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Construção de armário em vaga de garagem de condomínio

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13/01/2004 às 00:00
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5. A posse no direito positivo brasileiro

            É indiscutível a influência da teoria objetiva no Código Civil brasileiro. O art. 485 do Código Civil considera "possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno, ou não, de algum dos poderes inerentes ao domínio, ou propriedade".

            Isso quer dizer que o direito brasileiro considera possuidor o sujeito que mantenha uma relação de poder de fato com a coisa, não importando se sua condição é de proprietário, ou não, da coisa possuída. O que verdadeiramente importa, é que o sujeito tenha a coisa em seu poder – repita-se: de fato – e que exerça plenamente, ou não, os poderes inerentes à propriedade (CC, art. 485).

            Tal sistemática, de se considerar possuidor o sujeito que exerça plenamente, ou não, os poderes inerentes à propriedade, implica em saber quais são esses tais poderes inerentes à propriedade, e a resposta é dada pelo próprio Código Civil brasileiro, que em seu art. 524 assegura ao proprietário o direito de usar (jus utendi), gozar (jus fruendi) e dispor (jus abutendi) das coisas que lhes pertence. Eis aí os poderes do proprietário: o poder de usar, gozar e dispor das coisas que lhes pertence!

            Quando o legislador enfatiza que se considera possuidor todo aquele que exerce plenamente, ou não, algum dos poderes inerentes à propriedade, acabou por dimensionar que se considera possuidor tanto o proprietário quanto o não-proprietário. Quem exerce plenamente os poderes inerentes à propriedade, e, portanto, pode usar, gozar e dispor das coisas que lhes pertence, sem dúvida alguma é o próprio proprietário, que pelo indigitado art. 485 do Código Civil brasileiro também se considera possuidor. Por outro lado, quem não exerce de forma plena os poderes inerentes à propriedade, e, portanto, só pode usar e gozar as coisas que estejam sob o seu poder de fato – uma vez que só quem pode dispor é o efetivo proprietário – também é considerado possuidor, sendo que nessa situação encontraremos o locatário, o comodatário, o credor pignoratício, dentre outros tantos atores jurídicos que sejam possuidores não-proprietários. Nunca é demais lembrar que se a lei considera determinado sujeito possuidor, a ele será concedida a proteção possessória prevista no sistema.

            Nessa ordem de idéias, fica claro que o direito civil brasileiro, como de resto, os principais sistemas jurídicos do direito comparado, consider possuidor aquele que tenha a coisa sob seu poder de fato, independentemente de ser o efetivo proprietário da coisa possuída, seguindo, portanto, as diretrizes da teoria de Ihering.

            A posse no direito civil brasileiro, como se vê, existe tanto em favor do possuidor proprietário quanto do possuidor não-proprietário, o que significa dizer que se o sujeito usa e goza determinada coisa que está sob seu poder de fato terá, em seu favor, os benefícios da proteção possessória, que antes de mais nada se presta à salvaguarda daquele que está na posse de determinado bem, ainda que não seja seu efetivo proprietário.

            Repito: uma vez identificada em alguém a condição de possuidor, seja este alguém proprietário, ou não, da coisa possuída, ser-lhe-á sempre dispensada a proteção possessória. Para tanto, importa verificar a existência do corpus (poder físico sobre a coisa) e o exercício pleno, ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade (usar, gozar e dispor), consoante a classificação da posse expressa no art. 485 do Código Civil brasileiro, em consonância, vale dizer, com as principais legislações que tratam do assunto no mundo ocidental.


6. Considerações sobre os efeitos da posse, com ênfase à proteção possessória (interditos possessórios)

            Muito se falou ao longo deste Parecer acerca da proteção possessória que o sistema jurídico dispensa ao possuidor. Mas afinal, o que vem a ser essa proteção possessória e como ela se apresenta no plano jurídico? É o que passaremos a examinar.

            Os autores em geral atribuem à posse efeitos que lhes são próprios (32), muito embora não haja completa uniformidade em relação a quais e quantos seriam esses efeitos, não faltando, por exemplo, quem (TAPIA) lhe atribuísse setenta e dois diferentes efeitos e quem lhe negasse qualquer efeito (SINTENIS), conforme anota CAIO MÁRIO (33).

            O Código Civil brasileiro trata dos efeitos da posse entre os arts. 499 a 519, sendo que a doutrina pátria identifica, basicamente, os seguintes: a) usucapião; b) presunção de propriedade; c) percepção dos frutos; d) direito de retenção por benfeitorias; e) indenização pelas benfeitorias realizadas na coisa; f) autodefesa da posse; g) utilização dos interditos possessórios.

            No tocante ao objeto central da consulta que originou este Parecer, dos efeitos da posse apenas nos interessa a possibilidade do possuidor utilizar-se dos interditos possessórios, o que se torna viável pelo simples fato da existência da posse (corpus + exercício de fato dos poderes inerentes à propriedade).

            A proteção possessória encontra seu fundamento no fato de que, por seu intermédio, busca-se a proteção da propriedade, vale dizer: protegendo-se a posse protege-se, por via reflexa, a propriedade. Com efeito, nem sempre será possível detectar a que título – leia-se: por que motivo – o possuidor tem a coisa sob seu poder de fato, ou seja, se a tem como possuidor-proprietário ou como possuidor não-proprietário. Não importa ao sistema jurídico cujas diretrizes da teoria objetiva são preponderantes – como acontece no direito brasileiro – se o possuidor é dono ou não da coisa possuída; o que importa, na verdade, é aquela situação de aparência gerada pela posse, uma vez que aquele que tem a coisa sob sua sujeição (corpus + exercício de fato dos poderes inerentes à propriedade) fatalmente o terá por algum motivo, e isso já basta para que o Direito confira proteção possessória em prol do sujeito possuidor, independentemente de ser proprietário, ou não, da coisa possuída.

            Ihering observa que "se, para conseguir proteção como possuidor, basta provar-se a posse, este princípio favorece tanto o proprietário como o não-proprietário. A proteção possessória, criada para o proprietário, beneficia deste modo a uma pessoa para a qual não foi instituída" (34). O imortal jurista alemão vai mais além e sentencia que "esta conseqüência é absolutamente inevitável". (35)

            Não há como proteger a posse sem que, eventualmente, também se proteja o possuidor não-proprietário. Não há como se proteger, através da proteção possessória, apenas o proprietário. Se a posse se constitui na aparência de um poder de fato, onde o que primeiro se visualiza é o exercício de algum dos poderes inerentes à propriedade sobre uma coisa que está sob sujeição de alguém, então não há como se ter certeza de que se está protegendo o possuidor proprietário ou o possuidor não-proprietário. O que o Direito pretende através da proteção possessória é tutelar aquele que esteja visivelmente com a coisa sob seu poder de fato, exercendo, pois, algum dos poderes inerentes à propriedade.

            Se insisto quanto a esse aspecto, é para firmar a exata dimensão da proteção possessória, que sempre virá ao auxílio daquele que, mesmo não sendo proprietário de determinado bem, mantém com ele um vínculo de sujeição em que se exerce algum dos poderes inerentes à propriedade (CC, art. 485).

            Mas de nada adiantaria a proteção da posse se o Direito não pusesse às mãos do possuidor os mecanismos legais preordenados a essa defesa: os interditos possessórios.

            No Direito Romano chamava-se de interdito (do latim interdicere = proibir) a medida defensiva com que o pretor neutralizava a atuação do terceiro na esfera jurídica do possuidor (36), para evitar turbação, esbulho ou simples ameaça ao exercício da posse. Modernamente, a moléstia à posse é evitada através das ações possessórias, que por tradição do direito romano ainda continuam sendo chamadas pela doutrina de interditos possessórios; portanto, interditos possessórios ou ações possessórias são expressões sinônimas que daqui em diante serão usadas indistintamente.

            No plano jurídico, é através dos interditos possessórios – ou ações possessórias – que o possuidor materializa a proteção de sua posse em caso de turbação, esbulho ou simples ameaça. Vejamos cada uma dessas hipóteses.

            A turbação é uma verdadeira perturbação no exercício regular da posse, e ocorre quando o possuidor está encontrando embaraço no exercício da posse em virtude de atuação irregular de terceiro que invade sua esfera jurídica de forma a lhe perturbar a posse. Ocorre, por exemplo, quando o dono de prédio serviente fecha, unilateralmente, o caminho por que passava com freqüência o dono do prédio dominante (37). Em tal situação, tem o possuidor que está sofrendo a turbação o direito de ser mantido na posse (CC, art. 499, primeira parte).

            Já o esbulho ocorre quando o possuidor é despojado de sua posse por ato de terceiro, vale dizer, perde o sujeito a posse sobre a coisa em razão da atitude de outrem. Ocorre esbulho possessório, dentre outras situações, quando cessa o contrato de locação de bem móvel e o locatório recusa-se a proceder à restituição do bem ao locador, restando este, portanto, despojado da posse a que teria direito em virtude do término da relação ex locato (38). Ao possuidor esbulhado, surge o direito de ser restituído na posse (CC, art. 499, segunda parte).

            Situações outras poderão ocorrer onde o possuidor não está sendo turbado, nem tampouco foi esbulhado da posse, mas, tão-somente, está sofrendo ameaça de sê-lo (turbado ou esbulhado). Uma situação desse tipo pode ocorrer quando, por exemplo, esteja o munícipe sofrendo ameaça de ter seu muro derrubado pelo Poder Público municipal, sem que, para tanto, tenha sido notificado pela autoridade competente, em total desrespeito à legalidade que orienta o direito público (39). Para essas situações, onde o possuidor tenha justo receio de ser molestado na posse, terá ele direito de pedir em juízo que o ameaçador se abstenha da consumação de moléstia à posse (CC, art. 501), tal medida é denominada pelo Código de Processo Civil brasileiro de interdito proibitório (40) (CPC, art. 932).

            Ocorrendo qualquer uma dessas situações (turbação, esbulho ou ameaça), o possuidor poderá lançar-mão do respectivo interdito possessório para, em juízo, buscar a tutela de sua posse. E dessa tutela – repita-se – poderá se beneficiar tanto o possuidor-proprietário quanto o possuidor não-proprietário; a tutela da posse será sempre dispensada ao possuidor objetivamente considerado (CC, art. 485), conforme reiteradamente estou afirmando.


7. Aspectos processuais da proteção possessória

            A cada uma dessas situações de moléstia à posse, turbação, esbulho e ameaça, o direito processual prevê uma específica ação para tutela do possuidor. Previstas nos Livro IV do Código de Processo Civil brasileiro, topograficamente dispostas sob os "Procedimentos Especiais" (41), as chamadas ações possessórias estão a serviço do possuidor que sofre interferência de terceiro no exercício da posse.

            As ditas ações possessórias estruturam-se pelo processo de conhecimento de rito especial, cuja especificidade do procedimento se justifica em virtude da própria fisionomia da relação jurídica material controvertida, onde o legislador optou em desenhar um procedimento próprio para melhor atender as exigências do direito material discutido no processo.

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            Dentro dessa perspectiva temos as ações possessórias típicas, que são a ação de manutenção de posse, voltada para o caso de turbação, a ação de reintegração de posse, quando da configuração do esbulho, e a ação de interdito proibitório, para o caso de justo receio de ameaça à posse. Essas três ações especiais (manutenção e reintegração de posse, e interdito proibitório) conferem a proteção possessória que o Direito brasileiro garante ao possuidor.

            A especialidade do procedimento das ações possessórias vem ao encontro do regime jurídico dos efeitos da posse previstos no Código Civil, onde se encontra a disposição que impõe urgência na salvaguarda da posse molestada, através, principalmente, de uma medida judicial sumária (CC, art. 506, 507, 508 c/c art. 523).

            Essa característica do direito material, de exigir a salvaguarda da posse em caráter de urgência, confere o traço característico principal da especialidade da ação possessória, onde o legislador autoriza o juiz a conceder medida liminar ante a prova da turbação ou do esbulho, somada à prova inequívoca da posse (CPC, art. 928). Essa situação de salvaguarda emergencial da situação possessória, com a concessão de medida liminar de manutenção (turbação) ou reintegração (esbulho) de posse, é considerada pela doutrina como uma situação onde se concede a chamada tutela antecipatória típica (42), eis que especificamente prevista para certas hipóteses, ao contrário da previsão genérica de tutela antecipatória que a Reforma do Código de Processo Civil engendrou com a nova redação do art. 273 do CPC. A concessão de medida liminar em ação possessória, portanto, é uma forma de antecipação da tutela prevista antes mesmo do novo art. 273 do Código de Processo Civil, uma vez que o juiz, ao determinar a expedição de mandado liminar de manutenção ou de reintegração de posse, inequivocamente está a "antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial" (CPC, art. 273 caput). No caso das ações possessórias, isso acontece em razão da especialidade que informa o respectivo procedimento que, sob influência do direito material (CC, art. 523), deve dar solução sumária ao possuidor molestado em sua posse.

            Mas a especialidade das ações possessórias não se esgota na possibilidade – leia-se: obrigatoriedade (43) – da concessão de medida liminar em estando a petição inicial devidamente instruída, conforme determina o art. 928 do CPC. Mais ainda, a dita especialidade também permite que ao pedido tipicamente possessório seja cumulado em face do réu pedido de: a) condenação em perdas e danos, b) cominação de pena para caso de nova turbação ou esbulho, c) desfazimento de construção ou plantação feita em detrimento da posse do autor da ação (CPC, art. 921 e incs.).

            Portanto, turbado, esbulhado ou ameaçado em sua posse, tem o possuidor o inequívoco direito de lançar-mão dos interditos possessórios para a salvaguarda da situação de fato que lhe garanta o exercício de algum dos poderes inerentes à propriedade, seja ele possuidor-proprietário ou possuidor não-proprietário. E uma vez ajuizada a competente ação possessória, estará o juiz necessariamente comprometido a conceder a medida liminar que garanta a salvaguarda da situação em que se encontra o possuidor; o reparo à moléstia causada à posse, portanto, é em caráter de urgência, máxime por força do art. 928 do Código de Processo Civil, que exige seja a medida liminar concedida desde que a petição inicial esteja devidamente instruída com a prova da posse e a prova da respectiva moléstia.

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Sobre o autor
Glauco Gumerato Ramos

Mestrando em direito processual na Universidad Nacional de Rosario (UNR - Argentina). Mestrando em direito processual civil na PUC/SP Membro dos Institutos Brasileiro (IBDP), Iberoamericano (IIDP) e Panamericano (IPDP) de Direito Processual. Professor da Faculdade de Direito da Anhanguera Jundiaí (FAJ). Advogado em Jundiaí

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Glauco Gumerato. Construção de armário em vaga de garagem de condomínio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 191, 13 jan. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16589. Acesso em: 23 abr. 2024.

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