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Juiz do Trabalho não precisa esperar dois anos para pedir remoção

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III. APLICABILIDADE DO ARTIGO 93, inc. VIII-A, c.c. inc. II, «b», DA CRFB À JUSTIÇA DO TRABALHO: EXEGESE DA LOCUÇÃO «NO QUE COUBER»

3.1. A expressão «no que couber», ínsita à norma do artigo 93, VIII-A, da CRFB, admite duas acepções necessárias.

A uma, significa que as regras das alíneas «a», «b», «c» e «e» do artigo 93, II, da CRFB, talhadas para as promoções, só se aplicarão quando funcionalmente compatíveis com os procedimentos próprios de remoção.

Na Justiça do Trabalho, por força do artigo 654, §5º, «a», da CLT, os concursos de remoção são julgados exclusivamente pelo critério da antigüidade. A não ser que se sustente ter o «ius novum» repelido essa regra — o que implicaria inaugurar, nos regionais, uma prática inédita de formação de listas de merecimento para fins de remoção —, a norma da alínea «a» (promoção obrigatória do juiz que figurar três vezes seguidas ou cinco alternadas em lista de merecimento) não se aplica às remoções na Justiça do Trabalho, por incompatibilidade funcional com o seu tipo de remoção (o que já não ocorre, e.g., nas Justiças estaduais, «ex vi» do disposto no artigo 81, §1º, da LOMAN [21]). Exclui-se, pois, sob a égide da expressão «no que couber» (descabimento funcional). Mas voltaremos a isso (infra).

A duas, tal locução significa que as regras das alíneas «a», «b», «c» e «e» do artigo 93, II, da CRFB só se aplicarão às organizações judiciárias estruturalmente compatíveis com o modelo fundamental para o qual foram concebidas. Do contrário, haverá descabimento estrutural e a remissão normativa (artigo 93, VIII-A) falhará, outra vez ao amparo da expressão «no que couber».

Nota-se que, num caso e noutro, a locução «no que couber» passa a funcionar como cláusula geral constitucional [22], ressalvando, no plano da concretização valorativa, a integridade das soluções infraconstitucionais que acaso não admitam os conteúdos normativos das alíneas «a», «b», «c» e «e». E assim será, doravante, considerada.

3.2. No que concerne à norma do artigo 93, II, «b», da CRFB — cuja primeira parte dispõe ser pressuposto, nas promoções por merecimento (i.e., provimentos derivados de cargos em movimento vertical), um «minimum» de dois anos de exercício na respectiva entrância —, a indagação fundamental é se esse «minimum» passou a ser exigível, também, nas remoções de magistrados (i.e., nos provimentos derivados de cargos em movimento horizontal — supra, item 1.2).

No caso das Justiças estaduais, pode-se concluir que sim. Isso porque, por um lado, as remoções ali não se fazem necessariamente por antigüidade, formando-se listas tríplices (artigo 81, §1º, da LOMAN); logo, o fato de a alínea «b» falar em «merecimento» não afasta, "ab ovo", a aplicabilidade da regra às remoções. De outra parte, organizando-se por entrâncias, as Justiças estaduais estão estruturalmente predispostas à especial normatividade dimanada do artigo 93, II, «b», que pressupõe, entre entrâncias, um acesso vertical (= promoção), para o qual fazem sentido os requisitos do inciso II, atendendo à regra universal dos acessos verticais por critérios alternados de antigüidade e merecimento (como é, há muito, da tradição do Direito público brasileiro). Dir-se-ia, pois, que, no caso das magistraturas estaduais, o artigo 93, II, «b», da CRFB é auto-aplicável às situações de remoção a pedido, por força do artigo 93, VIII-A.

3.3. O mesmo não pode ser dito a propósito das carreiras do Poder Judiciário da União (artigo 1º, III, IV, V e VI, da LOMAN [23]); e, em especial, da Justiça do Trabalho. Vejamos.

A idéia de que, nas deslocações de entrância, exija-se tempo mínimo de permanência na entrância de origem e se empreguem critérios de merecimento — alíneas «a», «b» e «c» do inciso II do artigo 93 da CRFB — está ligada à concepção de que, na movimentação de magistrados entre entrâncias de níveis diversos, há sempre um provimento derivado por acesso vertical, condicionado à antigüidade e/ou ao merecimento do juiz na sua última entrância. Isso justifica, inclusive, o fato de que juízes mais antigos na carreira mas há menos tempo na entrância são legitimamente preteridos pelos que ali estejam há mais tempo; essa é uma regra salutar que visa a desfavorecer seguidas escolhas de comarcas mais convenientes por um magistrado, em detrimento dos demais. Tais critérios prevalecem do mesmo modo, no tocante à promoção aos tribunais de cada uma das Justiças — na medida em que o provimento dos cargos dos tribunais se faz mediante promoção (ou seja, excluídos os provimentos originários pelo critério do quinto constitucional e outros [...]) [24].

Já no que toca às remoções (acessos horizontais), com a edição da EC n. 45/2004, o legislador brasileiro entendeu por bem discipliná-las com maior rigor, em moldes semelhantes às promoções (acessos verticais), para que, da mesma maneira, um mesmo magistrado estadual não viesse a consumar sucessivas escolhas de comarcas mais convenientes — se bem que de mesma entrância —, em detrimento dos demais. Daí a exigência de tempo mínimo — pois, sem isso, não haveria como aferir o «mérito» na entrância de origem — e a infiltração dos critérios de merecimento. Note-se que a norma de extensão (artigo 93, VIII-A) referiu-se unicamente às promoções de entrância para entrância (artigo 93, II), i.e., às promoções de juízes titulares sediados em primeiro grau de jurisdição; não se reportou, p.ex., aos critérios de promoção para a segunda instância (que, aliás, mereceu designação díspar, com a locução «acesso aos tribunais» [25]). Foi, portanto, uma referência precisa e específica, denotando que o «leit motiv» da inovação constitucional prende-se ao escopo de transferir, para as remoções entre comarcas de mesma entrância, as mesmas regras que regem as promoções para cargos de diversa entrância.

Com isso, acabou-se por conferir objetividade àquilo que já estava implícito na norma do artigo 81, §1º, 2ª parte, da LOMAN, além de alçar à guarida constitucional tanto a desvinculação das remoções estaduais ao critério exclusivo da antigüidade como, ainda, o próprio prazo mínimo de dois anos de efetivo exercício na entrância, há muito previsto para os juízes estaduais [26].

Coaduna-se, porém, aquele «leit motiv» com o procedimento de remoções de magistrados na Justiça do Trabalho (aspecto funcional)? E, para mais, coaduna-se com a própria carreira judicial da Justiça do Trabalho e/ou com o seu arcabouço orgânico (aspecto estrutural)?

Certamente não.

3.4. Do ponto de vista funcional, viu-se, alhures (tópico III), que os juízes do trabalho mais antigos têm, na pretensão de ocupar cargos de juiz titular de vara tornados vacantes ou criados por lei, um direito subjetivo judicialmente sindicável. A prelação da antigüidade é a regra «mater» nos procedimentos de remoção (artigo 654, §5º, «a», da CLT). Não há nisso, por outro lado, hipótese de acesso vertical; tratar-se-á, sempre, de provimento derivado por acesso horizontal.

Considerando-se que a norma em testilha foi recepcionada (supra, item 2.1 e nota n. 13), é induvidoso que, na perspectiva funcional, as idéias de «lista de merecimento» (artigo 93, II, «a», da CRFB) e de «aferição de merecimento conforme desempenho, produtividade, presteza e freqüência/aproveitamento de cursos» (artigo 93, II, «c», da CRFB) são incompatíveis com o procedimento-padrão legalmente estabelecido para as remoções em primeiro grau de jurisdição nas carreiras dos tribunais regionais do trabalho. Se as remoções far-se-ão necessariamente por antigüidade, qual a funcionalidade de uma lista de merecimento ou das aferições correspondentes? Ora, o mesmo se aplica à condição do artigo 93, II, «b», da CRFB: a exigência de tempo mínimo na entrância tem o objetivo de permitir aferir os méritos do magistrado nesse período (supra, item 3.3), para efeitos de merecimento. Mas, se na Justiça do Trabalho as remoções seguem o critério exclusivo da antigüidade, esse «tempo mínimo» para aferição de méritos é absolutamente despiciendo. Serve apenas à turbação indevida do direito subjetivo à remoção e ao sacrifício inútil da vida familiar do juiz do trabalho.

3.5. No aspecto estrutural, a incompatibilidade é ainda mais evidente.

Entrância, como se sabe, não é propriamente um lugar, mas o designativo para as classes das carreiras judiciais (estaduais) em primeiro grau de jurisdição. Veja-se em DINAMARCO:

"É inerente a toda carreira a distribuição de seus cargos em níveis diferentes, chamados classes. A Constituição Federal refere-se às classes integrantes das carreiras judiciárias pela tradicional denominação de entrâncias (art. 93, inc. II) [...]" [27].

O próprio autor, no entanto, alerta para o fato de que

"[...] duas observações precisam ser feitas a propósito. A primeira é que a lei emprega o vocábulo entrância somente para designar as classes funcionais nas carreiras jurídicas estaduais: inexistem entrâncias nas demais Justiças, embora em alguma medida haja degraus na carreira" [28].

Di-lo, também, AMAURI MASCARO NASCIMENTO, na passagem a seguir transcrita:

"Aprovado no concurso, o juiz será nomeado para as vagas que se abrirem no quadro de juízes substitutos da região e, por antigüidade e merecimento, alternadamente, terá acesso ao cargo de juiz presidente da Junta. Embora na organização judiciária trabalhista não haja divisão em entrâncias, os juízes substitutos geralmente são promovidos para a presidência de Juntas de cidades mais distantes da sede da qual se aproximam na medida das oportunidades surgidas com a aposentadoria ou promoção dos seus titulares" [29].

O conceito de comarca [30]ao qual se liga, por sua vez, o de entrância (as comarcas são classificadas por entrâncias) [31] — tampouco é familiar à estrutura orgânica da Justiça do Trabalho. Na dicção de AFONSO DA SILVA,

"O inciso VII do artigo em comentário [art. 93] declara que o juiz titular residirá na respectiva comarca, salvo autorização do tribunal — o que mostra que a exigência só se aplica aos juízes titulares (não os substitutos) da organização judiciária dos Estados e do Distrito Federal, porque são os únicos distribuídos por comarcas, não se aplicando aos juízes federais que exercem suas funções nas seções judiciárias, embora por analogia se pudesse entender a eles também aplicável a regra" [32].

3.6. Ora, se é assim, como pretender «trasladar» às remoções na Justiça do Trabalho, sem mais, o complexo normativo ínsito às alíneas «a», «b», «c» e «e» [33] do inciso II do artigo 93 da CRFB? Tais normas não se conjuminam com a estrutura mesma da Justiça Obreira, porque aqui não há «entrâncias» e nem «promoções» nos acessos de titulares à titularidade de outras varas. São, sempre, provimentos derivados por acesso horizontal, marcados pela nota exclusiva da antigüidade (artigo 654, §5º, «a», da CLT); não lhes serve, portanto, o regramento das alíneas «a», «b», «c» e «e», que pressupõe a verticalidade de acesso (exceto nas remoções) e — nos três primeiros casos — o merecimento.

É claro que, no acesso aos tribunais do trabalho (= promoção ao segundo grau de jurisdição), aplica-se, «ex directo», a regra do artigo 93, III, da CRFB. Mas isso jamais esteve em causa e em nada afeta a conclusão anterior. Também é certo que, nas promoções em primeiro grau (i.e., nos acessos verticais de juízes substitutos do trabalho a cargos de juiz titular de vara), vige, sim, o princípio da alternância de critérios (antigüidade/merecimento); e têm plena aplicabilidade, ademais, todos os parâmetros ínsitos ao artigo 93, II, da CRFB. Mas nada disso se deve à aplicação direta do próprio inciso II do artigo 93. Aquele princípio vige, a uma, por sua imanência sistêmica (à luz de todo o conteúdo normativo do artigo 93 da CRFB e da própria História constitucional brasileira); e, a duas, por força das normas insculpidas no artigo 654, caput e §5º, «b», da CLT (na redação do Decreto-lei n. 229, de 28.02.1967), e no artigo 80, caput, da LOMAN (que trata genericamente dos processos de promoção, sem especificá-los). Já esses parâmetros se aplicam, como veremos, pela ação combinada dos parágrafos 1º e 2º do artigo 80 da LOMAN (sendo o primeiro sensível a todas as alterações procedidas no artigo 93, II, da CRFB).

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À vista disso, é mister pontuar, «a fortiori», que tampouco as remoções podem ser regidas, na Justiça do Trabalho, pelo disposto no artigo 93, II, da CRFB. Se, por desconformidade estrutural, nem mesmo às suas promoções se aplicam, «ex directo», as disposições do artigo 93, III, da CRFB — porque talhadas para as Justiças estaduais (afirmação irretorquível à mercê da internalização do conceito de «entrância») —, tanto menos poderiam ser aplicadas, sem mais, às remoções de magistrados trabalhistas. Afinal, havendo incompatibilidade estrutural no próprio foco conceitual da norma (que trata das promoções «de entrância para entrância», inexistentes na Justiça do Trabalho), maior ainda será a incompatibilidade quando se ensaia exportá-la para outro contexto, ontologicamente diverso e organicamente inconciliável, como é o das remoções nas carreiras trabalhistas. Tal aplicação aberrará, por flagrantemente inadequada, e suscitará numerosas refregas judiciais. Seria o mesmo que desconsiderar, na interpretação da norma do artigo 93, VIII-A, a locução «no que couber»; ou — o que é o mesmo — tomá-la por não-escrita.

3.7. Disso resulta, afinal, que do cipoal normativo dedicado à acessibilidade de cargos na Magistratura (artigo 93/CRFB), à Justiça do Trabalho aplicam-se, «ex directo», somente os incisos I (ingresso na carreira), III (promoção de magistrados para o segundo grau de jurisdição, dito «acesso aos tribunais»), IV (cursos oficiais como pré-requisitos para promoções e vitaliciamentos), XI (composição dos órgãos especiais dos tribunais) [34], além das disposições dos artigos 111-A e 115 da CRFB.

Já no plano infraconstitucional, o acesso aos tribunais do trabalho rege-se pela norma do artigo 86 da LOMAN, enquanto o acesso inicial aos cargos de titular da vara (provimentos derivados em movimento vertical), de interesse dos juízes do trabalho substitutos, desafia a aplicação do quanto disposto no artigo 654, §5º, «b», da CLT. Mas não apenas: nesse último caso, aplicam-se, ainda, as normas do artigo 80, §1º, da LOMAN, «ex vi» do parágrafo 2º do mesmo dispositivo.

Com efeito, dispõe o artigo 80 da LOMAN:

"Art. 80. A lei regulará o processo de promoção, prescrevendo a observância dos critérios ele antigüidade e de merecimento, alternadamente, e o da indicação dos candidatos à promoção por merecimento, em lista tríplice, sempre que possível.

"§ 1º - Na Justiça dos Estados:

"I - apurar-se-ão na entrância a antigüidade e o merecimento, este em lista tríplice, sendo obrigatória a promoção do Juiz que figurar pela quinta vez consecutiva em lista de merecimento; havendo empate na antigüidade, terá precedência o Juiz mais antigo na carreira;

"II - para efeito da composição da lista tríplice, o merecimento será apurado na entrância e aferido com prevalência de critérios de ordem objetiva, na forma do Regulamento baixado pelo Tribunal de Justiça, tendo-se em conta a conduta do Juiz, sua operosidade no exercício do cargo, número de vezes que tenha figurado na lista, tanto para entrância a prover, como para as anteriores, bem como o aproveitamento em cursos de aperfeiçoamento;

"III - no caso de antigüidade, o Tribunal de Justiça, ou seu órgão especial, somente poderá recusar o Juiz mais antigo pelo voto da maioria absoluta dos seus membros, repetindo-se a votação até fixar-se a indicação;

"IV - somente após dois anos de exercício na entrância, poderá o Juiz ser promovido, salvo se não houver, com tal requisito, quem aceite o lugar vago, ou se forem recusados, pela maioria absoluta dos membros do Tribunal de Justiça, ou de seu órgão especial, candidatos que hajam completado o período.

"§ 2º - Aplica-se, no que couber, aos Juízes togados da Justiça do Trabalho, o disposto no parágrafo anterior" (g.n.).

Atente-se a que a LOMAN, fazendo as vezes de Estatuto da Magistratura (em acepção formal), possuía — como ainda possui — legitimidade constitucional, ut artigo 93, caput, da CRFB, para estender à Magistratura do Trabalho um conjunto de regras de acessibilidade idealizado para as Justiças estaduais. Mas, também ali, o legislador enxertou a locução «no que couber» (artigo 80, §2º), com mesma função de cláusula geral (supra, item 3.1), embora relevando a incompatibilidade estrutural (porque, do contrário, produziria norma inócua) e se atendo à compatibilidade funcional.

Trata-se de previsão legal que remonta à edição da LOMAN, em 1970. Por conta de seu parágrafo 2º, as promoções no primeiro grau de jurisdição da Justiça do Trabalho têm observado, há mais de trinta anos, os critérios da lista tríplice, recusa do juiz mais antigo por decisão majoritária dos membros do tribunal, merecimento segundo a operosidade do juiz e a sua conduta pessoal, aproveitamento em cursos de aperfeiçoamento para efeito de promoção, etc. Ulteriormente, os critérios do artigo 80, §1º, da LOMAN — talhados, insista-se, para as Justiças estaduais — foram modificados pela Constituição Federal de 1988; assim, p. ex., a obrigatoriedade da promoção por merecimento passou a abranger os casos de figuração, em lista, por três vezes consecutivas ou cinco alternadas (originalmente, eram necessárias cinco figurações consecutivas), a recusa do juiz mais antigo por voto de dois terços dos membros do tribunal (originalmente, bastava o voto da maioria absoluta), a promoção por merecimento condicionada à antigüidade mínima (primeira quinta parte da lista de antigüidade), etc. E todas essas alterações estenderam-se aos juízes togados da Justiça do Trabalho, , «ex vi» do artigo 80, §2º, da LOMAN.

Conclui-se, pois, que a aplicação dos parâmetros do artigo 93, II, da CRFB à Magistratura do Trabalho, antes mesmo da EC n. 45/2004, deveu-se historicamente à norma de extensão do artigo 80, §2º, da LOMAN, que intermediava, no plano da Justiça do Trabalho, a importação de todas as alterações constitucionalmente engendradas no âmbito das Justiças estaduais (desde que funcionalmente compatíveis). Dito de outro modo, essa importação não teria sido possível sem uma norma de extensão (que, na espécie, não mereceu «status» constitucional).

3.8. As ilações anteriores permitem afirmar que, do ponto de vista estrutural, os parâmetros de acesso entre entrâncias (Justiças estaduais) não se aplicam à Justiça do Trabalho, exceto quando a competente lei complementar («in casu», a LOMAN ou, no futuro, o Estatuto da Magistratura) expressamente o disser, relevando a incompatibilidade orgânica. Disse-o no caso das promoções em primeiro grau de jurisdição (artigo 80, §2º, da LOMAN). Mas não o disse nos casos de remoção.

Basta ver, a propósito, que as remoções nas magistraturas estaduais estão reguladas pelo artigo 81 (vide, supra, notas n. 14 e 26); mas não há, entre os seus dispositivos, qualquer norma de extensão que permita aplicá-lo à Justiça do Trabalho. Se é assim, quando a Constituição manda aplicar às remoções, «no que couber», os preceitos do artigo 93, II, «a», «b», «c» e «e», tal comando vincula as Justiças estaduais, mas não se transfere, automaticamente, para a Justiça do Trabalho — precisamente porque não há, em sede constitucional ou infraconstitucional, norma de extensão para as hipóteses de remoção a pedido.

Essa assertiva é ainda mais irrefutável naquilo que atine à condição do artigo 93, III, «b», da CRFB. É que, sobre não haver norma de extensão para os casos de remoção, subsiste, por outro lado, a regra do artigo 654, §5º, «a», da CLT, específica para as remoções na Magistratura laboral, que silencia quanto a eventual tempo mínimo de permanência no cargo (i.e., na vara de origem). Ora, se os parâmetros do artigo 93, III, da CRFB não são gerais, mas especiais, e se não há, no ordenamento jurídico brasileiro, norma de extensão idônea a vincular a Justiça do Trabalho àqueles parâmetros especiais em casos de remoção, malfere a boa hermenêutica autorizar, a qualquer pretexto, a parametrização cruzada de carreiras judiciais. Haveria, no limite, uma promiscuidade injustificável de parâmetros, amalgamando regramentos que são, de parte a parte, altamente específicos.

3.9. Isso tudo é ainda mais verdadeiro à mercê da norma do artigo 81, §1º, da LOMAN. A ela já nos reportamos supra (item 3.3.).

Desde 1970, o artigo 81, §1º, da LOMAN exige, nas remoções de juízes estaduais, composição de listas tríplices e «mininum» de dois anos de efetivo exercício na entrância. Tal como dito alhures, o que fez a EC n. 45/2004, ao introduzir o inciso VIII-A, foi simplesmente positivar e objetivar, na dimensão constitucional, aquela regra infraconstitucional.

De se ver, entretanto, que essa «permanência mínima» para fins de remoção a pedido jamais fora exigida na Justiça do Trabalho, apesar da previsão na LOMAN (ao contrário do que se deu nas promoções, cogentemente atreladas ao artigo 80, §1º). Isso se explica facilmente: no último caso, sempre houve norma de extensão (artigo 80, §2º); no primeiro, jamais houve. Agora, quando o legislador alça à plêiade constitucional a parte final do artigo 81, §1º, da LOMAN, prossegue a sua incompatibilidade funcional-estrutural com a Justiça do Trabalho; como, da mesma forma, prossegue a inexistência de uma norma de extensão para a hipótese. A do artigo 93, VIII-A, da CRFB decerto não lhe faz as vezes, porque sequer menciona os juízes do trabalho. À vista disso, o que justificaria aplicar agora, às carreiras dos tribunais regionais do trabalho, a regra da permanência mínima para remoção? Absolutamente nada. A equação jurídica remanesce sendo aquela mesma instaurada há quase quarenta anos, com a entrada em vigor da LOMAN: estendem-se os parâmetros de promoção em primeiro grau («no que couber»), rejeitam-se os parâmetros de remoção a pedido. A única diferença é que, hoje, os últimos ascenderam à hierarquia constitucional, remitindo aos primeiros — mas continuam rigorosamente específicos.

3.10. Falemos dessa especificidade.

No trato jurídico-hermenêutico, a norma especial reclama indelevelmente uma interpretação restritiva («exceptiones sunt strictissimae interpretationis»). Não pode ser estendida, sem mais, a contextualidades diversas, dotadas de regulação própria. Do mesmo modo, ou até em maior medida, desafia interpretação restritiva a norma que restringe direitos (como ocorre, «in casu», com o direito do juiz mais antigo à sua imediata remoção — supra, tópico II).

Com efeito, no escólio de CARLOS MAXIMILIANO, a interpretação restritiva

"será cabível e concludente quanto houver motivo sério para reduzir o alcance dos termos empregados, quando a razão fundamental da norma se não estender a um caso especial; enfim, quando, implicitamente ou em outras disposições sobre o mesmo assunto, insertas na mesma lei ou em lei diversa, prescrevem limites, ou exceções, ao conceito amplo" [35].

O conceito amplo, «in casu», é o da removibilidade imediata, desde que haja vaga; e a razão fundamental para restringi-la, no caso do artigo 93, II, «b», da CRFB, é proporcionar condições temporais para aferição de critérios de merecimento, na entrância de origem, com vistas à promoção ou à própria remoção (artigo 93, VIII-A). Mas essa razão fundamental não tem eco na Justiça do Trabalho, uma vez que as remoções são sempre por antigüidade (artigo 654, §5º, «a», da CLT). Impende, portanto, restringir a interpretação/aplicação do artigo 93, II, «b», da CRFB àquelas remoções que admitam prelações por merecimento (i.e., à Magistratura de carreira dos Estados — artigo 81, caput, da LOMAN). Do contrário, cercear-se-á um direito consagrado no âmbito dos tribunais regionais do trabalho (remoção imediata do juiz mais antigo), interpretando-se extensivamente — ou até analogicamente — uma norma restritiva de feitio especial. Com isso, maltrata-se uma reconhecida premissa hermenêutica: «Odiosa restringenda, favorabilia amplianda».

3.11. Ademais, e no mesmo encalço, merece lembrança a célebre parêmia de PAULO:

"Minime sunt mutanda, quae interpretationem certam sempre habuerunt" ["Altere-se o menos possível o que sempre foi entendido do mesmo modo" — Digesto, Livro 1, Título 3, Fragmento 23].

Essa máxima hermenêutica serve, como luvas, à presente hipótese. A despeito da norma inserta no artigo 81, §1º, «in fine», da LOMAN, jamais se considerou aplicável à Justiça do Trabalho o tempo mínimo de permanência em vara («entrância») para efeitos de remoção, à míngua de comando legal expresso. Com o advento da EC n. 45/2004, nada mudou, exceto quanto à hierarquia da norma especial (hoje clausulada pelo artigo 93, inc. VIII-A, c.c. inc. II, «b», da CRFB). Logo, fere de morte princípios comezinhos da Ciência Hermenêutica qualquer viés exegético que, sem razões bastantes, venha a encaminhar, com a nova exigência, uma inegável restrição de direitos.

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Sobre o autor
Guilherme Guimarães Feliciano

Professor Associado II do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté/SP. Doutor pela Universidade de São Paulo e pela Universidade de Lisboa. Vice-Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FELICIANO, Guilherme Guimarães. Juiz do Trabalho não precisa esperar dois anos para pedir remoção. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1412, 14 mai. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16768. Acesso em: 25 abr. 2024.

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