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Danos morais, estéticos e materiais por acidente de trabalho:

competência da Justiça do Trabalho

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01/04/2003 às 00:00
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Sentença fazendo extensa análise da reclamação trabalhista reivindicando indenização por danos morais, estéticos e materiais em decorrência de acidente de trabalho, concluindo pela competência da Justiça do Trabalho.

ATA DE AUDIÊNCIA

Aos cinco dias do mês de fevereiro, do ano 2.003, às 17:59 horas, na 3ª VARA FEDERAL DO TRABALHO DE CUIABÁ – MT (ITINERANTE EM JUÍNA – MT), por determinação do JUIZ JOÃO HUMBERTO CESÁRIO, foi aberta a sessão de julgamento relativa ao processo 00235.2002.003.23.00-5, no qual contendem WALMIR BATISTA DOS SANTOS (RECLAMANTE) e JOSÉ KAWA (1º RECLAMADO), mais ANA MARIA KAWA (2ª RECLAMADA).

Observadas as formalidades inerentes, o processo foi submetido a julgamento, sendo proferida a seguinte sentença:


I – RELATÓRIO

WALMIR BATISTA DOS SANTOS (RECLAMANTE), ajuizou a presente reclamatória em face de JOSÉ KAWA (1º RECLAMADO) e ANA MARIA KAWA (2ª RECLAMADA), em 27.02.02.

Disse ter trabalhado a partir de 10.04.00, na função de serviços gerais, recebendo salário mensal de R$250,00, sem anotação em CTPS, sofrendo dois acidentes de trabalho, nas datas de 18.06.01 e 22.11.01.

Formulou, face aos fatos e fundamentos expendidos, os pedidos elencados no libelo de fls. 02/12. Apresentou os documentos colacionados às fls. 13 usque 35 dos autos. Deu à causa o valor de R$11.769,99.

Por seu turno, os reclamados, regularmente citados, não compareceram à sessão inaugural da audiência (ata de fls. 40), deixando de apresentar suas respectivas respostas, razão pela qual o autor requereu fossem os mesmos considerados revéis e confessos quanto à matéria fática.

Nada mais requerido, sendo encerrada a dilação probatória, com autos conclusos para decisão.

Julgamento convertido em diligência, com determinação de realização de prova pericial, colimando o estabelecimento de diretrizes técnicas acerca dos infortúnios físicos noticiados.

Laudo pericial encartado às fls. 58/65 dos autos.

Manifestação do vindicante, quanto ao laudo, às fls. 70/71.

Designada nova sessão de audiência.

Nada mais requerido, sendo encerrada a dilação probatória (ata de fls. 79).

Razões finais orais remissivas pelo autor.

Prejudicadas as razões finais dos réus, em virtude da reiterada ausência.

Prejudicadas ambas as tentativas conciliatórias.

Este, no que importa, o relatório.

Cuidadosamente vistos e examinados, decido.


II – FUNDAMENTAÇÃO

PRELIMINARMENTE

COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO

Cuida-se o caso vertido de reclamação trabalhista versando sobre responsabilidade civil acidentária do empregador, onde são postuladas, basicamente, indenizações reparadoras de supostos danos materiais, morais e estéticos.

Sendo assim, embora os réus, que sequer apresentaram defesa, não tenham, por óbvio, eriçado preliminar de incompetência ratione materiae do Juízo Trabalhista para conhecimento da causa sub exame, penso ser importante o enfrentamento de tal questão, na medida em que ainda reinante, conquanto que de forma esmaecida, vetusta celeuma doutrinária e jurisprudencial acerca da temática, bem como porque, ex vi legis (par. 3º do artigo 267 do CPC – par. 4º do artigo 301 do CPC), dela poderia de ofício.

Dessarte, passo doravante ao desafio da matéria.

Tenho para comigo que, aferida sob a perspectiva da concordância prática a mensagem legislativa dos artigos, 7º XXVIII, 109, I e 114, caput, da Magna Carta Política vigente, sobressai insofismável a competência da Justiça do Trabalho para o deslinde da disciplina acidentária.

Tal constatação, se não chega a ser elementar, não demanda maior argúcia para sua compreensão.

Almejando uma melhor apreensão do afirmado, afigura-me necessário proceder a um breve escorço histórico-constitucional da quaestio ventilada.

Como é de palmar conhecimento, as antigas Constituições Republicanas de 1946, 1967 e 1969 alardeavam peremptoriamente que os dissídios relativos a acidentes do trabalho eram de competência da Justiça Comum, quando então não seria plausível a tese que ora referendo.

Entrementes, aquele que deseja ser fidedigno ao texto da Constituição promulgada em 1988, não pode olvidar o fato de que a mesma, em nenhum de seus mandamentos, preconiza expressamente que competência material discutida seria hodiernamente atribuída à Justiça Ordinária.

Tal mudança de orientação, encampada pelo constituinte originário de 1988, por si só intuitiva, demonstra com solar clareza a opção de se transferir o julgamento das causas acidentárias de responsabilidade do empregador para a Justiça Especializada Trabalhista, em virtude da natural afinidade de seus magistrados com o temário, corrigindo-se inexplicável anomalia legal outrora referendada.

Em tal diapasão, trago o escólio do Professor José Augusto Rodrigues Pinto:

Considerando não haver na Constituição atual nenhuma norma conservando essa exclusão da competência trabalhista para conhecer de dissídios de acidentes no trabalho, parece-nos fora de dúvida que eles devem passar a ser julgados pelos órgãos da Justiça do Trabalho, em harmonia com a regra geral e natural da competência em razão da matéria [1].

Se assim não fosse, não teria afiançado o mesmo constituinte originário, no artigo 7º, XXVIII, da CRFB, ser direito dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria de sua condição social, o necessário seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa, afirmando ainda, mais adiante, já no caput do artigo 114, competir à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores.

Como poderia a Constituição da República, sem incorrer em bisonho contrasenso, dizer que o empregador está obrigado a indenizar o trabalhador acidentado, apregoando mais adiante que compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar dissídios entre trabalhadores e empregadores, para empós, contraditoriamente, dirigir a competência do julgamento da responsabilidade acidentária desse mesmo empregador à Justiça Estadual???!!!

Não se venha argumentar que o artigo 109, I, in fine, da CR/88, ao excluir a competência dos Juízes Federais para julgamento das causas acidentárias, ressalvando a incompetência dos mesmos para as ações sujeitas à Justiça do Trabalho, estaria a transferir os assuntos da infortunística laboral para o juízo ordinário.

Decididamente não.

Harmonicamente interpretados os artigos 7º, XXVIII, 109, I e 114 caput, da Constituição, não posso chegar a conclusão diversa, senão àquela de que a Carta Política está a dirigir para o seio da Justiça Comum as causas acidentárias de responsabilidade objetiva da Previdência Social, e não aquelas de responsabilidade subjetiva do empregador.

Tal arremate prima pela lógica jurídica.

Ocorre que, se por um lado, o parágrafo 3º do multicitado artigo 109 da CR/88, assevera que serão processadas e julgadas no Judiciário Estadual, as causas em que estiverem litigando instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do Juízo Federal, por outra cardeal, está a dizer a parte final do inciso I, do mesmo artigo 109, que ainda que na comarca exista juízo federal, as causas acidentárias de natureza previdenciária serão sempre julgadas pela Justiça Comum, mesmo que nelas figurem, na polaridade passiva, uma entidade autarquia federal, no caso, o INSS.

Em sendo assim, a única construção plausível de se extrair do caput do artigo 114 da Lei Máxima, seria aquela que dirige ao Juiz do Trabalho a competência para conciliar e julgar todos e quaisquer dissídios entre empregados e empregadores, não importando se a matéria ventilada seja civil ou trabalhista stricto sensu.

Aliás, redargüindo eventual ponderação de operadores jurídicos mais desavisados, devo esclarecer que, ao revés do que se tem equivocadamente preconizado, a parte final do caput do artigo 114 da CR/88 não rende ensanchas à necessidade de edição de lei infraconstitucional que permita ao magistrado trabalhista o julgamento de questões cíveis resultantes da relação de emprego.

Tal viés interpretativo, incrustado de pueril primariedade, merece ser veementemente rechaçado.

O fato é que, a exigência formulada no mandamento constitucional enfocado, dirige-se à necessidade de lei que permita ao Juiz do Trabalho conhecer de outras controvérsias resultantes da relação de trabalho, e não da relação de emprego (como é elementar, relação de trabalho é gênero, da qual a relação de emprego é espécie), como já faz a CLT em seu artigo 652, incisos III e IV, que estende a competência do Judiciário Trabalhista para os dissídios resultantes de contratos de empreitada em que o empreiteiro seja operário ou artífice, bem como para as ações entre trabalhadores portuários e operadores portuários.

Com efeito, e já que mencionei a Consolidação das Leis do Trabalho, curvo-me ainda ao dever de advertir que, diante de todo o acima articulado, resta notória a conclusão de que a arcaica redação do parágrafo 2º de seu artigo 643, que apregoa a sujeição das questões referentes a acidentes do trabalho à Justiça Ordinária, não foi obviamente recepcionada pela vigente Constituição da República.

Enfim, já guisa de conclusão, carreio para o interior do presente decisum a jurisprudência construída pelos tribunais pátrios acerca do tema desafiado, começando mesmo pela própria Justiça Estadual, representada pelo Tribunal de Alçada de Minas Gerais:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – ACIDENTE DE TRABALHO – ARTIGO 114 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA ESTADUAL – RECONHECIMENTO EX OFFICIO – NULIDADE DOS ATOS DECISÓRIOS. - Decidiu o Supremo Tribunal Federal, intérprete maior do texto constitucional, que é da competência da Justiça do Trabalho processar e julgar controvérsia decorrente da relação de emprego, aí incluída a ação de indenização por danos morais e materiais decorrentes de acidente sofrido pelo empregado no exercício de sua profissão. De acordo com a dicção do artigo 113, parágrafo 2º do CPC, a incompetência absoluta acarreta a nulidade dos atos decisórios praticados; os demais, em homenagem aos princípios da instrumentalidade e da economia processual, devem ser preservados [2].

Seguindo a trilha da exposição jurisprudencial, apresento a visão dos regionais trabalhistas, inicialmente representada pelo E. TRT da 3ª Região:

COMPETÊNCIA - DANOS MORAIS, ESTÉTICOS E MATERIAIS - ACIDENTE DO TRABALHO - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. A competência da Justiça do Trabalho assenta-se em texto constitucional. O artigo 114, da CF, atribui a essa Especializada a competência para "conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho..." (grifos meus). Ora, a discussão acerca do direito à reparação dos danos patrimoniais e morais experimentados por força de um acidente do trabalho decorre, necessariamente, da existência de um contrato de trabalho. A proteção à integridade e dignidade do empregado constitui obrigação legal do empregador, alíneas "a", "b" e "e", do artigo 483, da CLT, tendo, portanto, um conteúdo econômico integrante do contrato de trabalho. A relação de emprego constitui o antecedente lógico-necessário, sem a qual não haveria que se falar em acidente do trabalho e reparação da lesão. O dano emergiu de uma relação jurídica trabalhista, e por essa razão nada mais coerente e lógico do que a Justiça do Trabalho examinar e julgar a responsabilidade do causador do dano, o empregador [3].

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No mesmo diapasão, trago, por oportuno, o posicionamento do nosso E. Regional da 23ª Região:

ACIDENTE DE TRABALHO. INDENIZAÇÃO POR DANO PATRIMONIAL E MORAL. COMPETÊNCIA. A indenização por dano material pleiteada na peça de ingresso é decorrente de acidente ocorrido enquanto em vigor o liame empregatício havido entre as partes, emergindo daí e do disposto no artigo 114 da Constituição da República a competência da Justiça do Trabalho para apreciá-la. A Carta Magna não exige que o direito questionado ou a norma a ser aplicada pertença ao campo do direito do trabalho para fixação da competência desta Justiça Especializada, basta que a controvérsia decorra da relação de emprego, como ocorreu no caso concreto. Nesse sentido, decidiu o STF no conflito de jurisdição nº 6956-6, verbis: "A determinação da competência da Justiça do Trabalho não importa que dependa a solução da lide de questões de direito civil, mas sim, no caso, que a promessa de contratar, cujo alegado conteúdo é o fundamento do pedido tenha sido feita em razão da relação de emprego, inserindo-se no contrato de trabalho." [4]

Imprescindível ainda a palavra do Colendo Tribunal Superior do Trabalho:

ACIDENTE DE TRABALHO - AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANO FÍSICO - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Sendo distinta a ação acidentária ajuizada contra o INSS (CF, art. 109, I, § 3º) e a ação indenizatória decorrente de acidente de trabalho (CF, art. 7º, XXVIII), e considerando que o Empregado somente poderia, em tese, sofrer acidente de trabalho no exercício da sua profissão, ou seja, estando vinculado contratualmente a um Empregador, não há como se afastar a competência material desta Especializada para julgar ação de indenização por dano físico, nomeadamente porque é pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que a Justiça do Trabalho detém competência material para julgar ação de reparação por dano moral. São danos ontologicamente idênticos, porquanto derivam da mesma matriz - a relação de trabalho. Daí a inafastabilidade da competência desta Especializada. Revista conhecida e não provida. [5]

Ao final, como não poderia deixar de ser, a jurisprudência oriunda do Excelso Pretório:

RECURO EXTRAORDINÁRIO – MEDIDA CAUTELAR – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM OU DA JUSTIÇA DO TRABALHO – DANOS DECORRENTES DE ACIDENTE DE TRABALHO - É de deferir-se medida cautelar de suspensão dos efeitos do acórdão objeto de RE já admitido na origem e adstrito a questão de competência da Justiça Comum ou da Justiça do Trabalho para o processo, quando, à primeira vista, a solução dada na instância a quo, ao firmar competência da Justiça Estadual para o caso – ação de indenização contra o empregador por danos decorrentes de acidente de trabalho -, é contrária à orientação do Supremo Tribunal. [6]

Ex positis, em face de toda a minha argumentação apresentada, corroborada pela lição doutrinária do ilustre Professor José Augusto Rodrigues Pinto, e diante da torrencial jurisprudência perfilhada, composta por acórdãos da Justiça Estadual, dos Regionais Trabalhistas, do Tribunal Superior do Trabalho e do Supremo Tribunal Federal, declaro enfaticamente a inequívoca competência material da Justiça do Trabalho para conhecimento do vertente processado.

MÉRITO

AUSÊNCIA DOS RECLAMADOS EM AUDIÊNCIA (ARTIGO 844 DA CLT) – NÃO APRESENTAÇÃO DE RESPOSTA (ARTIGO 319 DO CPC) - REVELIA E CONFISSÃO FICTA QUANTO À MATÉRIA FÁTICA QUE SE RECONHECE

Não comparecendo os reclamados à sessão inaugural da audiência (artigo 844 da CLT), não obstante regularmente notificados para tanto (fls. 38v e 39v), deixando, em decorrência, de apresentar suas respectivas respostas (artigo 319 do CPC), são considerados revéis e confessos quanto à matéria fática.

Nada obstante, os efeitos da confissão ficta, ensejando mera presunção relativa de veracidade dos fatos articulados na primígena, não acarretam no imediato acolhimento dos pedidos contidos na aludida peça processual, os quais serão ainda desafiados sob a ótica do direito, e em relação aos demais elementos existentes nos autos, mormente a prova técnica produzida por minha determinação.

DECLARAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO – PARÂMETROS DO ALUDIDO CONTRATO – ANOTAÇÃO DA CTPS - RECONHECIMENTO DE ACIDENTES DO TRABALHO SOFRIDOS – EMISSÃO DO CAT - IMPOSSIBILIDADE DE IMEDIATO RETORNO DO OBREIRO AO LABOR - SUSPENSÃO DO LIAME CONTRATUAL – AUSÊNCIA DE CONDIÇÃO NECESSÁRIA AO RECONHECIMENTO DE GARANTIA DE EMPREGO

Aduz o reclamante que trabalhou para os reclamados, a partir de 10.04.00, na função de serviços gerais, com salário mensal de R$250,00, sem ter sua CTPS assinada, sofrendo dois acidentes de trabalho, nas respectivas datas de 18.06.01 e 22.11.01, ocorridos em virtude da negligência de seus empregadores, diante das péssimas condições de operação das máquinas planadeira e destopa com que labutava, bem como da ausência de equipamentos de proteção individual, em cabal afronta ao artigo 166 da CLT..

Postula, em face do articulado, a anotação de sua CTPS, bem como seu retorno ao emprego, expedindo-se o necessário Comunicado de Acidente de Trabalho (CAT) ao INSS, com o reconhecimento de garantia de emprego, pelo prazo de doze meses, com espeque no artigo 118 da Lei 8.213/91. Sucessivamente, pugna pela rescisão indireta do vínculo empregatício.

Como já visto, os reclamados são revéis e confessos quanto à matéria fática.

De outro tanto, denoto que inexistem nos autos quaisquer elementos que possam elidir a confissão ficta já pronunciada.

Antes, constato a existência de prova pericial, realizada por minha determinação, encartada às fls. 58/65 do caderno processual, corroborando, in totum, as assertivas vazadas pelo vindicante.

Com efeito, passo a decidir.

Ab initio, declaro a existência de liame empregatício típico entre os litigantes, nos moldes afirmados na inicial, reconhecendo a ocorrência dos noticiados acidentes de trabalho, ocorridos em virtude de culpa inequívoca dos vindicados.

Em sendo assim, determino à Secretaria da Vara que, ex vi do parágrafo 1º do artigo 39 da CLT, proceda à anotação da CTPS do autor, com data de admissão em 10.04.00, salário mensal de R$250,00 e função de serviços gerais.

Na mesma esteira, determino aos empregadores do demandante, que procedam, no prazo de 48 horas após o trânsito em julgado da presente, a necessária emissão dos respectivos Comunicados de Acidente de Trabalho, para que o obreiro possa se habilitar junto à Previdência Social, ao percebimento do auxílio-doença acidentário a que faz jus.

Como forma de assegurar a efetivação da tutela específica da obrigação de fazer, determino, caso não haja cumprimento espontâneo do mandamento contido no parágrafo anterior, que a própria Secretaria da Vara providencie a expedição do CAT, o que faço com espeque no artigo 644 do CPC e no parágrafo 5º do artigo 461 do mesmo codex adjetivo, levando em conta as peculiaridades do caso concreto, onde os reclamados, como já visto, são revéis, havendo contundentes indícios da possibilidade do vindicante não alcançar êxito na execução da sentença.

De outro viés, rejeito o pedido de retorno imediato do reclamante ao labor, na medida em que desaconselhado pelo expert do juízo em seu bem elaborado laudo de fls. 58 usque 65, que, no último parágrafo do fls. 59, concluiu que o acatamento da postulação poderia expô-lo ao agravamento das lesões suportadas, podendo ainda, em última instância, conduzi-lo a risco de perda da vida.

Em sendo assim, por imperativo de lógica jurídica, já tendo decorrido mais de quinze dias do último acidente reconhecido, considero suspenso o contrato de trabalho mantido entre os contendores, até que haja a imprescindível manifestação do órgão previdenciário, ficando prejudicado, pois, o pleito sucessivo, apresentado na alínea ‘j’ do libelo, de rescisão indireta do pacto laboral, com a condenação nos consectários inerentes.

Enfim, em coerência com o definido no parágrafo anterior, rejeito o pedido de reconhecimento de garantia de emprego pelo prazo de 12 meses, eis que, diante da inteligência do artigo 118 da Lei 8.213-91, para tanto seria necessária a cessação da percepção do auxílio-doença acidentário, seguida do retorno do trabalhador às suas atividades.

SALÁRIOS DOS MESES 11 e 12/2001 e 01 e 02/2002 – 13º SALÁRIO DE 2001 – RECOLHIMENTO DE FGTS

Sendo os reclamados revéis e confessos quanto à matéria fática, ficam condenados às seguintes prestações: pagamento de 22 dias de salário do mês 11/01 e 15 dias de salário, alusivos ao interregno que se estendeu de 23.11.01 a 07.12.01.

Note-se que, datando o último acidente sofrido pelo reclamante de 22.11.01, e sendo reconhecida no interior da corrente sentença a suspensão do liame empregatício mantido entre os litigantes, o reclamante somente faria jus a salários diretamente recebidos de seu empregador até a data de 07.12.01, já que, a partir de então, deveria receber seus proventos da Seguridade Social, ex vi do disposto nos artigos 59 e 60 da Lei 8.213-91, ficando rejeitados os demais pedidos de cunho salarial estrito.

Advirta-se, todavia, que após a expedição do CAT, o autor poderá postular os benefícios retroativos a que tem direito junto ao INSS..

Condeno os reclamados a pagarem ainda ao reclamante o 13º salário integral do ano 2001, na medida em que a empresa somente se desonera de tal encargo após o decurso de seis meses da suspensão contratual.

Ao final do presente tópico, determino que os vindicados depositem as parcelas vencidas e vincendas (inteligência do artigo 290 do CPC) do FGTS, relativas ao liame empregatício reconhecido, na conta vinculada do autor, vez que, nos termos do artigo 28, III, do Decreto 99.684/90, o empregador não se desocupa de tal incumbência no caso da suspensão contratual oriunda de acidente de trabalho.

DANOS MATERIAIS

Na continuação de seu petitório, assevera o reclamante, em brevíssima síntese, que tendo sofrido acidente de trabalho, oriundo da culpa exclusiva de seu empregador, a partir do qual experimentou sensível redução da sua capacidade laborativa, em virtude da perda considerável de parte da mão esquerda, faz jus a inequívoca indenização por dano material, originária dos lucros cessantes que doravante se vê compelido a suportar, eis que possuidor apenas da sua força de trabalho como moeda de barganha pelo sustento pessoal e familiar.

Pois bem.

Como já visto, a discussão acerca da concreta ocorrência dos infortúnios noticiados, bem como da culpa dos reclamados está de há muito superada, restando patente que os empregadores jamais atentaram para o direito fundamental não patrimonial do reclamante à redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio da tomada de medidas de saúde, higiene e segurança (artigo 7º, XXII, CR/88), sendo ainda notório que o trabalhador, braçal de profissão, detentor de parco conhecimento escolar, está a sofrer iniludível dano material, impedido que se encontra de labutar e receber salários.

Com efeito, insofismável o seu direito à indenização pelo dano material que está a suportar, sendo de se redargüir, desde já, eventual opinião no sentido de que o futuro benefício previdenciário que virá a receber teria o condão de surrupiar-lhe totalmente ou mesmo parcialmente a reparação ora reconhecida.

Em tal sentido, a douta lição de Rui Stoco:

Sob o atual regime previdenciário e securitário a indenização ao trabalhador por acidente do trabalho é obrigação tanto do Estado como do empregador, mas custeada por este último, via tributo ou contribuição social (Lei 8.212, de 1991).

(...)

Desse modo, o Estado arrecada aquela contribuição para assegurar o pagamento do seguro de acidente.

Resta claro e evidente que essa responsabilidade do Estado em proporcionar o seguro de acidente do trabalho é objetiva, pois decorre de preceito expresso da Lei Maior.

(...)

O art. 7º, inciso XXVIII, da Constituição Federal de 1988, dispõe ser direito dos trabalhadores urbanos e rurais, o "seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa".

Como se verifica, prevê, ainda, o direito do trabalhador de ser indenizado em caso de acidente do trabalho quando decorra de dolo ou culpa do empregador.

Essa indenização é independente do seguro-acidente, como visto anteriormente, com ele não se confunde e não será deduzida do valor da indenização do direito comum, conforme súmula 229 do Colendo Supremo Tribunal Federal. [7] Grifo meu.

Assim sendo, resta-me tão-somente estabelecer a extensão da indenização a ser conferida ao postulante.

Detidamente compulsado o multicitado laudo pericial juntado nos autos, denoto ter o expert concluído no sentido de que a avaria constatada na mão esquerda é considerada muito grave (vide descrições contidas no penúltimo e no último parágrafo de fls. 58), nada havendo que se fazer para a recuperação da deficiência causada, que tendo em conta as peculiaridades do reclamante - braçal e de parca instrução - redunda na perda total e permanente de sua capacidade laborativa, havendo riscos consideráveis de agravamento futuro das lesões já suportadas.

Logo, tenho para comigo que, a forma mais justa de se reparar o infortúnio material a que se encontra jungido o reclamante, que, repise-se, perdeu total e permanentemente a única moeda de troca que possuía em prol do provento de suas necessidades pessoais e familiares, qual seja, a sua força de trabalho, é a de compelir os reclamados a arcarem, solidariamente, com uma pensão mensal dirigida ao obreiro, no valor equivalente à integralidade de seu salário mensal (R$250,00), monetariamente corrigido todo mês de maio de cada ano, a contar da data reconhecida da suspensão do contrato de trabalho, ocorrida em 08.12.01 (quando efetivamente passou a suportar lesão patrimonial), até o dia em que o trabalhador completar sessenta e cinco anos de idade, quando então, ex vi do caput do artigo 48 da Lei 8.213-91, deverá se aposentar.

Não se venha a dizer que a condenação acima estatuída está a afrontar o disposto no caput do artigo 460 do Código de Processo Civil, na medida em que defere ao autor mais do que ele próprio postula na alínea ‘f’ do libelo, onde pugna pela percepção de pensão mensal em valor equivalente a 30% de seu salário.

Tal alegação seria eivada de clamorosa miopia.

O fato é que, consoante a sempre lúcida lição do mestre Wagner Giglio, um dos princípios mais notórios de Direito Processual do Trabalho, capaz de diferenciá-lo com eloqüência da conservadora sistemática processualística civil, é aquele chamado da ultrapetição, que permite ao magistrado, em alguns casos, conceder ao autor mais do que o pleiteado.

Por oportuno, transcrevo parte da sua lição, na qual se reporta a doutrinadores estrangeiros de nomeada:

Mariano Tissembaum, Nelson Nicoliello e Hélios Sarthou se referem ao princípio da ultrapetição (cf., do último, Proposiciones,, Revista de Derecho Laboral, cit., p. 864). Eduardo Stafforini admite que alguns dos princípios do direito processual comum não se apliquem ao processo trabalhista, entre eles o de que o magistrado deve ater-se ao alegado e provado (Derecho procesal social, Ed. TEA, 1995, p. 34), o que vale a sancionar a ultrapetição, ou melhor, a extrapetição.

O direito positivo brasileiro já contém alguns preceitos autorizando que o julgador conceda mais que o pleiteado, ou coisa diversa daquela que foi pedida. E a jurisprudência vem acolhendo e ampliando as hipóteses de ultra e extrapetição. [8]

Arrematando seu pensamento, após indicar uma extensa série de exemplos da aplicabilidade concreta do princípio em questão (embora o ressalve como ideal), sentencia o Professor Wagner Giglio, com o brilhantismo que lhe caracteriza a existência:

Levado às últimas consequências, o princípio da ultrapetição transformaria a petição inicial trabalhista, nos dissídios individuais, em algo muito semelhante à queixa-crime.

Na verdade a defesa dessa aproximação do processo do trabalho ao processo penal não deveria causar espécie, pois encontra apoio não apenas no alto teor de inquisitoriedade do procedimento trabalhista, mas até na máxima latina narra mihi factum dabo tibi jus: idealmente, caberia ao empregado, ignorante de seus direitos, apenas narrar os fatos (...), incumbindo-se o juízo de apurar o cumprimento ou o descumprimento das obrigações patronais. [9]

Pois bem.

Creio que estejamos diante de um caso em que o princípio da ultrapetição se amolda como luva.

Ora, como poderia o autor delimitar com precisão, já no seu petitum, um pleito cuja aferição demandava prova técnica imprescindível ao dimensionamento do gravame suportado?

Note-se que, mesmo sendo fictamente confessos os vindicados, ainda assim determinei a realização de prova pericial colimando o estabelecimento de parâmetros concretos balizadores da condenação, conduta absolutamente comum e até mesmo obrigatória na Justiça do Trabalho em casos análogos de insalubridade e periculosidade (artigo 195, parágrafo 2º da CLT), onde, aliás, o princípio da ultrapetição vem sendo largamente aplicado, desde há muito, sem qualquer cisma ou espanto.

Dessarte, exaustivamente demonstrado o acerto de minha conduta, condeno os reclamados a indenizarem o reclamante, através do pagamento mensal de uma pensão até o 5º dia útil de cada mês, em valor equivalente à integralidade de seu salário (R$250,00), monetariamente corrigido todo mês de maio de cada ano, a contar da data reconhecida da suspensão do contrato de trabalho, ocorrida em 08.12.01, até o dia em que o trabalhador completar sessenta e cinco anos de idade.

DANOS MORAIS E ESTÉTICOS

Findando sua argumentação, alardeia o autor que, em virtude do episódio acima analisado, está a suportar expressivo abalo na sua estrutura emocional, originado no inescondível dano estético que hoje carrega, de onde lhe resulta dor, sofrimento e humilhação, postulando, em decorrência, a correspondente reparação moral da qual acredita ser credor.

Já de saída, e mais por apego à discussão científica, esclareço que me filio à corrente jurisprudencial predominante no Superior Tribunal de Justiça, que se bate pela possibilidade de cumulação de pedidos relativos a dano estético e moral, ainda que derivados do mesmo fato, desde que levadas em conta certas características que estejam presentes nos acontecimentos.

Seguindo tal direcionamento, as palavras de Sebastião Luiz Amorim e José de Oliveira:

Respeitável a corrente jurisprudencial que sustenta a impossibilidade de se cumular a indenização por dano moral com a relativa ao dano estético, tanto que no IX Encontro dos Tribunais de Alçada do Brasil assentou-se a conclusão no sentido de que "o dano moral e o dano estético não se cumulam, porque ou o dano estético importa em dano material ou está compreendido no dano moral".

Todavia, parece que no Colendo Superior Tribunal de Justiça tem prevalecido a orientação inversa, ou seja, "admissível a indenização por dano moral e dano estético, cumulativamente, ainda que derivados do mesmo fato", assentado na exigência de prova da existência de que, "além do prejuízo estético sofrera, a outro título, dano moral" (RT, 731/226, com menção a vários precedentes da corte). [10]

Nada obstante, tal digressão fica registrada apenas em tom de advertência, na medida em que despiciendo o aprofundamento da temática no caso vertido, onde o autor não pleiteou danos estéticos e morais separadamente, fazendo, ao revés, um único pedido em relação a tais bens jurídicos.

Voltando aos trilhos da contenda, passo propriamente a decidir.

Como já cansativamente demonstrado, a conduta dos vindicados, que jamais se preocuparam em conceder ao vindicante um meio ambiente de trabalho equilibrado e seguro, se encontra irremediavelmente maculada pela culpa, chegando mesmo a ferir os fundamentos republicanos da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho, reconhecidos no artigo 1º, III e IV, da Magna Carta Política.

Tal espécie de atitude, lamentável sob todos os aspectos, escancara, de maneira insofismável, a negligência e a imprudência que lastreiam a conduta patronal no episódio, denunciando o viés culposo de seu procedimento, que tangencia mesmo ao dolo eventual, na medida em que assumido o risco da lesão física ocorrida, que poderia ter redundado na morte do obreiro.

De tal arte, restando claro que os reclamados não tomaram qualquer medida tuitiva hábil à preservação da incolumidade física do reclamante, que em virtude do fato purgou sua sorte protagonizando dois acidentes de trabalho geradores de incontestável dano estético, não posso chegar a conclusão diversa, senão àquela de que esteja sofrendo indisfarçável sofrimento íntimo caracterizador de dano moral, suscetível de reparação nos termos do inciso X, do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil.

Tudo articulado, estando reconhecida a dor moral sofrida pelo reclamante e mais ainda a obrigação dos reclamados em indenizá-lo, só me resta estabelecer, por arbitramento racional, norteado pelo princípio da razoabilidade, a extensão da compensação.

Tenho para comigo, que são pelo menos dois os elementos balizadores de um arbitramento equânime, quais sejam, a intensidade da dor íntima suportada, bem como a capacidade econômica do ofensor, de tal forma que, o montante indenizatório não sirva de fonte de enriquecimento indevido da vítima, não deixando de ter, entrementes, um certo caráter pedagógico para quem o suporta.

Pois bem.

Estabelecidas tais premissas, penso ser digna de guarida (e até mesmo tímida) a pretensão delineada pelo obreiro na primígena, no sentido da indenização postulada ser fixada em R$9.000,00, montante no qual condeno os reclamados, solidariamente, a pagarem ao reclamante, a título de reparação pelos danos morais causados.

HONORÁRIOS PERICIAIS

Arbitro os honorários do perito nos R$700,00 postulados às fls. 55.

EXPEDIÇÃO DE OFÍCIOS

Diante da falta de anotação da CTPS do autor, oficie-se a Delegacia Regional do Trabalho.

Tendo em conta a falta de recolhimentos previdenciários, oficie-se o Instituto Nacional da Seguridade Social.

Em virtude da falta de recolhimentos fundiários oficie-se a Caixa Econômica Federal.

Enfim, pela violação do direito fundamental não patrimonial do autor a um meio ambiente de trabalho equilibrado e seguro, oficie-se o Ministério Público do Trabalho.

Todos os ofícios determinados deverão ser acompanhados de cópia autenticada da presente.

ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA

Defiro ao vindicante os benefícios da assistência judiciária, eis que preenchidos os requisitos estampados no artigo 4º da Lei 1.060/50.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Danos morais, estéticos e materiais por acidente de trabalho:: competência da Justiça do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 64, 1 abr. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16565. Acesso em: 19 mar. 2024.

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