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Empresas de ônibus não podem atuar além do contrato de concessão

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31/03/2008 às 00:00
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7 - A PESSOA FÍSICA E A CONCESSÃO DO SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSPORTE COLETIVO DE PASSAGEIROS

Ao traçar as diretrizes que devem nortear as concessões e permissões de serviço público no Brasil, o art. 175 (inc. I do par. único) da Constituição diz que a lei instituirá "o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão".

Por outro lado, o inc. II do art. 2º da Lei 8.987/95 só permite outorgar concessão ou permissão de serviço público "a pessoa jurídica ou consórcio de empresas", excluindo-se a pessoa física, em virtude do caráter empresarial do instituto. Isso "significa dizer que, no sistema jurídico vigente, não pode a concessão ser contratada com pessoa física" (CARMEN LÚCIA ANTUNES ROCHA, "Estudo sobre Concessões e Permissões de Serviço Público no Direito Brasileiro", Saraiva, 1996, pág. 52).

A regra da impossibilidade da outorga de concessão (ou permissão) de serviço público ainda mais se sobressai quando se cuida do transporte coletivo, pois, como leciona IVES GANDRA DA SILVA MARTINS [12], "a prestação de serviços públicos de transporte é de natureza relevante e implica custos elevados. A transferência de responsabilidade para terceiros pressupõe densidade econômica destes para, assumindo tal prestação, realizarem-na no interesse público e da administração e com rentabilidade suficiente para investimentos, manutenção de frotas e instalações adequadas, além de lucratividade razoável. Tal complexo de garantias pressupõe a segurança jurídica para quem presta serviços e para quem os recebe."

Temos assim, que a empresa concessionária, deverá dispor dos meios para a manutenção, conservação e investimento no transporte coletivo municipal, sob pena de sucateamento do sistema.


8 - OUTORGA DO SERVIÇO PÚBLICO MEDIANTE AUTORIZAÇÃO

O serviço público de transporte coletivo somente pode ser delegado à iniciativa privada por licitação, mediante "concessão ou permissão". É o que determina o do art. 175 da Constituição Federal, que não se refere à autorização como instrumento de formalização da outorga de serviço público (ao contrário de outros dispositivos, como, por exemplo, o do art. 21, inc. XII, que admite a delegação do serviço por mera autorização).

A lei 8.987/95 também não trata da autorização, somente fazendo referência à concessão e à permissão como instrumentos de outorga (no mesmo sentido é o Decreto n. 952, de 7.10.93, que dispõe sobre transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros).

A lição doutrinária também é no sentido da impossibilidade de delegação do serviço de transporte por mera autorização (cf. LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, "Curso de Direito Administrativo", Malheiros, 2ª ed., 1995, pág. 71; CARMEN LÚCIA ANTUNES ROCHA, ob. cit., pág. 176; MARÇAL JUSTEN FILHO, ob. cit., pág. 64; EROS ROBERTO GRAU, "Curso de Direito Administrativo", Malheiros, pág. 102).

Os que admitem a delegação por autorização advertem que somente pode ser utilizada para serviços eventuais, emergenciais, inconstantes, relativos a uma situação incomum, de caráter não-permanente.

É o caso, por exemplo, de uma greve no serviço público ou da realização de uma feira agroindustrial, nas quais hipóteses "a prefeitura autoriza uma ou várias empresas a realizarem o serviço enquanto durar o certame, fixando, desde logo, no alvará, o itinerário, os horários, a tarifa e demais condições convenientes" (HELY LOPES MEIRELES, "Direito Municipal Brasileiro", 5ª ed., pág.316).


9 - COMPETÊNCIA LEGIFERANTE E INCONSTITUCIONALIDADE

A Constituição da República é a norma suprema do Estado Brasileiro, a base da estrutura normativa, o fundamento de validade de todas as normas existentes em nosso ordenamento jurídico ("fundamental law"). Assim, a norma hierarquicamente inferior não pode contrariar a superior, sob pena de não ter validade perante a ordem normativa. Conseqüentemente, toda e qualquer norma infraconstitucional deve guardar irrestrita compatibilidade com a Constituição da República e com a norma imediatamente superior, "sob pena de tornar-se irremediavelmente viciada, isto é, afrontando a norma hierarquicamente superior rompe com seu fundamento de validade" ("O Controle Judicial da Constitucionalidade das Leis Municipais", in RDP 37-38/45).

Outrossim ao repartir as competências, a Constituição Federal atribuiu à União o poder-dever de editar normas gerais, reservando aos Estados e Municípios a legislação complementar, supletiva, "a legislação dos pormenores que preenchem as lacunas ou desenvolvem os princípios gerais da legislação federal" (JOSÉ AFONSO DA SILVA, "Curso de Direito Constitucional Positivo", RT, 6ª ed., 1990, p.412).

Como é cediço, competência "latu sensu" é a faculdade ampla de legislar, de administrar e de julgar. Considerada strictu sensu, competência é a capacidade genérica ou possibilidade de desempenhar serviços e de editar atos administrativos e atos políticos. Já a competência privativa ou exclusiva é aquela enumerada como própria de cada pessoa política (CRETELLA JR., 1990, vol. III, pág. 1440; CELSO BASTOS, 1989, pág. 262). É o caso, por exemplo, da competência atribuída à União para legislar sobre trânsito e transporte (art. 22, inc. XI), sobre diretrizes da política nacional de transportes (art. 22, inc. IX) ou sobre "normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para a administração pública, direta e indireta" (art. 22, inc. XXVII).

O art. 24 da Constituição Federal atribuiu competência concorrente aos Estados, Distrito Federal e União, mas excluiu os Municípios; atribuiu-lhes, contudo, competência legislativa suplementar (art. 30, II).

A análise sistemática do disposto no art. 30, inc. II, permite concluir que essa suplementação é apenas complementar, no sentido de adaptar a legislação federal e estadual às peculiaridades ou realidades comunitárias. Em outras palavras, a competência suplementar permite dispor sobre "hipóteses irreguladas, preenchendo o vazio, o branco que restar, sobretudo quanto às condições locais" (cf. Acórdão do TRIBUNAL PLENO do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, rel. Min. Oscar Dias Corrêa, que declarou a inconstitucionalidade de ato normativo estadual, por invasão da competência geral reservada à Lei federal, in RTJ 115/1008).

Outrossim, o inciso XXVII do art. 22 da Constituição atribui privativamente à União competência legiferante para editar "normas gerais" de licitação e contratações da Administração Pública. Norma geral é aquela assim denominada pela própria Constituição e que disponha apenas sobre matéria também fixada em preceito Constitucional (cf. CRETELLA JR. "Das Licitações Públicas", 2ª ed., Forense, 1993, p.10/11).

Assim, não cabe às normas estaduais e municipais contrariar as do Estado Federal (8.666/93, 8.987/95 e 9.503/97) nos pontos fundamentais da matéria (cf. ROQUE CITADINI, ob. cit., pág. 21/22). Em conseqüência, na hipótese de conflito entre leis municipais e federais disciplinando a mesma matéria, a legislação federal e estadual prevalecerá sobre a legislação municipal (cf. REGINA MARIA M. NERY FERRARI, "Elementos de Direito Municipal, RT 1993, pág. 83 e pág. 38).

Ora, como os meios de circulação e transporte interessam a todo o país, as normas de trânsito e de tráfego são editadas pela União, a quem a Lei Maior atribuiu a competência legislativa privativa para disciplinar a matéria, não podendo os demais entes federativos dispor sobre o assunto ao seu bel prazer.

É conveniente esclarecer que "trânsito" é o normal deslocamento de pessoas ou coisas pelas vias de circulação e "tráfego" é o deslocamento de pessoas ou coisas pelas vias de circulação, em missão de transporte. Embora distintas quanto ao seu objeto, as regras de trânsito (condições de circulação) e de tráfego (condições de transporte) costumam ser editadas em conjunto. Todavia, embora o município não possa dispor sobre o conteúdo de matéria de competência legislativa privativa da União (ou dos estados), "pode e deve reger ‘aspectos externos’ a elas, para disciplinar seu desempenho de forma compatível com a vida local" (REGINA MARIA M. NERY FERRARI, "Elementos de Direito Municipal, ed. RT, 1993, p.80).

Desta forma, respeitadas as normas gerais da legislação federal, resta ao município disciplinar as questões locais relativas ao trânsito no perímetro urbano, implantação de sinalização, locais de estacionamento, pontos de ônibus, estação rodoviária, circulação nas vias sob sua jurisdição, fixação de mão e contramão nas vias urbanas, limitação do número de automóveis de aluguel (taxi), etc.

Por conseguinte, será inconstitucional e destituída de qualquer eficácia, eventual regulamentação municipal do serviço executado pelos chamados "perueiros", atividade incompatível com os princípios e normas gerais previstas na Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995 (o mesmo raciocínio é válido quanto às regras nacionais e gerais previstas nas Leis Federais 8.666/93 e 9.503/97).

Convém ressaltar que o advento da Lei 8.987/95 suspendeu a eficácia de todas as normas editadas anteriormente sobre a mesma matéria (serviços públicos), nos precisos termos do § 4º do art. 24 da Constituição Federal, razão pela qual são inaplicáveis todos os dispositivos de leis estaduais ou municipais já editadas, sobre concessões de serviços públicos, que definam regime jurídico diverso do que a Lei 8987/95 estabeleceu para as concessionárias, ou que contemplem hipóteses conflitantes com as contidas na Lei Federal (8.987).


10 - A AUTONOMIA MUNICIPAL E A CLASSIFICAÇÃO DOS VEÍCULOS PREVISTA EM NORMA FEDERAL

[13] adverte que as competências inseridas no art. 30 da Constituição Federal "não devem estimular uma visão exageradamente grandiosa da autonomia municipal", eis que "diversas matérias aí explicitadas sofrem a restrição de uma normatividade superior" .

Como se viu, a correta interpretação do disposto no art. 30, inc. I, da Constituição Federal "é a de que ele autoriza o município a regulamentar as normas legislativas federais ou estaduais, para ajustar sua execução a peculiaridades locais" (MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, "Comentários à Constituição Brasileira", Saraiva, 1990, vol.I, pág. 219).

É o caso, expressamente previsto na Constituição, da ordenação do território (inc VIII), hipótese na qual deverá o legislador municipal respeitar os planos nacional e regionais sobre a matéria. Também "é o caso do inc V que comete ao Município a organização do transporte coletivo, sendo certo, porém, que à União cabe editar diretrizes para os transportes urbanos" (FERNANDA DIAS MENEZES DE ALMEIDA, "Competências na Constituição de 1988", Atlas, 1991, pág. 127).

Tais diretrizes (art. 21, XX), fixadas no Código Brasileiro de Trânsito (Lei 9.503/97) e nas Resoluções do CONTRAN (cf. arts. 6º, 12 e 314 da Lei 9.503/97), não podem ser desrespeitadas pelas leis municipais editadas em razão da Competência atribuída aos Municípios.

Assim, para obter o registro, licenciamento e emplacamento necessários para circular nas vias públicas, somente ônibus e microônibus que atendam as exigências estabelecidas no art. 117 da Lei 9.503/97 e na Resolução n. 811/77 podem ser destinados ao transporte coletivo de passageiros (cf. art. 1º, caput, da Resolução/CONTRAN nº 811/77). Excepcionalmente, podem os condutores de taxi operar alternativamente o transporte coletivo em seus veículos (desde que se habilitem para o serviço de lotação). Convém ressaltar que, nos termos da Resolução 811, expedida em 27.2.96 pelo CONTRAN, "considera-se como microônibus o veículo de transporte coletivo de passageiros projetado e construído com a finalidade exclusiva de transporte de pessoas, com lotação de no máximo 20 (vinte) passageiros e dotado de corredor interno para circulação dos mesmos".

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Acresce, ainda, que todos os condutores de veículos de transporte coletivo devem ter habilitação especial e preencher os requisitos legais constantes dos artigos 138, 139, 143, inciso IV e 145 da Lei 9.503/97 e dos artigos 92, 135, 184 e 329 do Regulamento.

O desrespeito às normas e exigências legais, relativas aos condutores e veículos de transporte coletivo, caracteriza infração de trânsito (cf. artigos 161, 162, inc. III, 231, inc. VIII, 298, incs. IV e V, da Lei 9.503/97), impondo a aplicação das penalidades previstas no art. 256 e/ou das medidas administrativas referidas no art. 269 da Lei 9.503/97, sem prejuízo de eventual punição tipificada no Capítulo XIX do Código Brasileiro de Trânsito (crimes de trânsito) ou na Lei Penal (Decreto-lei 7.903/45, que define o crime de concorrência desleal).


11 - TRANSPORTE COLETIVO E "SERVIÇO DE LOTAÇÃO"

Ensinam os doutos que o transporte pode ser de coisas ou de pessoas. O transporte de pessoas é contrato de resultado, obrigando o transportador a levar o usuário são e salvo ao seu destino. O transporte de pessoas é tradicionalmente classificado em duas categorias, a saber: "transporte singular de passageiros" e "transporte coletivo de passageiros" (cf. JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, "Direito Administrativo Perante os Tribunais", vol. 2, 1ª ed., 1996, pág. 198).

Embora se diga usualmente que os perueiros fazem "lotação", tecnicamente é impossível ao condutor de perua efetuar serviço de lotação. Com efeito, nos termos do art. 43 do antigo Código Nacional de Trânsito e do art. 87 do Regulamento, somente os "veículos de aluguel (taxi)" podem realizar o serviço de lotação, que se classifica como modalidade de transporte coletivo (cf. Resolução 514/77 do CONTRAN; art. 314 da Lei 9.503/97).

O novo Código Brasileiro de Trânsito também distingue o transporte coletivo de passageiros do transporte individual de pessoas, utilizando, para o último, a mesma expressão "veículos de aluguel" (empregada pelo antigo CNT), e mantendo inalterada a classificação dos veículos (cf., por exemplo, arts. 85 e 107 da Lei 9.503/97)

Assim, os "veículos de aluguel" licenciados para o transporte individual de passageiros (taxi) poderão, desde que satisfeitas as exigências do Poder Concedente, efetuar o transporte coletivo de passageiros (lotação), observando horários e itinerários previamente fixados pela autoridade concedente (cf. arts. 1, 2 e 4, par. único, da Resolução 514/77).

Para autorizar o acesso dos proprietários de táxi ao serviço de lotação, a autoridade competente deverá manter um número de veículos que assegure "o transporte individual de passageiros – táxi - em qualquer horário" (art. 4, caput, da Resolução nº 514/77).

Também incumbe ao Poder Concedente fixar "a tarifa por passageiros de forma a evitar concorrência danosa com os serviços de transporte individual de passageiros (taxi) e transporte coletivo (ônibus)" (cf. Resolução 514/77, art. 5). Concorrência danosa ou ruinosa, vale lembrar, é a competição na qual um dos sujeitos causa prejuízos econômicos ao outro, que passa a ter seu ganho reduzido.

HELY LOPES MEIRELLES [14], cuidando de transporte intermunicipal, conceitua "concorrência ruinosa" como:

"a competição desenfreada, na exploração das linhas de transportes coletivos, com o enriquecimento de alguns permissionários e o empobrecimento de outros, ou a ruína de todos eles, o que, de modo algum interessa ao Estado".

Do exposto se conclui que a atividade desenvolvida pelos "perueiros" não configura "serviço de lotação", nem tampouco transporte individual de passageiros (que também só pode ser efetuado por taxis). Marcada pelo conflito e pela inconstitucionalidade, caracterizada pela ilegalidade e ilicitude, a atividade desenvolvida pelos "perueiros" só pode ter uma denominação: "serviço clandestino de transporte coletivo de passageiros".

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Sobre o autor
André Luiz Maluf de Araujo

advogado e professor em Campo Grande (MS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAUJO, André Luiz Maluf. Empresas de ônibus não podem atuar além do contrato de concessão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1734, 31 mar. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16841. Acesso em: 22 nov. 2024.

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