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Substituição do dólar pelo INPC: sentença é favorável na ação da OAB/SP

01/10/2001 às 00:00
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Sentença em ação civil pública proposta pelaOAB/SP contra operadoras de leasing, para declaração de nulidade da cláusula contratual que estabelecia a correção das prestações pela variação do dólar, substituindo-o pelo INPC/IBGE.

Substituição do dólar pelo INPC: sentença é favorável na ação da OAB/SP

1ª VARA CÍVEL FEDERAL DE SÃO PAULO

PROCESSO N.º 1999.61.00.004437-1

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

AUTORA : ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SECÇÃO DE SÃO PAULO

RÉUS : EXCEL LEASING S/A ARRENDAMENTO MERCANTIL E OUTROS

SENTENÇA

entidade autárquica federal, propõe perante este Juízo a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com fundamento no artigo 133 da Constituição Federal, que elege a advocacia como função essencial à administração da justiça; no artigo 44 da Lei 8.906/94, que trata do Estatuto dos Advogados ; na Lei 7.347/85, que regulamenta a Ação Civil Pública e; em especial, no Código de Defesa do Consumidor(Lei 8.078/90), em face dos seguintes Réus, todos qualificados nos autos: EXCEL LEASING S/A ARRENDAMENTO MERCANTIL, SANTANDER NOROESTE LEASING S/A ARRENDAMENTO MERCANTIL, FINÁUSTRIA ARRENDAMENTO MERCANTIL S/A, atual denominação social de ITA LEASING ARRENDAMENTO MERCANTIL S/A, ABN AMRO ARRENDAMENTO MERCANTL S/A, PONTUAL LEASING S/A – ARRENDAMENTO MERCANTIL, DISAL ARRENDAMENTO MERCANTIL, BOZANO, SIMONSEN LEASING S/A ARRENDAMENTO MERCANTIL, LLOYDS LEASING S/A ARRENDAMENTO MERCANTIL, BCN LEASING ARRENDAMENTO MERCANTIL S/A, BMG LEASING S/A ARRENDAMENTO MERCANTIL, FORD LEASING S/A ARRENDAMENTO MERCANTIL, FIAT LEASING S/A ARRENDAMENTO MERCANTIL, SERRA NOVA FOMENTO COMERCIAL LTDA, atual denominação social de BBA CREDITANSTALT FOMENTO COMERCIAL LTDA., CCF – BRASIL LEASING ARRENDAMENTO MERCANTIL S/A, AGF BRASEG LEASING S/A ARRENDAMENO MERCANTIL, GM LEASING S/A ARRENDAMENTO MERCANTIL, SAFRA LEASING S/A ARRENDAMENTO MERCANTIL, CITIBANK LEASING S/A ARRENDAMENTO MERCANTIL, BV LEASING ARRENDAMENTO MERCANTIL S/A, SUDAMERIS ARRENDAMENTO MERCANTIL S/A, FIBRA LEASING S/A ARRENDAMENTO MERCANTIL, FORD FACTORING FOMENTO COMERCIAL LTDA., UNIBANCO LEASING S/A ARRENDAMENTO MERCANTIL; CFS VEÍCULOS LTDA. e, SISTEMA LEASING S/A ARRENDAMENTO MERCANTIL.

A Autora, após tecer comentários sobre a competência da Justiça Federal para julgar o feito, bem como de sua legitimidade ativa "ad causam", alega que, através de sua Comissão de Defesa do Consumidor, recebeu várias reclamações de consumidores informando que firmaram contratos de arrendamento mercantil de veículos com as Rés, com cláusula de indexação das prestações mensais pela variação cambial do dólar norte-americano, que veio se tornar excessivamente onerosa em decorrência da maxidesvalorização da moeda nacional ocorrida no mês de janeiro de 1999, muito superior aos diversos índices de medição da inflação, como o INPC, o IGP-M, o IPC, etc. Na ocasião, o dólar norte-americano subiu mais de 45% (quarenta e cinco por cento) em apenas uma semana, enquanto que a inflação daquele mês, medida pelo INPC do IBGE, foi de 0,42%.

Aduz que a relação jurídica "sub judice" sujeita-se às disposições do Código de Defesa do Consumidor, de que trata a Lei 8.078/90, cujo artigo 6º, em seu inciso V, estabelece como um direito básico do consumidor " a modificação das cláusulas contratuais que estabelecem prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas."

Pretende com esta ação a declaração de nulidade da cláusula contratual que estabelece a correção das prestações pela variação do dólar norte-americano e a sua substituição pela variação do INPC do IBGE, a partir de dezembro de 1998, ou, a critério do juízo, outro índice legal que reproduza a realidade inflacionária.

Protesta por provas e atribui à causa o valor de R$1.000,00.

A Tutela Antecipada foi concedida às fls.481/ 484, para que os arrendatários pagassem suas prestações corrigidas, a partir de janeiro de 1999, pela variação do INPC do IBGE em substituição à variação cambial contratada, sendo que a respectiva diferença deveria ser paga após o final do contrato, em prestações mensais de valor igual ao da última. Esta parte final da decisão foi suprimida pelo E.TRF da 3ª Região, mediante a concessão de efeito suspensivo em Agravo de Instrumento interposto pela Autora(A.I. 1.999.03.00.4652-2).

As Rés apresentaram também Agravos de Instrumentos insurgindo-se contra a tutela antecipada, os quais foram recebidos sem o efeito suspensivo requerido. Contra essa decisão apresentaram Agravo Regimental e Mandado de Segurança, que estão tramitando no Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região. No Mandado de Segurança excluiu-se do âmbito de abrangência desta ACP as empresas comerciais, industriais e prestadoras de serviços, exceto as microempresas e as empresas de pequeno porte, em liminar concedida pelo Eminente Desembargador Federal Andrade Martins(MS n.º 187.799 - Reg. 1999.03.00.008600-3).

A Ré DISAL ARRENDAMENTO MERCANTIL foi excluída do feito pela decisão de fls.4656/4657.

As demais rés contestaram a ação no prazo legal, considerando-se que a precatória da última citação foi juntada aos autos em 10.03.2000(fl.6531). Aduzem, em apertada síntese, as seguintes preliminares: 1) - de incompetência absoluta da Justiça Federal, vez que a Secção de São Paulo da OAB não seria uma autarquia federal, inexistindo, ainda, um interesse federal no feito; 2) - de ilegitimidade ativa e de falta de interesse de agir da Autora; 3) - do não cabimento de Ação Civil Pública para o caso em tela e ; 4) - de impossibilidade jurídica do pedido, na medida em que o artigo 27 da Lei 9.069/95 elegeu o IPC-R do IBGE para indexação de contratos, exceto para alguns tipos, dentre eles os de arrendamento mercantil, que ficam sujeitos às normas do Conselho Monetário Nacional. Estas normas, por sua vez, somente permitem a adoção de quatro formas de contratação: a) equivalência em moeda estrangeira; b) em valores pré-fixados em moeda nacional; c) indexação pela variação da Taxa Referencial(TR) e; d) indexação pela Taxa Básica Financeira (TBF).

Quanto ao mérito, entendem que os contratos de arrendamento mercantil não são regidos pelas disposições do Código de Defesa do Consumidor e que, afora isso, a regra prevista no inciso V do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor, que permite ao Poder Judiciário intervir no contrato celebrado entre as partes para modificar cláusula contratual, é inconstitucional por violar o princípio da separação dos poderes e o ato jurídico perfeito.

Acrescentam que, tanto o Decreto-lei 857/69 quanto o artigo 6º da Lei 8.880/94 e o artigo 9º do anexo à Resolução n.º 2309/96 do Banco Central do Brasil estabelecem que, quando os bens arrendados tiverem sido adquiridos com recursos captados direta ou indiretamente no exterior, as prestações dos contratos de arrendamento deverão também ser atualizadas pela variação cambial, o que torna legal a cláusula contratual ora questionada. Também não procede a alegação de que estariam experimentando um enriquecimento com a desvalorização da moeda nacional, vez que apenas repassaram nos contratos, a variação cambial dos empréstimos que captaram no exterior para a aquisição dos bens arrendados. Por outro lado, os arrendatários assumiram o risco dessa desvalorização, ao optarem pela cláusula de variação cambial, desprezando outras modalidades de contratação disponibilizadas no mercado, apesar das expectativas de valorização do dólar, o que afasta a aplicação da teoria da imprevisão. Alegam, por fim, que os consumidores querem ganhar duas vezes: primeiro, quando se beneficiaram do período da estabilidade da moeda, e agora, com a pretendida alteração no critério de reajuste. Por conseqüência, o contrato deve ser integralmente cumprido, prestigiando-se, dessa forma, a autonomia da vontade das partes e a segurança jurídica que deve nortear as relações contratuais.

O Banco Central do Brasil foi incluído na lide por determinação do E.TRF da 3ª Região, apresentando sua contestação (fls. 4434/44950) onde argüi as preliminares de incompetência absoluta da Justiça Federal e de ilegitimidade passiva "ad causam". No mérito, aduz que não é destinatário do pedido, não tendo, portanto, o que contestar.

A União Federal também foi incluída na lide por determinação do E.TRF da 3ª Região, contestando o feito(fls. 4483/4495), argüindo as preliminares de ilegitimidade "ad causam", ativa e passiva, pugnando, quanto ao mérito, pela improcedência do pedido, sob o fundamento de que a avença firmada pelas partes interessadas é intangível.

As Rés SERRA NOVA FOMENTO COMERCIAL LTDA, atual denominação social de BBA CREDITANSTALT FOMENTO COMERCIAL LTDA.(fls. 4251/4283); FORD FACTORING FOMENTO COMERCIAL LTDA.(fls. 7431/7432) e CFS VEÍCULOS LTDA. (fls.7645/7646), alegaram que não praticam operações de arrendamento mercantil, requerendo, por isso, que fossem excluídas do polo passivo da lide. Este juízo acolheu o pedido da Ré Serra Nova Fomento Comercial Ltda.(fls. 7394/7395), decisão que foi suspensa pelo E.TRF. da 3ª Região (AI n° 2000.03.00.053336-0). O pedido das Rés Ford Factoring e CFS Veículos será apreciado nesta sentença.

Foram admitidas como assistentes litisconsorciais da Autora o Centro Nacional de Estudos e Defesa do Consumidor(fls. 3954/3957) e Associação de Consumidores, Inquilinos e Mutuários de Campinas e Região-ACIMCRE(fl. 4658)cujas decisões encontram-se suspensas por força de Agravo de Instrumento interposto pelas Rés BV Leasing; CCF Brasil Leasing e Unibanco Leasing(AI-1999.03.00.028536-0 e AI-1999.03.00.042575-2).

O edital a que se refere o artigo 94 do CDC foi publicado em 24.02.2000(fl.6713).

A Autora apresentou Réplica às contestações das Rés, às fls. 5847/5902, rebatendo tanto as questões preliminares quanto os fundamentos de resistência ao mérito, reiterando, ao final, a procedência do pedido.

Às partes foi assegurado o direito de apresentarem as provas documentais que lhes interessassem, notadamente cópias de contratos de captação de empréstimos em moeda estrangeira, pareceres de auditores, declaração de contadores, etc. Foram indeferidas provas periciais e testemunhais, consideradas desnecessárias para o esclarecimento dos fatos.

Em 28.11.2000 foi realizada audiência de conciliação, sem sucesso(fl.7549).

Foi dada às partes a oportunidade para apresentarem suas alegações finais, o que fizeram por meio de memoriais, renovando os termos de suas manifestações anteriores.

O Ministério Público Federal atuou no feito como "custos legis", representado pelos brilhantes Procuradores da República Walter Claudius Rothenburg(fls. 6337/6340) e Duciran Van Marsena Farena(fls. 7609/7622), pugnando pela rejeição das questões preliminares e, no mérito, pela procedência do pedido. Em seguida vieram os autos conclusos para sentença.

Relatado o feito no essencial, passo a decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO

A primeira preliminar que deve ser analisada é a da competência da Justiça Federal para processar e julgar este feito, impugnada sob os fundamentos de que não existe nos autos um interesse da União em discussão e que a Secção de São Paulo da OAB não teria a natureza jurídica de uma autarquia federal e sim de uma autarquia estadual.

Quanto ao primeiro fundamento, nota-se, de imediato, sua improcedência vez que a competência jurisdicional da Justiça Federal em primeira instância tem sede no inciso I do artigo 109 da Constituição Federal, dispositivo que deve ser interpretado de forma restritiva, não comportando interpretação extensiva ou analógica. O critério eleito pelo constituinte foi o "ratione personae", sendo, portanto, suficiente para firmar-se esta competência, a presença, num dos pólos da relação jurídica processual, da União; entidade autárquica ou empresa pública federal. Irrelevante, para esse fim, a questão de direito material, salvo nos casos de falência, acidentes do trabalho, justiça eleitoral e justiça do trabalho, em que, por força de exceção constante no próprio texto constitucional, o critério de competência a ser considerado é o "ratione materiae".

Há que se considerar que a Autora, na qualidade de autarquia federal, tem um interesse jurídico próprio, de natureza processual, consistente na sua missão de defender determinados direitos da sociedade, dentre eles os dos consumidores. Para tanto, está autorizada por lei a atuar como substituta processual daqueles, ou seja, age em nome próprio, porém na defesa de direitos alheios. Disso decorre tanto a competência da Justiça Federal como sua legitimidade "ad causam", o que será melhor demonstrado ao se analisar a preliminar de ilegitimidade ativa "ad causam", argüida pelas Rés.

O segundo fundamento desta preliminar consiste na alegação de que a Secção de São Paulo da OAB teria a natureza jurídica de autarquia estadual, disso resultando a incompetência da Justiça Federal. Esta preliminar não merece acolhimento vez que a Ordem dos Advogados do Brasil é uma autarquia federal que, exclusivamente para fins de organização de sua atuação no território nacional, foi descentralizada (daí o nome secção), atuando uma em cada unidade da Federação.

Esta interpretação tem suporte nos artigos 44 e 45 da Lei Federal 8906/94, o primeiro dispondo tratar-se de um serviço público, do que exsurge a natureza autárquica da instituição e o segundo considerando como seus órgãos o Conselho Federal, os Conselhos Seccionais, as Subsecções e as Caixas de Assistência dos Advogados. Ora, os Conselhos Seccionais, como órgãos da OAB que são, possuem, por óbvio, a mesma natureza jurídica do organismo ao qual pertencem.

A legitimidade conferida apenas ao seu Conselho Federal para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade, a que se refere o artigo 103, inciso VII da Constituição Federal, se justifica unicamente por ser esse o órgão de maior hierarquia na instituição, que, todavia, é una.

Em síntese, sendo a Autora uma autarquia federal, firma-se a competência da Justiça Federal para decidir acerca de sua pretensão, consoante dispõe o inciso I do artigo 109 da Constituição Federal. A respeito, confira também, o enunciado da Súmula 150 do Colendo Superior Tribunal de Justiça.

II. 2 – INTERESSE DE AGIR DA AUTORA

Não merece acolhimento a preliminar de falta de interesse de agir da Autora, argüida por algumas das Rés vinculadas a montadoras de veículos(FIAT, por exemplo), fundamentada na existência de um acordo firmado entre a Associação Nacional das Empresas Financeiras das Montadoras – ANEF e o Ministério da Justiça(fls. 814/819), em que se congelou a variação do dólar até o mês de abril de 1999. A existência desse acordo não faz desaparecer o interesse de agir, vez que a pretensão deduzida nestes autos é mais ampla, abrangendo a exclusão de toda e qualquer variação cambial a partir de dezembro de 1998, até o vencimento dos contratos, substituindo essa variação por um índice oficial de medição da inflação. Além disso esse acordo não abrange empresas arrendantes não vinculadas a montadoras de veículos.

II. 3 – LEGITIMIDADE ATIVA DA AUTORA

Argúem as Rés que a Autora não teria legitimidade para agir em defesa dos consumidores, vez que limitada sua atuação aos assuntos relacionados com os interesses profissionais da classe dos advogados. Fundamentam esta argüição no disposto na alínea "b" do inciso V do artigo 105 do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia.

A alínea "b" do inciso V do artigo 105 do Regulamento do EOAB de fato dispõe que cabe ao Conselho Seccional ajuizar, após deliberação, ação civil pública, para defesa de interesses difusos, de caráter coletivos e individuais homogêneos, relacionados à classe dos advogados, além do previsto nos artigos 57 e 58 do respectivo Estatuto. Esta ressalva encontra-se no "caput" do artigo.

A atuação da Secção de São Paulo da OAB, no presente caso, encontra previsão legal nos artigos 57, combinado com os artigos 54 e 44 do seu Estatuto(Lei 8906/94), dentre outros dispositivos da Constituição Federal, da Lei da Ação Civil Pública e do Código de Defesa do Consumidor, como ainda será visto. Logo, sua atuação tem respaldo também na ressalva a que se refere o mencionado artigo 105 do Regulamento Geral do EOAB, justificando uma atuação além dos limites de seus interesses corporativos.

Analisando-se o artigos 133 e 103, inciso VII da Constituição Federal, vê-se que a Ordem dos Advogados do Brasil é uma entidade diferenciada dos conselhos de fiscalização profissional, não se podendo considerá-la, portanto, sujeita às mesmas limitações destes.

A advocacia é uma função essencial à administração da justiça(artigo 133) estando a OAB legitimada a promover até mesmo o controle "in abstrato" da constitucionalidade das leis, sem qualquer restrição quanto à matéria nelas versada, como se nota no artigo 103, inciso VII.

Na esteira dessa vocação natural da OAB antevista pelo legislador constitucional, o legislador ordinário, com vistas a dar eficácia aos citados dispositivos da Constituição Federal, editou a Lei Federal n.º 8.906, de 14 de julho de 1994, cujo artigo 44 está assim redigido:

" Art. 44 – A Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, serviço público, dotado de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade :

I – defender a Constituição, a ordem jurídica, o Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas.

II..."

Nenhum outro conselho de fiscalização profissional possui semelhante prerrogativa. Essa missão foi atribuída exclusivamente à OAB porque, sendo integrada por experientes profissionais do direito, nada mais adequado do que lhe atribuir, também, a legitimidade para defender, de forma coletiva, os direitos considerados fundamentais pelo legislador constituinte. Se não se questiona a atuação desta entidade na defesa da Constituição, da ordem jurídica, da moralidade pública e das instituições democráticas, pela mesma razão não se pode questionar sua atuação na defesa dos direitos das crianças e dos idosos desamparados, dos consumidores, etc., quando então atua em defesa da justiça social e dos direitos humanos. Efetivamente a sociedade brasileira não pode prescindir da atuação eficaz da OAB na defesa de seus direitos de cidadania.

Os direitos dos consumidores inserem-se, na sociedade atual, também como direitos humanos fundamentais pela proteção que seus destinatários necessitam, de forma a não se tornarem presas fáceis das grandes corporações. Num mundo globalizado, a concentração de capital e tecnologia nas mãos de grandes corporações, bem como a necessidade de produção de bens de consumo em massa, deixa o consumidor excessivamente vulnerável, disso surgindo a preocupação dos juristas em lhes assegurar direitos básicos. Por isso que nossa Constituição Federal contém disposição expressa determinando que ao Estado caberá promover, na forma da lei, a defesa do consumidor. Trata-se do inciso XXXII do artigo 5º da Constituição Federal, inserido no Título II, que, por elucidativo, cuida exatamente dos Direitos e Garantias Fundamentais.

Os direitos humanos não são apenas os direitos naturais explicitados nas primeiras declarações. Abrange também os de segunda geração, denominados de direitos sociais, surgidos em decorrência das revoluções sociais do início do século passado, como o direito ao trabalho, por exemplo, e os direitos de terceira geração, concebidos mais recentemente, como o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; o direito do consumidor, ctc. Já se fala até no surgimento de uma quarta geração de direitos fundamentais, nesses incluídos, por exemplo, direitos destinados à proteção do patrimônio genético da humanidade. A atual revolução tecnológica por certo fará surgir novos direitos humanos, sequer imaginados pelos signatários da Declaração de 10 de Dezembro de 1948 e muito menos pelos revolucionários de 1789 ou pelos fundadores da América.

O direito amparável pelo CDC é o daquele consumidor hipossuficiente sob o ponto de vista técnico, jurídico ou financeiro, que adquire, em geral com rendimentos de seu trabalho, um bem para seu consumo. Não abrange o direito da empresa que adquire bens para consumo em sua atividade industrial, comercial ou de prestação de serviço, estes protegidos pelas normas gerais do Código Civil e do Código Comercial. Por isso, não é justo recusar legitimidade à entidade autora, detentora de capacidade técnica, jurídica e econômica para bem defender os interesses desses consumidores finais, os quais, à evidência, não possuem as mesmas armas para enfrentarem as Rés, representadas nestes autos pelos melhores escritórios de advocacia do País.

Algumas das Rés (Fiat, por exemplo), alegaram, ainda, que a Autora não possui legitimidade para figurar no pólo ativo porque o Estatuto da OAB é claro ao determinar em seu artigo 54, inciso XIV, que a competência para propor Ação Civil Pública é do Conselho Federal ou do Conselho Seccional, consoante artigo 57. Como a Comissão de Defesa do Consumidor representa apenas uma subdivisão interna do Conselho Seccional, essa comissão não estaria legitimada para propor a presente ação, devendo o feito ser extinto sem julgamento de mérito.

Há evidente equívoco por partes das Rés que fizeram esta alegação. Quem está promovendo esta ação não é a Comissão de Defesa do Consumidor e sim a Ordem dos Advogados do Brasil- Secção de São Paulo representada por seu Diretor Presidente, que inclusive assina a petição inicial, ou seja, o Conselho Seccional e não a mencionada comissão. A assinatura de membros dessa comissão na petição inicial deve ser interpretada como mero apoio ao Presidente do Conselho Seccional, o que é natural em face das muitas atribuições que tem.

O artigo 54, inciso I, do Estatuto da OAB dispõe competir ao Conselho Federal a propositura de ação direta de inconstitucionalidade, ação civil pública, mandado de segurança coletivo, mandado de injunção e demais ações cuja legitimação lhes seja outorgada por lei. O artigo 57 desse mesmo Estatuto atribui aos Conselhos Seccionais, no respectivo território, as competências, vedações e funções atribuídas ao Conselho Federal, no que couber, respeitadas as limitações materiais e territoriais.

Logo, aos Conselhos Seccionais –entenda-se as Seccões da Ordem dos Advogados do Brasil nos vários Estados da Federação -, compete a propositura da ação civil pública, do mandado de segurança coletivo, do mandado de injunção e, eventualmente de outras ações, com eficácia limitada ao respectivo território de atuação. Estão impedidos apenas de proporem a Ação Direta de Inconstitucionalidade, vez que o legislador constitucional reservou esta competência exclusivamente ao Conselho Federal (artigo 103, VII), por ser este o órgão máximo da entidade.

Em síntese, a legitimidade da OAB – Secção de São Paulo – para promover, por meio de Ação Civil Pública, a defesa judicial de consumidores domiciliados no Estado de São Paulo decorre de uma interpretação conjunta dos artigos 5º,inciso XXXII, 103, inciso VII e 133, da Constituição Federal, e artigos 44, 54, inciso I e 57 da Lei 8906/94.

Se tanto não bastasse, as normas do Código de Defesa do Consumidor devem ser interpretadas no sentido de facilitar a sua defesa em juízo e não de lhe causar dificuldades. Por isso, se alguma dúvida remanesce quanto à legitimidade da OAB para a propositura desta ação, esta dúvida deve ser resolvida de conformidade com o interesse dos consumidores, aqui adequadamente substituídos pela OAB, cuja atuação não tem o condão de prejudicar interesses individuais destes(artigo 104 do CDC).

Por tais razões rejeito esta preliminar.

II.4 – ADEQUAÇÃO DA VIA PROCESSUAL ELEITA

As Rés argüíram a preliminar de inadequação da via processual eleita, sob o argumento de que os direitos aqui defendidos seriam disponíveis e divisíveis. Entendem que a Ação Civil Pública somente teria cabimento para defesa de direitos indisponíveis e indivisíveis. Dessa forma, a tutela jurisdicional deveria ser pleiteada individualmente pelo arrendatário que se sentiu prejudicado.

O que se discute nestes autos é a validade de uma cláusula contratual de atualização monetária pela variação cambial do dólar estadunidense, inserida em inúmeros contratos de arrendamento mercantil de veículos. A relação jurídica básica, que está em discussão, é homogênea por ser de origem comum: pretende-se invalidar ou alterar a cláusula que determina a correção das prestações dos contratos de arrendamento mercantil pela variação cambial, porque este critério tornou-se excessivamente oneroso para o arrendatário, após a maxidesvalorização da moeda nacional. Trata-se de típico caso de direito individual homogêneo, passível de amparo por meio de ação coletiva, como é o caso desta Ação Civil Pública, sendo irrelevante a existência de diversas modalidades de contratos de arrendamento. O que importa é a homogeneidade da relação jurídica básica, recomendando uma decisão judicial uniforme para todos os contratos que possuem cláusula de variação cambial, firmados com consumidores finais dos bens arrendados.

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Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery assim conceituam os direitos individuais homogêneos: " São os direitos individuais cujo titular é perfeitamente identificável e cujo objeto é divisível e cindível. O que caracteriza um direito individual como homogêneo é sua origem comum. A grande novidade trazida pelo CDC no particular foi permitir que esses direitos individuais pudessem ser defendidos coletivamente em juízo. Não se trata de pluralidade subjetiva de demandas(litisconsórcio), mas de uma única demanda coletiva, objetivando a tutela dos titulares dos direitos individuais homogêneos. A ação coletiva para a defesa de direitos individuais homogêneos é, grosso modo, a class action brasileira." (Código de Processo Civil Comentado e legislação processual civil extravagante em vigor, 4ª edição, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo –SP, pag. 1864, nota 13, do artigo 81, inciso III, da Lei 8078/90).

O surgimento das ações coletivas está diretamente relacionado com o aumento em progressão geométrica da população, surgindo uma sociedade de massa que começou a saturar o sistema tradicional de prestação jurisdicional. Inobstante esse crescimento populacional, a evolução cultural e tecnológica da sociedade amplia a conscientização, pelos cidadãos, de seus direitos, ao mesmo tempo em que torna esses direitos mais complexos, inviabilizando cada vez mais o tratamento individual dos conflitos que decorrem de uma origem comum a um grande número de pessoas.

Em casos como o presente, com uma só ação resolvem-se inúmeros conflitos, evitando-se o congestionamento desnecessário do Poder Judiciário, em especial dos Tribunais Superiores, já excessivamente sobrecarregados. Como àqueles Tribunais compete a uniformização da jurisprudência e a decisão em última instância, nada mais razoável do que a tramitação de um único feito, ao invés de milhares outros, onde as únicas diferenças estariam nos nomes dos autores e dos réus. Além disso, estas ações são também recomendadas em casos como este, por otimizarem os limitados recursos públicos destinados à manutenção do Poder Judiciário.

Porém, a vantagem maior da ação coletiva nesses casos, está no fortalecimento da coletividade prejudicada, que unida se vê melhor representada por uma associação bem estruturada, quer sob o ponto de vista técnico, quer econômico, como é o caso da OAB. Muitas vezes, especialmente em se tratando de relação de consumo, o valor do dano, individualmente considerado, é muito baixo desestimulando a propositura de uma ação individual pelo tempo que o consumidor perde, pelas despesas que tem com advogado, perícias e custas do processo.

Nas ações coletivas esses gastos, quando existem, acabam não sendo tão representativos vez que diluídos nas contribuições dos associados. Note-se, ainda, que tanto na Ação Popular quanto na Ação Civil Pública, não se pode condenar a associação autora em custas, honorários advocatícios e despesas processuais, salvo em caso de comprovada má-fé(CF, artigo 5º, LXXIII e artigo 18, da Lei 7.347/85), isenções estas que não existem nas ações individuais. Somente unido em uma ação coletiva é que o frágil consumidor se torna forte para poder enfrentar grandes conglomerados empresarias. Isso ocorre até mesmo na natureza. Pesquisadores descobriram que no oceano, pequenos peixes, ao pressentirem o perigo, intuitivamente se unem em cardumes formando figuras assustadoras que espantam seus predadores.

Nesse sentido e com esse objetivo, a Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) veio complementar o sistema legal de proteção dos interesses coletivos, não só tutelando os direitos do consumidor, como ampliando e aperfeiçoando a Lei da Ação Civil Pública em seus aspectos materiais e processuais. Por essa lei, também os direitos individuais homogêneos, inclusive outros que não digam respeito a direitos dos consumidores, passaram a ser protegidos pela Ação Civil Pública (artigo 117 do CDC).

Para que não pairem dúvidas sobre o cabimento desta ação civil pública, reporto-me ao artigo 81 do CDC, dispondo que a defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo, individualmente, ou a título coletivo, sendo que o inciso III desse artigo permite, expressamente, a defesa coletiva exatamente nos casos de interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum, que é o caso dos autos, como já foi antes demonstrado.

Se isso não bastasse, é equivocado o entendimento das Rés acerca da disponibilidade jurídica do direito ora defendido pela Autora, em nome dos consumidores arrendatários de veículos.

A norma do inciso V do artigo 6º do Código de Defesa do consumidor é de natureza cogente, como dispõe o artigo 1º, semelhante às normas de proteção dos trabalhadores, do que resulta até mesmo a nulidade de uma eventual cláusula de renúncia prévia do direito à revisão contratual, no caso do surgimento de um fato superveniente que torne excessivamente onerosas as prestações. Fosse assim a norma seria inócua para o fim a que se destina: a proteção do consumidor. O que se almejou com esse código foi evitar que o consumidor se tornasse uma presa fácil de produtores e fornecedores inconseqüentes. O que se infere dos princípios que regem a ordem econômica é a vedação do que se denomina capitalismo selvagem (artigo 170 da CF).

O direito de modificação ou de revisão de cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou que venham a se tornarem excessivamente onerosas por fatos supervenientes é, portanto, indisponível para o consumidor no sentido de ser nula uma eventual cláusula de renúncia prévia desse direito. Isto não significa que o consumidor foi equiparado ao incapaz. Acordos posteriores que restabeleçam o equilíbrio contratual são plenamente válidos, sinalizando o limite da autonomia de vontade.

Por fim, improcede também a alegação de que a Ação Civil Pública seria inadequada para a obtenção de provimento jurisdicional de natureza declaratória desconstitutiva. Valho-me novamente dos ensinamentos dos eminentes doutrinadores supra citados, agora reportando-me à nota n.º 9, ao artigo 1º da Lei 7.347/85, página 1504, da mesma obra: "... Com o advento do CDC, o âmbito de abrangência da LACP foi ampliado, de sorte que podem ser propostas todas e quaisquer ações para a tutela dos direitos protegidos pela LACP(CDC 83, 90; LACP 21). Assim, hoje é possível, v.g, a propositura de ação de anulação de contrato administrativo lesivo ao meio ambiente(Nery, CDC, Coment, 663)...".

Com efeito, nenhum impedimento ou inconveniente há para que se declare, através de Ação Civil Pública, a nulidade de cláusula contratual lesiva a direito ou interesse dos consumidores, vez que o artigo 83 do CDC é claro ao dispor que para a defesa dos direitos e interesses dos consumidores são cabíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.

A propositura desta ação não prejudica em nada o exercício do direito de defesa das Rés e muito menos quaisquer direitos econômicos ou processuais dos consumidores substituídos vez que, pelo disposto no artigo 104 do CDC, a tramitação de ação coletiva não inibe a propositura de ação individual, nem induz a litispendência desta.

Rejeito, portanto também esta preliminar.

II. 5 - POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO

Alegam as Rés que o pedido formulado pela Autora seria juridicamente impossível. Esta preliminar, a exemplo das anteriores, igualmente não procede.

Um pedido somente é juridicamente impossível quando há expressa vedação legal ao seu atendimento, como ocorre, por exemplo, em relação às dividas de jogo, que não podem ser cobradas judicialmente. A pretensão deduzida nestes autos, além de não estar vedada pelo ordenamento jurídico, está legalmente autorizada no inciso V do artigo 6º do CDC.

A existência de dispositivo legal estabelecendo o IPC-R do IBGE como único indexador para os contratos(art.27 da Lei da Lei 9.069/95) não torna o pedido de correção pelo INPC do IBGE juridicamente impossível. O pedido formulado pela Autora é de substituição da variação cambial pela variação do INPC, ou por outro índice legal, que possa reproduzir a realidade da variação inflacionária.

Inobstante isso, o IPC-R deixou de ser calculado e divulgado pelo IBGE a partir de 1º de julho de 1995(artigo 8º da MP 1.106/95), justificando, quando for o caso, sua substituição por outro índice oficial de inflação, que pode ser o próprio INPC do IBGE.

Verdade que o artigo 9º do anexo à Resolução 2309/94 do Banco Central do Brasil determina a indexação de prestações de contratos de arrendamento mercantil pela variação cambial, quando os bens arrendados tiverem sido adquiridos com recursos captados direta ou indiretamente em moeda estrangeira. Disso não se inferir, todavia, pela impossibilidade jurídica de se adotar outro critério de correção, vez que o direito de revisão contratual pleiteado pela Autora está fundamentado em lei (inciso V do artigo 6º da Lei 8.078/90), que, por óbvio, prevalece sobre resoluções e circulares.

Por outro lado, se é certo que o Decreto-lei 857/69 e o artigo 6º da Lei 8.880/94 permitem a adoção da variação cambial como indexador de contratos de arrendamento mercantil em que o bem arrendado tenha sido adquirido com empréstimos externos, por outro, é certo também que isto não significa proibição de adoção dos índices oficiais de inflação nestes contratos, em especial quando a arrendatário for um consumidor final protegido por lei especial, hipótese em que o ordenamento legal deve ser interpretado de forma harmônica. É questão de mérito interpretar como deve ser aplicada ao caso a legislação de regência.

Portanto, o pedido formulado pela Autora é juridicamente possível de ser atendido.

II. 6 - ILEGITIMIDADE PASSIVA "AD CAUSAM" E CARÊNCIA DE AÇÃO EM RELAÇÃO À UNIÃO FEDERAL E AO BANCO CENTRAL DO BRASIL

A União Federal e o Banco Central do Brasil foram incluídos no pólo passivo por força de determinação do Egrégio Tribunal Regional Federal, por decisão do Eminente Desembargador Federal Andrade Martins. Regularmente citadas, essas Rés contestaram o feito argüindo a preliminar de ilegitimidade passiva "ad causam", aduzindo que inexiste pedido formulado contra elas nos autos, quer pela Autora, quer pelas demais Rés.

De fato a Autora não formulou qualquer pedido contra essas Rés, nem houve denunciação da lide por parte das demais Rés. Em decorrência, sem saberem ao certo do que se defenderem apresentaram defesa genérica " ad cautelam". Inviável, portanto, que nessas condições sejam condenadas. Além do mais, pretende-se nesta ação tão somente a modificação de cláusula de contrato de arrendamento mercantil, no qual não figuram como partes solidariamente responsáveis.

Não há, portanto, tal como foi proposta a lide, possibilidade da sentença vir a repercutir na esfera de interesses desses entes públicos federais, notadamente porque aqui não está sendo discutida a responsabilidade objetiva do Estado pela desvalorização da moeda nacional. Sequer seria possível admitir, nestes autos, uma lide secundária com essa finalidade, pelo tumulto processual que isso causaria. Elucidativo dessa impossibilidade é o que se infere do disposto no artigo 88 do CDC.

Portanto, fica acolhida a preliminar de ilegitimidade passiva "ad causam" dessas Rés e também de carência da ação em relação a elas.

II- 7 - ILEGITIMIDADE PASSIVA "AD CAUSAM" DA RÉ SERRA NOVA FOMENTO COMERCIAL LTDA, atual denominação social de BBA CREDITANSTALT FOMENTO COMERCIAL LTDA.

Essa Ré requereu sua exclusão da lide por não praticar operações de arrendamento mercantil. Sob este fundamento foi excluída da lide, decisão que foi suspensa pelo E.TRF. da 3ª Região, em decorrência de Agravo de Instrumento da Autora, mencionado no relatório supra. O Eminente Desembargador Federal Newton de Lucca determinou sua permanência no feito até decisão final a ser proferida nos autos daquele Agravo, o que ainda não ocorreu.

Portanto, sua contestação será analisada na condição de parte legítima.

II.8 - ILEGITIMIDADE PASSIVA "AD CAUSAM" DASRÉS FORD FACTORING FOMENTO COMERCIAL LTDA. E CFS VEÍCULOS LTDA.

A situação das Rés Ford Factoring e CFS Veículos é a mesma da Ré Serra Nova. Inexiste nos autos documentos comprovando que estas empresas praticaram operações de arrendamento mercantil com consumidores finais. Praticaram, é verdade, operações de compra e venda de veículos com financiamento das prestações indexadas em moeda estrangeira, o que é vedado pela legislação, em especial quando o contrato for com consumidor final. Porém, como a lide está limitada objetivamente à revisão da cláusula contratual de variação cambial inserida em contratos de arrendamento mercantil, e não em todos os tipos de contratos com cláusula de variação cambial, inútil será mantê-las no polo passivo, vez que a sentença a ser proferida neste feito não poderá atingir modalidades de operações financeiras não cogitadas na petição inicial, sob pena de se afrontar ao princípio do devido processo legal. Fora isto uma sentença que não se limitasse aos fundamentos do pedido, seria "extra petita".

Por tais razões, acolho a preliminar dessas Rés.

II. 9 –MÉRITO

II. 9. 1 – OS FATOS

O conflito em tela tem sua origem nos planos econômicos destinados a combater a inflação. O primeiro deles foi o denominado plano cruzado, em 1986, quando se pretendeu acabar com a inflação mediante decreto de congelamento de preços e salários. Como esse plano não foi bem sucedido, outros vieram, no mesmo sentido, também sem sucesso, como os denominados: Plano Bresser(1987); Plano Verão (1989); Plano Collor I (1990) e Plano Collor II(1991). Em 1994 foi adotado o Plano Real, o último deles, que diferiu dos demais por combater a inflação mediante uma dolarização indireta da economia e adoção de altas taxas de juros, atingindo, até o momento, o objetivo de combate à inflação, embora com um alto custo social pelo desemprego que gerou.

No início do Plano Real os preços e os salários foram convertidos em um índice reajustável diariamente pela variação da inflação, denominado U.R.V, que, por sua vez, correspondia a aproximadamente um dólar. Com a adoção definitiva do Plano Real(Lei 8880/94), a moeda nacional passou a se chamar "Real", sendo que um real passou valer o equivalente a uma URV, desaparecendo então esse indexador.

Por um longo período o valor do dólar não se desgarrou da paridade um por um. No início do Plano Real, chegou a valer até menos que isso. Todavia, como a inflação continuou existindo, ainda que em pequena escala, a moeda nacional ficou sobrevalorizada em face da moeda estrangeira, sendo que, em 1º de janeiro de 1999, um dólar valia aproximadamente R$ 1,20, ou seja, 20% a mais do que no início do plano, para uma inflação acumulada de 70% no mesmo período. Desnecessário dizer que os agentes do mercado financeiro tinham plena consciência dessa defasagem no valor do dólar norte-americano, bem mais que os consumidores.

Porém, talvez por um equívoco das autoridades monetárias, nada se fez nos cinco anos iniciais do Plano Real para se evitar essa defasagem, vez que a balança comercial se mantinha equilibrada e o nível de divisas do País era satisfatório. Por outro lado, o Banco Central do Brasil controlava o câmbio através de um sistema de bandas cambiais que evitava uma queda do dólar abaixo da banda mínima e um aumento acima da banda máxima, o que, de certa forma, gerava nas pessoas uma sensação de estabilidade da moeda nacional.

Em dezembro de 1998, eclodiu uma crise financeira na Rússia que acarretou a fuga dos investidores estrangeiros nos mercados financeiros de países emergentes como o nosso. Em poucos dias nossas divisas caíram sensivelmente, o que obrigou o Governo Federal a abandonar o sistema de bandas cambiais, permitindo a livre flutuação da cotação das moedas estrangeiras ao sabor da lei da procura e oferta. Com isto, o dólar americano passou de R$ 1,20 para R$ 1,4659 no final de janeiro de 1999 e R$ 1,8984 no final de fevereiro de 1999. Como medida adicional os juros básicos foram sensivelmente elevados, cessando a fuga de capitais. A cotação do dólar, porém, nunca mais se estabilizou, superando hoje os R$2,10.

Fica evidente que os maiores prejudicados com o abandono do sistema de bandas cambiais foram os importadores e os devedores em moeda estrangeira, dentre estes os arrendatários de veículos com prestações indexadas pela variação cambial do dólar norte-americano, inclusive as Rés, que captaram recursos no exterior para adquirirem os veículos arrendados.

Os arrendatários, ora substituídos pela Autora, alegam que essa maxidesvalorização tornou excessivamente onerosa a prestação mensal dos contratos, requerendo, portanto, sua substituição por um índice oficial de inflação, no caso o INPC do IBGE, ou outro índice legalmente previsto, fundamentando esse pedido no inciso V do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90).

As Rés, após argüirem as preliminares já rejeitadas, não concordam, obviamente, com essa pretensão pelas razões deduzidas em suas contestações, mencionadas no relatório supra, as quais adiante serão devidamente analisadas.

II.9.2 - SÍNTESE DAS DISPOSIÇÕES CONTRATUAIS PERTINENTES

Os contratos em questão estabelecem que as prestações mensais devem ser corrigidas pela variação cambial do dólar americano. O valor residual é sempre devido, haja ou não a opção de compra. Existe ainda cláusula vedando a rescisão unilateral, o que implica na impossibilidade de devolução do veículo antes do término do contrato.

II.9.3 – SUBSUNÇÃO DO CONTRATO ÀS DISPOSIÇÕES DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

O contrato de arrendamento mercantil, também denominado de "leasing" pela origem norte americana do instituto, foi concebido inicialmente para facilitar a produção industrial de bens de consumo, propiciando o arrendamento de máquinas e equipamentos de alto valor. Com isso os produtores não precisam comprometer o capital de giro na aquisição de tais bens. Ao final do contrato, podem optar entre adquirir o veículo pelo valor residual pré-fixado, renovar a locação, ou simplesmente devolvê-lo à empresa arrendante por desinteresse na sua aquisição. Entre nós as empresas arrendatárias têm ainda uma excelente vantagem fiscal, consistente em poder deduzir, na apuração do imposto de renda, as despesas mensais do contrato, o que para elas é mais vantajoso do que a contabilização das quotas mensais de depreciação, que devem ser efetuadas ao longo da vida útil do bem. Pelo sistema de arrendamento mercantil o valor do bem é contabilizado como despesa num prazo estimado de 36 meses(tempo do contrato), enquanto que pelo sistema normal de aquisição, o bem leva, em geral, dez anos para ser depreciado, exceto os veículos, cujo prazo é de cinco anos(tempo de vida útil estimado do bem).

A utilização desse instituto por pessoas físicas, na qualidade de arrendatárias, embora permitida pela lei, constitui-se num desvirtuamento de suas finalidades originais, vez que elas não se beneficiam das mencionadas vantagens econômicas e fiscais. Por outro lado, esse desvirtuamento veio apenas beneficiar as instituições financeiras, que viram uma oportunidade de ampliarem o rol de suas operações, inclusive com melhor garantia, criando empresas coligadas de arrendamento mercantil, trilha que foi seguida por algumas das grandes montadoras de veículos.

O eminente jurista Arnold Wald, que por sinal atua neste feito como advogado das Rés Unibanco, CCF e BV, em trabalho publicado na RT 415/10, citado por Rodolfo de Camargo Mancuso, na 2ª edição de sua monografia denominada "LEASING", publicada pela Revista dos Tribunais – São Paulo, 1999, pg. 27, diz que "o leasing é um contrato pelo qual uma empresa, desejando utilizar determinado equipamento, ou um ou certo imóvel, consegue que uma instituição financeira adquira o referido bem, alugando-o ao interessado por prazo certo, admitindo-se que, terminado o prazo locativo, o locatário possa optar entre a devolução do bem, a renovação da locação, ou a compra pelo preço residual fixado no momento inicial do contrato".

Este conceito é perfeitamente coerente com a origem e as finalidades dos contratos de leasing, a que se refere a Lei 6.099/74, modificada pela Lei 7.132/83. A característica essencial desse tipo de contrato, que o difere dos demais, está na possibilidade do arrendatário devolver ou adquirir o bem ao final do contrato, por um pequeno valor, por isso que denominado de residual, caso este bem ainda lhe seja útil. A remuneração da empresa arrendante compreende a soma das prestações e o valor residual. O momento adequado para o exercício da opção de compra é ao final do contrato, porque a evolução tecnológica pode tornar obsoleto o bem arrendado, não mais interessando sua aquisição. Por isso, prevalece a natureza jurídica de uma locação até o momento em que o arrendatário opta pela sua aquisição, quando então o contrato passa a ter a natureza de compra e venda.

A realidade fática revela que os contratos em questão simulam uma verdadeira operação de compra e venda financiada ou, no mínimo, uma operação mista englobando arrendamento mercantil(em relação às prestações do arrendamento mercantil) e compra e venda financiada (em relação às parcelas do valor residual pago antecipadamente, que, diga-se de passagem, é sempre devido, mesmo que o bem seja devolvido). Evidentemente que as empresas arrendantes, ao inserirem nos contratos cláusulas de pagamento obrigatório do valor residual e de proibição de devolução do veículo arrendado antes do término do contrato, descaracterizam a natureza jurídica que lhe foi atribuída, que passa a ter a essência de uma compra e venda financiada, embora rotulados de contratos de arrendamento mercantil. Para o direito importa a realidade. O conteúdo tem mais importância do que o rótulo. A matéria mais importância que a forma.

A título de exemplo cito que no modelo de contrato de arrendamento da Ré Fináustria(fls. 2778/2780) consta a seguinte cláusula: " 07 – Opções do Arrendatário – parágrafo 6º - A Obrigação de pagar o Valor Residual Garantido é autônoma, absoluta e indiscutível, e deverá ser cumprida, pontualmente, caso o arrendatário não opte pela compra do bem."(realcei). No item 8, desse mesmo contrato, consta que " caso o arrendatário já tenha pago o Valor Residual Garantido, este será automaticamente convertido em Preço da Opção de Compra". No parágrafo 1º da cláusula 7ª a opção de compra é presumida caso o arrendatário não se manifeste expressamente. Nota-se, também, nos contratos, que esse valor residual garantido, cujo pagamento, como se viu é sempre obrigatório, é igual ao valor da opção de compra. Confira, por exemplo, no contrato de fl.2833/2834, que figura como arrendante a BCN Leasing, em que o valor residual garantido é de R$58.843,29 e o valor da opção de compra é de R$58.843,30.

Se a contratação é condicionada ao pagamento obrigatório do valor residual, inclusive antecipadamente na maioria dos casos, o qual é devido ainda que a opção de compra não seja exercida ao final do contrato, o arrendatário não tem, de fato, opção alguma. Pode-se dizer que a ele não foi assegurado esse direito –requisito essencial do contrato de arrendamento mercantil – pois ao término do contrato nada mais resta para pagar à empresa arrendante que possa fazê-lo refletir entre devolver, renovar o contrato ou ficar em definitivo com o bem arrendado, ainda que este bem tenha se tornado obsoleto.

Curioso é que a alínea "a" do inciso VII da Resolução BACEN 2309/94 estabelece que a previsão de a arrendatária pagar o valor residual garantido em qualquer momento não caracteriza o exercício da opção de compra. Isso não passa de um artifício em detrimento dos interesses do arrendatário, pois o que se infere da citada resolução é que tais pagamentos possuem a natureza jurídica de adiantamentos à empresa arrendante, a serem compensados ao final do contrato, quando então o valor residual será considerado devido, haja ou não a opção de compra.

O que se nota em contratos desse tipo é um conjunto de disposições de interesse único e exclusivo das empresas arrendantes, com a finalidade de dissimular uma verdadeira operação de financiamento indexada em moeda estrangeira, com menor risco que esta, vedada por lei(art.53 § 3º do CDC), em que o arrendatário, quando consumidor final, nenhuma vantagem tem. Fosse um comerciante ou industrial, ainda se poderia dizer que a operação lhe foi interessante pelas vantagens fiscais já mencionadas.

Houve tempo em que a forma prevalecia sobre a substância. Moacyr Amaral Santos, em sua clássica obra " Primeiras Linhas de Direito Processual", cita exemplo da época do período formulário do direito romano, em que um lavrador requereu indenização por danos sofridos em suas videiras(vites) e perdeu a causa porque deveria ter pedido indenização por danos em árvores(arbor), tal como previa a Lei das XII Tábuas em que se fundava a ação(Saraiva, São Paulo, 1977, 5ª edição, 1º volume, pag. 37). Hoje este formalismo excessivo não mais existe, como fica evidente no direito processual moderno, considerado apenas como um instrumento para a efetivação do direito material.

Não se nota uma atuação satisfatória do Banco Central do Brasil na defesa dos consumidores de serviços bancários e financeiros. Não deveria ter permitido que as empresas de arrendamento mercantil oferecessem a assalariados e autônomos – esse é o perfil do consumidor final – operações financeiras sujeitas ao risco de uma maxidesvalorização da moeda nacional. Nem mesmo os empresários se expõem a esse tipo de risco vez que quando contratam em moeda estrangeira, se garantem com operações de hedge.

Concluindo, não restam dúvidas de que a relação jurídica "sub judice" é de consumo, sujeita, portanto, às normas do Código de Defesa do Consumidor, quer por envolver pessoas que não se beneficiam das vantagens fiscais próprias das operações de arrendamento mercantil; quer porque estas pessoas não estavam de fato locando veículos e sim adquirindo-os a prazo, vez que, existindo cláusula de pagamento antecipado e obrigatório do valor residual, ficaram, na prática, impedidas de devolver o bem ao término dos respectivos contratos, descaracterizando a natureza jurídica que lhes foi atribuída pelas Rés, o que justifica a subsunção de suas cláusulas às normas do CDC, independentemente do disposto no artigo 12 do anexo à Resolução BACEN 2309/96.

Por fim, até mesmo os contratos de arrendamento mercantil típicos, ou seja, aqueles não desvirtuados em sua finalidade essencial, não escapam das normas do Código de Defesa do Consumidor quando os arrendatários forem consumidores finais do bem arrendado, vez que esses contratos não deixam de envolver tanto um fornecimento de bem quanto uma prestação de serviço bancário e financeiro. Em abono deste entendimento reporto-me à doutrina de Rodolfo de Camargo Mancuso:

" Vale ressaltar a elasticidade dos conceitos de produto e serviço, no CDC ‘ Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial’ ; ‘ Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista’ (§§ 1º e 2º do art. 3º). Essas dicções legais, aliadas ao fato de que o aporte financeiro é que viabiliza as operações de arrendamento mercantil, autorizam, ao nosso ver, a conclusão de que a atividade desenvolvida pelas empresas de leasing, compreendendo os produtos e os serviços que elas oferecem no mercado, enquadram-se no âmbito das chamadas relações de consumo, que constituem o mote principal daquele Código, com especial destaque para a disciplina da publicidade, das cláusulas contratuais e das práticas comerciais(arts. 6º, III e IV, 29 e 41)." (Obra supra citada, pag. 14)

II.9.4 CONSTITUCIONALIDADE DO INCISO V DO ARTIGO 6º DA LEI 8.078/90(CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR).

A lide está basicamente fundamentada nesse dispositivo legal, cuja constitucionalidade é questionada pelas Rés, sob o fundamento de ofender o ato jurídico perfeito e o princípio da tripartição dos poderes.

Inicialmente lembro que o Código de Defesa do Consumidor tem seu fundamento de validade nos seguintes dispositivos da Constituição Federal: inciso XXXII, do artigo 5º; o inciso 170 inciso V e artigo 48 do ADCT.

O ato jurídico perfeito é intangível apenas pela lei superveniente, consoante dispõe o inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição Federal. Não é, todavia, imune a decisões do Poder Judiciário. Sequer a lei pode dispor de forma a excluir de sua apreciação, lesão ou ameaça a direito(art. 5º, XXXV). Fosse diferente, inútil seria a existência desse Poder. Bastaria inserir nos contratos todas as iniqüidades possíveis e depois alegar em defesa do ato impugnado, a intangibilidade do ato jurídico perfeito. Aliás, sequer se poderia denominar de perfeito, um ato jurídico que estabeleça para uma das partes, prestações desproporcionais à sua capacidade de adimplemento. Ninguém se obriga ao impossível.

A moratória em decorrência da superveniência de fatos imprevisíveis que tornam as prestações do devedor excessivamente onerosas encontra previsão numa nas primeiras leis escritas que se tem notícia, ou seja, no artigo 48 do Código de Hamurabi, que dispensava o devedor de pagar juros nos anos em que sua colheita fosse devastada por uma tempestade ou não se produzisse trigo por falta de água. A positivação deste direito no Código de Defesa do Consumidor não é portanto, nenhuma novidade, vez que a cláusula "rebus sic stantibus", da qual deriva o dispositivo legal em questão, de há muito já vinha sendo acolhida pela jurisprudência, a despeito da inexistência de previsão explicita na legislação. Trata-se de cláusula que se presume implícita nos contratos pois ninguém se obriga à custa de sua dignidade ou imaginando a própria ruína. O direito moderno não mais se prende ao formalismo oriundo do direito romano, máxime quando o valor justiça está em jogo. Confira, nesse sentido, a construção pretoriana acerca da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

O que o inciso V do artigo 6º do CDC faz nada mais é do que conferir ao magistrado um mínimo de discricionaridade para que possa exercer sua função com certa criatividade, modificando cláusulas que se revelem iníquas. Essa autorização concedida pelo legislador ao juiz, desde que exercida sem abuso, ou seja, limitada à restauração do equilíbrio contratual perdido em decorrência de fato superveniente que tornou as prestações do consumidor excessivamente onerosas, cuja decisão submete-se ao controle pelos recursos próprios previstos na legislação, não representa uma delegação do poder legislativo ao poder judiciário, a ponto de se inquinar esse dispositivo legal de inconstitucional por ofensa ao princípio da separação dos poderes. Dispositivos semelhantes são encontrados nos artigos 4º e 5º da LICC e artigos 85 e 1090 do Código Civil.

Esse mínimo de criatividade e discricionaridade é inerente ao exercício da função jurisdicional. É que o ordenamento legal não consegue prever todos os casos que possam ensejar conflitos. Além disso, as palavras constantes da lei carecem de interpretação por representarem apenas símbolos utilizados pelo legislador para se expressar. Esses símbolos muitas vezes possuem significados que variam até mesmo conforme o costume do local onde são usados, ou são vagos e ambíguos.

No Estado democrático de direito, que pressupõe um sistema de tripartição dos poderes, cabe ao juiz dirimir os conflitos decorrentes de divergências na interpretação e aplicação da lei ou mesmo decorrentes de lacunas no ordenamento legal, não podendo se eximir sob este fundamento. Isto o obriga a decidir com criatividade e discricionaridade, pois toda decisão representa uma opção dentre as várias possíveis. Embora discricionária, a decisão judicial não será arbitrária se estiver devidamente fundamentada(CF, artigo 93, IX).

Por tais razões, não vejo inconstitucionalidade no dispositivo legal combatido pelas Rés.

II.9.5 - A QUESTÃO DE FUNDO – ALTERAÇÃO DA CLÁUSULA CONTRATUAL DE VARIAÇÃO CAMBIAL POR CLÁUSULA DE CORREÇÃO MONETÁRIA DAS PRESTAÇÕES, PELO INPC DO IBGE OU POR OUTRO ÍNDICE LEGAL QUE REFLITA A INFLAÇÃO

Neste último tópico abordarei as alegações das Rés de que a cláusula contratual ora combatida deve ser mantida, quer porque amparada na legislação pertinente, quer porque elas não experimentaram lucro em detrimento dos consumidores, considerando o fato de que os veículos arrendados foram adquiridos mediante a captação de recursos externos também onerados pela variação cambial e, finalmente, porque a maxidesvalorização era previsível ao tempo da contratação, representando um risco assumido pelas partes, disso decorrendo a impossibilidade de se alterar o que foi livremente contratado.

É certo que tanto o artigo 6º da Lei 8.880/94, quanto o artigo 9º do anexo à Resolução n.º 2309/96 do Banco Central do Brasil, estabelecem que o reajustamento das prestações dos contratos de leasing deve ser efetuado pela variação cambial, quando o bem contratado tiver sido adquirido com recursos captados direta ou indiretamente no exterior, o que é o caso dos autos, como se nota nos documentos que foram juntados pelas Rés. Logo, não se pode lhes atribuir a acusação de que tiveram lucro com a maxidesvalorização do real em janeiro de 1999. Como os recursos captados em moeda estrangeira foram aplicados em operações indexadas na mesma moeda, não havia risco cambial que justificasse a cobertura mediante operações de hedge. Certo também que havia uma previsibilidade das partes acerca da possibilidade de uma desvalorização da moeda nacional, porém não tão acentuada e abrupta como foi.

Estes fatos servem tão só para demonstrar que as Rés agiram de boa-fé, o que reconheço. Porém, uma análise mais acurada do inciso V do artigo 6º do CDC revela que para o reconhecimento do direito do consumidor à revisão do contrato, basta tão somente o surgimento de um fato superveniente que tornem as prestações excessivamente onerosas. A lei não exige a total imprevisíbilidade do fato ao tempo da contratação e nem que o fornecedor tenha experimentado um ganho extra com o fato. Neste ponto o legislador avançou em relação à clássica teoria da imprevisão, aplicável agora apenas nas relações jurídicas que não envolvam os consumidores finais. Vejamos, com atenção, o texto do inciso V do artigo 6º do CDC, "in verbis":

"Art. 6º - São direitos básicos do consumidor:

V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas."

Rogério Ferraz Donnini, em excelente monografia denominada " A revisão de contratos no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor", Saraiva, São Paulo – 1999, analisando precisamente o ponto em questão, afirma: " A Segunda hipótese que trata o artigo em espécie é a possibilidade de revisão judicial da cláusula de preço, que era eqüitativa por ocasião da celebração do contrato e se tornou excessivamente onerosa para o consumidor. Ao contrário da clássica teoria da imprevisão aplicada na relação entre particulares, a norma ‘sub stúdio’ não exige que o acontecimento superveniente seja imprevisível e excepcional. Basta, para tanto, que haja a quebra do equilíbrio contratual, a ausência de equivalência nas prestações, gerando, dessa forma, onerosidade excessiva para o consumidor. Em sendo assim, para que este possa pleitear, em juízo, a revisão da cláusula que provoque esse desequilíbrio do contrato não se faz necessária a comprovação de que o fato seja imprevisível, imprevisto, extraordinário ou mesmo irresistível, mas apenas um acontecimento superveniente, que poderia ter sido previsto e não foi, e que cause onerosidade excessiva para o consumidor". (pag.171).

No mesmo sentido é o entendimento de Claudia Lima Marques in" Contratos no Código de Defesa do Consumidor – 2ª ed. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1995, pg. 298/299, mencionando esta eminente jurista, a conclusão n.º 3 do II Congresso Brasileiro de Direito do Consumidor – Contratos no ano 2000 : " Para fins de aplicação do art. 6º, V, do CDC não são exigíveis os requisitos da imprevisibilidade e excepcionalidade, bastando a mera verificação da onerosidade excessiva".

Disso tudo se infere que as Rés podiam e deviam, de fato, inserir nos contratos de arrendamento de veículos a cláusula de correção das prestações pela variação cambial vez que os bens arrendados foram adquiridos com empréstimos captados em moeda estrangeira. Não podiam, entretanto, ter inserido nesses contratos a cláusula de pagamento antecipado e obrigatório do valor residual, porque, pelas razões já expostas, com isso alterou-se a natureza jurídica dos contratos que passaram a ser de compra e venda a prazo, o que, por si só, torna nula a cláusula de correção das prestações pela variação cambial, face à vedação nesse sentido, constante no artigo 53, § 3º do CDC. Sem prejuízo dessa nulidade contratual, não poderiam ainda ignorar os riscos que corriam ao firmarem contratos a prazo com consumidores finais, os quais, por força das disposições do Código de Defesa do Consumidor, estão protegidos contra fatos supervenientes que acarretem onerosidade excessiva em suas prestações.

Uma interpretação harmônica do ordenamento jurídico revela que sequer existe conflito aparente entre as normas em estudo. As Rés podiam firmar contratos de arrendamento mercantil com cláusula de variação cambial com consumidores finais desde que não inserissem cláusulas que alterassem a respectiva natureza jurídica transformando-os em contratos de compra e venda a prazo e, desde que estivessem dispostas a assumir o risco de uma maxidesvalorização que tornassem as prestações dos consumidores excessivamente onerosas, caso em que delas seria o prejuízo. Se não estavam dispostas a assumir este risco, não deveriam ter contratado com consumidores finais.

Não procede, portanto, a alegação feita pelas Rés CCF, BV Leasing e Unibanco Leasing, de que esta ação estaria apenas fundamentada na equidade. Pelo contrário, está fundamentada em expresso dispositivo legal que encontra fundamento de validade na Constituição Federal, como já foi analisado.

É fato notório e incontroverso nos autos que em janeiro de 1999 o dólar estadunidense experimentou uma expressiva valorização em face da moeda nacional, que passou de R$ 1,20 para R$ 1,70, estando hoje cotado a mais de R$ 2,00. Evidentemente que esse fato implicou em onerosidade excessiva para os consumidores que tinham contratos de arrendamento mercantil de veículos com correção das prestações pela variação cambial daquela moeda. Não se pode desconsiderar que a grande maioria dos arrendatários, em especial os que adquiriram veículos na condição de consumidores finais, são pessoas que vivem do rendimento do trabalho assalariado ou como autônomos.

Esses consumidores ficaram em situação extremamente complicada, vez que não tinham como obter aumento em seus rendimentos no mesmo percentual da variação cambial. Não podiam também rescindir os contratos mediante a devolução do bem arrendado, por força de cláusula contratual vedando essa possibilidade, a qual, diga-se de passagem, insere-se no conjunto de disposições contratuais tendentes a mascarar um verdadeiro contrato de compra e venda financiada, com prestações indexadas em moeda estrangeira, o que é vedado pelo citado parágrafo 3º do artigo 53 do CDC, como acima foi comentado.

Verdade que, em janeiro de 1999, a maioria das pessoas tinham consciência de que a qualquer momento poderia ocorrer uma desvalorização da moeda nacional em percentual acima da inflação cuja necessidade já se justificava pela defasagem acumulada nos meses anteriores, causando problemas na balança comercial. Porém não no nível em que ocorreu, surpreendendo até mesmo os experientes agentes do mercado financeiro. Quando estes rumores surgiram no mercado financeiro, ou seja, entre dezembro de 1998 e início de janeiro de 1999, os contratos já tinham sido assinados. Logo, não é correto dizer que os consumidores assumiram o risco da maxidesvalorização da moeda.

Uma coisa é preciso deixar claro: quem assumiu os riscos do negócio foram apenas as Rés, que podiam e deviam prever a possibilidade de uma desvalorização da moeda nacional em nível superior ao da inflação e, mesmo assim, continuaram a firmar contratos de leasing com variação cambial indiferente à sorte de seus clientes. Esqueceram-se, no entanto, que os arrendatários consumidores finais estavam legalmente protegidos contra a superveniência de fatos que tornassem excessivamente onerosas suas prestações, mesmo que esse fato fosse previsível e mesmo que disso não resultasse lucro para o fornecedor. A lei não permite que o fornecedor transfira os riscos de seu negócio ao consumidor.

Assim, o prejuízo pela maxidesvalorização deve ser assumido unicamente pelas Rés senão pelas razões legais supra mencionadas, também porque os consumidores, na sua grande maioria assalariados e autônomos, ficaram economicamente impossibilitados de assumi-lo. Quem tinha um salário de R$ 1.000 e uma prestação de R$ 350,00, relativa ao financiamento de um modelo básico do Ford Ka, por exemplo, de repente viu-se com uma prestação superior a metade de seu salário bruto.

Inútil dizer, ainda, que os consumidores optaram pela variação cambial por ser esta modalidade de contratação menos onerosa do que as demais modalidades disponíveis. Isso não corresponde aos fatos. As prestações das demais modalidades estavam fora das possibilidades da maioria dos consumidores, vez que embutiam juros muito altos.

Finalizando, o Código de Defesa do Consumidor, que completou dez anos de existência, não pode mais ser esquecido pelos fornecedores de bens e serviços. O consumidor deve ser tratado como um parceiro e não mais como a vítima do negócio. O solidarismo social é uma tendência do Direito Civil no terceiro milênio. As intervenções do Estado na autonomia da vontade das partes, que já vieram e que estão por vir, sinalizam no sentido de transformar o que antes era apenas um dever ético e moral num dever jurídico: não basta viver honestamente e dar a cada um o que é seu; é preciso não causar prejuízos aos outros com comportamentos indiferentes.

A esse respeito, confira o seguinte texto de Mauro Cappellettti, in " Acesso à Justiça", tradução de Ellen Gracie Nortthfleet, Sérgio Antônio Fabris Editor, Porto Alegre, 1988, pag. 10 : " À medida que as sociedades do ‘ laissez-faire’ cresceram em tamanho e complexidade, o conceito de direitos humanos começou a sofrer uma transformação radical. A partir do momento em que as ações e relacionamentos assumiram, cada vez mais, caráter mais coletivo que individual, as sociedades modernas necessariamente deixaram para traz a visão individualista dos direitos, refletida na "declaração dos direitos", típicas nos séculos dezoito e dezenove. O movimento fez-se no sentido de reconhecer os direitos e deveres sociais dos governos, comunidades, associações e indivíduos. Esses novos direitos humanos, exemplificados no preâmbulo da Constituição Francesa de 1946, são, antes de tudo, os necessários para tornar efetivos, quer dizer, realmente acessíveis a todos, os direitos antes proclamados. Entre esses direitos garantidos nas modernas constituições estão os direitos ao trabalho, à saúde, à segurança e à educação. Tornou-se lugar comum observar que a atuação positiva do Estado é necessária para assegurar o gozo de todos esses direitos básicos. Não é surpreendente, portanto, que o direito ao acesso efetivo à justiça tenha ganho particular atenção na medida em que as reformas do ‘ welfare state’ têm procurado armar os indivíduos de novos direitos substantivos em sua qualidade de consumidores, locatários, empregados e, mesmo, cidadãos. De fato, o direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação. O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretende garantir, e não apenas proclamar, os direitos de todos".

Por tais razões os consumidores têm direito à revisão de seus contratos de arrendamento mercantil.

Restam, todavia, alguns esclarecimentos finais.

O pedido da Autora é declaração de nulidade da cláusula de correção das prestações pela variação cambial do dólar norte-americano e sua substituição pela variação da inflação medida pelo INPC do IBGE, ou outro índice legal que reflita a realidade da variação inflacionária. O INPC do IBGE é, no momento, o índice oficial que melhor reflete a inflação, sendo, portanto, o ideal para a atualização dos contratos, considerando-se que o IPC-R foi extinto em 1º de julho de 1995(MP 1.106/95, art.8º). As prestações deverão ser corrigidas por esse índice desde o início dos contratos evitando-se, com isso, maiores prejuízos às Rés em relação ao período em que, apesar da inflação, a moeda nacional não se desvalorizou em face da moeda norte-americana.

Por consumidor final entenda-se apenas as pessoas físicas e as pessoas jurídicas sem finalidades lucrativas vez que as pessoas jurídicas com finalidades lucrativas adquirem veículos para utilizá-los em suas atividades comerciais, repassando o valor das prestações no preço dos produtos e ou dos serviços vendidos. Logo, estas pessoas jurídicas não podem ser consideradas consumidoras finais ainda que o veículo seja utilizado em setores de apoio às suas atividades fins.


III - DISPOSITIVO

POSTO ISSO, e o que mais consta dos autos:

1- Julgo extinto o feito, sem apreciação do mérito, em relação às Rés União Federal, Banco Central do Brasil, Ford Factoring Fomento Comercial Ltda. e CFS Veículos Ltda, com fundamento no artigo 267, inciso VI do CPC. Sem condenação da Autora nas custas e nos honorários advocatícios, ante à inexistência de má-fé na propositura da ação, conforme dispõe o artigo 87 do CDC e o artigo 18, da Lei 7.347/85.

2- julgo procedente o pedido em face das demais Rés, declarando nula a cláusula de variação cambial inserida nos contratos de arrendamento mercantil de veículos envolvendo consumidores finais domiciliados no Estado de São Paulo, firmados antes de maxidesvalorização do real ocorrida em janeiro de 1999. Essa cláusula fica substituída pela de correção monetária, adotando-se para esse fim, desde o início do contrato, a variação mensal da inflação medida pelo INPC do IBGE. Em conseqüência, fica assegurado aos consumidores o direito à restituição do que eventualmente pagaram a maior, devidamente atualizado, ressalvados os casos de acordo ou de sentença proferida em ação individual proposta pelo consumidor(art.104,CDC).

3- Condeno as Rés ao pagamento das custas processuais "ex lege" e de honorários advocatícios à Autora, que ora fixo em 20% do valor atualizado da causa, divididos em partes iguais.

4- Enquanto não transitada em julgado esta sentença, permanece em vigor a tutela antecipada, com as alterações do E.TRF da 3ª Região, a que se referem o Agravo de Instrumento n.º 1999.03.00.4652-2 e o Mandado de Segurança n.º MS 187.799,Registro n.º 1999.03.00.008600-3.

5- Para fins de liberação do veículo, os arrendatários ficam autorizados a depositarem à disposição deste juízo, junto ao PAB-Justiça Federal - Forum Pedro Lessa - da Caixa Econômica Federal, a diferença entre a variação cambial e a variação do INPC do IBGE, cujos valores permanecerão indisponíveis até o trânsito em julgado desta sentença. Os requerimentos deverão ser instruídos com cópia do depósito e ficarão arquivados em pasta própria na secretaria.

6- Oficie-se ao Banco Central do Brasil e ao Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, órgão vinculado ao Ministério da Justiça, com cópia dos documentos de fls. 230, 374, 379, 3708, 4517/4521 e 6268, onde se constata que as empresas SERRA NOVA FOMENTO COMERCIAL LTDA, atual denominação social de BBA Creditanstalt Fomento Comercial Ltda., CFS Veículos LTDA., Banco Citibank S.A e Ford Factoring Fomento Comercial Ltda., efetuaram operações de financiamento de veículos com prestações indexadas em moeda estrangeira, o que é vedado pelo artigo 53 § 3º do Código de Defesa do Consumidor e pelo artigo 6º da Lei 8.880/94.

7- Oficie-se aos Eminentes Desembargadores Federais relatores dos Agravos de Instrumentos pendentes de julgamento e do Mandado de Segurança supra mencionado, acerca desta sentença.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

São Paulo, 27 de março de 2001

JOSÉ HENRIQUE PRESCENDO
Juiz Federal Substituto.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PRESCENDO, José Henrique. Substituição do dólar pelo INPC: sentença é favorável na ação da OAB/SP. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16401. Acesso em: 23 dez. 2024.

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