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Seguro de saúde em grupo: cláusulas abusivas

01/04/2002 às 00:00
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Parecer ministerial em ação declaratória de nulidade de cláusulas contratuais, cumulada com restituição de valores, movida por consumidor contra associação de servidores públicos, em virtude de contrato de seguro de saúde.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO

Autos nº 98.1660540-6

Autora: Noemia Francisca Guerra

Ré: ANASP

O Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul, ora representado pelo seu Órgão de Execução, qual seja, a Promotoria de Justiça do Consumidor desta Comarca, vem, em atendimento ao despacho de f. 14, exarar seu parecer, o que faz da forma que abaixo segue.


I) Breve histórico da causa:

Trata-se de Ação Declaratória de Nulidade de Cláusula Contratual c/c Restituição de Valores promovida por Noêmia Francisca Guerra em face da Associação Nacional Assistencial dos Servidores Públicos – ANASP.

Segundo a requerente, em virtude de ter celebrado um contrato com a requerida (não especificando a natureza da avença), foi-lhe descontado, diretamente em sua folha de pagamento, a quantia mensal de R$ 44,64, durante 7 meses, num total de R$ 312,48.

Insatisfeita com o plano feito, em virtude de ter sido vítima de publicidade enganosa por ocasião da assinatura do contrato, solicitou, em 29 de agosto de 1996, o cancelamento do avençado (documento de f. 04).

Conforme promessa escrita dos representantes da reclamada (documento de f. 05), o cancelamento se daria apenas em janeiro/97, quando tal fato tornar-se-ia possível em virtude das condições previstas nos artigos 9º e 19º do Regulamento do Benefício.

Após um hiato considerável de tempo, entre janeiro/97 a maio/98, a reclamante, foi novamente surpreendida, em junho e julho/98, com mais dois descontos extemporâneo e fora de propósito em sua folha de pagamento, no importe de R$ 106,37, sob a rubrica: "ANASP – Plano de Sau" (documento constante de f. 03 e 16).

Para se livrar de vez dos ilegais e arbitrários descontos em seus vencimentos, a reclamante requereu, em 20 de julho de 1998 (documento de f. 06) e, posteriormente, em 19 de agosto de 1998 (documento de f. 15), à Secretaria de Estado de Educação, onde era lotada, o cancelamento dos indevidos descontos, que finalmente ocorreu.

A partir daí começou ela uma nova maratona, desta feita com o propósito de se ver ressarcida dos valores descontados indevidamente de seus vencimentos, num total de R$ 418,85. Como não conseguiu seu propósito amigavelmente, viu-se obrigada a recorrer ao Juizado Especial de Pequenas Causas, o que resultou a ação ora examinada.

Logo após o ingresso com a demanda, foi tentada a conciliação entre as partes, o que restou infrutífera, sendo designada, ato contínuo, a audiência de instrução e julgamento, oportunidade em que a requerente ratificou seus pedidos iniciais e, disse ainda, que pretendia apenas a restituição dos valores que haviam sido descontados após a solicitação do cancelamento do plano. A empresa-ré, por sua vez, apresentou contestação, arguindo, em síntese, que:

1)a autora reclamou, no Procon, a devolução de quantias pagas à Anasp, sob a alegação de que fez o contrato porque este previa assistência de plano de saúde, que na realidade não existe. Já em Juízo não justificou os motivos do requerimento da restituição dos valores pagos;

2)a reclamação da autora não procede, posto que "é na condição de associado que se adquire, segundo o regulamento da requerida, a condição de subscrição de um seguro de vida em grupo", sendo certo que seus estatutos e regulamento encontram-se registrados no Cartório de Títulos e Documentos desta Capital, com efeito de publicidade e "erga omnes" "e só porisso (sic) já não seria lícito a quem quisesse se associar negar conhecimento de tais estatutos e regulamentos";

3)não se pode falar em omissão da requerida, em relação ao que seja direito da autora, nem em imposição de seus produtos e serviços, pois "a autora tomou ciência prévia do texto do regulamento, até porque, a despeito do efeito publicitário do registro do regulamento", bem como ela se associou livremente, sem nenhuma imposição;

4)ao associar-se a autora tinha pleno conhecimento das condições e as aceitou, assim, o regulamento passou a valer entre as partes e foi gravado pelo pacta sunt servanda, o que o torna intangível, não podendo ser modificado nem pelo Poder Judiciário. Consideração diferente a essa levaria a admitir a conduta torpe da requerente, por estar caracteriza sua má-fé;

5)é inviável a devolução dos valores pagos pela autora, posto que: a) a requerente associou-se em novembro de 1995 e os descontos na sua folha de pagamento iniciaram-se em janeiro de 1997, conforme atesta o "Cartão Proposta de Participante" e declaração assinada pela própria demandante, onde esta reconheceu o regulamento da ré, principalmente de seu artigo 19, entre outras obrigações inerentes ao associado; b) entre os meses de setembro de 96 a janeiro de 97, a margem de consignação da demandante extrapolou os limites de descontos estabelecidos em lei e, dessa forma, a autora não teria nada a receber da empresa-ré. c) a requerente deve a Anasp a importância de R$ 577,83, "concernentes as parcelas não pagas do Multiplano Anasp, dos meses de janeiro à (sic) novembro de 1997; por solicitação das (sic) Anasp estas parcelas foram novamente consignadas, sendo que destas foram pagas duas, as dos meses de junho e julho/98, e, ainda, as parcelas a título de mensalidades referentes ao (sic) meses de agosto à (sic) outubro de 1998"; c) a autora agiu de má-fé contra a requerida ao afirmar que esta não possui convênio com a Unimed. Isso porque a autora teria utilizado inúmeras vezes o plano oferecido pela requerida, inclusive para cirurgias, e, que, o próprio filho da requerente foi atendido pela Unimed através do referido convênio; d) a autora tenta induzir a erro o Poder Judiciário ao alegar que solicitou o cancelamento da categoria de sócia da requerida, pois tal requerimento somente chegou ao conhecimento da demandada em 20 de julho de 1998, conforme ofício da Secretaria de Educação nº 283/98 que juntou aos autos; e) no tocante ao seguro, não há como se vislumbrar a restituição dos valores pagos, pois a autora não teria como devolver à seguradora os benefícios recebidos. Alegou ainda, que se tivesse ocorrido algum sinistro com a requerente, ela não teria reclamado do valor do seguro e, assim, não iria tentar anulá-lo; f) a inicial é improcedente e, assim, deverá ser declarada por sentença, na qual a demandante deverá ser condenada ao pagamento das custas processuais, honorários advocatícios e sucumbenciais; g) a autora ser beneficiária da Justiça gratuita somente está dispensada do pagamento das custas processuais e dos honorários do próprio advogado, no caso da Defensoria Pública. Porém, deverá a requerente pagar os honorários de sucumbência, pois estes não estariam incluídos na isenção de que trata a Lei nº 1.060, de 05 de fevereiro de 1950. Entendimento diverso deste poderia propiciar a litigância de má-fé e aventura jurídica de qualquer pessoa, pois com a isenção do ônus da sucumbência, inúmeras pessoas se atirariam a demandar contra outra pessoa sem qualquer razão de direito.

Após, foi aberta vista dos autos ao Ministério Público, para parecer, tendo em vista a possibilidade de haver direito coletivo envolvido.


II) Do parecer ministerial propriamente dito:

Preliminarmente, deve-se dizer que agiu bem o magistrado em determinar que se desse vista dos autos ao Ministério Público, isto porque as normas previstas pelo Código de Defesa do Consumidor são de ordem pública e interesse social (artigo 1º) e o Código de Processo Civil prevê, em seu artigo 82, III, que o Ministério Público deve intervir todas as vezes que houver interesse público envolvido.

Por outro lado, prevê a Lei n.º 7.347, de 24 de julho de 1985, em seu artigo 7º, que "Se, no exercício de suas funções, os Juízes e Tribunais tiverem conhecimento de fatos que possam ensejar a propositura da ação civil, remeterão peças ao Ministério Público para as providências cabíveis".

Em relação à ação propriamente dita cabe algumas ponderações fáticas e jurídicas, que em seguida se faz.

Para se solucionar algumas dúvidas e clarear informações desencontradas existentes nos autos da ação proposta nesse Juizado, bem como para instruir e enriquecer com novos elementos o inquérito civil em trâmite por esta Promotoria de Justiça a respeito do assunto em pauta, foi expedida, por este órgão ministerial, uma carta precatória para a congênere de Coxim.

A resposta da predita carta precatória teve a virtude de fornecer, dentre outros, os seguintes esclarecimentos:

1. a autora associou-se à Anasp porque foi informada (pelos prepostos dela que compareceram no Colégio onde ela trabalhava) que ela teria direito a médico da Unimed, mediante o pagamento de apenas R$ 5,00 por consulta, além dos R$ 44,64 que pagaria à ré todos os meses, a título de mensalidade;

2. rescindiu o contrato e busca a devolução dos valores pagos porque afiliou-se à Anasp mediante publicidade enganosa (foi ludibriada em sua boa-fé). Quando foi utilizar a Unimed, percebeu que os valores que tinha que pagar por consulta eram quase iguais ao valor de uma consulta particular. Exemplificando. Em janeiro e maio de 96, pagou R$ 22,00 por cada consulta feita pelo seu filho Fernando Guerra Medeiros. E, em maio/96, pagou R$ 59,99, desembolsando um total de R$ 94,49;

3. ao assinar a proposta de afiliação, em 22.11.95, recebeu apenas um via do Cartão Proposta n.º 1.233 e do aditivo ao Regulamento do Plano de Benefícios, momento em que tomou conhecimento do teor abusivo da cláusula 19º. Embora tenha percebido a abusividade do referido dispositivo, assinou o contrato em face das promessa enganosas feitas;

4. ao contrário do afirmado pela empresa ré, os descontos feitos na folha de pagamento da reclamante iniciaram-se em dezembro/95, no mês seguinte à sua filiação, e perdurou de forma contínua por 12 meses, indo, portanto, até dezembro/96, quando sofreu, em face do pedido de desligamento, uma suspensão, sendo certo que os descontos reiniciaram-se em dezembro/97 e perduraram até julho/98, todos no valor unitário de R$ 44,64, salvo no mês de dezembro/96, quando pagou mais R$ 30,00 (a título de empréstimo), e nos meses de junho e julho de 1998, quando houve um acréscimo de R$ 106,37, em cada um desses meses, num total de R$ 1.135,54 (contracheque em anexos);

6. como já visto no item 2 desta enumeração, a autora efetivamente fez uso do Unimed, mas tal não descaracteriza a informação enganosa que sofreu, posto que ela não teve vantagem alguma com o convênio existente entre Unimed e Anasp. O Filho da autora nunca fez cirurgia, como foi afirmando pela reclamada e foi exatamente em razão do uso que fez da Unimed que percebeu que as promessas que lhe haviam feito eram falsas;

7. também ao contrário do afirmado pela ré em juízo, a autora fez vários pedidos de desligamento. O primeiro pedido foi enviado em 29.08.96, em virtude do qual os descontos em folha cessaram, tanto é que foi obrigada a pagar mais 3 mensalidades através de depósito bancário, para atender os disposto no Estatuto e no Regulamento do Plano de Benefícios. Em janeiro de 1997, esteve pessoalmente na Anasp, onde foi atendida por Sudilei Dias da Silva, que lhe assegurou que nenhum outro desconto seria feito. Como a ré continuou a fazer descontos indevidos, alegando que tinha assumido compromisso com a Seguradora, a reclamante se viu na obrigação de requerer, por duas vezes, os cancelamentos das averbações à Secretaria de Estado de Educação, sendo que na última foi atendida;

8. em junho e julho de 1998, foram descontados, inexplicavelmente, a título de plano de saúde, segundo a ré, R$ 212,74, em duas parcelas de R$106,37;

9. os atendimentos médicos se deram no início do plano, isto é, em janeiro e maio de 1996, quando a consumidora percebeu que foi ludibriada, tendo, ato contínuo, solicitado seu desligamento.

10. há em Coxim, MS, várias reclamações idênticas a da autora.

B) Da natureza jurídica do contrato firmado entre autora e ré:

Embora a autora tenha assinado uma ficha de filiação em uma associação de servidores públicos, a natureza jurídica existente entre ambos, como demonstram os próprios objetivos do contrato, é de consumidor para fornecedor (relação de consumo). Isso sem desvirtuar o mandamento constitucional que determina que o cidadão deve ser livre para se associar e se desassociar no momento que bem entender, sem qualquer óbice.

Efetivamente, a Anasp não é associação de servidores coisíssima nenhuma. Demonstram tal afirmação os seguintes fatos: a) todas as categorias de servidores públicos já tem sua associação e, muitas delas, suas representações nacionais, através dos sindicatos respectivos; b) nos termo do artigo segundo do Estatuto da Anasp, podem ser afiliados até empregados de empresas particulares; c) não é todo funcionário público nem empregados de empresas privadas que podem ser sócios da Anaspa, mas tão somente aqueles que estejam "com boa saúde e plenas condições físicas para o trabalho" (artigo 4º, "caput" do estatuto), além de se exigir limite de idade, períodos de carências, valores diferenciados para pagamento de jóias ou de mensalidade de ingresso, de acordo com a idade (artigo 4º, parágrafo primeiro, do estatuto); d) caracteriza-se ela por uma empresa comum, igual a todas as outras que existem no mercado, tanto é que visa construir patrimônio para seus representantes legais, com feitura de seguros em grupo e empréstimos financeiros, em vista do que exigem que os candidatos aos seus quadros sociais tenham boa saúde e plena condição física para o trabalho e idade inferior a 70 anos (artigo 2º do Regulamento do Plano de Benefícios); e) o caracter mercantilista da Anasp se faz presente de uma forma indelével no "caput" do artigo décimo primeiro que prevê que o pagamento das mensalidades sociais com atraso superior a 30 dias faz com que o "associado" perca o direito aos benefícios instituídos pela instituição, independentemente de aviso ou ação judicial, devendo-se registrar que "perda dos benefícios instituídos" é sinônimo de desligamento da Anasp (inteligência do parágrafo primeiro deste artigo décimo primeiro); f) quem pode participar da direção da empresa e a forma como são eleitos os representantes da Anasp (Artigos 6º e 8º, parágrafo único, 13 e 17 do Estatuto da Anasp) e a proibição de os servidores participarem de posição de mando dentro da empresa (Artigo 10 e 13 do predito estatuto), aliás não participam sequer das assembléias realizadas e sequer sabem o que lá é decidido; f) o número de sócios conselheiros, únicos que podem participar da direção da empresa (introdução do Estatuto e artigo 6º deste) coincide com os cargos previstos para a diretoria executiva, que administra a empresa (artigo 13 do Estatuto); g) os valores que recebem os membros da diretoria executiva demonstra claramente que não se trata de uma associação, muito menos de uma entidade sem fins lucrativos. O Presidente recebe o equivalente a 40 salários mínimos (hoje R$ 5.200, 00), o Vice-presidente, o equivalente a 30 salários mínimos (atualmente R$ 3.900,00) e o Secretário-geral, 20 salários mínimos (presentemente R$ 2.600,00), enquanto a grande maioria das pessoas que se filiam a Anasp e que tem que manter tais marajás não recebem sequer R$ 300,00 por mês. Vê-se, assim, claramente que o dinheiro pago pelos "sócios beneficiários" não são aplicados em seu favor, mas em benefício dos sócios conselheiros, que com nada contribuem para a "associação" [1]. Ironicamente, quem é dado o título de "sócio beneficiário" nenhum benefício recebe; h) o Presidente da Anasp não defende os interesses dos sócios, mas lhe cabe unicamente, em relação àqueles, "tomar conhecimento das reclamações existentes contra eles e levar ao conhecimento da Administração" (Artigo 14, letra "f", do Estatuto); i) para se perceber a coercibilidade do contrato vê-se que o artigo 4º do Regulamento do Plano de Benefícios prevê até "fato gerador", o que está a demonstrar que de entidade beneficente não tem nada;

Se a Anasp fosse realmente uma associação, qualquer dos sócios, sem distinção de qualquer natureza, poderia participar da administração da entidade, sem direito a qualquer remuneração ou, pelos, menos teria o direito a participar da diretoria com as mesmas regalias hoje existentes para os marajás que lá vivem sugando dos míseros salários que recebem, com atraso, os funcionários públicos e os empregados da iniciativa privada.

Por que querem se caracterizar associação de servidor público? A explicação é simples e os motivos variados, como: a) para fugir ao disposto no Código de Defesa do Consumidor, descaracterizando-se como fornecedor de produto e serviço; b) para fazer empréstimos de dinheiro, como sendo auxílio aos seus associados, para tentar descaracterizar os crimes de agiotagem e de exercício ilegal de instituição financeira; c) para seus diretores poderem lucrar com essa atividade sem ter que pagar os impostos devidos e ainda gozar das benesses do governo; d) para poder movimentar altas quantias em dinheiro de terceiro, como recebimento de valores referentes a seguro em grupo, que nunca prestam conta nem demonstram que os valores que recebem são efetivamente repassados às seguradoras contratadas (se é que existem tais contratos) ou mesmo se existirem se o valor cobrado do segurado-associado é efetivamente o valor que se tem que repassar à seguradora; e) para poder forçar o consumidor a aceitar qualquer serviço (venda casada) que a Anasp possam contratar com terceiro, sob a falsa alegação de que isso são benefícios colocados à disposição do "associado".

Firmada a natureza jurídica da empresa ré, natural é a incidência do Código de Defesa do Consumidor, em todo o seu rigor, nas transações todas que foram e são efetuadas.

c) Da procedência da ação declaratória de nulidade de cláusula contratual c/c restituição de valores proposta:

Da análise da peça inaugural e da contestação, verifica-se que a decisão da autora em rescindir o contrato firmado foi motivada, primeiramente, pelo fato de que constatou que o atendimento dado pelas entidades conveniadas não apresentava as vantagens que foram propagadas no momento da feitura da avença e, secundariamente, porque a requerida continuou a fazer os descontos em folha de pagamento mesmo após a solicitação do cancelamento do contrato, com base, inicialmente, em cláusula abusiva (cláusulas 9ª e 19ª) e, posteriormente, sem justificativa alguma.

Pela análise dos autos e dos documentos que seguem em anexo, conclui-se que a autora se filiou à associação ré em 22/11/95 e, em 23/08/96, sentindo-se ludibriada em virtude de informações enganosas dos vendedores da reclamada, pleiteou sua exclusão dos quadros sociais (documento de f. 04), ao que a ré informou que tal exclusão só poderia ocorrer a partir de janeiro/97, em face do disposto nas preditas cláusulas 9ª e 19ª do Regulamento do Plano de Benefícios.

Da filiação até o primeiro pedido de desligamento, a reclamante havia pago R$ 431,76. Do pedido de desligamento até julho/98, quando se deu o último desconto, pagou o valor exato de R$ 703,78, num total de R$ 1.135,54 pagos em favor da reclamada Anasp, sem retorno algum.

Embora a requerente tenha restringido o pedido incerto na inicial a apenas à restituição dos valores descontados após a solicitação do cancelamento de seu contrato, ela tem direito à devolução de todos os valores pagos, em face da existência de publicidade enganosa, das cláusulas abusivas existentes no contrato "sub examine" e para evitar o enriquecimento sem causa dos diretores da "associação" ré, sendo certo que os valores descontados antes do pedido de desligamento deve ser simples, apenas corrigido e acrescido de juros e multa legais. Já o quantum cobrados após o pedido de cancelamento devem ser devolvidos em dobro, como prevê o parágrafo único do artigo 42 do Codecon.

Assim, a ré deve devolver a autora R$ 431,76, apenas corrigidos e acrescidos de juros e multas legais e a quantia de R$ 703,78, além de corrigido e com as incidências de multa e juros, em dobro, como exige a lei protetiva.

d) Da falsidade das informações prestadas e da obrigação da devolução em dobro:

Qualquer informação prestada, desde que suficientemente precisa, vincula a empresa à regra básica do Código, segundo a qual quem promete deve cumprir. Esta regra vale para qualquer tipo de negócio, inclusive o realizado pela ré (Artigo 30 do Codecon).

Esse compromisso do fornecedor é gerado por todo tipo de comunicação, verbal ou escrita, seja através de anúncios de rádio, televisão, jornais e revistas, seja por intermédio do material promocional da empresa ou, ainda, veiculada pelos seus prepostos e representantes autônomos (Artigo 31 do CDC).

A publicidade jamais pode induzir a erro, ao mostrar ou afirmar inverdades ou omitir dados importantes para o consumidor.

A informação do preço do produto é obrigatória, devendo ainda ser apresentado em moeda corrente nacional, havendo de se especificar o montante dos juros e da taxa efetiva anual de juros, outros eventuais acréscimos, o número e a periodicidade das prestações e a soma total a pagar, bem como as penalidades em caso de atraso e suas incidências.

É sempre bom lembrar que as informações prestadas pelos funcionários, prepostos e agentes são igualmente definidas pelo Código como publicidade e geram obrigações equivalentes às do contrato. É como se fossem parte integrante do contrato.

Cabe nesse passo salientar que segundo dispõe o artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor, são direitos básicos do consumidor:

– a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade da escolha e a igualdade nas contratações;

– a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

– a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;

– a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

– o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;

a facilitação da defesa dos seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias.

Tendo os vendedores da ré prestado informações falsas para obter a anuência da consumidora autora, impõe-se a rescisão contratual com a devolução de todos os valores pagos, monetariamente atualizada, e perdas e danos, nos exatos termos do Artigo 35, inciso III, do CDC, que assim dispõe:

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"Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:

(....);

III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e perdas e danos."

Como os descontos dos valores ocorridos depois da desistência do contrato se deram de forma indevida, a devolução deve ser em dobro, além dos juros legais.

"Artigo 42 (....).

Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro ao que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável."

O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina e não ao consumidor, conforme prevê o Artigo 38 da lei protetiva.

E) Da redação do contrato e da obrigação de se observar as formalidades legais:

A regra básica é que a redação do contrato não pode dificultar a compreensão de seu sentido e alcance, devendo ser dado ao consumidor conhecimento prévio do conteúdo do documento (Artigo 54, § 3º, do Codecon). Além do que as cláusulas que restrinjam os direitos do consumidor devem ser escritas com destaques (Artigo 54, § 4º do CDC).

Não tendo a ré cumprido as formalidades previstas em lei (Artigo 54, §§ 3º e 4º do CDC c/c Artigo 82 Código Civil), as cláusulas que obrigam o consumidor a pagar 12 mensalidades para poder requerer sua desassociação é nula de pleno direito, nos termos do Artigo 51, incisos I, II, IV e XV, do Código de Defesa do Consumidor c/c o Artigo 145, III, do Código Civil.

F) Do prazo para análise (reflexão) e para desistência:

O ideal é que consumidor e vendedor acertem um prazo para análise do contrato, que pode variar de acordo com a complexidade da negociação.

Nos negócios encetados pela ré, onde há cláusulas que dificultam o desligamento dos sócios, pode ser considerado razoável para essa análise o período de três dias úteis, a contar do momento em que o consumidor receba a cópia do contrato.

Um prazo para desistência também pode ser acordado entre vendedor e comprador, mas se o contrato for assinado fora do estabelecimento comercial do vendedor, como parece ser o caso em questão, o consumidor tem garantido o prazo de sete dias para refletir, podendo, neste caso, desistir do negócio.

Veja-se que oportunizando a reflexão ao consumidor vulnerável estariam resolvidos todos os problemas dos contratos agressivos e ilegais feitos pelos prepostos da ré. De fato, como narra a autora na carta precatória que ora se faz juntar aos autos, os vendedores compareceram no local de trabalho da autora e, mediante publicidade enganosa, sem qualquer outra informação adicional, impuseram um contrato e vários serviços (a título de benefício) que eram oferecidos pela Anasp aos seus filiados. Não só a publicidade enganosa tornou a avença temerária e ilegal, como também a adesão à vários contratos que a ré mantinha e poderá vir a manter com terceiro, sem aquiescência prévia do consumidor.

Mutatis mutandi, vale, para o caso, citar o que a Nona Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Alçada do Estado do Rio Grande do Sul decidiu, ao tratar de cláusulas abusivas em contrato de "time sharing":

"CONTRATO PARTICULAR DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE FRAÇÃO IDEAL - 1/52 DE UNIDADE A SER CONSTRUÍDA EM CONDOMÍNIO. UTILIZAÇÃO POR PERÍODOS ANUAIS. TEMPO COMPARTILHADO. CLÁUSULAS ABUSIVAS. DECRETAÇÃO DE NULIDADE DE OFÍCIO. DIREITO DE ARREPENDIMENTO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 49. DESCONHECIMENTO DAS CLÁUSULAS RELATIVAS AO USO DO IMÓVEL." (Apelação cível nº 196115299, julgamento realizado em 10.09.96 - fls. 235/242 do inq. civil nº 98/96).

A insigne Juíza Relatora, ao proferir seu voto, salientou, com muita propriedade, que

"A assinatura do contrato, na espécie, merece, portanto, a proteção prevista no artigo 49 do Código do Consumidor, razão pela qual nada é devido à Apelante já que as despesas havidas integram o risco da adoção da estratégia empregada".

Como não foi oportunizado qualquer período de reflexão, mas muito pelo contrário, o consumidor nem sequer tomou conhecimento de todos os contratos e regulamentos pertinentes ao caso, cabível, também por esse ângulo, a rescisão contratual, com a devolução dos valores pagos, se impõe.

G) Das cláusulas abusivas:

Existem inúmeras Cláusulas abusivas tanto no Estatuto Social da entidade quanto no Regulamento do Plano de Benefícios, no Regulamento do "Plano de Saúde Anasp" e no "Regulamento Pós-Vida Anasp, o que os tornam nulos de pleno direito.

Seguem abaixo, a título de exemplo, algumas abusividades encontradas no negócio praticado pela reclamada.

1) Das Abusividades Existentes no Estatuto Social da Anasp e no Regulamento de Plano de Benefícios:

1) o artigo décimo primeiro do estatuto da entidade prevê, com outro nome, a exclusão dos quadros sociais, pelo simples fato de se pagar as contribuições mensais com atraso superior a 30 dias. Tal cláusula se torna inadmissível quando se sabe que os descontos são feitos em folha de pagamento, os quais ocorrem, como se sabe, já bem depois das datas previstas no contrato firmado. Ora, como se pode admitir que o servidor ou o empregador da empresa privada que tinha ciência de que os descontos se faria em folha de pagamento e não o foi pode ser penalizado com a omissão da administração pública ou da direção da empresa privada? Só um contrato leonino pode admitir essa previsão. Não só por essas razões essa cláusula é abusiva, mas pelo fato de autorizar o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor (Artigo 51, XI, do Codecon);

2) é inadmissível punir o consumidor com rescisão do contrato por ele não ter recebido o carnet do pagamento em tempo hábil, como prevê o parágrafo segundo do artigo 11º do Estatuto da Anasp;

3) tanto as cláusulas do Estatuto da Anasp quanto as do Regulamento que restringem os direitos do consumidor não foram escritas com destaques, como exige o artigo 54, § 4º, da lei protetiva;

4) existem excesso de punições para o consumidor. São tantas as penalidades que a expressão "bis in idem" tornou-se inadequada para classificar a atitude lesiva dos representantes da Anasp. Há, em verdade, até contradições nas previsões de punições. O artigo 11 do Estatuto da entidade prevê a exclusão dos quadros sociais se ocorrer atraso superior a 30 dias no pagamento das mensalidades ou, conforme previsão do artigo 4º do Regulamento do Plano de Benefícios, se a Administração Pública ou a empresa empregadora deixarem de efetuar os descontos devidos (o consumidor fica penalizado por falta de terceiro que tem compromisso tão somente com a Anasp), sendo certo que, mesmo nesta última condição, a exclusão ocorre sem qualquer aviso ou notificação. Acresce-se a isso que, no caso de exclusão dos "quadros sociais" e após essa exclusão (artigo 19 do Regulamento), o consumidor será obrigado a pagar mais 12 mensalidades equivalentes ao valor do prêmio estipulado para o seguro (que ele não sabe qual é esse valor, posto que nunca recebeu o contrato nem sabe se efetivamente algum seguro foi feito e, se foi feito, não sabe se a ré Anasp efetivamente recolhe estes valores para a segurador ou se o seguro já foi rescindido por falta dos repasses. O que se tem nos autos é apenas uma proposta de participação, à f. 34). Enquanto o artigo 5º do referido Regulamento prevê o vencimento antecipado das demais mensalidades, nos termos do artigo 19, este artigo dispõe que "a ordem de cancelamento ou de supressão dos descontos somente poderá produzir efeitos a partir do 13º mês contado da data da ordem de cancelamento ou da supressão." De duas uma. Ou há contradição nessas dois artigos ou as mensalidades previstas nestes artigos são distintas. De qualquer forma, há ofensa ao princípio legal da informação, que só vem beneficiar a fornecedora ré, que, certamente, se tem aproveitado disso para violar ainda mais os direitos do consumidor. Outra punição aviltante se encontra no artigo 19, § único do mesmo Regulamento, onde está previsto que caso o empregado deixar de fazer os descontos devidos, a ré poderá optar pela cobrança judicial dos valores respectivos, os quais serão acrescidos de multa de 10%, juro de 1% ao mês e correção monetária. Aqui, há de se fazer alguns questionamentos, já que o princípio da informação mais uma vez não foi respeitado: a) no caso de a Anasp não fazer a cobrança judicial, ainda assim a multa, o juro e a correção serão devidos? b) o prazo de atraso de pagamento de 30 dias ensejador da exclusão do "associado" dos quadros sociais, previsto no artigo 11 do Estatuto da entidade, também se aplica à previsão do artigo 4º do Regulamento do Plano de Benefícios (quando a empresa empregadora deixar de efetuar os descontos devidos)? Em não se aplicando, quantas parcelas terá que a empresa deixar de descontar na folha de seu empregado para configurar a rescisão contratual? Aplicando-se ou não o prazo de 30 dias, a partir de que data se contará os 12 meses previstos no "caput" do artigo 19 do Regulamento, para que cesse qualquer responsabilidade do consumidor? Os valores correspondentes a estas 12 mensalidades que, nos termos do artigo 5º do Regulamento, vencem antecipadamente também serão objeto de cobrança judicial? Sobre elas também incidirão os juros, multa e correção monetária prevista no artigo em comento?

5) além de penalizar o consumidor em virtude de o empregador não ter feito os descontos em folha de pagamento, a multa de mora, no valor de 10%, no artigo 19, § único, do Regulamento do Plano de Benefícios, fere o previsto no artigo 52, § 1º do Codecon;

5) falta de equilíbrio no contrato, posto que não existe qualquer previsão de penalidade para a Anasp caso ela não cumpra suas obrigações. É efetivamente um contrato de má-fé, arbitrário, sovina e maquiavélico, quando o CDC exige a boa-fé objetiva, o equilíbrio e a harmonia nas relações de consumo. A penalidade prevista para o fornecedor deve ser proporcional à do consumidor. Não se pode admitir que o consumidor seja penalizado com pagamento de multas, juros e rescisão contratual sem qualquer devolução do dinheiro pago, e o fornecedor não tenha previsto contra si qualquer penalidade;

6) o artigo 6º prevê que o "sócio" poderá se excluído quando prestar declarações falsas, erradas ou incorretas, sem qualquer direito e com exclusão do direito ao seguro por parte dos beneficiários, em caso de falecimento do "associado". Vê-se que, propositadamente, a ré não distingue os níveis de erros e incorreções das informações, justamente para poder violentar os direitos do consumidor sob qualquer pretexto, bastando tão somente a alegação de que tal ou qual informação seja errada. Por aí se percebe claramente o caracter mercantilista da empresa e o seu conluiu com a seguradora (se é que existe alguma seguradora contratada) para lesar o consumidor.

7) a cláusula que vincula a retirada do "associado" dos "quadros sociais" ao pagamento à 12 mensalidades (artigo 9º do Regulamento) é abusiva, por que: a) não foi redigida com os destaque exigidos pelo artigo 54, § 4º,. do Código de Defesa do Consumidor [2], o que a torna nula, nos exatos termos do artigo 51, inciso XV deste códex [3] e do artigo 145, III [4] c/c o artigo 82 [5], ambos do Código Civil b) fere o artigo 5º, inciso XX, da Constituição da República Federativa do Brasil [6], quando compele alguém a permanecer associado, quando este alguém reputa que tal associação não lhe é mais útil. O pior ainda é que a obrigatoriedade da manutenção se dá por interesses exclusivamente econômico da associação arbitrária e com coação pecuniária; c) coloca o consumidor em desvantagem exagerada, além de subtrair ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga [7], o que só vem causar enriquecimento sem causa da fornecedora ré; d) ofende o princípio constitucional da propriedade, obriga ao consumidor dar o seu patrimônio à Anasp, sem qualquer prestação para si;

8) é abusiva igualmente a previsão contratual contida ainda no artigo 9º, "caput", no que concerne a obrigação de a carta solicitadora de retirada da sociedade ter firma reconhecida. O objetivo único dessa burocracia é a de dificultar ao consumidor o exercício de seus direitos, o que contraria também o artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor que prevê como direito básico do consumidor "a facilitação da defesa de seus direitos". Havendo, pois, restrição ao direito do consumidor, também por mais essa razão, este 9º deveria estar destacado;

9) a previsão de correção monetária anual, semestral ou trimestral das mensalidades sociais é ilegal, dado que essas contribuições são cobradas por percentuais salariais e, mesmo que não sejam, não se pode colocar em contrato possibilidades variadas de correção, que só depende da vontade do fornecedor, que se passa por associação sem fins lucrativos para achacar o funcionário público, que já paga contribuição associativa para sua verdadeira associação de classe. Tal disposição encontra óbice no Codecon, artigos 6º, incisos III e V [8], e 51, inciso X [9], posto que o consumidor tem o direito de saber com antecedência e de maneira objetiva o real preço de produto e em que condições e percentuais que ocorrerá sua variação.

10) sendo a relação existente entre a Anasp e o seu "associado" uma relação de consumo e não de associação para associado, abusiva, em extremo, é o disposto no artigo 19 do Regulamento do Plano de Benefícios, que dispõe que "Os casos omissos no presente regulamento, e os que venham a suscitar dúvidas, serão resolvidos pela Diretoria ou pelo Conselho Deliberativo da Entidade, ficando eleito o foro de Campo Grande, para dirimir as questões que persistirem."

10.1) Inadmissível é que o consumidor fique sujeito às deliberações da Diretoria ou do "Conselho Deliberativo" em questões de relação de consumo. O contrato deve explicitar tudo, já que as relações devem ser efetuadas e concluídas com base na boa-fé, na harmonia e na clareza e inteireza das informações. Dispositivos como este ferem o previsto no Artigo 51, inciso XV, que dispõe que é nula de pleno direito a cláusula contratual que esteja em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor.

10.2) Ora, se não se pode sequer determinar a utilização compulsória de arbitragem para a solução dos conflitos existentes entre consumidor e fornecedor (Artigo 51, VII, do CDC), como se pode permitir que o próprio fornecedor resolva as pendências que forem surgindo durante e depois da vigência do contrato. Isso é o mesmo que deixar a raposa tomando conta do galinheiro;

10.3) Cláusulas contratuais como essa dão ao fornecedor poderes absolutos, posto que pode ele interpretar o contrato como bem entender e dizer sempre que todos os problemas surgidos constituem-se em casos omissos que ele próprio deve solucionar.

10.4) Essa cláusula é ainda abusiva porque, em razão da forma como for usada, pode: a) estabelecer obrigações iníquas e abusivas, que o coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, além de ser incompatível com a boa-fé e com a eqüidade (CDC, Artigo 51, IV); b) deixar ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato (CDC, Artigo 51, IX) c) autorizar o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, embora igual direito não esteja garantido ao consumidor (CDC, Artigo 51, XI); d) permitir o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração (CDC, Artigo 51, XIII), e) facultar que o fornecedor recuse a prestar ou preste ao consumidor serviços, sem solicitação prévia (Codecon, Artigo 39, incisos IX e III); f) exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva (Codecon, Artigo 39, V); g) elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços ou aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido (Codecon, Artigo 39, incisos X e XI); e h) permitir que o fornecedor deixe de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixe a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério (Codecon, Artigo 39, XII), o que inquina o contrato de abusivo e, por conseqüência, nulo de pleno direito.

Observações finais. O Regulamento do Plano de Benefícios é sumamente restritivo e sem sentido, posto que se já existe o contrato com a seguradora (embora o mesmo não tenha aparecido), que, como todos sabem, já é, por si só, leonino, não pode a Anasp, que se diz associação (e só por isso deveria defender os interesses dos associados) elaborar mais outras tantas cláusulas abusivas contra seus "associados", como o fez no Regulamento do Plano de Benefícios. Isso só leva a crer que ela está tendo algum tipo de benefício na feitura desse seguro, até talvez com o recebimento do prêmio que caberia o consumidor contratante, em face da restrição que ela impõe aos "consumidor". Ora, se no seguro o contratante é o consumidor, e a contratada é a seguradora, sendo a Anasp uma mera estipulante, quem deve fixar os termos do contrato, já que se trata de contrato de adesão, é a seguradora contratada e mais ninguém. Caso a seguradora não faça a indenização e o consumidor entre com a ação judicial, a estipulante não vai querer, como sempre faz, figurar no pólo passivo, sob a alegação de que ela não tem responsabilidade solidária. Se assim o é, porque ela não se restringe a fazer somente o que é de sua obrigação e no mais procure o que é do interesse do associado?

O comportamento dos representantes da Anasp só demonstra que essa entidade é uma fornecedora de serviço e igual a maioria delas, que só busca parasitar e subtrair indevidamente do consumidor tudo o que consegue.

2) Das Abusividade Existentes no Plano de Saúde Anasp:

1. Apesar de se tratar de um mero convênio existente entre a Anasp e a Unimed, como prevê o preâmbulo do "PLANO DE SAÚDE ANASP" - na informação dada ao consumidor, no item 1.1 do predito plano, consta que a Unimed foi contratada pela Anasp para prestar serviços médico-hospitalares ao seus "associados", o que constitui, evidentemente, uma publicidade enganosa.

2. de acordo com o previsto nos itens 1.2 e 1.3, os associados da ANASP estão em situação pior que os demais usuários dos serviços médicos em geral, posto que devem pagar os serviços médico-hospitalares integralmente e com base nos valores estipulados na tabela da Associação Médica Brasileira – AMB, que efetivamente estipula preços bem mais caros que os efetivamente cobrados pelos médicos particulares, que são sensíveis a situação do consumidor e a variadções do mercado (ver tabela INFORMATIVO – I, em anexo). Acresce-se a isso que os "associados" devem arcar ainda com uma "taxa de administração", que não se sabe quem será o beneficiário desse dinheiro e que a AMB não é órgão oficial, não tendo portanto capacidade de regular preços do mercado.

3. os itens anteriores demonstram ainda que os valores pagos pelos associados têm o fim único de fazer frente aos altos salários dos representantes da Anasp, posto que os consumidores não têm qualquer benefício, nem mesmo o direito de fazer os descontos em folha de pagamento, além de ter que pagar os valores integrais dos serviços médico-hospitalares recebidos, acrescidos de uma taxa de administração e de uma taxa de inscrição (esta prevista no item 2.1), que não se sabe para quem vai esse dinheiro.

4. embora o Plano de Saúde, em sua cláusula 3.1, não estabeleça período de carência para usufruir os benefícios, o parágrafo primeiro do artigo 11 do Estatuto da Anasp prevê que, em caso readmissão do sócio que tenha sido desligado do quadro social, deve submeter-se a novo período de carência. Que carência seria esta e para que finalidade? Tal contradição deverá ser bem explicada pelos donos da Anasp, posto que o consumidor não pode ficar ao bel prazer desses truculentos Senhores Feudais;

5. há contradição e desencontros entre o previsto no item 1.3 e nos itens 3.3, 3.4 e 3.5, todos do "Plano de Saúde Anasp" que devem ser esclarecidos e corrigidos. O item 1.3 prevê que as "despesas e honorários médicos correspondentes aos serviços utilizados serão pagos integral e diretamente pelo Associado, não se responsabilizando à Entidade por quaisquer despesas". Já nos demais itens é previstos que: a) " Todos os serviços utilizados serão pagos com antecedência na tesouraria da Anasp" (item 3.3); b) "O Associado desde já autoriza a ANASP a emitir cobrnaça bancária ou averbação em Folha de Pagamento", bem como todas as despesas de uso médico devem ser autorizados pela Anasp, sob pena de pagamento de multa de 10% e juros de mora de 1% ao mês e correção (item 3.4); c) "Na hipótese do associado do referido preâmbulo do presente pacto vir a se tornar inadimplente, autoriza à ANASP de recorrer à justiça para haver o remanescente de seu crédito" De que crédito remanescente está falando a ré? Será que ela está cobrando os serviços médicos como se fosse ela quem prestasse? Ora, se a entidade ré não se responsabiliza por quaisquer despesas, como pode ela cobrar inadimplência que o "associado" tiver com médicos da contratada? Afinal, a quem a referida "associação" defende, os interesses dos associados ou da Unimed?

6. a multa de 10%, os juros moratórios de 1% aos mês e a correção monetária previstos no item 3.4 não se justificam. Primeiro, porque sua origem não está explicada. Segundo, porque, mesmo que seja por causa de atraso, o percentual de 10% já não mais se justifica, desde agosto de 1996, com a mudança do artigo 52, § 1º do Codecon, pela Lei n.º 9.298/96;

7. a autorização dada, no mesmo item 3.5 do referido plano, pelo próprio consumidor à ré Anasp para que ela ingresse contra ele em juízo é uma grande prova de escancarada e desavergonhada má-fé da ré. Só faltava o consumidor autorizar que a Anasp o enforcasse no caso de não pagamento dos valores que ela, a seu bem prazer, estipulasse para ele, consumidor, saldasse. Se ela quer acionar o consumidor que, no seu entender esteja em débito, que o faça por sua conta e risco e não insira no contrato tamanha arbitrariedade, que só serve para ferir o princípio da informação e coagir o consumidor, para o qual o fornecedor sempre invoca o princípio do "pacta sunt servanda" e o chama de caloteiro quando não quer se dobrar às suas velhacarias;

8. o pagamento das custas despendidas nas cobrança judiciais, dos honorários advocatícios e do porte de correspondências registradas, contraria não só o princípio da justiça gratuita a que a maioria dos "associados" da ré fazem jus, mas também o disposto no Artigo 51, inciso XII, posto que obriga o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito Ihe seja conferido contra o fornecedor;

9. há de se perguntar, posto que de tudo que se analisou não ficou esclarecido, qual a vantagem de o funcionário público fazer consulta com a Unimed através do plano de saúde Anasp, quando ele pode fazer contrato individuais diretamente com aquela cooperativa médica ou através da sua verdadeira associação de classe? Qual a necessidade, no caso de atendimento e internação de urgência, como previsto no item 4.3.2., de o consumidor avisar à Anasp, se ele já fez um depósito prévio para a própria Unimed? O que ele teria que regularizar e qual as vantagens que ele teria com essa regularização?

10. embora o item 7, último parágrafo, disponha que "O compromisso da ANASP com o associado e seus dependentes, (sic) é restrito às condições aqui estipuladas", não se vê no referido Plano de Saúde Anasp qual possa ser tal compromisso, uma vez que o mesmo só dispõe obrigações para o consumidor, o que inquina o referido plano de totalmente desequilibrado e maquiavélico. Isso sem deixar de observar que o referido plano não é assinado por ninguém nem há previsão de que se deva entregar um cópia do mesmo ao consumidor no momento em que se "filia" à Anasp;

11. O consumidor, ao se "associar" a Anasp, assina uma proposta de participar de um seguro de saúde em grupo que a Anasp, ao que tudo indica, teria contratado, na qualidade de estipulante, com a Bamerindus Companhia de Seguros (doc. de f. 34), mas na realidade se vê obrigado a usar os serviços médicos prestados pela Unimed, em virtude de um convênio existente entre a Anasp e aquela cooperativa. Afinal, existe ou não o predito seguro saúde? Os valores descontados do "associado" é para fazer frente a que tipo de serviço?

Na realidade, o consumidor se vê a pagar por serviço que foi forçado a contratar e serviços que pensa estar pagando sequer foi contratado, como é o caso do Seguro Saúde.

3) Das Abusividade Existentes no Regulamento Pós-Vida Anasp:

1. ao associar-se à Anaspa, fica o consumidor obrigado a contratar com a seguradora "Generali do Brasil Cia. Nacional de Seguros", o que constitui venda casada. Além do que o consumidor não recebe qualquer apólice, não sabendo se houve efetivamente o contrato de seguro em grupo, se o dinheiro que paga está sendo repassado para a seguradora. A publicidade é enganosa, posto que o "REGULAMENTO PÓS-VIDA ANASP" dá a entender que o seguro é uma gentileza da Anasp, dado que no preâmbulo daquele documento (que segue em anexo) dispõe que ele recebe o seguro "Na condição de associado";

2. o pagamento do seguro é feito juntamente com a mensalidade, indistintamente, sem que o sócio saiba o quanto está pagando a título de seguro e de mensalidade da associação ou de outros gastos feitos. Com essa artimanha, ela se passa por gentil fornecedora de serviços gratuitos, que denomina de benefícios, e deixa o consumidor sem poder exigir as prestações de conta devida;

3. a afirmação de que "O cônjuge e os filhos do associado, somente serão atendidos pelo serviço, mediante comprovação da condição de parentesco, quando da ocorrência do evento" não tem sentido, já que eles, pelo disposto no preâmbulo, já são habilitados perante a Anasp e com toda certeza também perante a seguradora;

4. o limite imposto pelo item 1 não há de persistir, posto que não mencionado, além de remeter o consumidor a outro contrato sem mencionar o item ou a cláusula precisa;

5. no item 3.1 há previsão de fornecimento de urna, que pode ser com ou sem visor, no entanto não dispõe em que condição haverá ou não visor na urna. Deixar a critério único do fornecedor a colocação do visor, o que torna a cláusula nula;

6. pelo que tudo se analisou se percebeu que só o consumidor tem penalidades. Tal assertiva é reforçada pelo disposto no item 3.5 que não fixa qualquer penalidade para a seguradora no caso de não prestar os serviços contratados aos consumidor. Fazer o reembolso dos valores pagos é muito pouco e inquina o contrato de arbitrário e unilateral, posto que quando a falta é do consumidor inúmeras sanções lhe são impostas, como por exemplo a prevista no itens 5 e 6 ("Pagamento do Prêmio" e "Perda do Direito à Indenização"). Se assim o é, por que se isenta a prestadora de serviço quando ela não cumpre a obrigação assumida? Não existe explicação aceitável para tal comportamento tão desigual;

7. a exigência de que o associado/dependente esteja cadastrado no banco de dados da Seguradora para que seja prestado um serviço com eficiência e rapidez é uma afronta a qualquer lógica e direito. Se o consumidor está pagando, que culpa tem ele se a Anasp, única que efetivamente tem contato com a seguradora, já que o consumidor nada recebe, não cumprir tal desiderato. Efetivamente, o que se vê é que a Anasp se alia a outras prestadoras de serviço para dar golpes ao consumidor, sob o manto de que ela é uma associação que acolhe o trabalhador.

4) Das Abusividade Existentes no Requerimento de Demissão (desligamento dos quadros sociais):

Inadmissível que o "desligamento dos quadros sociais" se dê tão somente para quem esteja em dia com as mensalidades. Ora, se, muitas das vezes, os pedidos de desligamento se dê exatamente por dificuldade econômica, como pode querer que o consumidor se endivide mais, não permitindo que não se desfilie.

Tal proibição só visa o enriquecimento ilícito da empresa ré e caracteriza cobrança abusiva e crime de exercício arbitrário das próprias razões. Isso sem dizer que ninguém pode ser obrigado a permanecer filiado a qualquer entidade, principalmente à ré, que é um trapaceira de primeira linha, que só sabe enganar o consumidor com informações e publicidades mentirosas, além de se passar por associação de classe que nunca foi.

Inadmissível também que o cancelamento fique sujeito à boa vontade do órgão averbador que é outro salafrário, que só vê os próprios interesses.

O que deveria constar no Estatuto Social, no Regulamento do Plano de Benefícios e nesse requerimento de "demissão" é que após o pedido de desligamento todos os valores que forem descontados pelo órgão averbador será devolvido ao "associado" peticionário. Mas tal não faz a ré, por não ser uma empresa séria e leal.

Por motivos como esses e para livrar os funcionários públicos federais de picaretas como a ré e da burocracia administrativa é que o Presidente da República baixou decreto proibindo tais tipos de averbações (Decreto n.º 1.903, de 10 de maio de 1996, em anexo).

H) Das dúvidas a serem resolvidas para a defesa dos direitos coletivos da sociedade:

Inúmeras são as dúvidas que devem ser resolvidas pelo Ministério Público em sede do inquérito civil que se encontra em trâmite pela Promotoria de Justiça do Consumidor, sobre o caso em comento. Entre elas pode-se citar as seguintes:

1) o consumidor, ao se filiar à Anasp, não sabe quais são os contratos que está assumindo, posto que ele adere a todos os contratos que a ré fez e irá fazer daquela data em diante, sob a argumentação de que todos esses são benefícios que ele pode auferir, na qualidade de associado;

2) ignora também o consumidor quais são os valores exatos que ele paga em relação a cada um dos "benefícios" que a ré diz lhe oferecer, mesmo porque não recebeu sequer as apólices dos seguros feitos;

3) não se tem a certeza de que a Anasp tenha firmado contrato de seguro em grupo com a Bamerindus Seguros, dado que não há nenhuma comprovação disso nos autos e o consumidor, como já dito, não recebeu qualquer apólice nem lhe é prestado conta de nada;

4) mesmo que se tenha firmado todos os contratos de seguro que é referido nos autos, não se sabe se os valores descontados dos consumidores são efetivamente repassados integralmente às referidas empresas, na época correta;

5) há dificuldade de se entender que tipo de relação jurídica os representantes da Anasp acham que mantêm com o consumidor. Ora, é cobrado dos "associados" mensalidades, ora valores a título de plano de sáude, ora a título de empréstimo. Efetivamente, a salada é grande demais. A próprio ré falou na contestação de um Multiplano Anasp, sem, no entanto, explicar do que se trata. Pelo que tudo indica, trata-se de outros descontos, que foi criado para justificar os desembolsos feitos ao consumidor;

6) não se sabe qual o vínculo existente entre Unimed e Anasp. É convênio ou é contrato de prestação de serviços médico-hospitalares?

7) plano de benefícios e seguro saúde são a mesma coisa?

8) os valores de R$ 44,64, R$ 30,00 e R$ 106,37 são descontados do consumidor a que título?

9) a Anasp repassa algum valor mensal a Unimed? Se repassa, deve-se esclarecer o quanto repassa e a que título;

10) o quanto o consumidor paga a título de seguro e o quantum ele paga a título de mensalidade como associado da Anasp?

11) não ficou claro no caso em questão se, em relação ao alegado seguro de saúde, é feito algum exame prévio no contratante para saber o estado de sua saúde;

12) não ficou esclarecido porque a Anasp faz tantas restrições aos direitos dos seus associados em relação à Unimed, Planos de Saúde, Seguro, se os contratos dessas empresas já são sumamente abusivos. É importante saber de que lado está a ré. Se é do lado do seu associado ou das empresas contratadas. E se é do lado dela, qual é o motivo; e

13) não ficou claro qual a vantagem do consumidor usar a Unimed através da Anasp se ele tem seguro saúde e se normalmente as associações dos servidores e os próprios órgãos públicos já mantêm contrato com a referida cooperativa médica.

I) Da contestação da reclamada:

Por derradeiro, mister se faz fazer um breve comentário a respeito de alguns tópicos da contestação apresentada pela ré Anasp.

O conhecimento prévio "do texto do regulamento" não justifica nem torna o contrato expungido das abusividades que possa possuir. Nem mesmo o fato de o consumidor se associar livremente, sem qualquer imposição, mitiga a ilegalidade inicial da publicidade abusiva. É exatamente em virtude de ele ter associado livremente é que ele tem o direito de também se desassociar livremente.

A afirmação da ré de que o conhecimento e a aceitação da autora das condições do regulamento passou a valer entre as partes e foi gravado pelo pacta sunt servanda, o que o tornar intangível, não podendo ser modificado nem pelo Poder Judiciário é, no mínimo, um absurdo. É mostra clara que não conhece as disposições do Código de Defesa do Consumidor. Se desconhece, não tem nem condição de comprovar que esteja praticando suas determinações.

O "pacta sunt servanda" ainda é um princípio que deve ser respeitado. Mas em se tratando de relação do consumo ele deve ser interpretado de uma forma diferente da que lhe faz os civilistas. Na realidade, o que foi pactuado deve ser cumprido desde que não atende contra a norma de ordem pública e de interesse social, como o é o Codecon. Em verdade, entre o fraco e o forte, é a liberdade que escraviza e a lei que liberta.

Em relação a esse assunto, merece transcrição o magistério de Sílvio Rodrigues, registrado no livro de Direito Civil, Vol. 3, Ed. Saraiva, 25a Edição – 1997, páginas 18 e 19:

"De fato, tanto o princípio da autonomia da vontade como da obrigatoriedade das convenções perderam uma parte de seu prestígio, em face de anseios e preocupações novas, nem sempre atendidos no apogeu do regime capitalista.

Com efeito, o princípio da autonomia da vontade parte do pressuposto de que os contratantes se encontram em pé de igualdade e que, portanto, são livres de aceitar ou rejeitar os termos do contrato. Mas, isso nem sempre é verdadeiro. Pois a igualdade que reina no contrato é puramente teórica e, via de regra, enquanto o contratante mais fraco no mais das vezes não pode fugir à necessidade de contratar, o contratante mais forte leva uma sensível vantagem no negócio, pois é ele quem dita as condições do ajuste.

De fato, não raros os casos em que a parte mais necessitada precisa contratar e tem que se submeter às cláusulas que lhe impõem o contratante mais forte.

A verificação de tais circunstâncias conduziu o legislador a intervir no contrato, para remediar os efeitos da desigualdade existente. Fê-lo usando do próprio mecanismo, acima explicado, ou seja, criando para limitar a autonomia da vontade, novas normas de ordem pública, contra as quais esbarra a liberdade de estipular.

E mais adiante continua o jurista:

"Ora, para restabelecer a igualdade no contrato, criou o legislador normas limitadoras da liberdade das partes, inderrogáveis por serem de ordem pública.

Contam-se às dezenas, nos últimos anos, as leis contendo preceitos de ordem pública, limitadoras da liberdade contratual. Em todas se procura atenuar a desigualdade porventura reinante no contrato, evitando-se, desse modo, vantagens indevidas para uma das partes.

A supremacia da ordem pública constitui o principal estorvo na senda da autonomia da vontade e obrigatoriedade das convenções. Ajustes particulares não tem o condão de transpor tal baliza, sob pena de se atentar contra a própria segurança do ordenamento jurídico. Acima dos interesses privados estão os públicos, estes sobrepõem-se àqueles.

Não vinga, assim, o pacta sunt servanda, pois, em veras, entre fracos e fortes, é a liberdade que escraviza e a lei que liberta. E entre fornecedores e consumidores, não é necessário esforço para perceber a vulnerabilidade destes em face daqueles."

Não há que se falar em igualdade entre as partes na relação contratual, posto que a avença foi imposta à consumidora por meio de uma contrato de adesão, onde as cláusulas foram estipuladas apenas pela requerida, de modo que a autora, na necessidade de contratar, não possuía poderes para rejeitar as condições impostas. Desta forma, inexiste o equilíbrio entre os contratantes tão propalado pela ré.

Abaixo segue citações jurisprudenciais e legais que confirmam as assertivas acima:

"Não há que se falar em obrigatoriedade do contrato, posto que o CDC, pela supremacia, se sobrepõe à autonomia da vontade, ao considerar, em seus artigos 51, II, IV e XV e 53, ineficazes de pleno direito, porque abusivas as cláusulas penais estipuladas em contrato de adesão, consolidando, com isso a proteção jurisdicional ao economicamente mais fraco". - (Acórdãos do Tribunal de Justiça da Bahia, Recurso Civil, In Revista do Consumidor, órgão oficial do Brasilicon, n.º 17, pág. 243/244, janeiro/março - 1996).

Por sintetizar a explanação em epígrafe, translada-se aqui a ementa proferida na Apelação Cível n.º 31.170, apreciada pela Segunda Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal:

"CIVIL

I - Correta é a sentença que inadmite cláusula que atribui a uma das partes vantagens desmesuradas, concedendo-lhe lucros desproporcionais em relação à sua contraprestação contratual.

II - O princípio da autonomia da vontade não pode estabelecer uma compensação de perdas e danos que, produza, em lugar de uma justa reparação, um enriquecimento sem causa.

III - Sentença confirmada. Apelação desprovida".

A ré afirma que a autora está agindo com má-fé e quer levar em erro o Juízo. Em verdade, quem está litigando de má-fé é a Anasp. Afirma ela que os descontos na folha de pagamento da reclamante iniciaram-se em janeiro de 1997, quando os documentos que ora se faz juntar aos autos demonstram que os descontos foram feitos nos períodos de dezembro95 a dezembro/96 e, posteriormente, de dezembro/97 a julho/98.

Além do mais, os documentos apresentados pelos representantes da ré e que foram juntados às f. 69 a 83, que visam demostrar o período em que houve descontos em desfavor da autora nada demonstram, posto que a pessoa a que se refere a demandada se trata da pessoa de Noelha Maria de Souza Novaes e de Noeli da Rosa Alves Silva.

Afirma ainda a Anasp que a requerente lhe deve a importância de R$ 577,83, "concernentes as parcelas não pagas do Multiplano Anasp, dos meses de janeiro à (sic) novembro de 1997". A assertiva é maliciosa e eivada de má-fé, posto que nesse período a autora não era mais associada dela. A reclamante solicitou seu desligamento da empresa no dia 26 de agosto de 1996 (documento de f. 04 e 05).

Ainda, com o intento ludibriar o Poder Judiciário, a ré afirma, igualmente, que o requerimento da autora, solicitando o cancelamento da categoria de sócia, somente chegou ao seu conhecimento no dia 20 de julho de 1998, através do ofício da Secretaria de Educação nº 283/98. Pura inverdade. O documento de f. 05 dos autos e os demais que serão juntados com esse parecer demonstram justamente o contrário. Pelo menos, no dia 18 de setembro de 1996, quando foi redigida a missiva encontrada à predita f. 05, a Anasp já havia tomado conhecimento da decisão da autora, tanto é que disse que poderia proceder o cancelamento a partir de janeiro de 1997.

A ré procura enganar o Judiciário também em relação à expressa disposição legal, quando assevera que a autora, por ser beneficiária da Justiça gratuita, somente está dispensada do pagamento das custas processuais e dos honorários do próprio advogado, mas que estaria obrigada a pagar os honorários de sucumbência, por não estarem tais verbas incluídas na isenção de que trata a Lei nº 1.060, de 05 de fevereiro de 1950.

Disse mais a ré. Disse que a autora agiu de má-fé contra a requerida ao afirmar que esta não possui convênio com a Unimed. Isso porque a autora teria utilizado inúmeras vezes o plano oferecido pela requerida. Deve-se esclarecer que a autora não poderia ter afirmado ou negado a existência de convênio entre a ré e Unimed, posto que o documento de f. 62/68 nunca lhe foi exibido. Isso sem dizer que a reclamante não se utilizou inúmeras vezes dos serviços da Unimed, mas apenas três vezes, no ano de 1996, bem antes de solicitar o desligamento, quando lhe foram cobrados altos valores pelas consultas e tratamentos feitos, além de valores pagos a título de "fator moderador de demanda", que não é cobrado por médico particular.

Cabe nesse particular indagar a ré para que foi feito convênio com a Unimed se há previsão no plano um seguro de saúde em grupo?. Dessa forma, não deveria ser o seguro bradesco que deveria cobrir os gastos médico-hospitalares feitos pela ré?

Segundo à ré, não há como se vislumbrar a restituição dos valores pagos, pois a autora não teria como devolver à seguradora os benefícios recebidos. Afirmou, mas não comprovou a reclamada que a autora tivesse recebido qualquer benefício de qualquer seguradora. Aliás, diga-se de passagem, não comprovou ela sequer que fez algum contrato de seguro, na qualidade de estipulante, com alguma seguradora.


III) Das disposições e requerimentos finais:

e por estabelecer o Código de Defesa do Consumidor normas de ordem pública e de interesse social, que autoriza o juiz a reconhecer abusividades mesmo que não tenham sido alegadas, o Ministério Público é de parecer que a ré seja condenada a devolver todos os valores que recebeu da autora (R$ 1.135,54), devidamente corrigidos e acrescidos de juros legais, sendo certo que o quantum descontados após a solicitação de desligamento (R$ 703,78) deve ser em dobro, como exige a lei protetiva.

Requer a juntada aos autos dos documentos que seguem em anexo, nos termos do artigo 83, inciso II, do Código de Processo Civil.

Campo Grande, 17 de novembro de 1998.

Amilton Plácido da Rosa

Promotor de Justiça do Consumidor


Notas

1.."Artigo quinto – existirão as seguintes categorias sociais: A) sócios conselheiros b) sócios beneficiários"

2.."Art. 54 (....) § 4º. As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão."

3..Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (....); XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor.

4..Art. 145 – É nulo o ato jurídico :

(...)

III- quando não revestir a forma prescrita em lei (arts. 82 e 130)".

5..."Art. 82 – A validade do ato jurídico requer agente capaz (art. 145, I), objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei (artigos 129, 130 e 145)".

6.."Art 5º – (....);

XX – ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado".

7.."Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(....);

II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste Código;

(....);

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade".

8.."Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

(....);

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

(....);

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas".

9.."Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(....);

X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral".

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Sobre o autor
Amilton Plácido da Rosa

Procurador de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Amilton Plácido. Seguro de saúde em grupo: cláusulas abusivas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16494. Acesso em: 22 dez. 2024.

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