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Casal é condenado por torturar filha de quatro meses

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A sentença refuta a competência da Vara de Violência Doméstica e a tese de cerceamento de defesa. Após delimitar autoria e materialidade, cuida da qualificadora, da causa de aumento de pena, das agravantes genéricas e da continuidade delitiva.

S E N T E N Ç A

         Vistos etc.

         O Ministério Público propôs Ação Penal em face dos acusados C.S.S. e A.R.S., qualificados nos autos, dando-os como incursos nas penas do art. 1º, inciso II c/c § 3º, primeira parte c/c § 4º, inciso II, da Lei 9.455/97, em continuidade delitiva, ex vi do disposto no art. 71 do CP c/c o art. 5º da Lei 11.340/06, aduzindo para tanto os fatos e fundamentos descritos na denúncia de fls. 02/02-a, os quais adoto como parte integrante do presente relatório.

         A denúncia foi recebida em 12/05/2009 (fl. 101/104) e, depois citados, foram os acusados interrogados (C.S.S.: fls. 328/330; A.R.S.: fls. 331/332).

         A inicial veio instruída com o Inquérito Policial nº 2547/2009 da 33ª DP e RO às fls. 03/05.

         AECD da vítima às fls. 20/21 e 337/338.

         BAM às fls. 66/69.

         Informes jornalísticos às fls. 71/75.

         Defesa prévia da acusada C.S.S. às fls. 189/190, e do acusado A.R.S. às fls. 199/207 e 286/287.

         Decisão declinando a competência para uma das Varas Criminais de Bangu às fls. 217/220.

         Às fls. 230/231, o Ministério Público ratificou a denúncia de fls. 02/02-a, tendo sido ratificado o recebimento da denúncia às fls. 232.

         FAC do acusado A.R.S. às fls. 273/275 e da acusada C.S.S. às fls. 276/278.

         Audiência de Instrução e Julgamento às fls. 309/332.

         Alegações finais do MP às fls. 377/397, requerendo a condenação dos acusados pela prática do delito previsto no Art. 1º, inciso II, §§ 3º e 4º, inciso II, da Lei 9.455/97.

         Alegações finais da defesa do acusado A.R.S. às fls. 400/420, requerendo o acolhimento das preliminares suscitadas, com a declaração de nulidade do processo ab initio. Não acolhido, pela declaração de nulidade e retirada dos autos do depoimento do perito, bem como a realização de estudo social e psicológico dos réus. Ad argumentandum, requer a absolvição intotum do réu. Não acolhido, requer a desclassificação do delito de tortura para lesão corporal culposa. Face o princípio da eventualidade, pelo desclassificação do delito de maus tratos.

         Pelo princípio da eventualidade ainda, requer o afastamento da qualificadora prevista no § 3º do art. 1º do delito de tortura, bem como o afastamento da causa de aumento prevista no § 4º do art. 1º da lei de tortura e da continuidade delitiva. Por fim, requer a aplicação da pena no mínimo legal, com as substituições cabíveis.

         Requer, ainda, o deferimento da gratuidade de justiça ao acusado patrocinado pela DPGE, isentando-o do pagamento de custas processuais e honorários de advogado, conforme dispõe a Lei 1.060/50, em seu artigo 4º.

         Alegações finais da defesa da acusada C.S.S. às fls. 430/446, requerendo o acolhimento das preliminares suscitadas. Afastadas as preliminares, requer a absolvição da ré, diante da fragilidade probatória e impossibilidade de determinação da autoria e do elemento subjetivo. Caso se entenda pela condenação, requer a desclassificação do delito de tortura para lesão corporal culposa e, subsidiariamente, para o delito de maus tratos. Ainda pelo princípio da eventualidade, a fixação da eventual pena-base no mínimo legal, o afastamento do preceito secundário constante do § 3º do art. 1º da Lei 9.455, o afastamento da continuidade delitiva, e a aplicação do regime mais favorável, respeitados os requisitos legais.

         Este é o breve exame do caderno processual, que aqui tomamos

         à guisa de RELATÓRIO

         Examinados, passamos à MOTIVAÇÃO & DECISÃO.


Das Preliminares Defensivas:

         A Alegada Incompetência Absoluta:

         Em sede de alegações finais as duas defesas técnicas sustentaram a incompetência absoluta do Juízo (fls. 400 e 430/433), muito embora nada tivesse dito durante toda a instrução processual.

         Inicialmente era do entendimento deste Magistrado que a Competência era, de fato, do Juizado da Violência Doméstica. Todavia, melhor apreciando a matéria não há como deixar de firmar, data venia e com todo respeito aos entendimentos divergentes, a competência deste Juízo para a apreciação dos fatos!

         Eis a razão pela qual agasalhei a decisão de fls. 217/220, a qual torno parte integrante desta decisão por seus reais e legais fundamentos e me dei por competente, passando a processar o feito regularmente; desde então.

         Ademais, não se trata de fato ligado a legislação; a meu aviso, da violência doméstica propriamente dita, pois se está diante de uma legislação especial, no caso a lei de torturas (Lei 9455/97), muito embora a violência verdadeiramente tenha se dado em ambiente domiciliar pelos próprios pais da vítima.

         O objetivo da lei de violência doméstica foi e continua sendo reprimir a violência contra a mulher, no sentido sexual da palavra (Art. 5º da Lei 11.340/06), pois visava por termo à onda avassaladora de agressões as esposas, companheiras e/ou conviventes.

         A vítima era do sexo feminino; isto não se duvida; todavia não se pode esquecer que estamos diante do universo jurídico e a vítima não pode ser classificada como "mulher"; mas sim como "criança" em razão de imperativo legal (Art. 2º da Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente).

         Destarte, em que pese o respeito que tenho pelo entendimento esposado nos julgados trazidos as fls. 431/433, ouso divergir para manter meu entendimento de que este Juízo é o competente para processar e julgar os presentes fatos.


O cerceamento de Defesa:

         Mantendo a sintonia da preliminar anterior, as duas defesas técnicas levantam a hipótese de cerceamento de defesa (fls. 401/402 e 433/435) alegando vícios na produção do laudo pericial, ausência de estudo psicológico e social dos acusados e indeferimento das perguntas durante a AIJ.

         Inicialmente deve ser esclarecido que o laudo técnico atacado pelas defesas foi produzido a mando da autoridade policial no desenvolver da sua atividade precípua, tal como estabelecida legal (Art. 4º c/c 5º e 6º e seus incisos do CPP) e constitucionalmente (Art. 144, V, c/c § 4º da CRFB/88).

         Dando cumprimento ao disposto no inciso VII, do art. 6º do CPP, a zelosa autoridade policial tão logo constatou que se tratava de grave crime que deixava vestígios e era de natureza material tratou de determinar a perícia técnica que avaliasse as questões que lhe fugiam ao conhecimento, tal como a avaliação médico-legal da vítima, que de tão debilitada não poderia sequer ser conduzida ao IML; daí porque foi feito o laudo indireto (fls. 20/21).

         Naturalmente naquela oportunidade não existia relação processual; apenas a investigatória. Logo, não se podia abrir vista a qualquer das partes para elaboração de quesitos ou qualquer outra manifestação do gênero.

         Todavia, tão logo os autos chegaram este Juízo deu vista as defesas para avaliação do conteúdo integral até ali colhido, inclusive do atacado laudo (fls. 232); concedendo-se prazo de 10 dias para apresentação das respectivas defesas preliminares, assim como determinado pelo Art. 396 do CPP.

         A defesa da acusada C.S.S. se limita a reiterar os argumentos de fls. 189/190 e nada questiona acerca da questão pericial a fls. 240/vº. Há nesta defesa preliminar reiterada apenas a preliminar de falta de justa causa por ausência de prova com relação à acusada, que seria também vítima do correu. Nada mais!

         A aguerrida defensora do acusado A.R.S. apresenta suas alegações preliminares as fls. 286/287 e nada questiona acerca do referido laudo, assim como não apresenta quesitos complementares e/ou promove outros incidentes típicos para esta oportunidade procedimental.

         A reforma processual no capítulo das provas promovida pela Lei 11.690/08, já em pleno vigor na época destes fatos, estabeleceu não só a possibilidade de se promover prova técnica investigatória, como também aplicá-la em decreto condenatório, dês que em sintonia com outras provas judiciais (Art. 155 do CPP).

         Justamente para garantir a ampla defesa e o contraditório, vedados no rito procedimental anterior, o Legislador da reforma estabeleceu inúmeras novidades no que tange a prova técnica para prestigiar os acusados e seus defensores.

         O art. 159 e seus §§ do CPP passaram a impor a necessidade de apenas um perito oficial – caput do dispositivo atendido pelo Delegado -; a permitir às partes a indicação, na fase processual, de assistentes técnicos (§ § 3º e 4º); e, por fim, autorizou as partes apontar o perito para ser ouvido na AIJ e/ou responder aos questionamentos oriundos do laudo; fixando, contudo, o prazo de dez dias - antecedentes a audiência – para formular tal requerimento.

         Como se vê, o atuar defensivo portou-se em desalinho com os mandamentos previstos nos Arts. 396 e 396-A do CPP, incidindo na hipótese a preclusão.

         A defesa de C.S.S. quedou-se inerte e, já no desenrolar da AIJ repentinamente afirmou: "(...) que não gostaria de ouvir o perito neste ato porque tinha que ser dada a defesa técnica a oportunidade de apresentar a quesitação ao Ilustre Perito (...)", sendo que a defesa do corréu, tão logo cientificada do indeferimento, saiu em socorro do nobre defensor antecedente reclamando a extensão destes fundamentos também para o seu assistido.

         Ora! Tratava-se de pedido impertinente e já sancionado com a preclusão, posto que a lei é clara e afirma que as partes só podem fazer tal pedido com antecedência mínima de dez dias da AIJ (Art. 159, § 5º, inciso I, do CPP), o que foi desprezado pelas combativas defesas técnicas.

         Não restou outra alternativa que não o indeferimento da pretensão.

         Destaco, por oportuno, que de longa data a jurisprudência vem afirmando que a ampla defesa deve ser desenvolvida dentro dos parâmetros estabelecidos pelas legislações infraconstitucionais de natureza processual, as quais alinham e desenvolvem os respectivos iter procedimentais para cada fato a ser julgado.

         Nesse sentido, destaco as seguintes ementas:

         "STF – Cerceamento de defesa. Inexistência. Indeferimento de exame pericial. Prova somente requerida na fase de alegações finais. Inadmissibilidade. proibição constante do art. 406 do CPP. Nulidade repelida." (RT: 576/481 – grifei)

         "O princípio constitucional da ampla defesa do acusado não pode nem deve ter alcance infinito, a ponto de impedir a aplicação do Direito Material, sendo necessário um equilíbrio entre a acusação e a defesa, pois, a se admitir que tudo ou quase tudo configura cerceamento de defesa, chegaríamos ao absurdo de que o Direito substantivo nada vale e o Direito como um todo de nada serve." (RJD: 33/247 – grifei)

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         "A ampla defesa consiste em dar a oportunidade a qualquer acusado de se defender das acusações que lhe são feitas. A ampla defesa não revoga as regras estabelecidas pela Lei Processual Penal, bem como não pode ser utilizada como argumentação para impor regras inexistentes." (RJD: 30/260 – grifei)

         Tenho que com relação ao estudo psicológico e social dos acusados, igualmente o pedido não foi formulado no prazo oportuno. Logo igualmente extemporâneo e precluso.

         Para este tópico, reitero a decisão interlocutória de fls. 362/371, a qual torno também parte integrante desta sentença em razão dos minuciosos fatos e fundamentos ali esposados.

         No que tange ao indeferimento de perguntas, trata-se de ato natural e previsto em lei, pois não se pode esquecer que o destinatário final da prova é o Juízo, não as partes. Portanto, as perguntas impertinentes e que nada tinham a ver com o esclarecimento dos fatos em apuração foram devidamente indeferidas e os indeferimentos especificamente fundamentados no curso das indagações.

         A materialidade restou demonstrada através do laudo de exame de corpo de delito de fls. 20/21 e 337/338; radiografias de fls. 33/34 e boletim de atendimento médico de fls. 66/69.

         No que concerne à autoria passamos à seguinte análise:

         Os fatos ora julgados causam a maior perplexidade em qualquer cidadão mediano que se atreva a avaliar as provas carreadas aos autos.

         Na verdade, as folhas que compõem este procedimento retratam a violência doméstica tão bem acobertada pelas conivências familiares, muito embora tão discutida na sociedade moderna.

         Realizada a oitiva das testemunhas arroladas pelas partes, estas em Juízo disseram o seguinte:

         Em brilhante ação investigatória, o Dr. Delegado apurou minúcias de todo o ocorrido, destacando o grau de violência e descaso impingido à vítima pelos – pasmem – próprios pais; vejamos a narrativa do Investigador:

         "que são verdadeiros os fatos narrados na denúncia; que reconhece o acusado aqui presente; que estava de serviço na 33ª DP, quando o policial de plantão no hospital lhe ligou o relatou o ocorrido; que foi imediatamente para o local, até porque suspeitavam de abuso sexual; que após se entrevistar com o médico e a atendente social foi procurar a acusada; que a acusada estava no hospital e mostrava "uma frieza muito grande" em razão do estado da criança; que foi muito claro com a acusada no que diz respeito a gravidade das lesões do bebê; que a acusada não apresentava justificativas plausíveis para o estado da criança; que então começou indagar pelo pai da criança, momento em que a acusada disse que o mesmo sabia o que estava acontecendo mas preferiu ficar em casa andando de moto; que as palavras da acusada davam a sensação que o acusado achava que tudo que a criança tinha era besteira sem maiores gravidades; que foi a comunidade e encontrou o acusado de fato andando de moto; que foi levado para a DP e não quis dar declarações sobre os fatos; que a acusada foi levada para a DP para prestar declarações pois se fazia acompanhar de uma outra senhora; que o depoente ficou no hospital esperando os médicos saírem com o bebê do centro cirúrgico para entrevistá-los e entender a gravidade dos fatos; que constataram com os médicos que não era caso de violência sexual, entretanto, era caso de politraumatismo da criança; que familiares da acusada estavam no hospital e começaram a relatar os antecedentes do casal com a criança; que todas essas pessoas, salvo engano, três, foram levadas para a DP onde prestaram esclarecimentos regularmente; que colheu no hospital ainda laudos médicos da junta médica e mais exame de RX para juntar ao inquérito; que em razão do grave estado do bebê, não tinha como levá-lo a AECD motivo pelo qual foi ao IML com a documentação médica para se entrevistar com o perito, solicitando que fizesse um exame indireto; que a partir desta documentação, o perito constatou que existiam diversas lesões em diferentes estágios evolutivos, o que caracterizaria pela literatura médico legal que a menina vinha sendo vítima de várias agressões em diferentes épocas; que em razão disso tudo instaurou inquérito e fundamentou um pedido de prisão temporária no plantão que foi decretada; que o acusado ficou sempre em silêncio; que salvo engano a acusada justificou as lesões na perna da menor porque dormiam todos juntos na cama e acabavam ficando por cima da criança; que "na verdade no final um ficou imputando a culpa ou outro"; que a acusada chegou a dizer que o acusado era agressivo com o bebê e com ela também; que a acusada disse que o acusado era usuário de drogas e que já tinha trabalhado no passado para o tráfico; que estes parentes que prestaram declarações eram também vizinhos dos acusados na comunidade; que chegou a apurar que dez dias antes a acusada teria dado entrada no hospital para fazer a tomografia da cabeça do bebê, que segundo a acusada tinha caído no chão; que salvo engano a conselheira tutelar já tinha recebido denuncia da acusada com relação a outra filha; que os médicos disseram que "o estado do bebê era muito grave"; que pesquisou a vida pregressa do acusado, mas não se recorda do resultado; que não sabe se o casal tem alguma passagem na 33ª DP; que não se recorda se a conselheira tutelar falou algo sobre o envolvimento do réu; que ao chegar no hospital, ficou sabendo que a criança lá estava no máximo uma hora; que ao abordar o acusado, este disse que não sabia de gravidade das lesões na filha, muito embora soubesse que a criança estava no hospital; que o acusado não esboçou qualquer reação emotiva após saber o estado da filha; que não levou o acusado ao hospital; que não ficou esclarecido se o acusado trabalhava com a moto; que não sabe se o conselho tutelar tomou qualquer tipo de atitude; que não foi no interior da casa dos acusados, só na rua; que teve contato com o bebê no hospital, após a cirurgia; que a criança estava deitada no leito amarrada, com as duas pernas engessadas até a virilha para não se mover; que não viu lesões na cabeça; que a acusada disse que tanto ela como o corréu não trabalhavam; que não reconstituiu o crime porque os indícios que trabalhava não achou necessário; que quando esteve na rua em que moravam os acusados não verificou a versão da acusada, até porque não a tinha; que provavelmente indagou da acusada se a criança tinha berço, no entanto não se recorda a resposta; que ninguém lhe disse como era a cama do casal; que a criança tinha quatro meses; que a criança era saudável e não apresentava qualquer vestígio, segundo lhe narraram, os médicos de que a criança fosse portadora de qualquer doença que lhe fragilizasse os ossos; que foi indagado se o depoente investigou a fragilidade óssea da vítima; que a pergunta foi indeferida porque a questão técnica a ser dirimida pelo perito; que em razão das narrativas testemunhais e das provas técnicas se convenceu como delegado que os dois participavam das agressões; que as lesões mais recentes que estão sendo apuradas também, pela sua conclusão como investigador foram praticadas por ambos; que salvo engano o primo da acusada, que coincidentemente é técnico de RX do hospital do Fundão, prestou depoimento para o depoente e disse que na noite anterior ao dia dos fatos ouviu a criança chorar a noite toda; que pela manhã procurou a acusada para indagar o que tinha ocorrido, ocasião em que esta teria minimizado a situação; que apesar disso, lhe disse a testemunha que ao pegar a criança viu que as pernas estavam fraturadas; que este depoimento está nos autos; que não sabe dizer se qualquer um poderia sentir essas lesões, porque não viu a criança nesse momento; que ao se entrevistar com C.S.S. não sabia qual o motivo da acusada ter apresentado a criança no hospital; que como disse C.S.S. estava muito fria e não esboçava reação; que o depoente só sabia que o estado da criança era muito grave; que pela avaliação que fez no local a frieza de C.S.S. era descaso com a criança, pois a acusada sabia que a criança estava em estado grave, muito embora não soubesse o que de fato era; que foi indagado ao Delegado se era Pai de família o mesmo foi indeferido; que foi indagado para o depoente se uma criança com convulsão era grave; que foi indeferida a pergunta porque o depoente não é médico; que uma equipe multidisciplinar fazia o atendimento a criança no centro cirúrgico; que não tinha como saber enquanto entrevistava C.S.S. as fraturas da menor; que foi indagado se o delegado quis fazer uma acareação; que foi indeferida a pergunta porque a resposta já está neste depoimento; que ouviu os acusados separadamente; que foi indeferido a pergunta sobre o entendimento pessoal da testemunha porque testemunha depõe sobre fatos o que já está bem delineado no relatório da autoridade policial e no depoimento até aqui digitado; que a Defesa pediu para ficar designada que está se sentindo agredida no seu direito de exercitar a sua ampla defesa. Testemunha Felipe Lobato Curi (fls. 311/315 - grifei).

         O Ilustre Perito Criminal, autor da avaliação da vítima, descreve o que pôde colher da documentação médica através do seguinte relato:

         "que são verdadeiros os fatos narrados na denúncia; que não teve contato com os acusados; que estava de plantão no IML de Campo Grande no dia dos fatos e foi procurado pelo Delegado Felipe; que o Delegado queria um laudo indireto para o caso, pois a princípio a criança estaria no centro cirúrgico; que o Delegado apresentava um RX da criança e um laudo descritivo da médica que atendia a criança no hospital; que estes documentos eram suficientes para produção do seu laudo; que não se sentiu inibido tecnicamente falando para executar o seu trabalho; que o RX mostrava "fratura de ambas as clavículas com calo ósseo, ou seja, com fase adiantada da consolidação da fratura"; que tudo isso na verdade é um processo de cicatrização óssea; que a leitura que fez é que as lesões foram praticadas no mínimo a cerca de trinta dias antes; que "foram constatadas também fraturas bilaterais no fêmur de casa lado"; que essas fraturas eram "agudas"; que estas últimas eram recentes; que salvo engano existiam lesões também (fraturas) na tíbia direita e terço inferior do antebraço; que já não se recorda com muita exatidão porque o laudo foi em abril deste ano; que a descrição da médica que atendia a criança apontava que a mesma tinha quatro meses de idade; que é possível que rolar por cima da criança durante o sono cause uma fratura; que não acredita que as lesões todas que a criança tinha fossem produzida durante o sono; que não acredita que é instintivo que os pais quando durmam com as crianças na cama tenham um sono intranqüilo até mesmo para proporcionar o bem estar destas; que acredita que poderia ter ocorrido até uma vez com uma fratura, mais duas ou várias jamais; que não viu a criança e que tudo que fez foi a partir da documentação que lhe foi apresentada para confecção do laudo indireto; que não pode afirmar categoricamente, mas a monta de lesões em uma criança de quatro meses, tal qual a vítima, retratam pelo menos uma negligência muito grande no trato com a criança; que retratou no seu laudo tudo que apurou em razão do material que lhe foi apresentado; que não teve contato pessoal com a criança; que o laudo que produziu está às fls. 20/21; que o que está às fls. 22 é o boletim; que às fls. 66 está outro boletim médico; que não sabe se este laudo foi juntado aos autos; que o laudo da médica que atendeu a criança estava assinado e carimbado pela médica; que geralmente vem em um papel oficial do hospital; mas nesse caso não se recorda se veio neste tipo de papel; que não tem como dizer se os documentos de fls. 66/69 lhe foram apresentado no dia, mas acredita que não; que o fêmur, dos dois lados, foi fraturado; que não tem como esclarecer a data e a hora precisa da fratura; que este tipo de lesão não pode gerar vômito, porque não tem relação; que é padrão o RX ter número e data para fechamento; que a partir destes dados é que radiologista avalia e dá o seu laudo; que não teve contato pessoal ou telefônico com a médica Lenita que atendeu a criança; que não conhece a médica; que seu laudo foi pautado no laudo da Dra. Lenita; que não tem como dizer o prazo da ocorrência da fratura aguda na criança; que pode ter sido no intervalo menor que duas horas; que ainda que a criança estivesse vestida daria para ver as fraturas porque causa uma deformidade; que acaso haja deformidade da para ver, pois fratura de fêmur faz rotação externa das pernas; que por uma questão de coerência se abstém de fazer perguntas por que acha que deveria ser aberto prazo para apresentar quesitos." Testemunha J.C.I. (Fls.316/318 - grifei).

         O Primo da acusada C.S.S. é outra testemunha arrolada pelo MP que vem aos autos retratar o sinistro ritual de violência perpetrado a pequena vítima, destacando inclusive as lesões verificadas no tato pessoal:

         "que são verdadeiros os fatos narrados na denúncia; que reconhece o acusado aqui presente; que é primo de C.S.S. e socorreu a criança; que estava trabalhando a tia do depoente lhe pediu para ir à casa da acusada porque havia uma urgência e a acusada tinha ligado pedindo socorro; que lá chegando encontrou o bebê no colo de Júlia com a acusada do lado que a criança estava "bem castigada"; que a criança "estava com lesões muito visíveis"; que é técnico de RX e apesar de não ser médico dava para ver que "a criança estava com lesões na articulação femural e na bacia"; que a cena "era bem chocante"; que assustado perguntou o que aconteceu; que C.S.S. assustada dizia que dormi em cima da criança e ao acordar a criança esta assim; que "para ser sincero é impossível dormir em cima de uma criança e ela acordar assim"; que a defesa do acusado disse que esse trecho é mera conjectura da testemunha; que nunca viu qualquer violência por parte da acusada; que também nunca viu violência por parte do acusado; que ninguém viu o que de fato aconteceu; que acha que quem vai esclarecer alguma coisa é o tio A.F.S. que vai depor; que nunca presenciou o casal praticando maus tratos contra a outra criança; que a outra filha de C.S.S. Maíra chegou a morar um mês com o depoente; que a criança do nada dava relatos do tipo "um dia A.R.S. deitou em cima da Mariana e eu contei para minha mãe que não fez nada; que A.R.S. me jogou na parede"; que este relato também foi feito a tia do depoente; que nunca presenciou agressões físicas entre o casal; que prestou depoimento bem cansado, mas em nenhum momento foi ameaçado ou coagido para falar inverdades na DP; que o Delegado inseria todo instante termos como espancamento; que o depoente não falou espancamento, mas sim que a acusada batia normalmente como mãe; que por diversas vezes o delegado inseria palavras; que o Delegado tinha que ficar corrigindo; que a acusada não era uma mãe de ficar espancando as crianças, mas era relapsa; que a filha maior foi morar com outros familiares porque C.S.S. já tinha sido espancada pelo seu ex marido; que a família ficou com medo porque o acusado que estava indo morar com C.S.S. tinha fama na comunidade de ser usuário de drogas; que soube que a criança já tinha dado entrada dez dias antes na UPA de Realengo; que o depoente foi chamado pelo tio A.F.S. e viu que a criança estava com a cara toda inchada; que o tio A.F.S. lhe disse que C.S.S. tinha saído para levar a filha maior na escola e a vítima chorava muito; que o acusado sacudia muito a criança que derrepente parou; que segundo A.F.S. os médicos falaram na UPA algo sobre a asfixia da menor; que salvo engano falou o termo "estrangulamento"; que o nome da tia que ligou pedindo ajuda era Delmina; que reside no mesmo terreno dos acusados; que via a vítima com freqüência e aparentemente era bem tratada; que antes dos dias dos fatos estava sem ver a vítima cerca de quatro dias; que no mesmo terreno mora o depoente com sua família, o tio A.F.S., e os acusados; que não se recorda onde a bebê dormia na casa dos acusados; que o ocorrido tinha sido cedo e a criança estava com muita dor a várias horas; que ninguém comunicou ao acusado que a criança estava sendo levada para o hospital; que não viu se o delegado praticou essas atitudes com as outras pessoas ouvidas; que tem terceiro grau incompleto; que não sabe dizer o grau do tio; que seu tio tem intelectualidade básica; que nenhum dos ouvidos tem escolaridade fraca; que para ser sincero não leu todo o depoimento na DP; que o tio reclamou bastante, mas o delegado mostrou que não tinha valor legal e que ele seria chamado novamente; que a tia do depoente estava mais atenta e foi corrigindo o delegado todo tempo; que a casa dos acusados tinha o necessário para o convívio; que C.S.S. tinha bom trato com a vizinhança. Testemunha A.S.S. (Fls. 319/321 - grifei).

         Dando prosseguimento a AIJ foram ouvidos os tios da acusada C.S.S., que por residirem no mesmo terreno tinham visão do cotidiano dos acusados e da vítima, esclarecendo ditas testemunhas o seguinte:

         "que são verdadeiros os fatos narrados na denúncia; que reconhece o acusado aqui presente; que é tia da C.S.S. e freqüentava sua casa esporadicamente; que por volta das 11 horas do dia dos fatos C.S.S. lhe ligou dizendo que a filha estava com dores nas pernas; que então pediu a testemunha A.S.S. para ir socorrer; que à noite foi ao hospital para ver a criança e percebeu que a criança estava muito mal; que cerca de uma semana antes a criança já tinha parecido machucada; que estava com a cara toda roxa; que isto lhe foi passado por seu irmão A.F.S. que presenciou a acusada saindo para levar a outra filha na escola; que ao retornar o acusado entregou a criança dizendo que esta tinha caído; que após o ocorrido ter ido para a mídia é que surgiu boatos na comunidade de que a acusada se queixava para as amigas que o acusado brigava agredia ela e a criança; que a outra filha de C.S.S. ficava com a depoente porque C.S.S. teve o bebê com 12 anos; que a primeira filha de C.S.S. só não foi morar com o acusado porque era muito agarrada com a depoente (...); que antes C.S.S. morava com a criança, mas quem cuidava era a mãe da depoente; que C.S.S. nunca teve responsabilidade com a criança até porque a sua mãe cuidava da ré e da criança; que ouviu dizer que os acusados brigavam; que ouviu dizer depois da prisão que o acusado usava crack dentro de casa e ficava maluco; que C.S.S. sabia de tudo; que inclusive existia uma filmagem de celular; que a depoente nunca viu o conteúdo, apenas ouviu dizer das amigas de C.S.S.; que não sabe dizer se a menor saiu do hospital; que a menor foi colocada para adoção e desde então não permitem mais que a família tenha contato com o bebê; que está no processo da adoção da mais velha; que em razão disso ouviu dizer que existe um processo adotivo também para o bebê; que a criança ficou com problemas seríssimos e quem ficou com a criança tem ciência disso, inclusive que vão ter gastos excepcionais; que só C.S.S. ligou chorando no dia, pedindo para socorrer a criança; que não tentou localizar o réu, até porque nunca teve contato; que nunca teve problemas com o acusado; que foi na DP a pedido do Delegado que foi no hospital; que não notei o Delegado modificando termos de suas declarações, muito embora tenha ouvido seu sobrinho reclamar disso; que leu rapidamente sem óculos o seu depoimento na DP; que deu aquilo mais como desabafo pois estava muito revoltada por ter visto o estado da criança; que C.S.S. era carinhosa, tanto que a outra filha que está com a depoente diz que ama a mãe; que é carinhosa, medrosa, tem boca e não fala; que A.F.S. pode dizer mais coisas porque mora no mesmo quintal; que A.F.S. reclamou que na DP, toda hora reclamava com o Delegado que inseria declarações na sua narrativa; que A.F.S. disse que pedia o Delegado para corrigir mas não sabia se o Delegado corrigia; que até hoje a família não encontrou uma justificativa para as lesões da criança; que não encontraram justificativa para o ocorrido; que a filha de cinco anos da acusada confidenciou para a psicóloga, há cerca de 15 dias, que o acusado "judiava da criança e ele falava para a mãe que não fazia nada"; que isto foi dito para a depoente pela própria psicóloga; que nunca viu o acusado usando drogas; que a fama do acusado no bairro é de usuário de drogas; que a própria acusada teria comentado com a mãe da depoente sobre isso; que C.S.S. disse que dormiu sobre a criança, muito embora a depoente não tenha entendido. Testemunha D.J.S.P. (Fls. 322/324)

         "que são verdadeiros os fatos narrados na denúncia; que reconhece os acusados aqui presente; que é tio da C.S.S.; que estava trabalhando no quintal quando viu C.S.S. sair para levar a outra filha no colégio; que o acusado ficou com a vítima no colo e foi para dentro de casa com ela chorando; que então a criança parou de chorar, mas o depoente não sabe porque; que C.S.S. retornou e foi para dentro de casa, de lá saindo com a bebe no colo correndo em sua direção; que C.S.S. chorava; que a criança estava com hematomas no rosto e avermelhada, além de desmaios; que a alegação é de que a criança tinha caído do berço, mas até onde sabe a criança estava no colo do acusado; que ao ver a criança o depoente disse a C.S.S. que aquilo não era tombo mas sim estrangulamento; que C.S.S. estava muito nervosa; que C.S.S. levou a criança para UPA com uma vizinha e o acusado saiu; que do seu modo de ver esse dia foi o mesmo dia que a criança apareceu com as pernas fraturadas; que até onde saiba o legista que alegou que a criança tinha outras fraturas; que nunca tinha visto os acusados agredindo a criança; que C.S.S. "é uma mãe um pouco desnaturada e inexperiente, mas nunca lhe viu agredindo a criança"; que acha que por isso que a outra filha de C.S.S. foi morar com a família; que no dia dos fatos teve mídia e foi um terror; que inclusive não concordou com as coisas que o Delegado inseria no seu depoimento; que estava muito abalado emocionalmente; que estava impaciente e nervoso e o Delegado não queria mudar sua versão, por isso é que concordou em assinar a versão; que ouviu dizer que existe uma disputa pela posse da filha da acusada; que se A.S.S. socorreu o bebê o depoente não estava presente; que teve problemas com o acusado que levava pessoas estranhas para o seu quintal; que não teve problemas com a entrada das pessoas; que a bebê era bem tratada pela mãe, mas pelo pai não sabe dizer; que A.S.S. mora no mesmo terreno do acusado; que as declarações eram inseridas pelo Delegado era no sentido de incriminar C.S.S.; que o Delegado chegou a dizer que poderia assinar que em Juízo não valia nada; que não tem confusão de sua parte no que diz respeito a criança estar com o rosto avermelhado e a fratura na perna; que não deu para reparar se a criança tinha alguma lesão nas pernas; que só o legista que viu; que nunca foi falado, enquanto a criança era levada, que existia lesão nas pernas; que no dia em que a criança apareceu com o rosto vermelho C.S.S. estava levando a criança na escola; que C.S.S. não estava presente; que os repórteres estavam do lado de fora mas não assistiam seu depoimento porque a porta estava fechada. Testemunha A.F.S. (Fls. 325/327 - grifei).

         No exercício das respectivas autodefesas os Acusados desenvolvem as suas versões para o ocorrido, assim como comprovam as passagens a seguir:

         que não são verdadeiros os fatos narrados na denúncia; que dez dias antes dos fatos levou sua filha maior para o colégio e deixou sua filha mais nova com o acusado como fazia habitualmente; que ao retornar viu sua filha com hematomas roxo no rosto e com dificuldade para respirar; que o acusado justificou aquilo porque disse que tinha cochilado e deixou sua filha cair da cama; que não sabe justificar as lesões gravíssimas que a criança tinha em processo de cicatrização e que segundo o perito foram praticado pelo menos trinta dias antes dos fatos; que poderia ser cólica ou dente nascendo; que chegou a levar a filha na rezadeira; que ninguém percebia que a criança tinha as duas clavículas fraturadas; que ao levar a criança ela "só tinha as duas perninhas fraturadas"; que ficou sem entender nada; que com relação as fraturas ao acorda pela manhã reparou e indagou ao acusado o que tinha acontecido; que o acusado disse que tinha dormido em cima da criança; que nunca foi presa ou processado anteriormente e nada tem contra as testemunhas da denúncia: que o acusado era viciado em crack e vinha usando muito ultimamente; que vinha passando dos limites e usava em casa; que o acusado ficava agressivo quando usava crack; que mesmo sabendo deste histórico agressivo do acusado, mesmo assim deixava o bebe porque confiava no acusado; que na noite anterior ao fato o acusado usou crack; que o acusado saiu de casa dizendo que ia arrumar dinheiro para passagem do hospital, mais não voltou; que de manhã o acusado estava alterado e chegaram a discutir; que nem sempre deixava a criança com o acusado sóbrio; que está no segundo ano do segundo grau; que não tinha outra opção para deixar a criança; que não tinha como levar a criança consigo; que na noite anterior a criança estava bem; que o acusado quando usava crack ficava nervoso e agitado; que a criança tinha berço, mai não cabia no quarto, por isso dormia com o casal; que preferia deixar a criança na cama consigo a ficar na sala; que era um ato de proteção porque a criança gostava de dormir mamando; que não é usuária de crack; que o acusado chegou a falar para outras pessoas que dormiu em cima da criança; que inclusive conforme isso em uma carta que leh escreveu; que tem as cartas; que vai pedir para a sua família para trazer as cartas para o DR. I.; que era responsável pelos cuidados da bebe; que regularmente era a interrogando quem dava banho e alimentava, muito embora o acusado também saiba fazer; que no dia a criança usava um macacão rosa e uma camisa vermelha; que a roupa era curta, acima do joelho; que nunca disse para as pessoas que foi a responsável por ter dormido em cima da bebe; que a bebe era bem tratada pelo casal, inclusive era gordinha; que do seu modo de ver o acusado era bom pai; que o acusado só foi violento com a interroganda, nunca com a bebe; que não pediu socorro a família quando o acusado foi agressivo". Acusada C.S.S. (Fls. 328/330)

         "que não são verdadeiros os fatos narrados na denúncia; que não sabe o que aconteceu para que a criança tenha tanta fratura dessa monta; que não sabe se dormiu em cima da criança porque estava cansado; que chegou a procurar um carro para prestar socorro a criança, entretanto a acusada foi socorrida antes pelo primo; que ia para o hospital mais foi pego pela policia antes; que nunca foi preso ou processado anteriormente e nada tem contra as testemunhas da denúncia; que já foi usuário de drogas, mais já está a um ano parado; que só tinha pequenas discussões com C.S.S.: que é a mãe quem cuida da criança; que também sabe cuidar; que está desempregado; que nunca foi violento com a bebe; que tem muito amor pela bebe; que acredita que C.S.S. tenha dito para as pessoas que foi ela quem dormiu em cima da bebe porque a cama era de casal e deve ter se confundido; que a bebe mamava no peito; que a bebe acordava na madrugada; que acordava apenas uma vez durante a noite; que C.S.S. era boa mãe; que não escreveu cartas para C.S.S.; que no dia a criança dormiu no seu lado; que tem sono pesado; que a cama é de casal; que botavam a criança na cama e não no berço com medo de ratos e porque poderiam atender a criança acaso chorasse; que os policiais chegaram a acusar de estupro quando foi detido na comunidade; que isso foi dito por um policial civil da 33ª DP; que na mesmo hora passaram a mudar a versão e lhe acusar de violência; que nunca fez tratamento de drogas; que não se considerou usuário; que tem certeza que não é dependente. Acusado A.R.S. (Fls. 331/332)

         Avaliando todos os longos e minuciosos depoimentos retratados nas linhas anteriores, em especial os dos familiares da acusada C.S.S., confessadamente repostos e mais cautelosos para protegê-la, resta evidente que as lesões proporcionadas a vítima – fato amplamente comprovado pela prova técnica e testemunhal – não tem qualquer justificativa plausível.

         Relembro a passagem do primo da vítima para destacar que aos seus olhos naquele instante o bebê estava "muito castigada" e a "cena era muito chocante".

         Inviável a versão dos acusados para justificar o ritual macabro de agressões que alcançavam a vítima de apenas 4 meses. Basta para tanto contabilizar as lesões descritas no laudo indireto de fls. 20/21 para se perceber que esse bebezinho de apenas 120 dias de vida contabilizava algo em torno de 70 lesões por todo o corpo, o que daria uma média de quase uma lesão a cada dois dias.

         A morte desta criança inerte e indefesa certamente não ocorreu por obra divina. Deus de fato existe e olha para os idosos e para as crianças!

         Senhor; meu Deus Supremo, obrigado por ter dado a chance de esta criança sobreviver a esta carnificina e ter acesso a um novo lar, onde oxalá possa estar sendo tratada de forma decente, com amor, carinho e paz!

         Como disse e repiso, os acusados tentaram nas suas respectivas autodefesas esclarecer o que, data venia e com todo respeito, é incompreensível!

         Este tipo de crime imputado aos acusados é esclarecido pela doutrina da seguinte maneira:

         "Já no crime de tortura da lei especial, o sofrimento que o agente impõe a vítima deve ter por finalidade um dos objetivos mencionados na lei (obter informação, declaração ou confissão de alguém; provocar ação ou omissão criminosa; por discriminação racial ou religiosa; para impor castigo ou medida preventiva)." (In. Crimes Hediondos, Tóxicos, Terrorismo e Tortura. Saraiva. 2001. p. 96).

         Destarte, não há como deixar de prestigiar o pedido ministerial contido em suas alegações finais de fls. 377/397, pois a prova dos autos demonstra que os acusados atentaram diametralmente contra o injusto do tipo descrito no art. 1º, inciso II, §§ 3º e 4º, inciso II, da Lei 9.455/97.

         Há de se entender que criança dá muito trabalho. Um bebê recém-nascido consome tempo e energia daqueles que se prestam a mantê-lo.

         Naturalmente esta criança, até mesmo pelas graves lesões que ostentava em seu corpo em razão das agressões anteriores, reclamava maiores atenções e cuidados, atitudes que os acusados não estavam dispostos a empregar.

         Então! Se o choro não para; espancamento e asfixia servem para evitar o que não se tem paciência para fazer. Eis a explicação de tantas e tão graves lesões em tão pouco tempo de vida.

         O roteiro extenso de lesões, a crueldade com que foi sempre tratada à vítima, assim como a frieza dos acusados no momento da abordagem policial são elementos fortes a desmerecer as teses desclassificatórias sustentadas pelas brilhantes defesas técnicas.

         Há, pois, plena incompatibilidade entre os fatos e as provas colhidas e a tipificação de lesões corporais e/ou maus tratos, crimes insignificantes aos olhos do conteúdo probatório destes autos.

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Sobre o autor
Alexandre Abrahão Dias Teixeira

juiz de Direito no Rio de Janeiro, palestrante da EMERJ, diretor do IMB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TEIXEIRA, Alexandre Abrahão Dias. Casal é condenado por torturar filha de quatro meses. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2565, 10 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16938. Acesso em: 23 abr. 2024.

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