Acórdão - TRT 17ª Região - 01106.2008.008.17.00.4
Recorrente: |
Ministério Público do Trabalho da 17ª Região |
Recorrido: |
Companhia Siderúrgica de Tubarão - CST |
Origem: |
8.ª VARA DO TRABALHO DE VITÓRIA - ES |
Relator: |
JUIZ CLAUDIO ARMANDO COUCE DE MENEZES |
EMENTA:
É certo que o fato de o trabalhador ser revistado por segurança da empresa toda vez que adentra e deixa o local de trabalho causa-lhe vexame e vergonha, mormente porque expõe a sua intimidade ao ter de revelar o conteúdo de sua bolsa. Toda e qualquer espécie de revista pessoal de empregado, não apenas a revista íntima, se reveste de ilicitude, uma vez que põe em dúvida a honestidade do obreiro, ofendendo a sua dignidade. Cabe à empresa adotar meios menos invasivos à intimidade do empregado para prevenir perda patrimonial, como a instalação de controle de estoque diário de entrada e saída de produtos ou de meios magnéticos de detecção, pois, do sopesamento destes dois direitos fundamentais, dignidade e propriedade, indubitavelmente o primeiro deve prevalecer. Nesse sentido o Enunciado 15, da 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, proscrevendo toda e qualquer forma de revista nos empregados. Sob o primado da CF/88, que considera a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º, III, da CF), tais atitudes não podem prosperar. O ser humano tem que ser encarado como um todo indissociável, a fim de garantir-lhe os direitos que lhe são atribuídos constitucionalmente. Há de ser visto simultaneamente como cidadão, como pai, como trabalhador. A revista indiscriminada dos empregados e dos prestadores de serviços, devido ao simples fato de os obreiros adentrarem no estabelecimento da ré ou dele se retirarem, configura-se abuso de direito por parte do empregador, transmudando-se em ato ilícito, que deve ser prontamente reprimido! Recurso provido.2) DANO MORAL COLETIVO - CARACTERIZAÇÃO - ÔNUS DA PROVA.
A prática reiterada e abusiva de revistas ilícitas em empregados e prestadores de serviços ao longo dos anos gera dano moral coletivo, e o consequente direito à sua reparação. Não se trata, in casu, de reparação de dano individual, mas sim aquele que atingiu toda uma coletividade. A conduta da ré acarretou dano moral coletivo, que tem aplicação no campo dos chamados interesses difusos e coletivos. As lesões aos interesses difusos e coletivos não somente geram danos materiais, mas também podem gerar danos morais. O ponto-chave para a aceitação do chamado dano moral coletivo está na ampliação de seu conceito, deixando de ser o dano moral um equivalente da dor psíquica, que seria exclusividade de pessoas físicas. Qualquer abalo no patrimônio moral de uma coletividade também merece reparação. Devemos ainda considerar que o tratamento transindividual aos chamados interesses difusos e coletivos origina-se justamente da importância destes interesses e da necessidade de uma efetiva tutela jurídica. Ora, revistar ilicitamente empregados e prestadores de serviço, inclusive com o exame visual do conteúdo de suas bolsas, afeta toda a sociedade e vai de encontro ao princípio social da empresa.
Assim, porque a ré desrespeitou o superprincípio da dignidade da pessoa humana e não cumpriu o dever de matriz constitucional de respeitar a intimidade e a privacidade de seus funcionários e prestadores de serviços, bem como a presunção de inocência dos trabalhadores em geral, os sentimentos de angústia, vexame, intranqüilidade e constrangimento de toda uma coletividade deve ser reparado. No que pertine ao ônus da prova, de acordo com a jurisprudência da primeira turma, do Superior Tribunal de Justiça: "O dano moral está ínsito na ilicitude do ato praticado, decorre da gravidade do ilícito em si, sendo desnecessária sua efetiva demonstração, ou seja, como já sublinhado: o dano moral existe in re ipsa".
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de RECURSO ORDINÁRIO, sendo partes as acima citadas.
1.RELATÓRIO
Trata-se de recurso ordinário interposto pelo Ministério Público do Trabalho, às fls. 331/348, em face da r. sentença de fls. 322/326, que indeferiu todos os pleitos apresentados na peça de ingresso, quais sejam, a condenação da Companhia Siderúrgica de Tubarão - ora ré -, à obrigação de abster-se de revistar seus empregados e prestadores de serviços, inclusive seus pertences, bem como ao pagamento da quantia de R$ 300.000,00, a título de dano moral coletivo.
Razões de contrariedade apresentadas, às fls. 352/365.
Custas dispensadas.
2.FUNDAMENTAÇÃO
eis que presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade.2.2. PRELIMINAR - ILEGITIMIDADE DE PARTE. REITERAÇÃO, EM SEDE DE CONTRARRAZÕES, DE PRELIMINAR JÁ APRESENTADA EM DEFESA E APRECIADA PELO JUÍZO A QUO.
A ré apresenta contrarrazões em que procura extinguir o feito, sem resolução do mérito, no que diz respeito à pretensão de danos morais coletivo, ao argumento de que o Ministério Público do Trabalho seria parte ilegítima para tal pleito.
Ora, se a reclamada não se conformou com a sentença, que rejeitou essa preliminar suscitada em defesa, deveria ela interpor recurso e não se utilizar das contrarrazões.
Para evitar maiores discussões, esse Relator esclarece que o Ministério Público possui legitimidade para pleitear a reparação do dano moral coletivo, pois está tutelando interesses difusos e coletivos, em cumprimento do art. 124, III, da CF.
Assim, rejeito a arguição infundada da ré.
2.3. MÉRITO
2.3.1. REVISTA DE EMPREGADOS E PRESTADORES DE SERVIÇOS
Em sua peça exordial, o Ministério Público do Trabalho aduz que, em 27 de dezembro de 2006, foi autuada a Representação 528/2006, posteriormente transformada no Procedimento Preparatório de Inquérito Civil 16/2007, para investigação de revistas em empregados da CST, bem como em empregados de outras empresas por ela contratadas para prestar serviços em suas dependências. Sustenta o Parquet que as referidas revistas ofendem a privacidade e a dignidade dos trabalhadores.
Acentua que, para prosseguimento das investigações, a Procuradora do Trabalho signatária realizou inspeção na CST, constatando que a empresa segue um padrão operacional de segurança patrimonial e que todos os serviços de segurança patrimonial são prestados por empregados da própria empresa.
Diz que foram ouvidas testemunhas, ainda no procedimento administrativo, que confirmaram a realização de revista realizada por seguranças da CST e que, em audiência realizada na Procuradoria Regional do Trabalho, o Ministério Público esclareceu aos representantes da empresa sobre a vedação de revistas íntimas e aos pertences dos trabalhadores, propondo Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, que foi recusado pela empresa.
Sustenta que a prática de revista viola diversos direitos de matriz constitucional, como a dignidade da pessoa humana e a intimidade, na medida em que a CST exacerba os mecanismos de proteção do seu patrimônio, abusando de seu poder diretivo ao submeter obreiros a constrangimento vexatório.
Frisa que a atividade de Segurança Pública é dever do Estado, não podendo ser exercida pela empresa, e que a Lei 9.799/99, que introduziu o art. 373-A, na CLT, restringiu a revista e o poder diretivo do empregador.
Dessarte, pleiteia que a ré seja condenada a "abster-se de revistar seus empregados e pessoas prestadoras de serviços à CST, bem como seus pertences, conduta considerada violadora à intimidade e à honra desses trabalhadores, sob pena de pagamento de multa, em caso de descumprimento, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por trabalhador revistado, revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT -, ou outro fundo criado na hipótese de sua lei, consoante dispõem os artigos 11, da Lei nº 7.347/85; 84, caput, da Lei nº 8.078/90 ; e 460, §5º, do CPC."
Requer, ainda a antecipação dos efeitos da tutela, para que cesse imediatamente as revistas de obreiros na CST.
O juízo de piso indeferiu o pedido de antecipação de tutela, por entender que os elementos constantes dos autos eram insuficientes para tal, em decisão de fl. 223. Quanto a esse pedido, ressalto que foi reiterado em razões recursais, sendo deferido liminarmente por este relator.
Em audiência, a testemunha trazida pela ré, que trabalha para ela desde 1983, confirmou a prática de revistas em empregados, terceirizados e visitantes.
A sentença prolatada pelo juízo a quo indeferiu o pedido, ao argumento de que "o procedimento adotado pela ré é encontrado em qualquer local público em que trafegam elevado número de pessoas, tais como aeroportos, bancos, casas noturnas, shows, etc. Devo ressaltar que é um direito da empresa proteger o seu patrimônio e garantir a segurança dos próprios trabalhadores, além de se resguardar de eventual responsabilidade por danos sofridos em pessoas que frequentam a sua área. Diante do exposto, considerando que o direito de proteger o patrimônio é exercido pela ré dentro dos limites razoáveis e de forma que não agride a dignidade do trabalhador, a improcedência do pedido é medida que se impõe."
Em suas razões recursais, o Ministério Público do Trabalho ressalta que qualquer forma de revista é ilícita, na medida em que contraria os princípios da boa-fé e o da presunção de inocência, além dos direitos constitucionais à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas.
Em suas contrarrazões, a ré sustenta que a revista é feita sem excesso e que jamais houve abuso ou tratamento humilhante. Frisa que não pratica revista íntima e pugna pela manutenção da decisão de primeiro grau.
Com razão o recorrente!
Compulsando os autos, constato que é inconteste que a empresa ré mantem uma política institucionalizada de revista de seus empregados e prestadores de serviços terceirizados. De acordo com o item 7.2.1. do "Padrão de Operação nº PO-SEG-SPAT-VI-0030", elaborado pela própria empresa e intitulado REVISTA DE VEÍCULOS, BOLSAS E EMBRULHOS NAS PORTARIAS, cabe ao setor de segurança:
"(...) b) Solicitar que todos os ocupantes desembarquem do veículo, deixando seus pertences sobre as poltronas e, ao motorista, para abrir os compartimentos a serem revistados (porta-malas, porta-luvas, tampa do motor, malões de ferramentas, outros);
(...)
d) Solicitar ao proprietário de bolsas e volumes para abri-los e mostrar os objetos/materiais conduzidos pelo mesmo.
(...)
h) Revistar 100% dos veículos, bolsa e embrulhos quando de sua saída pela Portaria Norte, exceto no horário do ´rush´, ocasião em que o Inspetor ou Supervisor deve estar na portaria e indicar os veículos que devem ser revistados".
O procedimento de revista é descrito em detalhes pelos agentes de segurança da ré, em depoimentos prestados ao Parquet e juntados aos autos, às fls. 188/194. À toda evidência, empregados e visitantes são revistados, inclusive tendo suas bolsas abertas e pertences expostos. Alguns tem até o corpo apalpado pelos seguranças. Dada a importância dessas informações para o deslinde do caso, transcrevo alguns trechos que entendo de maior relevância:
"(...) que a vistoria é feita de forma aleatória; que os ônibus também são vistoriados de forma aleatória; que as bolsas são vistoriadas; que as pessoas devem abrir as bolsas e mostrar os objetos/materiais que estão carregando; que para a vistoria das pessoas é utilizado detector de metais." (Depoimento de Rotilho Cruz Neto, agente de segurança, à fl. 188)
"(...) que todas as bolsas são vistoriadas, sendo que o portador da bolsa deve mostrar os objetos e materiais que está carregando, inclusive com abertura; se a pessoa se negar a abrir a bolsa, o agende de segurança não deixa a pessoa entrar e chama seu superior imediato; (...) que a revista das empresas contratadas também é feita de forma aleatória; que também de forma aleatória é revistada as bolsas dos passageiros." (Depoimento de Paulo Jair Pelisson, agente de segurança, à fl. 189).
(...) que as bolsas dos funcionários e dos visitantes são revistadas aleatoriamente; que a revista das bolsas e sacolas consiste em abri-las e verificar o que a pessoa está carregando; (...) que a revista das pessoas consiste em procedimento mediante detector de metal sem qualquer toque; que caso o segurança desconfie que o trabalhador ou convidado está carregando algum pertence da empresa, essa pessoa é conduzida para uma sala e é interrogada se a mesma está carregando algum objeto, mas não é solicitado que a mesma levante a camisa, nem mostre o cós da calça. (Depoimento de Hernando Martinuzo, agente de segurança, à fl. 191).
(...) que as revistas nas pessoas é feita mediante detector de metal; que caso o detector de metal acuse alguma suspeita, é chamado o supervisor/inspetor que acompanha o procedimento, que se for preciso, é feita a revista com a apalpação das mãos na pessoa; que se detectar algum objeto, aí é solicitado à pessoa que mostre o objeto; que se desconfiar que é o cinto da calça, pede para a pessoa mostrar o cinto levantando a camisa; que normalmente as pessoas mostram por cima da calça a pedido do agente de segurança; que em caso de bolsa, é solicitado à pessoa abrir a bolsa e mostrar os pertences que está carregando." (Depoimento de Alvino José dos Santos, agente de segurança, à fl. 194.
Novamente inquirido, agora em sede judicial e na condição de testemunha do reclamado, o agente de segurança da empresa ré, Alvino José dos Santos disse que: "(...) que as revistas são feitas de forma aleatória; que como agente de segurança não toca nos pertences de ninguém; que a própria pessoa revistada é que abre a sua própria bolsa e se tiver algum embrulho é a própria pessoa que mostra para o segurança; que durante a vistoria utilizam detector de metal portátil, como é utilizado em grandes eventos; que de vez em quando acontece de pegar alguns empregados levando metal nobre; que soube que alguns de seus colegas já pegaram empregados levando alimentos, como, por exemplo, carne fresca; que se encontram algum volume na cintura pedem para erguer um pouco a blusa, mas nada que coloque a pessoa numa situação de nudez; que muitas vezes acontece de passarem no detector de metal e este apitar e o depoente pede para a pessoa erguer a blusa e, muitas vezes, verifica que é o cinto; (...) que todos os empregados quando são contratados, tanto da CST, quando de empresas terceirizadas, passam pelo Programa de Integração do Novo Empregado, sendo que recebem informações a respeito de todo o procedimento de segurança da empresa, inclusive sobre as revistas; que se o empregado se negar a passar pela revista a orientação que o depoente tem é de levá-la até a portaria, chamar o responsável, registrar a ocorrência em livro próprio e reter o crachá; que esse fato jamais ocorreu com o depoente; que caso o detector de metal toque e não se constate que é a fivela do cinto, o empregado tentar buscar qual o metal que possa estar sendo detectado pelo aparelho, mas de modo algum é pedido para que ele retire as calças."
Apesar de sustentar que não pratica a revista íntima, a CST admite, em sua peça de resistência que " a revista realizada pela ré, visa, obviamente proteger o seu patrimônio que é o que garante a atividade empresarial e, por consequência, também garante a empregabilidade" e que "se esses trabalhadores são pré-avisados e conhecem as regras e procedimentos da empresa e as aceitam, não se pode afirmar, que ao realizar a revista, de forma moderada e sem imposição de situações vexatórias, estaria a Ré transgredindo e afrontando a dignidade desses trabalhadores...". (grifo nosso)
É certo que o fato de o trabalhador ser revistado por segurança da empresa toda vez que adentra e deixa o local de trabalho causa-lhe vexame e vergonha, mormente porque expõe a sua intimidade ao ter de revelar o conteúdo de sua bolsa. Toda e qualquer espécie de revista pessoal de empregado, não apenas a revista íntima, se reveste de ilicitude, uma vez que põe em dúvida a honestidade do obreiro, ofendendo a sua dignidade. Cabe à empresa adotar meios menos invasivos à intimidade do empregado para prevenir perda patrimonial, como a instalação de controle de estoque diário de entrada e saída de produtos e de meios magnéticos de detecção, pois, do sopesamento destes dois direitos fundamentais, dignidade e propriedade, indubitavelmente o primeiro deve prevalecer. Nesse sentido o Enunciado 15, da 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, aprovado em 23 de novembro de 2007, proscrevendo toda e qualquer forma de revista nos empregados:
"15. REVISTA DE EMPREGADO
I - REVISTA - ILICITUDE. Toda e qualquer revista, íntima ou não, promovida pelo empregador ou seus prepostos em seus empregados e/ou em seus pertences, é ilegal, por ofensa aos direitos fundamentais da dignidade e intimidade do trabalhador.
II - REVISTA ÍNTIMA - VEDAÇÃO A AMBOS OS SEXOS. A norma do art. 373-A, inc. VI, da CLT, que veda revistas íntimas em empregadas, também se aplica aos homens, em face da igualdade entre os sexos descrita no art. 5º, inc. I, da Constituição da República."
A jurisprudência pátria também se insurge contra a possibilidade de revista pessoal de empregado, consoante os seguintes acórdãos de Tribunais Regionais do Trabalho, adiante colacionados:
REVISTA COTIDIANA DE BOLSAS E OUTROS PERTENCES DO EMPREGADO. VIOLAÇÃO À INTIMIDADE. DANOS MORAIS. Com efeito, a prática cotidiana de revista de bolsas e pertences do empregado extrapola os limites do poder diretivo do empregador, uma vez que viola a intimidade de seus funcionários. Tal atitude, somente, é admissível em situações extremas, como a de inequívoca desconfiança de determinado empregado ou grupo de empregados, num caso em concreto, jamais como rotina. Assim, no presente caso, conforme confessado pela própria reclamada, restou inequívoco o fato da empregadora ter violado o direito à intimidade da reclamante ao proceder, diariamente, a revista dos pertences desta. Destarte, imprescindível a condenação da reclamada ao pagamento de indenização por danos morais à obreira, cujos valor devem ser arbitrado, levando-se em consideração, dentre outros fatores, o tempo de exposição à referida prática violadora de sua intimidade. Recurso ordinário improvido. (Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região, Relator: Des. José Abílio Neves Sousa, RO 00899.2007.001.19.00-8)
RECURSO ORDINÁRIO OBREIRO. REVISTA E EXPULSÃO. DANO MORAL. CONFIGURADO. Tem-se, que a revista efetuada nos pertences dos empregados e no carro do autor é fato incontroverso. Aliás, ficou patente, nos autos, que é uma política adotada pela empresa de forma habitual, eis que confirmado pelo preposto, bem como pela testemunha empresarial. Neste sentido, entendo que as revistas realizadas nos pertences dos empregados (bolsas) e no carro tratam-se de revistas íntimas, contrário ao posicionamento do juízo de piso que reconhece como íntimas, apenas as revistas que apalpam as partes do corpo, posto que, na bolsa e no carro você encontra objetos pessoais, íntimos. Logo, houve revista íntima. registre-se, ainda, que é procedimento ordinário da empresa. Portanto, configurado o dano moral. recurso provido. (Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região, Des. Antonio Catão, RO 00553.2006.055.19.00-0).
REVISTA PESSOAL. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. O poder diretivo do empregador jamais deverá se sobrepor ao princípio da dignidade da pessoa humana, que é o princípio matriz da Constituição Federal. Os cuidados do empregador pela preservação de seu patrimônio encontram limite intransponível nos direitos personalíssimos, razão pela qual tem-se que a revista do empregado não pode resultar em injustificada invasão de privacidade, pois são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, direitos estes assegurados por norma constitucional. "In casu", a conduta do empregador ultrapassou os limites da dignidade do homem, configurando procedimento vexatório e humilhante que impõe a indenização por danos morais ao trabalhador. (Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região, Relator: Des. João Batista. RO 01374.2007.010.19.00-0)
Não prospera o argumento da empresa ré de que os seus empregados são pré-avisados de que serão submetidos à revista, aceitando esse procedimento, sem haver qualquer violação à sua dignidade. Ora, além de os direitos fundamentais à honra e à intimidade serem indisponíveis, não há dúvidas de que se o obreiro se recusar a esse procedimento vexatório ele será demitido ou sequer será contratado. O trabalhador é coagido a permitir que sua intimidade seja violada diuturnamente, exibindo seus pertences, sendo apalpado, obrigado a levantar a camisa, como se a todo o tempo estivesse sob suspeita. Uma suspeita sem fundamento, decorrente do simples fato de o obreiro adentrar nas dependências da empresa ou delas se retirar.
Sob o primado da CF/88, que considera a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º, III, da CF), tais atitudes não podem prosperar. O ser humano tem que ser encarado como um todo indissociável, a fim de garantir-lhe todos os direitos que lhe são atribuídos constitucionalmente. Há de ser visto simultaneamente como cidadão, como pai, como trabalhador.
Ressalvo que julgo legítima a instalação de detectores de metal, apenas na entrada do estabelecimento, com a finalidade única e exclusiva de preservar a segurança e incolumidade física dos obreiros e demais pessoas que transitam pelas instalações físicas da ré, especialmente diante do grande porte das instalações da CST, por onde circulam milhares de pessoas diariamente. A passagem por detector de metal, na entrada de qualquer estabelecimento, não pode ser enquadrada como revista, na medida em que a pessoa apenas passa pelo aparelho, assim como ocorre com os passageiros nos aeroportos, os clientes nos bancos e até nos órgãos públicos, inclusive no prédio onde se localizam as Varas do Trabalho, sem ser apalpado ou revelar seus pertences, mas, jamais, poderia a referida prática ocorrer na saída dos estabelecimentos!
Ante todo o exposto, a revista indiscriminada dos empregados e dos prestadores de serviços, devido ao simples fato de os obreiros adentrarem no estabelecimento da ré ou dele se retirararem, configura-se em abuso do direito fiscalizatório do empregador, transmudando-se em ato ilícito, que deve ser prontamente reprimido por esta Especializada!
O procedimento ilícito perpetrado pelo recorrido desrespeita ainda a presunção de inocência que deve gozar qualquer um do povo.
Dou provimento ao recurso, para condenar a ré a abster-se de revistar seus empregados e pessoas prestadoras de serviços à CST, bem como seus pertences, sob pena de pagamento de multa, em caso de descumprimento, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por trabalhador revistado, revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT, nos termos requeridos na peça de ingresso, confirmando-se os efeitos da decisão antecipatória da tutela, deferida liminarmente por este relator.
2.3.2. DANO MORAL COLETIVO.CARACTERIZAÇÃO - ÔNUS DA PROVA
Alega o reclamante, em sua peça de ingresso, ser devida indenização por danos morais coletivos, decorrentes da prática ilícita da ré em revistar, de há muito tempo, seus empregados e prestadores de serviços. Sustenta que houve prejuízo moral não só aos trabalhadores da ré, mas também à própria sociedade, na medida em que violada a ordem social (direitos constitucionais e legais). Deste modo, requer o pagamento de indenização em pecúnia decorrente do dano moral coletivo, sofrido pelos trabalhadores, no valor de R$ 300.000,00, em favor do Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT.
A sentença julgou improcedente o pleito de dano moral coletivo, por entender lícita a revista dos empregados.
O Ministério Público do Trabalho, pugna, em suas razões recursais, pela reforma do julgado. Sustenta que as revistas praticadas pela recorrida vem causando danos morais à honra dos trabalhadores, que tem suas individualidades, intimidades e dignidades violadas.
A ré acentua que a situação poderia ensejar, no máximo, a reparação do dano moral individual, mas jamais dano moral coletivo. Pugna pela manutenção da sentença.
Com razão o recorrente!
A prática reiterada e abusiva de revistas ilícitas em empregados e prestadores de serviços ao longo dos anos gera dano moral coletivo, e o consequente direito à sua reparação. Não se trata, in casu, de reparação de dano individual, mas sim aquele que atingiu toda uma coletividade.
A conduta da ré acarretou dano moral coletivo, que tem aplicação no campo dos chamados interesses difusos e coletivos. As lesões aos interesses difusos e coletivos não somente geram danos materiais, mas também podem gerar danos morais. O ponto-chave para a aceitação do chamado dano moral coletivo está na ampliação de seu conceito, deixando de ser o dano moral um equivalente da dor psíquica, que seria exclusividade de pessoas físicas.
Qualquer abalo no patrimônio moral de uma coletividade também merece reparação. Devemos ainda considerar que o tratamento transindividual aos chamados interesses difusos e coletivos origina-se justamente da importância destes interesses e da necessidade de uma efetiva tutela jurídica. Ora, revistar ilicitamente empregados e prestadores de serviço, inclusive com o exame visual do conteúdo de suas bolsas, afeta toda a sociedade e vai de encontro ao princípio social da empresa.
Ensina Carlos Alberto Bittar Filho:
"Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor) idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico.
Assim, é preciso sempre enfatizar o imenso dano moral coletivo causado pelas agressões aos interesses transindividuais. Afeta-se a boa-imagem da proteção legal a estes direitos e afeta-se a tranqüilidade do cidadão que se vê em verdadeira selva, onde a lei do mais forte impera.
Tal intranqüilidade e sentimento de desapreço gerado pelos danos morais coletivos, justamente por serem indivisíveis, acarreta lesão moral que também deve ser reparada coletivamente. Ou será que alguém duvida que o cidadão brasileiro, a cada notícia de lesão a seus direitos, não se vê desprestigiado e ofendido no seu sentimento de pertencer a uma comunidade séria, onde as leis são cumpridas ? A expressão popular ´o Brasil é assim mesmo´ deveria sensibilizar todos os operadores do Direito sobre a urgência na reparação do dano moral coletivo. A reparação moral deve se utilizar dos mesmos instrumentos da reparação material, já que os pressupostos (dano e nexo causal) são os mesmos. A destinação de eventual indenização deve ser o Fundo Federal de Interesses Difusos, que será responsável pela utilização do montante para a efetiva reparação deste patrimônio moral lesado.
Com isso, vê-se que a coletividade é passível de ser indenizada pelo abalo moral, o qual, por sua vez, não necessita ser a dor subjetiva ou estado anímico negativo, que caracterizariam o dano moral na pessoa física, podendo ser o desprestígio do serviço público, do nome social, a boa-imagem de nossas leis, ou mesmo o desconforto da moral pública, que existe no meio social. Há que se lembrar que não podemos opor a essa situação a dificuldade de apuração do justo ressarcimento.
O dano moral é incomensurável, mas tal dificuldade não pode ser óbice à aplicação do direito e sua justa reparação. Deve servir, pois, de desafio ao juiz, o qual poderá utilizar as armas do art. 5º da LICC e do art.125 do diploma processual civil. O ´non liquet´ neste caso urge ser afastado."
Conforme ensinamentos de Luis Alberto Thompson Flores Lenz, "todo o ente moral possui um conceito social que pode sofrer abalo moral, diferente do abalo moral que atinge os seus integrantes, pessoas físicas. Diz o citado autor que, nessa situação, eventual ofensa desferida atinge em cheio a entidade moral, afetando a honorabilidade e conceito social que lhe são próprios, motivo pelo qual deve ser combatida em respeito àquela e não aos seus integrantes."
Assim, porque a ré desrespeitou o superprincípio da dignidade da pessoa humana e não cumpriu o dever de matriz constitucional de respeitar a intimidade e a privacidade de seus funcionários e prestadores de serviços, bem como a presunção de inocência dos trabalhadores em geral, os sentimentos de angústia, vexame, intranqüilidade e constrangimento de toda uma coletividade deve ser reparado.
No que pertine ao ônus da prova, de acordo com a jurisprudência da primeira turma, do Superior Tribunal de Justiça: "O dano moral está ínsito na ilicitude do ato praticado, decorre da gravidade do ilícito em si, sendo desnecessária sua efetiva demonstração, ou seja, como já sublinhado: o dano moral existe in re ipsa".
Assim, entendo que o pleito do Ministério Público, a título de indenização por danos morais coletivos, no valor de R$ 300.000,00, não se mostra excessivo, diante da conduta da ré, por entender que este valor cumpre sua função reparatória e pedagógica.
Dou provimento, para condenar a ré ao pagamento de indenização decorrente de danos morais coletivos, no valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), em favor do Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT.
3.CONCLUSÃO
os Magistrados da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região, por unanimidade, conhecer do recurso; rejeitar a preliminar de ilegitimidade de parte, reiterada em sede de contrarrazões e dar provimento ao recurso do Ministério Público para condenar a ré a abster-se de revistar seus empregados e pessoas prestadoras de serviços à CST, bem como seus pertences, sob pena de pagamento de multa, em caso de descumprimento, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por trabalhador revistado, revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT, nos termos requeridos na peça de ingresso, confirmando-se os efeitos da decisão antecipatória da tutela, deferida liminarmente e, condenar a ré ao pagamento de indenização decorrente de danos morais coletivos, no valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), em favor do Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT.Vitória - ES, 10 de março de 2010.
Desembargador CLAUDIO ARMANDO COUCE DE MENEZES
Relator