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Juiz do Trabalho não precisa esperar dois anos para pedir remoção

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IV. REGÊNCIA «EX NOVO» DO REGIME DE REMOÇÃO A PEDIDO DE JUÍZES TITULARES DE VARA. FONTES FORMAIS LEGÍTIMAS E ILEGÍTIMAS

4.1. Demonstrou-se, acima, que a norma do artigo 93, VIII-A, da CRFB, ao remeter para o artigo 93, II, «b», da CRFB, é auto-aplicável às carreiras das magistraturas estaduais (hipótese de incidência direta), mas não o é aos quadros funcionais da Justiça Federal e da Justiça do Trabalho (hipóteses de incidência indireta), nomeadamente no último caso, em razão da incompatibilidade funcional-estrutural da norma restritiva. Sê-lo-ia, se houvesse, num caso e noutro, norma legal de extensão (como é, p.ex., a do artigo 80, §2º, da LOMAN, que remete ao seu parágrafo primeiro o regime de promoções em primeira instância trabalhista).

Nada obsta a que, futuramente, essas normas de extensão sejam introduzidas no ordenamento pátrio. Mas tal introdução, a não ser feita por emenda constitucional, estará adstrita às regras de «quorum» e iniciativa dispostas pelo artigo 93, caput, da CRFB. Afinal, em se tratando de regime de acesso horizontal em carreiras da Magistratura nacional, somente uma lei complementar — aprovada por maioria absoluta em ambas as casas do Congresso Nacional (artigo 69/CRFB) —, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, poderá legislar «ex novo» e estender, às remoções de juízes do trabalho titulares de vara, as regras do artigo 81, §1º, da LOMAN, ou as próprias regras do artigo 93, II, da CRFB (que — insista-se — não lhes foram estendidas pelo inciso VIII-A).

4.2. Essa observação é especialmente importante quando se constata que, na atualidade, diversos tribunais do Poder Judiciário da União têm disposto, em regimento, sobre o tempo mínimo de permanência em vara para efeito de remoção a pedido, como se fora variação inocente da hipótese do artigo 81, §1º, da LOMAN (ou, mais recentemente, do artigo 93, inc. VIII-A, c.c. inc. II, «b», da CRFB). Tal é o caso, e.g., do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, cujo Regimento Interno dispõe, no artigo 255, que

"Os juízes após a remoção ou permuta, somente poderão requerer nova remoção ou permuta depois de decorrido um ano de permanência na Junta de Conciliação e Julgamento, salvo autorização expressa do Órgão Especial" (g.n.).

Também o Tribunal Regional Federal da 1ª Região estabeleceu, em seu Regimento Interno (artigo 131, §5º), que

"O juiz federal e o juiz federal substituto só poderão obter nova remoção decorridos dois anos da última, a contar da publicação do ato, ressalvado o disposto nos parágrafos seguintes" (g.n.).

Enfim, o Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da 4ª Região prevê, em seu artigo 297, §6º, que

"O Juiz Federal deverá permanecer pelo menos um ano na Vara para a qual foi nomeado, promovido ou removido; no caso de permuta, o prazo de permanência mínima será de dois anos" (g.n.).

Outros exemplos poderiam ser aditados. Mas bastam esses para se ver que sequer há uniformidade nas restrições ao direito de remoção: alguns regimentos optaram por dois anos, outros por um ano. Poder-se-ia estatuir três anos? Ou talvez cinco? Têm os tribunais legitimidade para restringir os acessos horizontais, ao seu inteiro alvitre?

A resposta — intuitiva, até — é negativa.

4.3. Se as remoções consubstanciam modo de provimento derivado de cargos de titularidade nas carreiras de base da Magistratura da União (supra, item 1.2), não se trata meramente de disciplinar a organização judiciária — para o que, aliás, seria competente o Poder Legislativo da União (artigos 22, XVII, e 48, IX, da CRFB) —, nem tampouco de exercitar a autonomia administrativa dos tribunais (artigo 99, caput, da CRFB). Trata-se, antes, de "definir o conjunto de princípios e regras que definem os direitos, prerrogativas e deveres dos magistrados", com a lapidação das normas dirigentes das carreiras da Magistratura Nacional, o que inclui a disciplina jurídica dos ingressos e das investiduras, das promoções, das remoções, do acesso aos tribunais, dos vencimentos, das aposentadorias e proventos, da publicidade dos julgamentos e da constituição de órgãos especiais junto aos tribunais [36]. Em suma: Estatuto da Magistratura (em acepção material [37]). Logo, não se admitiria sequer a regência por lei ordinária (maioria simples), ou mesmo por lei complementar de iniciativa do Executivo ou do Legislativo; tanto menos será jurígena a ingerência administrativa dos tribunais na formulação dessa matéria, seja por provimentos, seja por atos regimentais, seja ainda por qualquer sorte de atos administrativos exaráveis por suas cúpulas.

4.4. Jurisprudência anterior consolidada no Supremo Tribunal Federal respalda essa ilação. No passado, quando os poderes públicos pretenderam, à margem de lei complementar, restringir ou formatar o direito de remoção dos magistrados de primeira instância, houve severa repulsa do Excelso Pretório. Vejamos.

"CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA. JUIZES: PROMOÇÃO POR MERECIMENTO. REMOÇÃO. TRIBUNAIS: AUTONOMIA FINANCEIRA. I. JUIZES, PROMOÇÃO POR MERECIMENTO: OS PRIVILEGIOS CONCEDIDOS A ANTIGUIDADE ESTAO NO TEXTO CONSTITUCIONAL, NÃO PODENDO O LEGISLADOR ORDINÁRIO AMPLIA-LOS. CONSTITUIÇÃO DO PARANA, ART. 96, II, "B". II. JUIZES, PROMOÇÃO, REMOÇÃO: MATÉRIA DA COMPETÊNCIA DO ESTATUTO DA MAGISTRATURA. ART. 96, III, DA CONSTITUIÇÃO DO PARANA. III. LIMITE DOS RECURSOS A SEREM DESTINADOS AO JUDICIÁRIO. TETO ESTABELECIDO PELA CONSTITUIÇÃO DO PARANA, ART. 98, PAR. 1. IV. CAUTELAR DEFERIDA" [38].

Parte inferior do formulário

"1. CONSTITUCIONAL. O ART. 112, PARAGRAFO ÚNICO DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA [correspondente ao atual artigo 93, caput, da CRFB/88] NÃO SE LIMITOU A DETERMINAR A ELABORAÇÃO DE UMA LEI ORGÂNICA DA MAGISTRATURA NACIONAL; DETERMINOU-LHE O CONTEÚDO, QUE ABRANGE A ORGANIZAÇÃO, O FUNCIONAMENTO, A DISCIPLINA, AS VANTAGENS, OS DIREITOS E OS DEVERES DA MAGISTRATURA. 2. O PARAGRAFO 1º DO ART. 81 DA LEI ORGÂNICA DA MAGISTRATURA NACIONAL ESTABELECE, COMO TERMO INICIAL PARA O CANDIDATO REQUERER A REMOÇÃO, QUE TENHA PELO MENOS DOIS ANOS DE EFETIVO EXERCÍCIO NA ENTRANCIA. 3. O ART. 2º DA LEI FEDERAL N. 6.896/81, AMPLIANDO O PRAZO PARA TRÊS ANOS, INVADE A COMPETÊNCIA DA LEI ORGÂNICA DA MAGISTRATURA NACIONAL E ASSIM ESTÁ EIVADA DE INCONSTITUCIONALIDADE. 4. AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE" [39].

Negou-se, pois, à Constituição Estadual (ADI-MC n. 468/PR) e à lei federal (Rep. n. 1168/DF), legitimidade constitucional para normatizar as remoções, «praeter» ou «contra legem». Indefensável, nesse quadro, a tese de que os tribunais — que sequer exercem funções estritamente legislativas — possam fazê-lo.

4.5. Dir-se-ia que os regimentos e provimentos normatizam «secundum legem». Falso argumento. Como visto há pouco (item 4.2), cada tribunal tem regulado a matéria da «permanência mínima» a seu próprio talante, inclusive variando interregnos; tanta disparidade desqualifica, «ab ovo», eventual pretensão regulatória «secundum legem».

Ademais, para a Justiça do Trabalho, a condição jurídica atual das remoções a pedido está dilucidada no artigo 654, §5º, «a», da CLT, cuja norma foi constitucionalmente recepcionada (supra, itens 2.1, 2.3, 3.1, 3.4, 3.6 e 3.8). Não há, por outro lado, remissão legal à norma do artigo 81, §1º, da LOMAN, como tampouco há norma de extensão em sede constitucional. De conseguinte, prover regimentalmente prazos mínimos para permanência nas varas é, na pior hipótese, violentar a lei posta, tisnando o princípio da legalidade (artigo 5º, II, da CRFB); ou, na melhor espécie, é legislar no vácuo juspositivo, à míngua de norma legal de extensão dos parâmetros de remoção das Justiças estaduais. Regulamentação administrativa que, ali, é «contra legem»; aqui, «praeter legem». Ambas absolutamente espúrias.


V. RESTRIÇÃO ÀS REMOÇÕES A PEDIDO E JUÍZO DE PONDERAÇÃO CONSTITUCIONAL. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.

5.1. O quanto dito até este ponto já bastaria para obstar, na dimensão hermenêutica, quaisquer interpretações que estendessem à Justiça do Trabalho a nova regência das remoções a pedido pelos critérios do artigo 93, II, da CRFB (incompatibilidade funcional-estrutural); ou para desautorizar, na dimensão protolegislativa, quaisquer rompantes de regulação à margem de lei complementar de iniciativa do Supremo Tribunal Federal.

Poder-se-ia objetar, todavia, que, sobre não serem a de melhor técnica, aquelas interpretações — ou essa normatização — seriam, ao menos, defensáveis.

Ledo engano. À luz do princípio da proporcionalidade, sequer isso seriam.

5.2. Como se sabe, o princípio da proporcionalidade é um princípio constitucional implícito manejado para a concordância harmônica dos valores imanentes à ordem jurídico-constitucional, segundo as grandezas da necessidade, da adequação (= idoneidade) e da proporcionalidade em sentido estrito (= «justa medida»). Nessa linha,

"Quando se chegar à conclusão da necessidade e adequação da medida coactiva do poder público para alcançar determinado fim, mesmo neste caso deve perguntar-se se o resultado obtido com a intervenção é proporcional à «carga coativa» da mesma, Está aqui em causa o princípio da proporcionalidade em sentido restrito, entendido como princípio da "justa medida". Meios e fim são colocados em equação mediante um juízo de ponderação, com o objectivo de se avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcionado em relação ao fim. Trata-se, pois, de uma questão de «medida» ou «desmedida» para se alcançar um fim: pesar as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim" [40].

«In casu», interessa saber se a restrição ao direito de remoção dos magistrados mais antigos no primeiro grau de jurisdição é necessária e adequada (= idônea) para se alcançar determinado fim (aspectos lógico-factuais); e, além disso, se é estritamente proporcional com o fim almejado (aspecto jurídico-axiológico).

5.3. Afastada a razão maior que justifica, nas carreiras estaduais, estabelecer períodos mínimos de permanência em entrâncias (possibilidade de aferição de merecimento para fins de remoção, ut artigo 81, §1º, da LOMAN — supra, item 3.3), haveria que identificar quais interesses hão de ser atendidos com a criação desses limites para os acessos horizontais de juízes do trabalho titulares de vara.

Nesse esforço investigativo, vêm à baila, com maior relevo, os valores da segurança jurídica (notadamente para o jurisdicionado, mercê da estabilidade mínima das opiniões jurídicas na unidade jurisdicional) e da moralidade administrativa (mercê da descaracterização de certas unidades como «varas-trampolim» ou «de passagem», desinteressantes para a generalidade dos magistrados, o que por vezes conduz a certo abandono).

Por outro lado, impende identificar quais direitos ou interesses são sacrificados com a imposição daqueles limites. Esses são mais fáceis de estimar, porque ligados diretamente à dignidade humana da pessoa do Magistrado: a uma, o direito ao convívio e à estabilidade familiar (interesses jusfundamentais protegidos pelo artigo 226, caput, da CRFB); a duas, a liberdade de trabalho em sentido amplo, que envolve, «per se», a livre escolha da profissão, os direitos de acesso e livre escolha dos centros de formação e a livre escolha do local de trabalho [41] (desde que vacante). A escolha do local de trabalho é, com efeito, um dos desdobramentos da liberdade de exercício do trabalho ou profissão [42]; nos limites da lei, não pode ser vilipendiada.

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Cumpre, dessarte, ponderar todos os fins, direitos, valores e interesses em jogo, cada qual com seu assento constitucional, na perspectiva da concordância harmônica do conjunto.

5.4. Remontando a ALEXY, se o meio «M», eleito para realizar o princípio «P-1», não está em condições de favorecê-lo e, a par disso, impede ou sacrifica a realização do princípio «P-2», é cartesiano que a omissão de «M» não carreia custos nem para «P-1» e nem para «P-2», ao passo que, adotando-se «M», resultam custos para «P-2». Renunciando-se a «M», «P-1» e «P-2» podem realizar-se em maior medida, de acordo com suas possibilidades fáticas. Nesse caso, entende-se que «M» não é idôneo para o fim pretendido; logo, implementá-lo viola o princípio da proporcionalidade, por atentar contra o subprincípio da adequação (= idoneidade). Opta-se por «não-M» — o que não é outra coisa senão perseguir o ótimo de PARETO: «uma posição pode ser melhorada, sem que outra piore» [43].

É precisamente a realidade subjacente à hipótese em testilha.

A médio e longo prazos, o sacrifício ao convívio e à estabilidade familiar («P-2») tende a pôr em causa o próprio equilíbrio emocional do magistrado, com efeitos contraproducentes no quesito «segurança jurídica» («P-1»). Afinal, desconcentração, desinteresse e frustração comprometem o pensamento objetivo, o senso de justiça e a própria qualidade das decisões; com o tempo, rarefazem-se tanto os conteúdos de excelência como a estabilidade potencialmente adquirida. Essa equação talvez não se aplique integralmente a juízes solteiros ou descompromissados; nada obstante, vingará para a generalidade dos juízes casados ou arrimos de família — o que, por si só, torna perverso o resultado.

Em síntese, o meio «M» (= fixação por tempo mínimo nas varas do trabalho) mostra-se inapto à realização de dos fins que colima (proporcionar segurança jurídica), conquanto sacrifique largamente os interesses contrapostos (estabilidade familiar e liberdade espacial de trabalho). Ademais, poder-se-á entrever igual inaptidão no quesito «moralidade administrativa», conforme a prática das fixações venha a transformar as antigas «varas-trampolim» em novéis «varas-cativeiro», objetos de expectações negativas (ojeriza, resistência, má-vontade) por tantos quantos as tenham de escolher.

Daí porque, no cômputo geral, a fixação mínima de juízes nas varas do trabalho termina por consubstanciar meio inidôneo para atender às suas próprias finalidades político-judiciárias. Conseqüentemente, implementá-la significa violar o princípio da proporcionalidade, estribando-se em interpretação indefensável e iníqua.

5.5. Outrossim, tampouco se justifica aquela interpretação, à luz da chamada proporcionalidade em sentido estrito («Verhältnismässigkeit»).

Considerando-se o peso jurídico de afetação de cada valor ou princípio envolvido, é curial reconhecer que, por um lado, a satisfação dos valores de segurança jurídica e de moralidade administrativa tende a ser, em geral, de pouca monta (estabilidade de opiniões jurídicas e/ou compromisso administrativo com a vara por um ou dois anos, não mais); às vésperas da chegada de cada novo magistrado, revivem-se as incertezas do foro e as inquietudes administrativas. Diga-se, pois, haver satisfação em grau leve. Por outro lado, a afetação da estabilidade familiar, especialmente nos casos de juízes que não podem levar consigo filhos e esposo(a) — o que, diga-se, não é incomum —, tende a ser, no curso de um ou dois anos de afastamento, uma afetação de grau médio ou mesmo grave.

Ora, a intervenção em um direito com dimensões jusfundamentais só é estritamente proporcional "se a importância da satisfação do princípio contrário justifica a afetação ou a não satisfação do outro" [44]. É a lei de ponderação de ROBERT ALEXY, pela qual

"Cuanto mayor es el grado de la no satisfación o de afectación de uno de los principios, tanto mayor debe ser la importancia de la satisfacción del otro" [45].

Mas, no caso em testilha, o grau de afetação dos interesses familiares (sem considerar o déficit na liberdade espacial de trabalho) é médio ou grave, enquanto o grau ou importância de satisfação dos valores contrapostos — segurança jurídica e moralidade administrativa — é apenas leve. A equação denota séria e clara desproporcionalidade, conduzindo, outra vez, à conclusão de que a interpretação extensiva do artigo 93, VIII-A, da CRFB será, as mais das vezes, indefensável.

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Sobre o autor
Guilherme Guimarães Feliciano

Professor Associado II do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté/SP. Doutor pela Universidade de São Paulo e pela Universidade de Lisboa. Vice-Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FELICIANO, Guilherme Guimarães. Juiz do Trabalho não precisa esperar dois anos para pedir remoção. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1412, 14 mai. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16768. Acesso em: 2 nov. 2024.

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