CONCLUSÕES FINAIS
1-Da exegese da ordem jurídica surge a convicção de que será irremediavelmente ilegal, inconstitucional e ineficaz qualquer lei ou ato normativo, estadual ou municipal, que pretenda disciplinar a atividade clandestina de transporte de passageiros e que:
a) imponha regime jurídico de Direito Privado à atividade desenvolvida pelos clandestinos;
b) atribua a delegação do serviço ao particular, sem prévia aferição da excelência do agente e de sua habilitação jurídica, fiscal, técnica e econômico-financeira, com processo licitatório regido pelas leis 8.666/93 e 8.987/95;
c) atribua a delegação do serviço por mera autorização ou outros instrumentos que não sejam os da concessão ou permissão;
d) deixe de atribuir ao contratado os deveres de prestar serviço adequado, de prestar contas ao poder concedente e aos usuários, de conceder livre acesso aos agentes da fiscalização;
e) não disponha sobre as cláusulas especiais do contrato e de sua prorrogação, sobre a aplicação de penalidades legais e contratuais, ou sobre as hipóteses de extinção da concessão (ou permissão), respeitadas as normas da legislação federal;
f) não preveja a possibilidade de intervenção na concessão, com fim de assegurar a adequação na prestação do serviço;
g) não disponha sobre os direitos dos usuários;
h) não preveja no edital a obrigatoriedade de apresentação de projeto básico;
i) autorize a prestação do serviço, sem licitação, a pessoa física, associação ou cooperativa;
j) contrarie as normas gerais fixadas no Código Brasileiro de Transito (Lei Nacional sobre trânsito e tráfego referida no inc. XI do art. 22 da Constituição Federal);
l) estabeleça características e classificação dos veículos em desacordo com aquelas fixadas no próprio Código de trânsito ou nas normas editadas pelo CONTRAN;
m) autorize a circulação de veículo que não satisfaça as exigências legais para os "veículos de aluguel" "destinados ao transporte individual ou coletivo de passageiros";
n) autorize a circulação de veículo de transporte coletivo conduzido por pessoa que não preencha os requisitos dos art. 138, 139, 143 inc. IV e 145 do Código brasileiro de Trânsito e art. 89, 92 e 184 do Regulamento;
o) autorize o transporte remunerado de passageiros em veículo que não seja taxi, ônibus, ou microônibus;
p) que autorize o transporte remunerado de passageiros em veículo não licenciado para esse fim específico ;
q) não preveja ou imponha restrições ao poder-dever da Administração de fiscalizar o serviço;
r) autorize o transporte remunerado de passageiros, sem fixação prévia de tarifa ou sem definição de horários, itinerários e pontos de embarque/desembarque;
s) autorize o transporte remunerado de passageiros sem resguardar as empresas de ônibus e os taxistas das conseqüências nocivas da concorrência ruinosa.
2. A inércia da autoridade administrativa, deixando de fiscalizar e de coibir a ações contrárias, causa lesão ao patrimônio público. É que tal atitude (ou falta de) constitui "forma omissiva de abuso de poder, quer o ato seja doloso ou culposo" (cf. CAIO TÁCITO, "O Abuso de Poder Administrativo no Brasil", pág. 11), dando lugar à reparação de todos os prejuízos causados ao particular pela omissão, demora ou retardamento na prática do ato que lhe incumbia, conforme lição do clássico MIGUEL SEABRA FAGUNDES ("Responsabilidade do Estado - Indenização por Retardada Decisão Administrativa", parecer inserido na RDP, ns. 57/58, página 13).
OS CONTRATOS DE CONCESSÕES TABULADOS ENTRE O MUNICÍPIO E AS EMPRESAS DE TRANSPORTE.
a.
Tendo como balizamento todas as considerações escritas, resta agora analisar os contratos de concessões, bem assim os aditivos e outros, existentes entre o Município de Dourados e as Empresas de Transporte Coletivo (Viação Dourados e Júnior Transporte de Passageiros Ltda).
b.
Através do Edital de Concorrência Pública nº 002/95 levado a cabo pelo Município de Dourados, ficaram estampados todos os requisitos e pormenores da licitação com a finalidade da escolha das empresa que prestariam serviços de transporte coletivo de passageiros na zona urbana da cidade de Dourados-MS, através de concessão, de conformidade com o Plano Diretor de Transporte Coletivo do Município de Dourados-MS, compreendendo 2 (dois) lotes de linhas com tarifa normal, sem ônus para o Município.
c.
A empresa Júnior Transporte foi a vencedora no tocante a linha "B" e a Empresa Viação Dourados foi vencedora da Linha "A". O prazo de validade dos contratos de concessões foi de 5 (cinco), contados da assinatura do contrato (o prazo iniciou-se em 09.06.1995 e expirou-se em 09.06.2000). Previu ainda o contrato assinado, que poderia haver uma prorrogação neste prazo, desde que a concessionária assim o solicitasse 10 (dez) dias antes de expirar o prazo de concessão. Portanto, não houve previsão expressa de qual o prazo para a prorrogação, transparecendo que ficou a livre arbítrio da administração pública.
d.
Após o término dos contratos, com vários questionamentos, inclusive judiciais, o Município de Dourados publicou em Diário Oficial do Município (07.07.2000) um "Extrato de Primeiro Termo Aditivo ao Contrato de Prestação de Serviços de Transporte Coletivo de Passageiros" onde o Poder Executivo Municipal prorrogou por mais 5 (cinco) anos o prazo dos contratos de concessões com as empresas já citadas.
e.
Temos assim, que os contratos de concessões foram prorrogados, por ato vontade do Poder Executivo, quando que a Lei Orgânica do Município em seu artigo 173, II é expresso em afirmar que "as concessões ou permissões parta exploração dos serviços de transportes coletivos; (II) poderão ser prorrogadas, a critério do Poder concedente, após aprovação da Câmara". Pelo que nos foi afirmado, não houve tal autorização por parte da Câmara Municipal de Dourados, se isto for verdade, temos aí uma ilegalidade manifesta.
f.
Pelos documentos analisados, não houve má-fé da administração pública anterior, visto que inclusive, havia uma liminar judicial prorrogando os contratos de concessões (para uma determinada empresa). No entanto, a melhor solução, deveria ter sido a publicação de novo edital de licitação, até porque, houve uma série de alterações no Município, no que tange ao aumento de passageiros, de bairros e outros.
g.
Comentando sobre a prorrogação dos contratos nas concessões públicas (art. 23, XII da Lei nº 8.987/95 ) encontramos o festejado MARÇAL JUSTEN FILHO [17] :
"O dispositivo tem dado margem a interpretações descabidas. A partir desse dispositivo, tem-se pretendido institucionalizar prorrogações contratuais, vinculadas a decisões puramente discricionárias (senão arbitrárias) do poder concedente. Nessa linha, pretende-se introduzir cláusulas assegurando que a concessão poderá ser prorrogada, ao final do prazo contratual, a critério exclusivo do poder concedente, se tal atender ao interesse público. Ora, essa interpretação é incompatível com o sistema constitucional e com princípios jurídicos fundamentais".
...
Enfim, a prorrogação do contrato produz efeitos similares a uma contratação direta. Se, encerrado o prazo contratual, houver manutenção do antigo contratado, o novo contrato pode ser enfocado como uma contratação autônoma, realizada sem licitação.
Além de frustrar a possibilidade de outros particulares disputarem o contrato, a prorrogação inviabiliza a constatação objetiva da vantagem em favor do Estado. É impossível negar que a realização de nova licitação poderia produzir a uma proposta mais vantajosa. Então, a prorrogação do contrato é incompatível com o princípio da indisponibilidade do interesse público, tanto quanto com o princípio da isonomia.
...
Nem cabe o argumento de que a possibilidade de prorrogação estava prevista por ocasião da licitação anterior. É que essa cláusula não atribuía a qualquer interessado direito a obter a prorrogação. Se o contrato previsse que o contrato seria de 30 anos, obrigatoriamente prorrogáveis por mais 30, haveria contratação com prazo de 60 anos. Quando se estabelece prazo mais reduzido, com mera faculdade de prorrogação, todo licitante deverá formular proposta tendo em vista o prazo previsto e definido. Assim, a amortização dos investimentos não poderá considerar senão o prazo mínimo do contrato. Portanto, a vantagem das propostas e o interesse dos licitantes se formulam em vista do prazo propriamente dito do contrato.
Por fim, não se pode ignorar os princípios da objetividade e da moralidade.
...
A cláusula prevendo possibilidade de revogação, livremente deliberada pelo Estado ao final do prazo contratual, infringe a Constituição. Deverá ser considerada como não existente, impugnável a qualquer tempo. Sequer poderá o concessionário invocar lesão a direitos, em caso de invalidação posterior da cláusula. É que a prorrogação se configurava como mera expectativa, não gerando direito adquirido. Invalidação da cláusula não importa fratura do equilíbrio econômico-financeiro nem gera direito de o concessionário ser indenizado.
...
Se, porém, vier a ser admitida a prorrogação como inerente ao regime da concessão, ter-se-á de submete-la à autorização legislativa, tal como exposto nos comentários aos arts. 2º e 4º da Lei 9.047".
h.
A posição do preclaro Marçal Justen é acompanhada por Celso Antônio Bandeira de Melo, Toshio Mukai, Odete Medauar, dentre outros. Desta forma, respondendo as perguntas tabuladas pelo consulente, temos que:
1- O transporte coletivo é um serviço público, e só pode ser autorizado via concessão, após prévia licitação, outra forma é ilegal;
2- os termos aditivos não preencheram os requisitos legais, conforme já demonstrado, não apenas pela não possibilidade de prorrogação das concessões, conforme demonstrado nos tópicos que se seguiram, como ainda, pela falta de autorização legislativa.
2- Parece-nos que a melhor solução para o caso, é a publicação de novos editais de concorrência, visto as novas situações do município.
Este é nosso entendimento
S.M.J.
André Luiz Maluf de Araújo - professor
Notas
01 MEIRELLES, Hely Lopes. "Direito Administrativo Brasileiro", 19ª ed., pág. 294.
02 Artigo publicado na RDA 28/10.
03 (CAIO TÁCITO, "A Nova Lei de Concessões de Serviço Público", in RDA 201/29; no mesmo sentido: JOSÉ CARLOS DE OLIVEIRA, "Concessão e Permissão de Serviços Públicos", 1997, pags. 103/104; HELY LOPES MEIRELLES, "Licitações e Contratos Administrativos", 11ª ed., 1996, pág. 62; JESSÉ TORRES PEREIRA JÚNIOR, "Comentários à Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública", pág. 670 e 687; SÔNIA YURIKO TANAKA, "Dispensa e Inexigibilidade da Licitação", in "Estudos Sobre a Lei de Licitações e Contratos", ed. Forense Universitária,1995, pág. 17/19; CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, "Elementos de Direito Administrativo", 3a. ed., 1991, pág. 176; EDMIR NETTO DE ARAÚJO, em painel apresentado em 1996 no XVII Congresso Brasileiro de Direito Constitucional, in "Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política", n. 18, 1997, pág. 99).
04 cf. CARMEN LÚCIA ANTUNES ROCHA, "Estudo sobre Concessões e Permissões de Serviço Público no Direito Brasileiro", Saraiva, 1996, pág. 30).
05 cf. FRANCISCO JOSÉ VILLAR ROJAS, "Privatizaciòn de Servicios Públicos", Madrid, 1993, pág. 23).
06 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal, 12ª ed., 2001, pág. 420, Malheiros.
07 junto com o parecer anexamos julgados do STJ.
08 cf. MARÇAL JUSTEN FILHO, "Concessões de Serviços Públicos", ed. Dialética, 1997, pág. 57; no mesmo sentido, ARNOLD WALD, LUIZA RANGEL DE MORAES e ALEXANDRE DE M. WALD, "O Direito de Parceria e a Nova Lei de Concessões", RT, 1996, pág. 71).
09 cf. "Estudo sobre Concessões e Permissões de Serviço Público no Direito Brasileiro", Saraiva, 1996, pág. 30.
10 cf. "A Licitação sobre Transportes na Constituição", in "Doutrina", ed. Instituto de Direito, 1996, pág. 178.
11 cf. "Concessões de Serviços Públicos", ed. Dialética, 1997, pág. 57.
12 MARTINS, Ives Gandra. "A Licitação sobre Transportes na Constituição", in "Doutrina", ed. Instituto de Direito, 1996, pág. 182)
13 BASTOS, Celso Ribeiro. "Curso de Direito Constitucional", Saraiva, 89, 11ª ed., p.278).
14 in "Estudos e Pareceres de Direito Público", RT, volume IX, página 267.
15 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, Ed. Atlas, 2001, pág. 107/116.
16 MEIRELLES, Hely Lopes. Obra já citada.
17 FILHO, Marçal Justen. Concessões de Serviços Públicos, Dialética, 1997, págs. 270/1.