11. Respostas aos quesitos
1. Quanto à contribuição para o crime:
1.1 Ante as provas apresentadas, pode-se afirmar que algum dos acusados não contribuiu para o evento criminoso? Qual(is) o(s) acusado(s)?
Resposta:
Não. Todos contribuíram para o crime.
Dá-se a co-autoria quando várias pessoas realizam as características do tipo. Ex.: A e B embebedam a vítima C de álcool e a incendeiam, causando-lhe a morte. Ambos praticam o núcleo do tipo do crime de homicídio doloso (Código Penal, art. 121), que é o verbo "matar". As condutas cometidas em co-autoria caracterizam-se pela circunstância de que os cooperadores, conscientemente, conjugam seus esforços no sentido da produção do mesmo efeito, de modo que o evento (salvo nos crimes formais e de mera conduta) se apresenta como o produto das várias atividades. Co-autoria é divisão de trabalho com nexo subjetivo que unifica o comportamento de todos. Não existe um fato principal a que acedem condutas acessórias; cada um contribui com sua atividade na integração da figura típica, realizando a conduta descrita ma norma penal incriminadora. E não é necessário que todos realizem exatamente a conduta descrita no núcleo do tipo. Ex.: no homicídio mediante fogo uns podem embededar a vítima de combustível inflamável e outros riscarem fósforos.
Ocorre a participação quando o sujeito, não realizando atos executórios do crime, concorre de qualquer modo para a sua realização (Código Penal, art. 29). Ele não realiza a conduta descrita pelo preceito primário da norma, mas atividade que concorre para a formação do delito.
"Concorrer" significa convergir para o mesmo ponto, cooperar, contribuir, ajudar e ter a mesma pretensão de outrem. O verbo expressa claramente a figura do concurso ( ato de se dirigirem muitas pessoas ao mesmo lugar ou fim, segundo os léxicos. A expressão é conseqüência lógica da adoção da teoria da equivalência dos antecedentes contida no art. 13, caput, do Código Penal: "O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido". Concorre para o crime aquele que realiza uma ação ou omissão sem a qual o evento não teria ocorrido. É do princípio da causalidade que decorre o conceito do concurso de pessoas: todos os que empregam, de qualquer forma, suas atividades para um crime, cooperam com uma causa para a sua produção e, assim, da indivisibilidade de fato criminoso decorre a responsabilidade de todos os sujeitos. Se o resultado de que depende a existência do crime é imputável a quem lhe deu causa e se o crime, como qualquer outro fenômeno, é produto da reunião de causas que o determinam, responsável por ele é todo aquele que concorreu com uma ação ou omissão sem a qual o evento não teria ocorrido.
No caso dos autos, todos os acusados devem ser considerados participantes responsáveis pelo crime. A idéia de queimar a vítima foi aceita por todos (acordo prévio); todos compraram o combustível; todos lavaram os vasilhames; todos, menos um, acercaram-se da vítima; um derramou álcool em Galdino e outro acendeu o fogo. Pouco importa saber quem exatamente jogou álcool e riscou o fósforo: a empreitada era de todos. O empreendimento, realizado em comum com repartição de tarefas, torna-os responsáveis pelo fato global.
1.2 Ante as provas apresentadas, há elementos que permitem afirmar que algum dos acusados concorreu para o crime mediante participação de menor importância ou quis participar de crime menos grave? Qual(is) o(s) acusado(s) e qual (is) o(s) crime(s)?
Resposta:
Nosso Código Penal, embora mantendo a teoria unitária, adotou a teoria restritiva de autor, distinguindo nitidamente autor de partícipe. Além disso, mitigando o rigorismo da doutrina monística, reza, na parte final do caput do art. 29, que todos os participantes incidem nas penas cominadas ao crime, "na medida de sua culpabilidade". E, nos termos do § 1º do mesmo dispositivo, "se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço".
O termo "participação" deve ser entendido em sentido amplo, abrangendo as formas moral e material. A disposição só tem aplicação quando a conduta do partícipe demonstra leve eficiência causal. Refere-se à contribuição prestada por ele e não à sua capacidade de delinqüir. Nesse sentido: TJSP, RvCrim 71.305, RJTJSP, 117:474; STF, HC 68.336, rel. Ministro Celso de Mello, RT, 685:383 e 385.
No caso em debate, todos contribuíram de maneira uniforme para o resultado comum, mesmo o acusado que, no momento do fato, não estava no ponto de ônibus, permanecendo à espera dos companheiros. Sua conduta anterior, nas fases do acordo prévio, procura do posto de gasolina, compra do combustível, lavagem do vasilhame e acompanhamento até as proximidades do local do fato, apresentava eficiência causal. Não é de menor importância, p. ex., concordar com a queima de um homem.
Nenhum deles quis participar de crime menos grave, uma vez que, nos termos do parecer, e isso se encontra na própria sentença, todos tinham consciência das conseqüências possíveis e prováveis do fato, incluindo-se a morte.
2. Quanto ao elemento anímico:
2.1 Ante as provas apresentadas, os acusados agiram com dolo de homicídio (animus necandi)?
Resposta:
Sim, conforme a fundamentação do parecer.
2.2 Ante as provas apresentadas, se afirmativa a resposta ao quesito anterior, o dolo se configura em sua modalidade direta ou eventual (os acusados quiseram ou assumiram o risco de matar a vítima)?
Resposta:
Agiram com dolo eventual (assumiram o risco de produzir a morte da vítima).
2.3 Ante as provas apresentadas, se afirmativa a resposta ao primeiro quesito, e estabelecida a modalidade do dolo na resposta ao segundo quesito, sabido que no Direito Penal brasileiro não há diferenciação de natureza da responsabilidade de quem quer diretamente (dolo direto) ou assume o risco de produzir (dolo eventual) um resultado, há justificativa legal para resposta penal (condenatória, desclassificatória ou absolutória) diversa em uma ou outra hipótese?
Resposta:
Não há justificativa legal fora do homicídio doloso consumado, conforme amplamente exposto no parecer.
2.4 Ante as provas apresentadas, os acusados poderiam ter agido com culpa (consciente ou inconsciente)?
Resposta:
Não, nos termos das razões apresentadas no parecer.
2.5 Na eventualidade de se haver afirmado que os acusados agiram com dolo eventual, quais os elementos que permitem afastar a culpa (consciente ou inconsciente) e afirmar a existência do dolo eventual?
Resposta:
Quesito já respondido na fundamentação do parecer. A própria decisão afastou a possibilidade de ter havido simplesmente crime de homicídio culposo. Presente, inegavelmente, na conduta dos acusados, dolo de lesão, reconhecido na sentença, tanto que considerou a presença de lesão corporal seguida de morte, em que o primum delictum é doloso, fica afastada a figura do crime culposo, pois neste a conduta inicial não pode ser dolosa (com dolo de dano, de lesão). Quanto à culpa consciente e à preterintenção, de ver-se os fundamentos do parecer.
3. Quanto às questões processuais:
3.1 Ante as provas apresentadas, pode-se afirmar a presença dos elementos necessários à pronúncia dos réus para julgamento pelo Tribunal do Júri?
Resposta:
Sim. Os autos contêm elementos necessários para a pronúncia dos réus por homicídio doloso.
12. Conclusão:
Segundo nosso entendimento, os acusados cometeram crime de homicídio doloso qualificado com dolo eventual.
Para os índios, os homens se acabam num incêndio e renascem num único casal que restou (A questão do índio, cit., p. 18). Que a morte do Pataxó - Hã-Hã-Hãe Galdino Jesus dos Santos, num incêndio, faça brotar a chama renascida do respeito e da solidariedade humana.
É o parecer.
São Paulo, 13 de outubro de 1997.
Damásio E. de Jesus
OAB 95.195