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O patrimônio imobiliário da União Federal e o ordenamento jurídico

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01/11/2001 às 01:00
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7:- Consequencias diversas decorrentes

O Consulente tem ampla razão em se preocupar com o estado jurídico imposto pela legislação em tela, pois percebe-se sem muito esforço, que a legislação em pauta, em linhas gerais traz numa só penada, total reformulação no que tange aos imóveis pertencentes a União.

Imóveis, assinala-se, cujo domínio pertence a União Federal e cuja natureza jurídica se apresentam de formas variadas. Observa-se também, que diversas normas e códigos, notadamente o espírito tradicional do mundo jurídico brasileiro, advindo do direito luso-romano é alterado repentinamente. Fere diversos artigos da Constituição Federal, especialmente os que dizem respeito a propriedade e direitos adquiridos. ( art.5º )O diploma ataca também o espírito do constituinte de 1988 e deixa obscuro e lambuzado seu preâmbulo.

A violação dos princípios expressos pelo preambulo da CF é de inadimensionável gravidade, tornando sua aplicabilidade letra morta, destruindo consequentemente todo o complexo de normas expressas pelo desejo do constituinte de 1988.

No âmbito político, vislumbra-se intenção manifesta de transformar o patrimônio nacional, consistente em bens imóveis de uso especial, dominical e uso comum do povo, em patrimônio privado, com efeitos econômicos salientemente prejudiciais aos interesses nacionais.

A alienação desse patrimônio incomensurável, de praias, vias públicas, rios, parques florestais, ilhas, espaço aéreo, caudais, mares, subsolo, potenciais energéticos e tantos outros bens previstos no art. 20 da Carta Federal e outros títulos, terá consequencias inimagináveis e o empobrecimento da sociedade e do Estado nacional.

A situação atual, onde a UF é proprietária e concede seu patrimônio para exploração por terceiros, como as estradas ou o subsolo é bem distinta da situação que agora é permitida, na qual ela aliena definitivamente bens de seu patrimônio, como estradas ou o subsolo...

Pelo aspecto social, observa-se igualmente o perigo do caos, posto que, apenas salientando a orla marítima, com mais de oito mil quilômetros, e com centenas de milhares de famílias dependendo do mar, dos alodiais, praias, manguezais et allis, com a privatização facultada, e a facilidade para desnacionalização de sítios ocupados tradicionalmente por profissionais artezanais, a expropriação compulsória dos bens dos frágeis e menos avisados será célere, de modo a perpetrar-se suas expulsões e interiorização de seus domicílios.

Percebe-se também que a legislação em debate, promoverá a par da insegurança, a revolta de segmentos sociais que vivem, convivem e habitam nas ilhas marítimas e nos terrenos ocupados ou aforados da União Federal, bem como trará a insatisfação de outros que tem nesses espaços, reservas patrimoniais destinadas a empreendimentos comerciais, mormente para o lazer.

Nesses prédios, urbanos ou rurais, núcleos tradicionais serão paulatinamente desalojados para cederem o território a empreendimentos transnacionais que haverão de privatizarem o que por tradição histórica é de uso comum de todos, como os rios, as fontes de energia, o sub solo e pondo em risco o espaço aéreo, as reservas indígenas que poderão ser alienadas...

Nesse apanhado observa-se que a insensatez do legislador poderá aniquilar o patrimônio imobiliário do Estado brasileiro, retalhando o solo, o sub-solo e o espaço aéreo e os entregando a potências estrangeiras, que deterão os poderes próprios da autoridade pública, como foi demonstrado.

Dispensando-se a profundidade do estudo jurídico do ordenamento em tela, perfunctoriamente percebe-se numa plana que eivado de violências ao bom direito se encontrava antes a medida provisória que originou a lei e agora esse espúrio diploma jurídico, elocubrado por agentes do capital estrangeiro.

Ao longo dos seus quase cinquenta artigos, com referencias a outras normas que ordenam a propriedade pública e privada, inclusive de direito comum, sem a necessidade de aprofundar-se a hermenêutica aprimorada dos lentes, percebe-se que:

a)- o instituto privilegia o enriquecimento injusto. Deixa expresso que benfeitorias não serão indenizadas e que, decaindo do direito de preferência, o ocupante, foreiro ou outro detentor, deverá discutir eventual indenização, fora do prédio que ocupava.

b)- abole direitos e condições consolidadas e adquiridas. Em linhas gerais, o direito advindo da legislação anterior, ou o direito decorrente de princípios constitucionais e expressos em normas ordinárias, notadamente do código civil, não prevalecem sobre a nova ordem jurídica implantada. Repudia-se os princípios democráticos estabelecidos na lei de introdução ao código civil e na própria Constituição Federal, de forma a tolher da sociedade inúmeras garantias inerentes aos titulares de direitos reais.

c)- rompe com normas tradicionais de direito comum ordinário, previstas tradicionalmente em nosso direito, entre as quais, a tutela dos bens públicos de uso geral, como as praias. A nova ordem jurídica é expressa no sentido de privatizar bens de uso comum do povo, permitindo sua exploração e arrecadação tributária por pessoas privadas, que se tornaram delegados do Poder Público, com mandato de fiscalização fazendária.

d) - deixa o direito de propriedade, de posse e a função social da propriedade arranhado em diversos momentos. Contrariando o espírito do constituinte de 1988, que expressou criar um estado democrático, solidário e voltado para a cidadania, a nova ordem imposta pela maldita lei, trás possibilidade de alienação da orla a estrangeiros inclusive, que poderão expulsar famílias do território tradicional. A função social da propriedade é esquecida, notadamente com a faculdade do pagamento de preço com títulos do governo.(moedas podres)- Títulos nas mãos de bancos e latifundiários em regra. De outro lado, admite que a arrecadação será destinada para pagamento de dívidas consolidadas de responsabilidade da União Federal, sendo descartado investimentos sociais.

e) - torna letra morta o art. 5 da Magna Lei. Sem comentários maiores, observa-se que dita lei trata-se de cheque em branco nas mãos do Poder Executivo, que pode delegar, sub delegar etc dita autorização, a ponto de qualquer gerente de banco credenciado poder outorgar escritura de venda e compra, como se dará, com os agentes da Caixa Econômica Federal...

Assim, num apanhado singelo, se tem argumentos suficientes para arguír-se junto ao Poder Judiciário a inconstitucionalidade da lei e igualmente, a ilegalidade dos atos praticados durante sua vigência espúria da lei e da anterior medida provisória, bem como do regulamento e das normas de serviço já editadas e implantadas, merecendo respeito a preocupação exposta do Consulente.

O aspecto jurídico é tão nefasto aos interesses da nação quanto foram atos outros praticados pelo último governo que vem dilapidando o patrimônio nacional, até então de forma disfarçada, porém agora explícita.

De outra parte, numa visão crítica, qualquer brasileiro com sensibilidade social haverá de perceber que a vigência da nova ordem legal, trás de imediato a insegurança as populações diretamente atingidas e igualmente as pessoas políticas municipais e estaduais que vem perder áreas consideradas do seu domínio, por força da primeira constituição republicana.

Observa-se igualmente que os conceitos de ilhas marítimas e ilhas oceânicas,já definidos na doutrina e expressos na Magna Carta, são novamente postos a interpretação judicial, propiciando a insegurança da sociedade.

Politicamente a execução da norma em tela permitirá que a União Federal abra ao capital estrangeiro, as pessoas jurídicas e físicas sem qualquer intima relação com o litoral, a oportunidade de virem a privatizar áreas, ocupa-las, adquiri-las, explora-las, enfim, preenchendo espaços até hoje, tradicionalmente sob o domínio fático de populações de pescadores, caiçaras ou mesmo empresários brasileiros exploradores de ramo turísticos. Politicamente, a população menos privilegiada estará desprotegida e prestes a perder seus sítios, rurais ou urbanos, para União Federal que poderá cede-los a terceiros.

No mais, o caos social haverá de se implantar. Tanto nas costas ou nas ilhas situadas em zonas densamente habitadas, como as exóticas perdidas ao longo do imenso litoral, pois dificilmente pessoas comum do povo terão condições econômicas, de informações e culturais para participar dos leilões e obterem êxito com suas propostas.

Enfim, sob essa ótica, a classe média deixará de ter suas pretensões junto as cidades turísticas e as colonias de pescadores que vivem ao longo do mar ou junto aos rios que sofrem influência das marés,com o passar do tempo, serão dizimadas e extintas em total violência a nacionalidade, cidadania e direitos humanos.

Não se pode falar que o Judiciário então se fará presente para reparar eventuais arbitrariedades, pois, se fica patente a insignificância de órgãos para julgar tantas demandas, bem assim de advogados e agentes do Ministério Público, já se sabe também que históricamente o Poder Judiciário não tem estrutura nenhuma para tão calorosa questão envolvendo pelo menos 25% da população brasileira. Ademais, revogada a lei, evitar-se-á o seu julgamento, motivo que é de direito, isto é, do bom direito, que ação política assim o faça.

Pelo que se percebe, como já dito, o objetivo da lei será a desnacionalização do patrimônio imobiliário pertencente a União Federal, inclusive os bens públicos comum de todos. O tema é bastante polêmico e de muita repercussão que atinge inclusive aspectos ligados a soberania nacional, como bem teme o Consulente.

No entanto, quando na atual conjuntura, vemos que o Congresso Nacional, tem se comportado favoravelmente a todos os projetos apresentados pelo Poder Executivo, independente de repercussões contrárias aos interesses do povo e da pátria, sobra apenas, sugerir que se proceda a ampla divulgação desta nova ordem implantada e se busque a suspensão dos pontos que violam escandalosamente a CF como de modo inédito assim postula o questionamento apresentado.

Com a ampla divulgação e mobilização de segmentos organizados da sociedade, como tem tentado agir o Consulente isoladamente, alertando do risco que integrantes das elites econômicas dominantes poderão vir a sofrer com desfalque considerável de seus patrimônios, poderá se admitir que lideranças variadas promovam atos públicos com o fim de sensibilizar o Congresso Nacional.

Daí, plausível buscar o socorro jurídica por meio da representação de inconstitucionalidade como admite a Magna Carta e, entre as pessoas jurídicas arroladas exaustivamente, destacar-se a Ordem dos Advogados do Brasil.O peso da OAB na ordem da situação que se apresenta, dentro dos aspectos da legalidade de sua existência, implicará, obviamente, no favorecimento de outras entidades com o mesmo objetivo e permitirá assim, maior facilidade para amplo debate nos meios de comunicações, que hoje permanecem reticentes. Comporta lembrar que a propriedade imobiliária trata-se de instituto arraigado a tradição cultural do povo brasileiro e que, nessa linha, em 1964, o então presidente da república foi deposto por um golpe e muitos políticos socialistas de hoje, são apontados como totalitários, pelas elites que tudo fazem para manterem-se no estado de proprietários que se encontram.

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Um movimento nacional comovendo a família humilde que reside em colônias de pescadores, e nos mesmos termos, promovendo a publicidade das consequencias as famílias que hoje tem interesses econômicos ao longo das ilhas e costa brasileira, poderá evitar perpetrar-se injusta agressão ao patrimônio nacional e particular de muitos. Daí, interessante mobilizar-se as Câmaras Municipais de Vereadores de municípios situados na orla. As colonias de pesca e as associações de empresários, pois esses seguimentos da sociedade política e econômica tem interesses direto no sentido de evitar-se a perpetuação da legislação que abala os interesses coletivos do país e privados de milhões de famílias brasileiras e haverão de corroborar igualmente na ação judicial eventualmente a ser impetrada por quem tem legitimidade para tanto.

Enfim, a permanecer a lei, como se encontra em vigência, o direito tradicional brasileiro estará violado com reflexos incomensuráveis na órbita do povo e do país. Motivo que a ação judicial deverá, s.m.j. ser intentada em conjunto com ação política.


8:- Legitimidade para a propositura de ações

O Instituto de Defesa da Cidadania e Direitos Humanos, que formalmente poderá apresentar o pedido a Egrégia presidência do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, tem no corpo de seus estatutos, expressos objetivos que compreendem a defesa da cidadania e da soberania nacional entre outros.

Como foi amplamente exposto neste trabalho, a legislação combatida, no entendimento claro do Consulente e do subscritor, traz indelével perigo a cidadania do povo nacional e igual perigo a manutenção da soberania do Estado brasileiro, motivo que legitima a atuação do Consulente à luz de seus estatutos sociais.

De outra parte, louvando-se no texto constitucional vigente, observa-se que o pedido se dirigindo a presidência da OAB, terá ampla legalidade, pois trata-se o agente destinatário, de representante legal da entidade com poderes estatutários para argüír a inconstitucionalidade da legislação aqui pautada, motivo que tranqüiliza o pleito no que diz respeito a legalidade da eventual representação para esse fim.

Assim, o Consulente com fulcro nos próprios estatutos sociais, no seu regulamento e autorizações internas promovidas pelo corpo diretivo e, com respaldo na CF e na legislação organizadora da OAB e seu regulamento geral, ou qualquer outra personalidade arrolada no texto constitucional que tenha dita habilitação, poderá instrumentalizar, com límpida probabilidade de êxito face as circunstancias, representação para que seja interposta a competente ação de inconstitucionalidade de artigos expressos na lei federal 9636/98.

A critério do próprio Consulente outra entidade poderá recepcionar a representação ou todas que estão arroladas no art. 103 da CF.


9:- Conclusões Derradeiras

Diante do exposto sobra concluir a presente consulta asseverando que procede a preocupação apresentada pelo Consulente, bem como, igualmente também procede a possibilidade de êxito na eventual propositura de ação declaratória de inconstitucionalidade a ser proposta por entidade prevista na Magna Carta, pelas razões acima declinadas.

Assim sendo o IDCDH entidade legitimada, desde que devidamente instruída a representatividade, poderá ser interposta a representação para tanto, com os esclarecimentos e fundamentos jurídicos indispensáveis, inclusive com o texto combatido para exâme.

Enfim, essa é a consulta, reduzida a parecer escrito submetido a censura do interessado.

S. Francisco do Sul, 30 Abril de 2001

Roberto J. Pugliese

1: Curso de Direito Judiciário - Forense, 1987.- Roberto J. Pugliese

2: Direito Agrário - Editora Saraiva,1985.- João boosco Medeiros de Souza

3: Curso de Direito Agrário - Editora Saraiva, 1998.-Pinto Ferreira

4: Das Águas – Leud, 1983.-Fernando Castro da Cruz

5: Curso de Direito Agrária – Fundação Petrônio Portella, Mj. ( 1 – Formação Territorial ) Costa Porto

6: Terras de Marinha – Forense, 1985.- Rosita de Souza Santos.

7: Summa da Posse, Direito, Ação e Legslação. – Leud, 1992.-Roberto J. Pugliese

8: Do Terreno Reservado de 1867 `a Faixa Florestal - Editora Revista dos Tribunais – Antonio de Pádua Nunes -

9: Curso de Direito Constitucional Positivo - Malheiros Editores. - José Afonso da Silva -

10: Pequena história territorial do Brasil - Sesmarias e Terras Devolutas. Ed. Livraria Luema. - Rui Cirne Lima -

11: Regime Jurídico das Ilhas Oceanicas Brasileiras.- S.Paulo,1985 - Wanda V. de Mello.

12: Lei dos Registros Públicos Comentada - Ed. Revista dos Tribunais. -Walter Ceneviva -

13: Direito Administrativo Brasileiro – ed. Revista dos Tribunais.-Hely Lopes Meirelles.

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Sobre o autor
Roberto J. Pugliese

advogado, professor da Faculdade de Direito de Joinville (SC), coordenador-geral do Instituto de Defesa da Cidadania e Direitos Humanos

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PUGLIESE, Roberto J.. O patrimônio imobiliário da União Federal e o ordenamento jurídico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16437. Acesso em: 24 abr. 2024.

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