8. Enquadramento jurídico do problema objeto da consulta : legitimidade da construção de armário embutido, e sua respectiva posse, em área comum de acesso exclusivo a determinado condômino
A essa altura resta saber acerca da possibilidade do condômino da propriedade horizontal poder utilizar-se com exclusividade – ter a posse, portanto – de área comum, e, em sendo isso possível, quando tal hipótese estaria legitimada.
Numa primeira análise da Lei de Condomínio em Edificações, poder-se-ia concluir, à luz de seu art. 3º 44, que seria impossível a utilização exclusiva, por determinado condômino, de área comum, uma vez que tal dispositivo é expresso no sentido ser insuscetível de uso exclusivo a área comum.
Porém, é fundamental que se harmonize o contido no indigitado art. 3º com a realidade de cada edificação condominial que alberga a superposição de unidades, uma vez que determinadas situações ocorrerão onde a "área comum" não será, pela sua disposição, necessariamente uma área de "uso comum", eis que a ela só se terá acesso por intermédio de determinada unidade autônoma pertencente a determinado condômino.
Quanto a esse aspecto, vale a irreparável lição haurida de acórdão de lavra do Des. Erbetta Filho, do Tribunal de Justiça de São Paulo 45, que ao tratar de caso com circunstâncias análogas às abordadas neste Parecer, faz referência à perfeita e racional possibilidade do condômino utilizar-se com exclusividade de área comum só atingível por intermédio de sua respectiva unidade autônoma. Vejamos o que diz o acórdão:
"Doutrina e jurisprudência vêm, de fato, consagrando o entendimento segundo o qual o condômino pode ocupar área que, não obstante seja a rigor coletiva, pelos dizeres da Convenção ou por não se inserir dentre as especificadas como uso privativo, pelo fato de somente para si ter utilidade, não se prestando a qualquer dos demais condôminos, os quais, para terem acesso a ela, teriam obrigatoriamente que passar por área de uso privativo daquele.
Pelo que deixam ver os já mencionados J. Nascimento Franco e Nisske Gondo (op. cit., p. 85-87), erigiram-se com pioneiros nessa linha de pensamento, neste Estado, julgados do Tribunal de Alçada Civil insertos nas RT 322/474 (referindo-se a ‘área-terraço’ ou ‘terraço-de-nível’ contíguo a unidade do pavimento térreo) e 325/416 (relacionado a área lateral de apartamento), este último – ao qual se deu especial destaque – relatado pelo então Juiz Sousa Lima, cujo magnífico voto calcou-se em lição de Lino Salis. Colacionam ainda os citados juristas, anterior àqueles julgados, acórdão do TJGB contido na RT 275/816, afora reportarem-se a parecer de Pontes de Miranda reproduzido na RF 144/73.
Prescindindo-se de cansativo e desnecessário apanhado de quantos arestos adotaram a mesma solução, de lá para cá, importa no entanto dizer que esta E. Corte vem dando abrigo a semelhante posição, a qual, em última análise, baseia-se numa distinção entre áreas comuns, sem designação específica de uso (suscetíveis de serem utilizadas em certas circunstâncias com exclusividade por um condômino), e áreas de efetivo uso comum, para finalidades preestabelecidas pela especificação ou convenção. Prova disso é a publicação nos JTJ 205/32 de v. acórdão recente da C. 3ª Câm. de Direito Privado (ApCiv 281.449-1, rel. Des. Toledo César, v.u., em 15.04.1997)..."
A lógica que eclode do acórdão citado é ululante.
É óbvio que determinadas localidades da edificação condominial, pela própria estrutura da construção, poderão, ainda que se trate de "área comum", não ser consideradas área de "uso comum", haja vista que seu acesso só se dá por intermédio de determinada unidade autônoma, o que redunda na total ociosidade da respectiva área que, apesar de "comum", não se presta ao "uso comum". Não há como o legislador mudar a natureza das coisas; vale dizer, o art. 3º da Lei 4.591/64 deve ser harmonizado com a realidade dos aspectos inerentes a cada construção que faz surgir a co-propriedade no condomínio em edificações.
Nas hipóteses análogas à jurisprudência externada no acórdão citado, da qual faz parte, aliás, a situação que deu origem a este Parecer, não há como se conceber outro entendimento senão aquele que leva à conclusão serena de que o art. 3º da Lei de Condomínio em Edificações apenas impede a utilização exclusiva, pelo condomínio, de "área comum" que seja, efetivamente, de "uso comum". Se porventura a área comum estiver em determinado encravamento da construção, na qual só se chega através da área contígua pertencente a determinado condômino, é lógico que a este estará franqueada a utilização exclusiva da respectiva área que, não obstante "comum", não se presta ao "uso comum".
Repito: estando a área comum ociosa ao uso comum, em virtude de ser contígua a determinada unidade autônoma, o respectivo proprietário terá total legitimidade para exercer a posse exclusiva sobre tal área. Não é outra a inteligência do acórdão acima analisado, que simplesmente julgou com inequívoca lógica-jurídica a lide que solucionou.
Portanto, se a área comum é contígua a determinada unidade autônoma, não se prestando, em razão disso, à utilização comum, não estará vedada sua livre utilização pelo respectivo proprietário, uma vez que os demais, para terem acesso a ela – área comum –, terão obrigatoriamente que passar por área de uso privativo do titular da unidade autônoma contígua.
Em sendo assim, o condômino que constrói armário embutido em "área comum" totalmente ociosa ao "uso comum", onde só se chega por intermédio da respectiva unidade autônoma – esta sim, vale dizer, de uso exclusivo do respectivo proprietário –, não estará agindo de forma ilegal, atentatória aos preceitos de ordem pública previstos na Lei de Condomínio em Edificações, em especial seu art. 3º.
A finalidade da Lei 4.591/64 é exatamente impedir que determinado condômino se utilize com exclusividade de área comum que se presta ao uso comum; do contrário, em sendo a área comum, pela sua própria disposição, totalmente ociosa ao uso comum, eis que somente atingível através da área contígua de uso privativo, seu uso exclusivo pelo proprietário da respectiva unidade autônoma não está proibido pela Lei. Ou seja, será permitida a posse exclusiva, pelo condômino, dessa área comum de uso não-comum; e se há posse, haverá todos os efeitos daí advindos, mormente no que tange aos interditos possessórios.
Nunca é demais lembrar que, na propriedade horizontal, cada unidade autônoma representa propriedade exclusiva do respectivo titular, conforme dispõe o art. 1º da Lei 4.951/64, e conforme se deflui do sistema de direito privado positivo (CC, art. 524).
Logo, se a área comum é encravada entre paredes e a área de garagem constituída como unidade autônoma, sendo somente através desta atingida, fica evidente que tal área estará inviabilizada para o uso comum, uma vez que os demais condôminos terão o inexorável dever de não-violar os limites da propriedade exclusiva composta pela respectiva unidade autônoma.
9. À guisa de conclusão : solução para o caso sob exame
Antes do oferecimento das respostas aos quesitos formulados pelo consulente, proporemos, segundo o nosso sentir, a solução para o caso examinado.
Conforme já dito no item 1 supra, o armário embutido do consulente foi construído em área comum localizada entre uma parede, as garagens de nº. 61. e 62 – ambas de sua propriedade –, um pilar e a rampa de acesso ao 1º subsolo. Portanto, o respectivo armário está localizado em área comum encravada entre concreto e as garagens do consulente. Frisa-se, uma vez mais, que à área comum que recepciona o armário não se chega senão pelas garagens de propriedade do consulente.
A utilização exclusiva da dita área comum e do respectivo armário, geram em favor do consulente direito à posse mansa e pacífica que vem exercendo, com todos os efeitos ad interdicta que socorrem o possuidor. Vale dizer: além de ser plenamente possível ao consulente utilizar com exclusividade a indigitada "área comum", eis que a mesma não se presta ao "uso comum", também lhe será facultada a utilização dos interditos possessórios caso venha a ser molestado em sua posse. Em suma, a manutenção do armário, tal como ele está, deverá ser respeitada.
Não há nenhum suporte jurídico a autorizar qualquer medida, de quem quer que seja, para obrigar o consulente a desfazer o armário que construiu. A uma: não se trata de área de uso comum, sendo que a posse do consulente não está a prejudicar os demais condôminos que jamais poderiam utilizar tal área, cujo acesso necessariamente se dá pela garagem de propriedade exclusiva do consulente; a duas: em hipótese alguma o armário põe em risco a higidez das edificações; a três: sequer há que se falar em prejuízo estético para o condomínio, uma vez que o armário é embutido na área encravada e sua pintura externa segue o padrão e o estilo da pintura existente no 2º. subsolo.
Ora, se à área comum onde está o armário embutido – encravada, como já se disse – só se chega por intermédio das garagens do consulente, pergunta-se: A) a área é de uso comum? B) seria lícito aos demais condôminos terem acesso a tal área através das garagens do consulente, onde inclusive, diariamente estão seus carros lá estacionados? A resposta para ambas as questões é uma só: NÃO; seja porque a área não é de uso comum, seja porque não podem os demais condôminos, para terem acesso a dita área, atravessar pelas garagens que constituem propriedade exclusiva do consulente.
Não sendo a área de uso comum, eis que a ela só se tem acesso através das garagens nº. 61. e 62 do 2º subsolo, sua utilização exclusiva pelo consulente é perfeitamente viável, sendo totalmente legítima a construção do armário levada a efeito, principalmente por não trazer nenhum prejuízo para o condomínio, nem de ordem estética, nem de ordem estrutural. Além do mais, essa utilização exclusiva pelo consulente não está a embaraçar o uso comum, já que a área não se presta a isso.
No mais, a conflagrada situação de posse exercida pelo consulente – eis que exerce de fato algum dos poderes inerentes à propriedade (usa e goza; CC, art. 485) – lhe garante a proteção possessória que o sistema jurídico brasileiro concede ao possuidor.
A situação do consulente é toda ela revestida de inequívoca juridicidade, não havendo nela nenhuma ilegalidade nem tampouco abuso de direito. É legítimo, pois, o uso exclusivo da dita área comum, devendo ser preservado o armário lá construído.
10. Respostas aos quesitos
1) O armário embutido construído, nas circunstâncias reais examinadas, atenta contra a sistemática da Lei de Condomínio em Edificações?
R: Não, o armário construído não atenta contra a sistemática da Lei de Condomínio em Edificações, haja vista que o local onde está o armário, muito embora seja área comum, não é área de uso comum, eis que a ela só se tem acesso pelas garagens que são de propriedade exclusiva do consulente.
2) O exercício de posse exclusiva da área comum, onde o armário foi construído, contraria a Lei de Condomínio em Edificações ou mesmo o Regimento Interno do Edifício Carolina Pellicciari?
R: Não, a posse exclusiva da área comum onde foi construído o armário não contraria a Lei 4.591/64 nem o RI do Edifício Carolina Pellicciari.
No regime jurídico da propriedade horizontal, a posse, enquanto poder de fato no exercício de algum dos poderes inerentes à propriedade (CC, art. 485), poderá ser exercida livremente em área comum que não esteja destinada, pelas suas próprias características, ao uso comum.
Dessa forma, desde que o condômino não esteja excluindo os demais co-proprietários das áreas efetivamente consideradas de uso comum, e desde que a utilização exclusiva não ponha em risco a segurança do edifício, não há nenhum óbice de que determinada área comum seja utilizada com exclusividade por determinado condômino que a ela tenha acesso privativo. Inclusive, vale ressaltar que é exatamente esse o entendimento remansoso da jurisprudência (vide, TJSP – Ap 60.171-4/3 – 1ª Câm. – j. 10.08.1999. – rel. Des. Erbetta Filho).
3) A respectiva área comum, dado seu encravamento entre parede, pilar e as garagens de nº. 61. e 62, poderia ser utilizada livremente pelos demais condôminos?
R: Não, a respectiva área comum onde o armário foi construído não poderia ser utilizada livremente pelos demais condôminos.
A partir do momento que só se tem acesso a tal área comum por intermédio das garagens de nº 61 e 62, ambas de propriedade do consulente, não poderiam os demais condôminos utilizar-se livremente da área, pelas simples razão que teriam que violar os limites da propriedade exclusiva constituída pelas unidades autônomas representadas pelas garagens. Em sendo tais garagens unidades autônomas, sua utilização exclusiva, e respectivo acesso, cabe apenas ao seu legítimo proprietário e possuidor, no caso, o consulente.
4) Haveria alguma medida judicial para salvaguardar o perfeito exercício exclusivo da posse sobre os armários construídos?
R: Sim, as ações possessórias (interditos possessórios) preordenadas à defesa da posse.
A consolidação da posse do consulente sobre a área onde o armário foi construído está perfeitamente caracterizada. Qualquer moléstia a essa posse (turbação, esbulho ou ameaça) poderá ser rechaçada com a respectiva ação possessória, cujo desfecho não será outro senão a salvaguarda do consulente enquanto possuidor que é, inclusive com a concessão de medida liminar para a proteção provisória da posse.
Reza o art. 507, parágrafo único, do Código Civil, que a posse deverá permanecer com o sujeito que tiver a melhor posse, prevendo, dentre outros motivos, que quando se tratar de posse da mesma data, prevalecerá a posse atual.
Partindo-se do pressuposto de que o consulente está exercendo posse sobre área inviável ao uso comum, e que sua posse é atual se considerada em relação aos demais comproprietários da respectiva propriedade horizontal, temos que a posse sobre os armários restará plenamente protegida através da medida judicial cabível.
É este o meu Parecer, s.m.j.
Jundiaí, 18 de janeiro de 2002.
GLAUCO GUMERATO RAMOS, OAB/SP nº. 159123
Notas
[1] Tais garagens, sem dúvida alguma, estão erigidas à categoria de unidade autônoma, pertencendo a respectiva área exclusivamente ao consulente. JOÃO BATISTA LOPES, escorado na lição de Elvino Silva Filho – este, vale dizer, um dos mais festejados registradores do Brasil, que por muitos anos fora Oficial do 1º. CRI de Campinas – esclarece que vários requisitos devem ser observados para que a garagem de condomínio em edificações seja considerada como unidade autônoma, "apontando-se, entre eles, os seguintes: a) que cada vaga corresponda a uma fração ideal de terreno; b) que haja demarcação de espaço correspondente à vaga para identifica-lo perfeitamente; c) cada espaço seja assinalado por designação numérica com averbação no Registro de Imóveis; d) que os espaços correspondentes às vagas sejam precisamente descritos na especificação do condomínio (área, localização, confrontações, etc.)". Cfr. LOPES, João Batista. Condomínio, 1996, São Paulo : Ed. RT, 5ª. edição, p. 65/66;
[2] Esse aspecto é indicado por JOÃO BATISTA LOPES, lembrando observação feita por Washington de Barros Monteiro. Ob. cit., nota de rodapé "6", p. 25;
[3] Cfr. SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de Direito Civil – vol. IV. Rio de Janeiro : Forense, 1987, 7ª. edição, p. 136;
[4] Ob. cit., p. 25;
[5] Como se nota na ementa da Lei 4.591/64, esse diploma legal não cuida apenas da propriedade horizontal, abarcando também normas sobre o negócio jurídico da incorporação imobiliária, que via de regra faz nascer aquela modalidade especial de condomínio;
[6] A feliz expressão "superposição de unidades" é de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA.Cfr. Condomínio e Incorporações. Rio de Janeiro : Forense, 1981, 4ª edição, em especial "Prefácio da 2ª edição";
[7] Cfr., dentre outros, BESSONE, Darcy. Direitos reais. São Paulo : Ed. Saraiva, 1996, 2ª edição, p. 93; LOPES, João Batista. Condomínio...p. 61; SILVA PEREIRA, Caio Mário. Instituições de Direito Civil – vol IV...p. 137, tb. em Condomínio e Incorporações... p. 85/96; GATTI, Edmundo. Teoria general de los derechos reales. Buenos Aires : Abeledo–Perrot, p. 140/141; ALLENDE, Guillermo L. Panorama de derechos reales. Buenos Aires : La Ley, 1967, p. 123/124; ASCENSÃO, José de Oliveira. Direitos reais. Lisboa, 1973, p. 498; BUTERA, A. La comproprietà di case per piani. Napoli, 1932, p. 43; AÉBY, Frédéric. La proprieté des appartaments. Bruxelas : Ed. Etablissements Emile Brulart, 1960, p. 53. e ss.; RACCIATTI, Hermán. Propriedad por pisos o por departamentos. Buneos Aires : Depalma, 3ª edição, 1975, p. 41. (estes quatro últimos citados por João Batista Lopes, Condomínio... nota de rodapé "16", p. 60);
[8] Quanto à impossibilidade de usucapião de área comum na propriedade horizontal – posicionamento com o qual concordamos in totum –, vide João Batista Lopes, ob. cit., p. 153/157, assinalando lição de Arruda Alvim proferida no Curso de Mestrado da PUC/SP;
[9] TJSP – ApCiv 281.449-1 – 3ª Câm. de Direito Privado – Rel. Des. TOLEDO CÉSAR – v.u. (JTJ 205/32);
[10] Dois são os principais efeitos da posse: a prescrição aquisitiva geradora do usucapião (posse ad usucapionem), e a possibilidade do possuidor lançar-mão dos interditos possessórios (posse ad interdicta);
[11] Brocardo jurídico que, numa tradução livre para o vernáculo, significa "intenção de possuir a coisa como dono";
[12] O conceito de "posse natural" remonta à teoria possessória peculiar ao Direito romano, e seria uma posse juridicamente desprovida de proteção; se é desprovida de proteção, a linguagem atual a chamaria de "posse natural"ou "posse-detenção". V., nesse sentido, IHERING, Rudolf von. Teoria simplificada da posse. Trad. bras. de Pinto Aguiar. Bauru : EDIPRO, 1999, p.24/25;
[13] Cfr. CAIO MÁRIO, Instituições..., p. 16;
[14] idem;
[15] IHERING, Rudolf von. El Fundamento de la Protección Posesoria, Caps. XI e XII, in La Posesión, 1ª parte, ps. 207. e segs., apud, CAIO MARIO, Insituições..., p. 16;
[16] PERLINGIERI, Pietro. Perifis do direito civil – Introdução ao direito civil constitucional. Rio de Janeiro : Ed. Renovar, 1997, 3ª edição, passim;
[17] Grosso modo, entende-se por direito civil constitucional a conjugação do direito constitucional como as muitas vezes ultrapassadas disposições do direito civil, inclusive com a identificação de várias regras de direito privado no texto constitucional; em resumo, é a compreensão do direito civil à luz das regras constitucionais. Nos cursos de pós-graduação stricto sensu das Faculdades de Direito do Rio de Janeiro e do Paraná é que se encontram os principais autores que no Brasil versam sobre o direito civil constitucional, em especial : Gustavo Tepedio (UERJ), Francisco Amaral (UFRJ) e Luiz Edson Fachin (UFPR). Salienta-se que esse novo enfoque metodológico ainda é incipiente nos cursos de mestrado e doutorado das Faculdades de Direito de São Paulo, valendo destacar alguns nomes de civilistas que já se encontram nessa vanguarda: Rui Geraldo Camargo Viana (USP/PUCSP), Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (USP), Silmara Chinellato de Almeida (USP), Renan Lotufo (PUCSP), Rosa Maria de Andrade Nery (PUCSP). Hodiernamente, mais do que estudar o direito civil a partir dos institutos consolidados no empirismo da experiência histórica, a responsabilidade do civilista é pensar e construir um direito civil comprometido com as diretrizes pautadas pela Constituição da República, onde o legislador constituinte enalteceu a dignidade humana (CR, art. 1º, inc. III), a proteção à intimidade, vida privada, honra e imagem (CR, art. 5º. inc. X), a função social da propriedade (CR, art. 170, inc. III), o usucapião especial – urbano e rural (CR, art. 183. caput e 191 caput, respectivamente), o novo perfil das relações de família (CR, art. 226. e segs.). Vale dizer: estes valores, dentre outros facilmente identificáveis no texto constitucional, inexoravelmente acabam impondo uma nova forma de pensar o direito civil. Versando de maneira panorâmica sobre o direito civil constitucional, vale a pena conferir algumas obras: TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. Rio de Janeiro : Ed. Renovar, 2001; TEPEDINO, Gustavo. Problemas de Direito Civil-Constitucional. Coord. Rio de Janeiro : Ed. Renovar, 2000; AMARAL, Francisco. Direito Civil – Introdução. Rio de Janeiro : Ed. Renovar, 2000, 3ª. edição; FACHIN, Luiz Edson. Repensando fundamentos do Direito Civil brasileiro contemporâneo. Coord. Rio de Janeiro : Ed. Renovar, 2000, 2ª tiragem; LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do direito privado (Las normas fundamentales de derecho privado). Trad. bras. de Vera Maria Jacob de Fradera. São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, 1998; HIRONAKA, Giselda Fernandes Novaes. Direito Civil – estudos, Belo Horizonte : Del Rey, 2000; VIANA, Rui Geraldo Camargo e NERY, Rosa Maria de Andrade. Temas atuais de direito civil na Constituição Federal. Coords. São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, 2000;
[18] DINIZ, Souza. Código Civil alemão (traduzido diretamente do alemão). Rio de Janeiro : Ed. Record, 1960;
[19] Não confundir poder de fato, com a consideração de Savigny no sentido da posse ser considerada um fato, nem tampouco poder de direito, com as poderações de Ihering no sentido da posse ser considerada um direito. Quando se diz que a posse é um direito, está querendo se dizer que se trata de um "interesse juridicamente protegido"; logo, se a posse é um "interesse juridicamente protegido", só pode mesmo ser um direito;
[20] Cfr. IHERING, Teoria simplificada da posse..., p. 12;
[21] DINIZ, Souza. Código Civil suíço e Código Federal suíço das Obrigações (traduzido diretamente do texto original em alemão). Rio de Janeiro : Ed. Record, 1961;
[22] DINIZ, Souza. Código Civil italiano (traduzido diretamente do italiano). Rio de Janeiro : Ed. Record, 961;
[23] Código Civil Português – aprovado pelo Decreto-Lei nº. 47.344, de 25 de novembro de 1966. Coimbra : Livraria Almedina, 1998;
[24] DINIZ, Souza. Código de Napoleão ou Código Civil dos Franceses (traduzido diretamente do texto original em francês). Rio de Janeiro : Ed. Record, 1962;
[25] Salienta-se que a teoria subjetiva foi defendida por Savigny quando publicou seu Tratado da Posse (Das Recht des Besitzes) no ano de 1803, contando, à época, com apenas vinte e quatro anos de idade. Nesse sentido, CAIO MÁRIO, Insituições... p. 15;
[26] Cfr., Código Civil francês, art. 544: "A propriedade é o direito de fazer e de dispor das coisas do modo mais absoluto, contanto que delas não se faça um uso proibido pelas leis ou pelos regulamentos" (trad. SOUZA DINIZ);
[27] Cfr. Codigo Civi de la Republcia Argentina – con notas de Vélez Sarsfield. Buenos Aires : Editorial "Repertorio juridico mor" S.R.L.;
[28] Vélez Sarsfield fora categórico em admitir a influência recebida da obra de Teixeira de Freitas, o que se observa na nota com que fez chegar às mãos do Ministro da Justiça de seu país, em 24 de junho de 1865, o seu Projeto do Primeiro Livro do Código Civil: "Yo he seguido el método todo tan discutido por el sábio jurisconsulto brasilero en su extensa y doctísima introducción a la recopilación de las leyes del Brasil, separándome en algunas partes para hacer más perceptible la conexión entre los diversos libros y títulos, pues el método de la legislación, como lo dice el mismo señor Freitas, puede separarse un poco de la filiación de las ideas". (...) "Para este trabajo, (...) me he servido principalmente del Proyecto del Código Civil para España del Sr. Goyena, del Código de Chile, que tanto aventaja a los códigos europeos y sobre todo, del Proyecto de Código Civil que está trabajando para el Brasil el Sr. Freitas, del cual he tomado muchísimos artículos". Cfr. em GATTI, Edmundo. Teoria general de los derechos reales. Buenos Aires : Abeledo-Perrot, nota de rodapé "3", p. 6/7;
[29] Método chamado germânico, eis que baseado no BGB alemão. Tal sistemática fora adotada pelo Código Civil brasileiro de 1916, além de já constar tanto na "Consolidação das Leis Civis" quanto no "Esboço de Código Civil", ambos obra de Teixeira de Freitas;
[30] Texto original: art. 2351. "Habrá posesión de las cosas, cuando alguna persona, por si o por otro, tenga una cosa bajo su poder, con intención de someterla al ejercicio de un derecho de propriedad";
[31] No original: art. 2352. "El que tiene efectivamente uma cosa, pero reconociendo en outro la propriedad, es simple tenedor de la cosa, y representante de la posse del proprietário, aunque la ocupación de lacosa repose sobre un derecho";
[32] Cfr. CAIO MÁRO, Instituições... p. 45;
[33] idem;
[34] Cfr, IHERING, Teoria simplificada da posse..., p. 36;
[35] idem;
[36] Nesse sentido, CAIO MÁRIO, Intituições..., p. 46;
[37] Cfr. RT 677/132: SERVIDÃO DE PASSAGEM – TRÂNSITO DURANTE LONGOS ANOS – DIREITO SOBRE COISA ALHEIA CARACTERIZADA INDEPENDENTEMENTE DE QUALQUER FORMALIZAÇÃO – FECHAMENTO UNILATERAL DA PASSGEM "EX PROPRIO MARTE" QUE CONSTITUI MANIFESTA TURBAÇÃO – MANUTENÇÃO DE POSSE PROCEDENTE – APLICAÇÃO DA SÚMULA 415 DO STF.
"Tratando-se de servidão de trânsito, se o dono do prédio dominante costuma servir-se de determinado caminho, aberto no prédio serviente, que se exterioriza por sinais visíveis, institui-se o jus in re aliena, digno de proteção possessória independentemente de qualquer formalidade.
Assim, não pode o proprietário do prédio serviente fechar unilateralmente a passagem ex proprio marte, constituindo tal atitude manifesta turbação à quase posse do proprietário do prédio dominante sobre a servidão.";
[38] 1º TACivSP – AgIn nº. 656.327-7 – 6ª Câm. – Rel. Juiz JORGE FARAH – j. 05.03.1996. (RT 731/313): POSSESSÓRIA – REINTEGRAÇÃO DE POSSE – BEM MÓVEL – CONTRATO DE LOCAÇÃO VENCIDO – NÃO-RESTITUIÇÃO – ESBULHO POSSESSÓRIO CARACTERIZADO.
"Findo o contrato de locação de bem móvel, deixa o réu de ter a posição de possuidor direto, om a conseqüente obrigação de restituir o bem, após regular notificação, sob pena de caracterizar o esbulho possessório.";
[39] 1º TACivSP – Ap. nº 482.598-5 – 4ª Câm. – Rel. Juiz CARLOS BITTAR – j. 14.10.1993. (RT 702/99): POSSESSÓRIA – INTERDITO PROIBITÓRIO – AÇÃO DESENVOLVIDA POR AGENTES DO PODER PÚBLICO PARA A DERRUBADA DE MURO, SEM O NECESSÁRIO PROCESSO, E SEM ORDEM EXPLÍCITA E ESCRITA DA AUTORIDADE COMPETENTE – INADMISSIBILIDADE – IRRELEVÂNCIA DE SEU LEVANTAMENTO ESTAR ACIMA DO PERMITIDO PELAS POSTURAS – ABUSO DE DIREITO CARACTERIZADO – SANCIONAMENTO NA TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL – PROCEDÊNCIA DO PEDIDO MATINDA.
"A ação desenvolvida por agentes do Poder Público para a derrubada de muro no exercício da atividade fiscalizadora sem o necessário processo (due process of law) e sem ordem explícita e escrita, de autoridade competente, perturbando posse alheia, caracteriza situação de abuso de direito que recebe sancionamento na teoria da responsabilidade civil, uma vez que não se justifica a inusitada conduta nem mesmo diante de eventual injuridicidade da ação do munícipe de levantar o muro acima do permitido pelas posturas, pois fica este sujeito a sancionamento administrativo específico, descrito na própria lei da comunidade ou a medidas judiciais compatíveis, que podem culminar com a demolição, mas sob mandado judicial.";
[40] Não confundir interdito possessório com interdito proibitório. Este, é espécie do qual aquele é gênero;
[41] A respeito do assunto, cfr., a já clássica obra de MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos especiais. São Paulo : Malheiros Editores, 1994, 6ª edição, ps. 34/43;
[42] Cfr., nesse sentido, RAMOS, Glauco Gumerato e CURIONI, Rossana Teresa. "Perfil das tutelas de urgência no processo civil brasileiro", em Direito, Ciência e Arte – estudos jurídicos interdisciplinares. Campinas : Edicamp, 2001, em especial p. 153/155;
[43] Cfr. RAMOS, Glauco Gumerato. Da cumulação de pedidos na ação de reintegração de posse de rito especial. Jundiaí, Jornal da 33ª OAB, ago/1999, p. 06, onde sustento que, nessas hipóteses, o juiz está vinculado à concessão da medida liminar de salvaguarda da posse, não cabendo ao órgão judicante, pois, nenhuma discricionariedade quanto a se deve ser concedida, ou não, a medida liminar do art. 928. do CPC;
[44] Lei 4.591/64 (condomínio em edificações e incorporações imobiliárias) art. 3º: "O terreno em que se levantam a edificação ou o conjunto de edificações e suas instalações, bem como as fundações, parede externas, o teto, as áreas internas de ventilação, e tudo o mais que sirva a qualquer dependência de uso comum dos proprietários ou titulares de direito à aquisição de unidades ou ocupantes, constituirão condomínio de todos, e serão insuscetíveis de divisão, ou de alienação destacada da respectiva unidade. Serão, também, insuscetíveis de utilização exclusiva por qualquer condômino";
[45] TJSP – Ap 60.171-4/3 – 1ª Câm. – j. 10.08.1999. – rel. Des. Erbetta Filho. CONDOMÍMINIO – OBRAS REALIZADAS EM SUBSOLO POR CONDÔMINO – PRETENSÃO DE OUTRO CONDÔMINO À DEMOLIÇÃO DAS OBRAS, REPOSIÇÃO À SITUAÇÃO ANTERIOR E INDENIZAÇÃO POR OCUPAÇÃO INDEVIDA DA ÁREA COMUM – INADMISSIBILIAE SE QUANDO ADQUIRIU A UNIDADE A INOVAÇÃO JÁ EXISTIA E CONTAVA COM A CONCORDÂNCIA DE TODOS OS CONDÔMINOS E SE A ÁREA SÓ PODE TER FIM PROVEITOSO PARA AQUELE QUE A INOVOU.
"É inadmissível a pretensão de condômino à demolição de obras realizadas por outro condômino em subsolo e a reposição à situação anterior, bem como à indenização por ocupação indevida de área comum, se quando adquiriu a unidade a inovação já existia e contava com a concordância dos demais condôminos, principalmente se a área só pode ter fim proveitoso para aquele que a inovou, sendo insuscetível de utilização pelos outros.";