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Lei paulista de cessão de crédito tributário é inconstitucional

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06/12/2009 às 00:00
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Parecer analisa a lei estadual que autoriza que o Estado de São Paulo ceda créditos tributários e não tributários objetos de parcelamentos administrativos e judiciais para terceiros, em desrespeito às normas constitucionais e legais.

Consulente: Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo

Assunto: Lei nº 13.723, de 29-9-2009 do Estado de São Paulo que autoriza a cessão de créditos tributários e não tributários objetos de parcelamentos administrativos e judiciais para Sociedade de Propósitos Específicos autorizada a criar, ou para a Companhia Paulista de Parcerias, CPP, ou ainda, para Fundo de Investimento em Direitos Creditórios constituído de acordo com as normas da Comissão de Valores Mobiliários.


CONSULTA

A Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo, por intermédio de seu presidente, Dr. Ivan de Castro Duarte Martins, nos dá a honra de solicitar parecer sobre a matéria em epígrafe formulando os quesitos ao final respondidos.


1. Dos Fatos

Os Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Roraima, Santa Catarina, São Paulo e Distrito Federal, num total de 19 entes políticos reunidos no dia 29-8-2002, sob a Presidência do CONFAZ, com base na Lei Complementar nº 24 de 7-1-1975, celebraram o CONVÊNIO ICMS nº 104/02 pelo qual ficaram autorizados a ceder a título oneroso os direitos de recebimento do produto do adimplemento das prestações dos contribuintes do ICMS que sejam objetos de parcelamento judicial ou extrajudicial (cláusula primeira).

A cláusula segunda deixou consignado que a cessão não modifica a natureza do crédito tributário cedido, com suas garantias e privilégios, nem altera as condições do parcelamento, ao passo que a cláusula terceira resguardou o repasse das cotas municipais e dos fundos constitucionalmente previstos.

O § 2º da cláusula quinta do Convênio dispõe, ainda, que no caso de desistência pelo contribuinte ou da revogação do parcelamento original cedido, os Estados devem proceder a inscrição do crédito na dívida ativa e promover a cobrança nos termos da legislação aplicável.

Finalmente, a cláusula sétima dispõe que os Estados signatários do Convênio adotarão as medidas necessárias para implementação, em cada unidade federada, da cessão prevista no presente convênio, podendo ainda instituir outras condições que não contrariem as normas relacionadas naquele instrumento.

1.2 Da Lei nº 13.723, de 29-9-2009 do Estado de São Paulo

Com base no Convênio referido no item 1.1 o Estado de São Paulo sancionou a Lei nº 13.723/2009 com o seguinte teor:

"Art. 1º - Fica o Poder Executivo autorizado a ceder, a título oneroso, à sociedade de propósito específico a que se refere o artigo 8º desta lei, ou à Companhia Paulista de Parcerias - CPP, ou, ainda, a fundo de investimento em direitos creditórios, constituído de acordo com as normas da Comissão de Valores Mobiliários, os direitos creditórios originários de créditos tributários e não tributários, objeto de parcelamentos administrativos ou judiciais, relativos ao Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS, ao Imposto de Transmissão "Causa Mortis" e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos - ITCMD, ao Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores - IPVA, às taxas de qualquer espécie e origem, às multas administrativas de natureza não tributária, às multas contratuais, aos ressarcimentos e às restituições e indenizações.

§ 1º - A cessão compreende apenas o direito autônomo ao recebimento do crédito e somente poderá recair sobre o produto de créditos tributários cujo fato gerador já tenha ocorrido e de créditos não tributários vencidos, efetivamente constituídos e inscritos na divida ativa do Estado ou reconhecidos pelo contribuinte ou devedor mediante a formalização de parcelamento.

§ 2º - Na hipótese de cessão a fundo de investimento em direitos creditórios, este deverá ser instituído e administrado pelo agente financeiro do Tesouro.

Art. 2º - A cessão de que trata o artigo 1º não modifica a natureza do crédito que originou o direito creditório objeto da cessão, o qual mantém suas garantias e privilégios, não altera as condições de pagamento, critérios de atualização e data de vencimento, não transfere a prerrogativa de cobrança judicial e extrajudicial dos créditos originadores, que permanece com a Procuradoria Geral do Estado, e não compreende a parcela de que trata o artigo 55 da Lei Complementar nº 93, de 28 de maio de 1974, com alterações posteriores.

Art. 3º - Para os fins desta lei, o valor mínimo da cessão não poderá ser inferior ao do saldo atualizado do parcelamento, excluídos juros e demais acréscimos financeiros incidentes sobre as parcelas vincendas.

Art. 4º - O cessionário não poderá efetuar nova cessão dos direitos creditórios cedidos na forma desta lei, salvo anuência expressa do Estado.

Art. 5º - A cessão dos direitos creditórios originados de créditos tributários será sempre parcial, ficando excluída a parcela pertencente aos Municípios, nos termos do disposto nos incisos III e IV do artigo 158 e no artigo 159 da Constituição Federal.

Parágrafo único - Os Municípios continuarão a receber os recursos que trata o "caput" deste artigo nos prazos e percentuais previstos na legislação de regência, no momento da concretização dos respectivos pagamentos pelos contribuintes, o mesmo ocorrendo em relação às demais receitas vinculadas, em conformidade com as disposições da Constituição Federal e da Constituição do Estado.

Art. 6º - A cessão deverá ser disciplinada em instrumento específico, com individualização dos direitos creditórios cedidos, aplicando-se, no que couber, os dispositivos pertinentes do Código Civil, instituído pela Lei federal no 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

Parágrafo único - A cessão far-se-á em caráter definitivo, sem assunção, pelo Estado, perante o cessionário, de responsabilidade pelo efetivo pagamento a cargo do contribuinte ou de qualquer outra espécie de compromisso financeiro que possa, nos termos da Lei Complementar federal nº 101, de 4 de maio de 2000, caracterizar operação de crédito.

Art. 7º - Nos procedimentos necessários à formalização da cessão prevista no artigo 1º desta lei, o Estado preservará o sigilo relativamente a qualquer informação sobre a situação econômica ou financeira do contribuinte, do devedor ou de terceiros e sobre a natureza e o estado dos respectivos negócios ou atividades.

Art. 8º - Fica o Poder Executivo autorizado a constituir sociedade de propósito específico, sob a forma de sociedade por ações com a maioria absoluta do capital votante detida pelo Estado, vinculada à Secretaria da Fazenda, tendo por objeto social a estruturação e implementação de operações que envolvam a emissão e distribuição de valores mobiliários ou outra forma de obtenção de recursos junto ao mercado de capitais, lastreadas nos direitos creditórios a que se refere o artigo 1º desta lei.

Parágrafo único - A sociedade de propósito específico a que se refere o "caput" deste artigo não poderá receber, do Estado, recursos financeiros para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral, a fim de não se caracterizar como empresa dependente do Tesouro, nos termos da Lei Complementar federal nº 101, de 4 de maio de 2000.

Art. 9º - Fica o Poder Executivo autorizado a proceder à abertura do capital social da sociedade de propósito específico mencionada no artigo 8º desta lei, de acordo com as normas estabelecidas pela Comissão de Valores Mobiliários, desde que mantida, em caráter incondicional, a maioria absoluta do respectivo capital votante.

Art. 10 - Não serão considerados rompidos os acordos de parcelamento firmados no âmbito do Programa de Parcelamento Incentivado - PPI ICM/ICMS no Estado de São Paulo, para a liquidação de débitos fiscais relacionados com o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias - ICM e com o ICMS, desde que as parcelas vencidas e não pagas até 30 de setembro de 2009 sejam repactuadas até 31 de março de 2010, nos termos e condições previstos em regulamento.

Art. 11 - Para atender às despesas decorrentes da execução desta lei, fica o Poder Executivo autorizado a abrir crédito especial, até o limite de R$(cem mil reais), destinados à integralização do capital social da sociedade por ações mencionada no artigo 8º.

Parágrafo único - O valor do crédito especial a que se refere este artigo será coberto na forma prevista no § 1º do artigo 43 da Lei federal nº 4.320, de 17 de março de 1964.

Art. 12 - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação."


PARECER

Na forma do art. 155, § 2º, XII, letra "g" da Constituição Federal cabe à lei complementar "regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados".

A Lei Complementar nº 24, de 7-1-1975, recepcionada pela ordem constitucional vigente dispõe que as isenções do ICMS só podem ser concedidas ou revogadas por convênios firmados por todos os Estados e pelo Distrito Federal (art. 1º).

Seu parágrafo único estende a disposição do caput:

"I – à redução da base de cálculo;

II – à devolução total ou parcial, direta ou indireta, condicionada ou não, do tributo, ao contribuinte, a responsável ou terceiros;

III – à concessão de créditos presumidos;

IV – à quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscal, concedidos com base no Imposto de Circulação de Mercadorias, dos quais resulte redução ou eliminação direta ou indireta, do respectivo ônus;

V – às prorrogações e às extensões das isenções vigentes nesta data".

A inconstitucionalidade formal desse Convênio sui generis de nº 104/2002 fica evidenciada por falta de assinatura dos representantes dos demais nove Estados-membros.

A sua inconstitucionalidade material também salta aos olhos. Basta simples exame ocular do art. 155, § 2º, XII, letra "g", da CF e do art. 1º da LC nº 24/1975 retro referido, para perceber que o Convênio sob exame não cuida de matéria de Direito Tributário.

Direito Tributário é o ramo do Direito Público que disciplina as relações entre o fisco e o contribuinte sob o prisma material e processual. É o direito que disciplina o processo de retirada compulsória, pelo Estado, de parcela da riqueza produzida pelos particulares mediante observância dos princípios reveladores do Estado de Direito.

Ora, a matéria de que cuida o Convênio ICMS nº 104/2002 não tem por objeto relação jurídica que se desenvolve entre o fisco e o contribuinte. A cessão de crédito tributário sob regime de parcelamento é matéria estranha ao direito tributário.

O Convênio não cuida de isenção do ICMS, nem de quaisquer outros incentivos previstos no parágrafo único do art. 1º, da LC nº 24/1975. Cuida, isso sim, de matéria de Direito Financeiro que tem como um dos objetos o crédito público. Aliás, o Regimento Interno do CONFAZ aprovado pelo Convênio ICMS nº 133/1997 não lhe atribui competência para a celebração de Convênios que não sejam pertinentes à prescrição constitucional da letra "g", do inciso XII, do § 2º, do art. 155 da CF.

Daí a inconstitucionalidade formal e material do Convênio ICMS nº 104/2002 no qual se fundamenta a Lei nº 13.723, de 29-9-2009, que ao prever operação de crédito por via transversa incide em afronta à dispositivos da Constituição Federal, da Lei de Responsabilidade Fiscal e das Resoluções do Senado Federal, como adiante se verá.


2 Da inconstitucionalidade formal e material da Lei nº 13.723/2009

A inconstitucionalidade formal e material da Lei Paulista decorre diretamente das inconstitucionalidades formal e material do Convênio ICMS nº 104/2002, no qual se encontra fundada, conforme exposto no tópico anterior.

Além disso, a lei sob comento autorizou a cessão de créditos tributários e não tributários à Companhia Paulista de Parcerias – CPP – com nítido desvio de finalidade e ao arrepio das normas legais pertinentes. Ao mesmo tempo autorizou a criação de Sociedade de Propósitos Específicos – SPE – e do Fundo de Investimentos em Direitos Creditórios, com o mesmo propósito de ceder-lhes aqueles créditos, ferindo as normas legais e constitucionais pertinentes. A lei examinando mal consegue disfarçar a autêntica operação de crédito encontrando obstáculos na Constituição Federal, na Resolução do Senado Federal e na Lei de Responsabilidade Fiscal como veremos nos tópicos adiante.

2.1 Da Sociedade de Propósito Específico - SPE

O instituto da sociedade de propósito específico foi inserido no nosso ordenamento jurídico por meio da Lei Federal nº 11.079, de 30-12-2004, que instituiu normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública, com a finalidade específica de implantar e gerir o objeto da parceria público-privada.

Dispôs a Lei nº 11.079/2004 em seu art. 9º:

"Art. 9º Antes da celebração do contrato, deverá ser constituída sociedade de propósito específico, incumbida de implantar e gerir o objeto da parceria.

§ 1º A transferência do controle da sociedade de propósito específico estará condicionada à autorização expressa da Administração Pública, nos termos do edital e do contrato, observado o disposto no parágrafo único do art. 27 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995.

§ 2º A sociedade de propósito específico poderá assumir a forma de companhia aberta, com valores mobiliários admitidos a negociação no mercado.

§ 3º A sociedade de propósito específico deverá obedecer a padrões de governança corporativa e adotar contabilidade e demonstrações financeiras padronizadas, conforme regulamento.

§ 4º Fica vedado à Administração Pública ser titular da maioria do capital votante das sociedades de que trata este Capítulo.

§ 5º A vedação prevista no § 4º deste artigo não se aplica à eventual aquisição da maioria do capital votante da sociedade de propósito específico por instituição."

Ora o objeto da SPE autorizada a ser constituída pela Lei nº 13.723/2009 para adquirir do Estado, a título oneroso, os créditos tributários e não tributários sob o regime de parcelamento, nada tem a ver com o desenvolvimento de esforços em comum para a realização de obras ou prestação de serviços, que é a verdadeira finalidade da SPE de que cuida a Lei Federal de nº 11.079/2004.

Pelo contrário, a SPE a ser construída com a maioria do capital pertencente ao Estado, portanto, com infração ao § 4º, do art. 9º, da lei de regência da matéria, terá por objeto social "a estruturação e implementação de operações que envolvam a emissão e distribuição de valores mobiliários ou outra forma de obtenção de recursos junto ao mercado de capitais" lastreadas nos direitos creditórios provenientes de créditos tributários e não-tributários objetos de parcelamentos administrativos ou judiciais, conforme expresso em seu art. 8º.

Como se vê, a sociedade cuja criação foi autorizada pelo art. 8º da Lei nº 13.723/2009 não se trata de sociedade de propósito específico, mas sim de verdadeira empresa controlada pelo Estado de São Paulo que deterá a maioria de seu capital votante, nos termos do art. 2º da Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar nº 101, de 4-5-2000, que define a empresa controlada como sendo "a sociedade cuja maioria do capital social com direito a voto pertença, direta ou indiretamente, a ente da Federação".

Se bem examinado o objeto social da referida "sociedade de propósito específico" a que alude a lei paulista verifica-se que a mesma constitui verdadeira instituição financeira controlada, obrigada que está de obter recursos financeiros junto ao mercado de capitais, nos termos da Lei nº 4.595, de 31-12-1964, que dispõe sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias, cria o Conselho Monetário Nacional e prescreve em seu artigo 17:

"Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros.

Parágrafo único. Para os efeitos desta lei e da legislação em vigor, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual."

Logo, além da ausência de prévia autorização do órgão competente para criação da instituição financeira, a operação autorizada pela Lei nº 13.723/2009 esbarra na proibição contida no art. 36 da LRF, que dispõe:

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"Art. 36. É proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo."

Ainda que não se considere a sociedade de propósito específico, cuja criação foi autorizada pela Lei nº 13.723/2009, uma instituição financeira, inequívoca a sua natureza de empresa controlada, bem como que a operação de "cessão" nela prevista tem por finalidade o recebimento antecipado de valores sob o regime de parcelamento, pelo que essa operação, também, encontra óbice no art. 37, II da LRF que prescreve:

"Art. 37. Equiparam-se a operações de crédito e estão vedados:

....................................................................................................................

II – recebimento antecipado de valores de empresa que o Poder Público detenha, direta ou indiretamente, a maioria do capital social com direito a voto, salvo lucros e dividendo, na forma da legislação;"

No mesmo sentido dispõe a Resolução do Senado Federal nº 43/2001, em seu art. 3º, § 1º, I e 5º, I:

"Art. 3º Constitui operação de crédito, para os efeitos desta Resolução, os compromissos assumidos com credores situados no País ou no exterior, em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serviços, arrendamento mercantil e outras operações assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros.

§ 1º Equiparam-se a operações de crédito:

I - recebimento antecipado de valores de empresa em que o Poder Público detenha, direta ou indiretamente, a maioria do capital social com direito a voto, salvo lucros e dividendos, na forma da legislação; assunção direta de compromisso, confissão de dívida ou operação assemelhada, com fornecedor de bens, mercadorias ou serviços, mediante emissão, aceite ou aval de títulos de crédito;

..............................................................................................................

Art. 5º É vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - recebimento antecipado de valores de empresa em que o Poder Público detenha, direta ou indiretamente, a maioria do capital social com direito a voto, salvo lucros e dividendos, na forma da legislação"

Sobre a vedação contida nos artigos 36 e 37, II da LRF já nos manifestamos:

"Art. 36

Esse dispositivo vai de encontro aos princípios da moralidade e da eficiência da Administração Pública, ao vedar, expressamente, operação de crédito entre o ente político e a instituição financeira estatal sob seu controle, o que assegura uma gestão fiscal responsável, objetivada pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Antes dessa proibição era comum as instituições financeiras oficiais funcionarem como caixa auxiliar do tesouro das respectivas entidades políticas a que estavam vinculadas, principalmente no âmbito dos Estados membros. O Banespa, por exemplo, realizou tantas operações de crédito com o seu ente político controlador que acabou ficando literalmente "quebrado". Foi preciso privatizá-lo. Dada a facilidade na realização dessas operações, nem sempre realizadas com transparência, de sorte a possibilitar fiscalização eficiente, proliferou-se a criação e instituições financeiras oficiais o âmbito das entidades políticas regionais. Vários municípios, também, tentaram obter autorizações do Banco Central do Brasil para criação de suas instituições financeiras, mas, felizmente, elas não foram concedidas" [01]

"Art. 37, II

É equiparável, também, à operação de crédito o recebimento antecipado de valores de empresa em que o poder público detenha, direta ou indiretamente, a maioria do capital votante, salvo lucros e dividendos na forma da legislação aplicável. É que tais operações podem configurar uma forma disfarçada de empréstimo público, provocando o aumento da dívida do ente político." [02]

2.2 Da Companhia Paulista de Parcerias - CPP

O art. 1º da Lei nº 13.723/2009 autorizou, ainda, que o Poder Executivo celebre a cessão de crédito de que trata com a Companhia Paulista de Parcerias – CPP, cuja criação foi autorizada pela Lei Estadual nº 11.688, de 19-5-2004, que instituiu o programa de parcerias público-privadas no âmbito no Estado de São Paulo, nos seguintes termos:

"Art. 12 – Fica o Poder Executivo autorizado a constituir pessoa jurídica sob a forma de sociedade por ações, denominada Companhia Paulista de Parcerias – CPP, para o fim específico de:

I – colaborar, apoiar e viabilizar a implementação do Programa de Parcerias Público-Privadas;

II – disponibilizar bens, equipamentos e utilidades para a Administração Estadual, mediante pagamento e adequada contrapartida financeira;

III – gerir os ativos patrimoniais a ela transferidos pelo Estado ou por entidades a administração indireta, ou que tenham sido adquiridos a qualquer título.

Art. 14 - ...............................................................................................

§ 1º - Poderão participar do capital da CPP outras entidades da Administração Estadual, desde que o Estado mantenha, no mínimo, a titularidade direta da maioria das ações com direito a voto."

Exsurge do simples exame ocular do § 1º, do art. 14, da Lei nº 11.688, de 19-5-2004, que a Companhia Paulista de Parcerias, também, possui natureza jurídica de empresa controlada pelo Estado de São Paulo, que por prescrição legal detém a maioria de seu capital social votante, pelo que realização da operação prevista no art. 1º da Lei nº 13.723/2009 igualmente esbarra na vedação contida no art. 37, II da LRF, conforme já discorremos no tópico anterior.

2.3 Do Fundo de Investimento em Direitos Creditórios

Não faz o menor sentido o Estado criar um fundo de natureza nitidamente mercantil invadindo esfera reservada a iniciativa privada.

Menos sentido faz a constituição de um Fundo de Investimento com a finalidade de vender-lhe os créditos tributários e não tributários sob forma de cessão que, diga-se de passagem, sequer implica transferência da propriedade do bem cedido, transferindo-lhe, apenas, o direito autônomo de receber o crédito cedido diretamente do contribuinte-devedor, como mais adiante se verá. Por que o Estado não recebe diretamente esses créditos de seus legítimos devedores? Afinal, não é uma obrigação do órgão institucional do Estado, a Procuradoria Geral do Estado, promover a cobrança da dívida ativa? A lei sob comento, neste particular, viola frontalmente o princípio da razoabilidade previsto no art. 111 da Constituição do Estado de São Paulo e implícito no art. 37, da Constituição Federal.

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Lei paulista de cessão de crédito tributário é inconstitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2349, 6 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16907. Acesso em: 25 abr. 2024.

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