no caput do artigo 7º da Constituição Federal, mas também nos princípios protetivos que regem o direito laboral.

Conforme já salientado nesta decisão, o direito do trabalho é presidido pelo princípio da primazia da realidade, devendo ser lembrado que andou mal o legislador, se, ao editar o parágrafo único do artigo 442 da CLT, sua intenção foi desregrar as relações de trabalho, estabelecendo a terceirização em larga escala, tendo em vista que valeu-se de Lei Ordinária, a qual não tem o condão de revogar disposições constitucionais, não competindo ao poder judiciário suprimir direitos assegurados constitucionalmente à classe trabalhadora em homenagem à globalização da economia ou outro fator econômico, sem que o legislador o faça em primeiro lugar, de forma clara e legítima, observando os limites do poder constituinte derivado (artigo 60 & 4º e incisos da Constituição Federal).

Diante do exposto, conclui-se que há óbices legais a intermediação de mão-de-obra rural, mormente quando há elementos de convicção nos autos que demonstram a existência de simulação fraudulenta, praticada com o desiderato de ocultar a relação de emprego, propiciando a sonegação de encargos trabalhistas e sociais, legalmente exigíveis por trabalhadores e pelo Estado, respectivamente, não oferecendo qualquer respaldo à situação jurídica das rés, o disposto no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal.

Da mesma forma, a norma inserta no artigo 5º, inciso XVIII da Magna Carta, não suprime o direito de ação previsto constitucionalmente, nem confere soberania às associações e cooperativas, tornando-as intocáveis perante o ordenamento jurídico.

Diante das conclusões extraídas do conjunto probatório, faz-se oportuno anotar a lição de Moacir Amaral Santos, para quem " A simulação, assim como a fraude, o dolo, os atos de má-fé em geral, que invalidam os contratos, dificilmente poderão ser provados pelos meios comuns subministrados pelas provas baseadas na percepção e na representação. Antes, as presunções e indícios, que figuram entre as chamadas provas críticas, é que são específicos para surpreender tais vícios".("Prova Judiciária no Cível e no Comercial", V/458, apud RTJ 70:170).

No mesmo sentido o magistério de Jorge Americano ("Comentários ao Código de Processo Civil", vol. I, obs. art. 252, "apud" RJTJESP - Lex 133:41):

" É assentado pelos tratadistas que, em matéria de fraude, e, em geral, quanto à prova de todo ato em que se procura iludir a outrem, admite-se, como de grande relevo, não a prova incisiva, mas a certeza inferida de indícios e circunstâncias. Por isso mesmo que o ato é rodeado das máximas cautelas para não ser conhecido ou para ser interpretado sob prisma diverso do verdadeiro, o processo de investigação e julgamento deve ser livre de entraves dos preceitos formais, que só serviriam para que o dolo ficasse encoberto".

Idêntico posicionamento assumem juristas de escol (CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA, Instituições de Direito Civil 3ª edição, Forense, RJ, 1971, pág. 318; WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, Curso de Direito Civil, Parte Geral, 5ª ed. Saraiva, SP, 1977, pág. 221; MOACIR AMARAL SANTOS, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, 5ª edição, Saraiva, SP, 1977, vol. II, p.442).

Referida doutrina encontra repercussão na jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal Federal, de onde se extrai o julgado abaixo colacionado, relatado pelo Ministro ALIOMAR BALEEIRO:

"A prova indiciária sobre que assentam as presunções é de grande utilidade e aplicação no deslinde das questões presas às argüições de simulação, dolo, fraude e outras mistificações praticadas contra a boa-fé, e é, por essa razão, que a lei em sua função protetora da seriedade dos atos jurídicos admite a provas das alegações por indícios e circunstâncias (Pr. Civ., art. 252) e consagra no art. 253 do C. Pr. Civ. a livre apreciação do juiz, sobre os indícios, levando em consideração a natureza do negócio, a verossimilhança dos fatos e até a reputação dos indiciados...

O dolo, a fraude, a simulação não podem prevalecer sobre a boa-fé e a Justiça não deve acobertar os estelionatários civis" (RTJ 70:168).

Destarte, as provas existentes nestes autos comprovam as alegações contidas na petição inicial, à medida que não se limitaram a indícios, circunstâncias e presunções, mas à efetiva comprovação dos fatos narrados pelos autores na preambular, sendo de se declarar a procedência da ação, inclusive no que pertine a multa diária para o caso de mora ou inadimplemento, expressamente prevista no artigo 11 da Lei 7.347/85, postulada em valor compatível com os graves prejuízos causados à ordem jurídica trabalhista pelas demandadas, registrando-se que a sua reversão ao Fundo de Amparo ao Trabalhador encontra amparo no Inciso II do artigo 11 da Lei 7.998 de 11 de janeiro de 1.990, considerando que o contribuinte a que se refere tal preceito é o empregador, podendo as multas fixadas judicialmente serem equiparadas a encargos decorrentes de inadimplemento de obrigações.


Isso posto, a Junta de Conciliação e Julgamento de Bebedouro-SP, à unanimidade, julga PROCEDENTE a Ação Civil Pública promovida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, através da Procuradoria Regional do Trabalho da Décima Quinta Região, e MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, através da Procuradoria da República em Ribeirão Preto, em face de SUCOCÍTRICO CUTRALE LTDA, COOPERATIVA DE TRABALHO DOS TRABALHADORES RURAIS DE BEBEDOURO E REGIÃO LTDA - COOPERAGRI, COOPERATIVA DE SERVIÇOS DOS TRABALHADORES RURAIS E URBANOS AUTÔNOMOS LTDA - COOPERSETRA, e COOPERATIVA DE TRABALHO DOS TRABALHADORES RURAIS E AFINS DE ARARAQUARA E REGIÃO LTDA - COOPERTRARA, a fim de, pronunciando a inidoneidade das cooperativas demandadas para o fornecimento de mão-de-obra, e a ilegalidade da terceirização da atividade-fim relacionada à colheita de laranja pela primeira requerida SUCOCÍTRICO CUTRALE LTDA, condená-la a se abster, definitivamente, de tal prática, provendo a mão-de-obra necessária à colheita dos frutos, com vínculo direto dos trabalhadores aos seus quadros funcionais, nos moldes previstos na Consolidação das Leis do Trabalho e na Lei 5.889/73, em quaisquer de seus estabelecimentos ou filiais, conforme acolhido na fundamentação supra, que fica fazendo parte integrante deste decisum, cominando-lhe multa diária equivalente a 5.000 (cinco mil) UFIRs, ou outro índice que vier a substituí-las, em caso de mora ou descumprimento desta decisão, revertendo aludida multa em prol do FUNDO DE AMPARO AO TRABALHADOR, com fulcro nos dispositivos legais mencionados no corpo do julgado. Juros e atualização monetária na forma da Lei.

Custas pelas requeridas, no importe de R$6.000,00, calculadas sobre o valor arbitrado à condenação - R$300.000,00.

Intimem-se. Nada mais.

MARGARETE APARECIDA GULMANELI
Juiz Classista Representante dos Empregados

MARCELO DE SOUZA AREIAS
Juiz Classista Representante dos Empregadores

JOSÉ GONÇALVES BENTO
Diretor de Secretaria

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JUNTA DE CONCILIAÇÃO E JULGAMENTO DE BEBEDOURO (SP),. Cooperativas rurais fraudulentas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. -1652, 23 dez. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16372. Acesso em: 23 abr. 2024.

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