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Licitação pública.

Atraso de 10 minutos na apresentação dos envelopes não deve impedir licitante de participar

01/05/1999 às 00:00
Leia nesta página:

Parecer sustentando que o licitante que se atrasou, mas chegou antes da abertura dos envelopes, não deve ser impedido de participar da licitação.

I - Introdução

Empresa do setor de obras públicas encaminha interessante questão para ser desvendada à luz da Constituição e da legislação pertinente às licitações públicas.

Estudado o assunto, sugerimos a impetração de mandado de segurança, contra ato de autoridade pública que impediu a participação da consulente em licitação.

Os fatos e a fundamentação jurídica da impetração são os que seguem.


II - O ato coator e o direito líquido e certo

A consulente adquiriu junto a entidade pública o Edital da Concorrência nº 125/98, regedor de licitação, do tipo menor preço, que tem por objeto a contratação de empresa do setor da engenharia para construção de Estabelecimento Penal Masculino de Segurança Média.

Foi designado o dia 30.11.98, às 14h00, para apresentação dos envelopes contendo os documentos de HABILITAÇÃO e a PROPOSTA COMERCIAL (item 4.1 do Edital), sendo que logo após ocorreria a abertura do certame, com o recebimento e checagem do primeiro envelope.

Pois bem, o que ocorreu é que a consulente, que estava no aguardo, junto a uma Repartição Pública Estadual, de documento indispensável para a fase de habilitação, compareceu perante a Comissão de Licitação, portando os dois envelopes com a documentação exigida pelo Edital, exatamente às 14h10, quando sequer havia sido iniciado o ato de abertura e rubrica dos envelopes que lá já se encontravam (conforme Declaração de um dos presentes ao ato), oportunidade em que, dando azo ao ato inválido a ser combatido, A AUTORIDADE COATORA IMPEDIU A CONSULENTE DE PARTICIPAR DO CERTAME (conforme consta da Ata de Reunião), porque entendeu que o item 6.1 do Edital (que trata da necessidade de ser observado o horário para início da reunião) havia sido descumprido.

Por mais que se entenda que a CPL está vinculada às prescrições do Edital, não há como deixar de considerar que a análise da questão por parte da autoridade coatora se deu de forma absolutamente desarrazoada, pois acabou alijando do certame licitatório empresa idônea e tradicional no setor da construção civil, que teria (e ainda tem) plenas condições de firmar contrato com a entidade licitante a um preço competitivo (recorde-se que a licitação é de menor preço).

A vinculação da autoridade coatora, de forma literal e absoluta, à regra do Edital que estabelecia o horário para apresentação dos envelopes junto à Comissão de Licitação, à toda evidência, demonstra-se como sendo viciada juridicamente, porquanto sabido é que a "Administração, ao atuar no exercício de discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosas das finalidades que presidiram a outorga da competência exercida" (CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, "Curso de Direito Administrativo", Ed. Malheiros, 4ª ed., p. 54). Onde, na decisão administrativa sob questionamento, algo que se aproxime de uma conduta que possa ser considerada racional e adequada aos fins básicos de uma licitação pública ?

Convém notar que é noção tradicional, extraída da boa literatura jurídica, a de que a vinculação ao Edital (extraída do princípio do procedimento formal) NÃO SIGNIFICA QUE A ADMINISTRAÇÃO DEVA SER "FORMALISTA", A PONTO DE FAZER EXIGÊNCIAS INÚTEIS OU DESNECESSÁRIAS À LICITAÇÃO, ESPECIALMENTE QUANDO A IRREGULARIDADE APRESENTADA É IRRELEVANTE E NÃO CAUSA PREJUÍZO ALGUM À ADMINISTRAÇÃO OU AOS DEMAIS CONCORRENTES (conf. HELY LOPES MEIRELLES, "Licitação e Contrato Administrativo", Ed. Malheiros, 11ª ed., p. 27). É difícil mesmo imaginar qual teria sido o prejuízo à Administração ou a qualquer concorrente que decorreria do recebimento dos envelopes contendo a documentação da consulente, passados apenas 10 (dez minutos) do início do ato e sem que tivesse sido dado início à abertura dos envelopes (conforme Declaração apresentada pela consulente). Sem prejuízo, não havia razão para impedir a participação da consulente na licitação instaurada.

Havendo choque ou colisão entre simples regra editalícia e princípio magno do sistema, tal como se revela, dúvidas não podem existir quanto ao caminho que deveria ter sido percorrido, qual seja, o de prestigiar a ampla competição e a possibilidade de atingir, efetivamente, o menor preço, pois estes são os objetivos a serem alcançados em certames desta natureza. Aplicou-se (e mal) regra e se desprezou princípio jurídico. Sincera e honestamente, não parece ser esta a melhor solução para a hipótese que se revela.

A jurisprudência recente do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA dá abrigo ao que se sustenta, afastando a idéia formalista de apego exagerado aos termos de um Edital de licitação, "in verbis":

"DIREITO PÚBLICO – MANDADO DE SEGURANÇA – PROCEDIMENTO LICITATÓRIO – VINCULAÇÃO AO EDITAL – INTERPRETAÇÃO DAS CLÁUSULAS DO INSTRUMENTO CONVOCATÓRIO PELO JUDICIÁRIO, FIXANDO-SE O SENTIDO E O ALCANCE DE CADA UMA DELAS E ESCOIMANDO EXIGÊNCIAS DESNECESSÁRIAS E DE EXCESSIVO RIGOR PREJUDICIAIS AO INTERESSE PÚBLICO. POSSIBILIDADE. CABIMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA PARA ESSE FIM. DEFERIMENTO.

(...)

"Consoante ensinam os juristas, o princípio da vinculação ao Edital não é absoluto, de tal forma que impeça o Judiciário de interpretar-lhe, buscando-lhe o sentido e a compreensão e escoimando-o de cláusulas desnecessárias ou que extrapolem os ditames da lei de regência e cujo excessivo rigor possa afastar, da concorrência, possíveis proponentes, ou que o transmude de um instrumento de defesa do interesse público em conjunto de regras prejudiciais ao que, com ele, objetiva a Administração" (Mandado de Segurança nº 5.418/DF, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJU 01.06.98, transcrito na obra de MARÇAL JUSTEN FILHO, "Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos", Ed. Dialética, 1998, p. 73).

O que se disse vem a confirmar que a conduta da autoridade coatora foi inconveniente, desarrazoada e incoerente, especialmente se for levado em consideração que se exige, em disputas como a da espécie, a mais ampla competitividade (art. 3º da Lei 8.666/93). Como possibilitar a plena competição se a CPL alijou do certame empresa que estava apta a dele participar única e tão somente porque não se entregou o envelope da Documentação na Sala da Comissão às 14h00, quando sequer havia sido (às 14h10) anunciado o encerramento do prazo ou dado início à abertura dos envelopes ?

Além disso, resta claro que outro princípio jurídico aplicável às relações administrativas (princípio da proporcionalidade) também não foi atendido. Tal princípio realmente é aplicável ao caso dos autos, "sobremodo quando a Administração restringe situação jurídica dos administrados além do que caberia, por imprimir às medidas tomadas uma intensidade ou extensão supérfluas, prescindendas... É que ninguém deve estar obrigado a suportar constrições em sua liberdade ou propriedade que não sejam indispensáveis à satisfação do interesse público" (CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, ob. cit., p. 56). Este princípio, tal como vem sendo desdobrado pela doutrina, acarreta a impossibilidade de impor conseqüências de severidade incompatível com a irrelevância de defeitos (MARÇAL JUSTEN FILHO, ob. cit., p. 72)

Tenha-se presente que os envelopes contendo a documentação da consulente foram apresentados à Comissão antes que fosse dado início ao ato de abertura (o que é de dedução fácil e lógica, pois bem mais de 10 minutos são ultrapassados até o recebimento dos envelopes e a constatação de outros aspectos formais, especialmente se for levado em consideração que 13 (treze) empresas estavam representadas naquele ato). Por que, então, impedir a participação da consulente, se não houve, como está demonstrado, absolutamente nenhum prejuízo às demais licitantes ?

Eis aí, pois, demonstradas duas violações a princípios jurídicos que impõem a correção da conduta da autoridade administrativa, que deixou de expedir ato administrativo em consonância com as magnas orientações normativas destacadas acima, desatendendo, ainda, à exigência legal no sentido de que se deve, efetivamente, SELECIONAR A PROPOSTA MAIS VANTAJOSA em certames dessa espécie e natureza (art. 3º do Estatuto Jurídico das Licitações Públicas). Como selecionar esse tipo de proposta se a consulente foi indevidamente impedida de participar do certame ? Como possibilitar a obtenção do MENOR PREÇO se empresa da terra, tradicional e idônea, foi impedida de participar da licitação ?

A competição, tão ampla quanto possível, é o valor fundamental a preservar em toda e qualquer licitação pública. Daí porque, segundo a melhor doutrina, "a Administração está obrigada a ensejá-la, favorecê-la, estimulá-la, jamais podendo opor-lhe limites, barreiras ou dificuldades desarrazoadas. O caráter competitivo é da essência da licitação" (CARLOS ARI SUNDFELD, "Licitação e Contrato Administrativo", Ed. Malheiros, 1994, p. 16). Análise literal e apressada de cláusula editalícia que leva ao impedimento de participar de certame público, em razão de mero atraso que não significou absolutamente nenhum prejuízo a nada e a ninguém, deve ser afastada pelo Judiciário, como forma de fazer prevalecer tudo o que há de bom e valioso no regime jurídico pátrio.

Também convém lembrar, por derradeiro, que errou mais uma vez a Comissão de Licitação, aqui representada pela autoridade coatora, ao não reter os envelopes apresentados pela consulente, pois com tal ato descumpriu, ainda que implicitamente, a regra do art. 43 da Lei 8.666/93, bem como a que garante o direito de interposição de recurso administrativo contra os atos da Comissão (art. 109). Aliás, o absurdo do que está sendo revelado mais se confirma quando se constata que a Comissão impediu o representante legal da consulente de assinar a Ata, bem como de deixar sob seus cuidados os envelopes contendo a documentação.

Fato é que o direito líquido e certo da consulente (relativo à sua participação no certame, com efetivo recebimento de seus envelopes) foi violado, merecendo pronta reparação. A concessão da liminar a ser requerida visa dar respaldo a este reclamo, que em tudo e por tudo se afigura justo e legítimo.


III - Da necessidade da liminar e da irreparabilidade do dano

A irreparabilidade do dano, efetiva e objetivamente verificável, decorre do fato de a consulente estar sendo impedida de participar da mencionada licitação pública com efetivas chances de sagrar-se vencedora, pois dela foi alijada antes mesmo de seu início .

No caso em tela estão presentes tanto a relevância do fundamento quanto o periculum in mora. Aquela, representada pela alegação de que o ato coator viola direito líquido e certo da consulente, assegurado pela Lei das Licitações Públicas e pela Constituição da República (que alberga implicitamente os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade), tal como exposto anteriormente; este, pela necessidade de o Judiciário determinar o efetivo recebimento e abertura dos envelopes apresentados pela consulente, evitando-se, com tal ato, que se dê prosseguimento à licitação sem que uma das participantes tenha sua documentação corretamente aferida. Mais se reforça o periculum in mora quando se constata que a autoridade coatora de imediato passará à análise da documentação das outras licitantes, o que impõe a suspensão do certame, até que a consulente dele possa estar participando.

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Caso a liminar requerida seja concedida, nenhum prejuízo advirá à Administração Pública, que prosseguirá no certame com mais um participante (com enormes chances de sagrar-se vencedora, pois se trata de empresa idônea e com larga tradição no setor de obras de engenharia, prestando ao Poder Público Estadual, Municipal e Federal, inúmeros serviços especializados), tendo, aí sim, a oportunidade de, comparando a proposta de preço de cada um dos participantes (pois isto é o que interessa numa licitação de MENOR PREÇO), escolher, em homenagem ao princípio da seleção da proposta mais vantajosa, a empresa que efetivamente atender àquilo que é pleiteado pela entidade licitante.

Se porventura não for concedida a liminar, o que não se espera, prejuízos irreparáveis serão acarretados à consulente, que ficará impossibilitada de exercer seu legítimo direito de participar do certame, com efetivas chances de vencê-lo, haja vista que foi a mesma impedida indevidamente de apresentar seus envelopes à Comissão. A entidade licitante também poderá sofrer prejuízos de grande monta, caso a liminar não seja concedida, ante a inevitável anulação da licitação em processo a ser ajuizado oportunamente, além de o alijamento de concorrentes ser prejudicial à competição e à defesa do interesse público.

Não seria demasiado lembrar que OS ADMINISTRADORES PÚBLICOS, COMO SE SABE, TÊM O DEVER DE BUSCAR O MENOR DESEMBOLSO DE RECURSOS PELA CONTRAPRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS QUE LHES SÃO PRESTADOS. ENTENDIMENTO CONTRÁRIO OFENDERIA AOS PRINCÍPIOS MAIS BASILARES DA GESTÃO DA COISA PÚBLICA ! Permitir que os envelopes da consulente sejam recebidos e abertos, para a correta conferência do que foi por ela apresentado, significará total observância a esta noção básica e elementar.

Esclarece a consulente que não é relevante o fato de a Comissão de Licitação não ter recebido seus envelopes, pois no dia de ontem foram abertos e rubricados apenas os documentos da fase de HABILITAÇÃO (contendo contrato social, certidões negativas, prova de inscrição no CGC etc). Não há como alegar violação ao princípio da inalterabilidade da proposta, em razão desta ainda não ter sido apreciada. Para segurança do cumprimento da liminar (e para evitar dúvidas infundadas), seria o caso de o Juiz que despachar a liminar determinar que somente documentos datados até 30.11.98 é que poderão ser acolhidos pela Comissão de Licitação, afastando, assim, toda e qualquer limitação advinda do ato abusivo da autoridade coatora (que deveria ter retido os envelopes, até como forma de possibilitar eventual recurso administrativo).


IV - Conclusão

Pelo exposto, conclui-se que deve ser concedida liminar no mandado de segurança a ser impetrado, para determinar o efetivo recebimento dos envelopes apresentados pela consulente, suspendendo-se o andamento do certame até a efetiva verificação da sua documentação de HABILITAÇÃO.

Quanto ao mérito, deverá ser pleiteada a concessão em definitivo da segurança a ser impetrada, para, proclamada a desvalia jurídica do ato impetrado, determinar sua cassação, garantindo-se a efetiva participação da consulente na licitação regida pelo Edital, ao menos quanto à entrega e análise dos seus envelopes à Comissão de Licitação.

Como se viu, esta é uma das formas de interpretar o que veio a ocorrer no âmbito da Administração Pública.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Licitação pública.: Atraso de 10 minutos na apresentação dos envelopes não deve impedir licitante de participar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 31, 1 mai. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16255. Acesso em: 28 mar. 2024.

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