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Taxa de religação de energia elétrica é abusiva

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Sentença em ação civil pública pela ilegalidade de taxa de religação de energia elétrica, exigida por concessionária dos usuários que regularizam seus débitos com a empresa.

REQUERENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO

REQUERIDO: CENTRAIS ELÉTRICAS MATOGROSSENSES S/A - CEMAT

VISTOS, ETC.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO, devidamente representado ajuizou a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA CONTRA A COBRANÇA DE TAXA DE RELIGAÇÃO em face de CEMAT - CENTRAIS ELÉTRICAS MATOGROSSENSES S/A, empresa adquirida por REDE – EMPRESAS DE ENERGIA ELÉTRICA.

Afirma que há algum tempo consumidores deste Município têm se dirigido até a Promotoria de Justiça solicitando providências contra possíveis abusos por parte da requerida, pela cobrança de taxa de religação exigida, após o corte por inadimplência. Salienta que após instaurado procedimento para investigação de tais fatos, foi apurada a cobrança.

Destaca na fase do procedimento administrativo que a requerida embasou a cobrança da taxa no art. 85 da Portaria n.º 466 de 12/11/97 do DNAEE (Departamento Nacional de Águas e energia Elétrica) e que os valores são calculados mediante aplicação de percentuais sobre a tarifa fiscal em vigor por ocasião do serviço

Afirma a parte autora que no seu entender, os consumidores locais vêm sendo compelidos a assumir um ônus abusivo quando solicitam a religação dos serviços suspensos por falta de pagamento, o que é vedado pelo Código de Defesa do Consumidor; trata-se de cláusula abusiva ou imposta no fornecimento de serviço ou produtos de forma unilateral.

Dá ênfase à sua legitimidade ativa.

Diz tratar-se de contrato de adesão para fornecimento de serviços e nestas condições não se pode admitir outro instituto além do Código de Defesa do Consumidor para regular a presente relação jurídica.

Transcreve doutrina e registra que referida cobrança caracteriza "bis in idem" , retratando enriquecimento ilícito da requerida, além de verdadeira cláusula penal "sui generis" estabelecida em duplicidade com a multa, pois visa punir a inadimplência.

Enfoca e artigo 920 do Código Civil Brasileiro demonstrando através de cálculo a ocorrência da proibição ali descrita.

Traça distinção entre taxa e tarifa, transcrevendo conceito doutrinário.

Cita julgado do E. Tribunal de Justiça de nosso Estado e requer a concessão de tutela antecipada.

Junta os documentos.

O pedido de tutela antecipada foi deferido, fls. 56/57.

As Centrais Elétricas Matogrossenses S/A, por sua vez, antes de apresentar qualquer manifestação, junta minuta de recurso de agravo de instrumento interposto contra a decisão.

Contestação, fls. 91/110, onde a empresa levanta a preliminar de indeferimento da inicial, com base no artigo 295, IV, do CPC. e incompetência absoluta deste Juízo. No mérito requer a improcedência do pedido.

Junta os documentos.

Impugnação à contestação às fls. 240/248.

Recurso de agravo de instrumento improvido, fls.266.

Manifestação da ANEEL, fls.268/280, onde requer seja reconhecida sua ilegitimidade passiva.

Inconformada com o acórdão proferido no recurso de agravo de instrumento, a empresa REDE-CEMAT interpôs embargos de declaração que também resultou improvido, fls. 300/305.

É O RELATÓRIO.

DECIDO.

O feito está devidamente instruído. Ademais, o caso é de julgamento antecipado da lide, na forma do art. 330, I, do CPC, eis que são despiciendas dilações probatórias.

Antes de adentrar no mérito da contenda, mister analisar as preliminares aventadas pelas requeridas.


ILEGITIMIDADE PASSIVA DA ANEEL – AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA

A Agência Nacional de Energia Elétrica diante do despacho de fls. 255/256, veio aos autos e afirma não ser parte legítima para integrar o pólo passivo da demanda. Com seu posicionamento manifestou concordância a parte autora, fls.299.

Realmente, não há como reconhecer legitimidade da ANEEL para integrar o pólo passivo da demanda. É que os atos editados por ente de direito público não atraem a responsabilidade desse ente e sequer da União Federal. "In casu", a portaria utilizada pela empresa requerida não tem o poder de deslocar a competência e tampouco trazer referida agência a integrar o polo passivo da demanda. A matéria é pacificada e não demanda maiores explanações.

Pelos próprios motivos elencados às fls.268/280 e face à concordância manifesta do Ministério Público, excluo a Agência Nacional de Energia Elétrica da demanda.


DO INDEFERIMENTO DA INICIAL

Descabida é a argüição da empresa requerida, REDE-CEMAT, porquanto almeja o autor efetiva obrigação de não fazer. Hipoteticamente, ao abster-se de uma prática, por meio de determinação judicial, estará a requerida submetida a uma obrigação de não fazer- art. 3º da Lei 7.347/85. Cabe aqui relembrar a semelhança entre este pedido e aquele feito nas ações civis públicas quando se busca a proibição da cobrança da taxa de iluminação; a proibição da cobrança da taxa de iluminação pública também equivale a uma obrigação de não fazer.

Rejeito, pois, esta preliminar.


DA INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA

Esta segunda preliminar, levantada por REDE-CEMAT a exemplo da primeira, também não encontra terreno fértil a garantir a extinção do feito.

É que conforme consignado pelo "Parquet", "a ação civil pública deve ser ajuizada, em regra, no foro do local onde ocorreu o dano. Tratando-se de Comarca em que não há Juiz Federal, desloca-se a competência para o Juiz de Direito do Estado". (rel. Min. Hélio Nosimann, j. 15.06.93, in " STJ e o Processo Civil", por Sálvio de Figueiredo Teixeira, Brasília Jurídica, 1995, p. 571).

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Súmula n.º 183:

"Compete ao Juiz Estadual, nas Comarcas que não sejam sede de Vara da Justiça Federal, processar e julgar ação civil pública, ainda que a União figure no processo."

Rejeitadas as preliminares, passo à análise meritória.

O Ministério Público, frente aos constantes reclamos da população local, no que tange à cobrança de taxa de religação, quando efetivado o corte no fornecimento de energia elétrica, ingressa com ação civil pública objetivando a proibição da cobrança da taxa, com abrangência da proibição a todos os Municípios que compõem a Comarca.

O pedido encontra farta fundamentação e deve ser dirimido à luz do Código de Defesa do Consumidor.

Temos aqui um típico contrato de adesão, assim considerado pelo Código, tanto as estipulações unilaterais do poder público quanto as cláusulas redigidas prévia e unilateralmente por uma das partes. Desta feita, tem o Ministério Público atribuição funcional e legitimidade para agir, tanto para efetuar o controle administrativo das cláusulas contratuais gerais do contrato de adesão, quanto para pleitear judicialmente e exclusão, modificação ou declaração de nulidade de cláusula que entenda ser abusiva. Despicienda a distinção entre contrato de adesão verbal ou escrito.(art. 51, § 4º do CDC).

A empresa requerida presta serviço sob regime de remuneração, sendo certo que o inadimplemento pode determinar o corte do fornecimento do produto ou serviço.

O inadimplemento, por sua vez, acarreta ao consumidor o pagamento de juros de mora, multa mais despesas de regularização dos serviços. A imposição destes acréscimos, mais a cobrança da taxa de religação, unilateralmente, traz desequilíbrio à relação contratual mantida entre as partes. A somatória destes com a taxa de religação traduz-se em cláusula penal.

O argumento de que a cobrança da taxa de religação é imposição da União, por ocasião da concessão dos serviços não prospera.

A Portaria n.º 466/97 afirma ser facultativa a cobrança dos serviços prestados a título de religação e só poderá ser feita em contrapartida de serviço efetivamente prestado pelo concessionário. (art. 85, §1º).

Em havendo o pagamento após o corte no fornecimento dos serviços é obrigação da concessionário o pronto restabelecimento do serviço, sem que para isso, se veja o consumidor obrigado a pagar qualquer taxa extra, além daquelas já mencionadas.

Ora, ao religar o fornecimento, a empresa não está fazendo favor nenhum ao consumidor. Pelo contrário! Tem o dever, repito, de, uma vez pago o consumo, restabelecer, de imediato, o fornecimento.

Como bem registrou o subscritor da peça inicial, a religação, além de tudo, é ato que beneficia a própria empresa. Estando restabelecido o fornecimento, o consumidor voltará a consumir energia. Produto caríssimo, aliás. Então, nesta lógica, por que deve o consumidor arcar com tão pesado ônus ?

Ônus, aliás que caracteriza "bis in idem". O corte do fornecimento já penaliza o cidadão; o atraso no pagamento gera reaviso que também é cobrado; seguido de multa por mora e juros. Sentindo no bolso o pesado valor do produto vendido pela requerida, só atrasa ou se sujeita ao corte de fornecimento quem realmente não dispõe de meios para pagamento na data aprazada. Ninguém passa por tal humilhação (corte) quando dispõe de dinheiro.

Há que se dar um basta a tanto castigo, até parece que a energia é gratuita, tamanha a carga que se impõe a quem já é penalizado primeiramente com o corte no fornecimento.

Em face do exposto, reconhecendo tal taxa como cláusula penal, disfarçada e travestida de tarifa, direcionada a reprimir a inadimplência que já é reprimida com o corte no fornecimento, a exemplo das brilhantes colocações do ilustre Desembargador relator do recurso de Agravo de Instrumento, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, declarando a ilegalidade e o abuso da cobrança da taxa de religação, confirmando a tutela antecipada, obrigando a empresa REDE-CEMAT a abster-se da cobrança em todo território integrante desta Comarca.

Custas a cargo da requerida.

P.R.I.C.

Barra do Garças - MT, 17 de Abril de 2001

Eulice Jaqueline da Costa Silva Cherulli, Juíza de Direito

1ª Vara Cível de Barra do Garças

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHERULLI, Eulice Jaqueline Costa Silva. Taxa de religação de energia elétrica é abusiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. -639, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16399. Acesso em: 18 nov. 2024.

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