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Lei paulista de cessão de crédito tributário é inconstitucional

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06/12/2009 às 00:00
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3 Da cessão de crédito autorizada pela Lei nº 13.723/2009

A Lei nº 13.723/2009 autoriza em seu art. 1º o Poder Executivo a ceder, a título oneroso, os direitos creditórios originários de créditos tributários e não tributários, objeto de parcelamentos administrativos ou judiciais, relativos ao Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, ao Imposto de Transmissão "Causa Mortis" e Doação de Quaisquer bens ou Direitos – ITCMD, ao Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA, às taxas de qualquer espécie e origem, às multas administrativas de natureza não tributária, às multas contratuais, aos ressarcimentos e às restituições e indenizações.

Apesar do art. 1º, § 1º se referir à cessão de direito creditório autônomo, o que se verifica, no caso, é a cessão do próprio crédito tributário, uma vez que por meio da indigitada cessão, o direito ao recebimento das prestações decorrentes de parcelamento de impostos e taxas serão transferidos a terceiros.

O parcelamento de créditos relativos a impostos e taxas tem sua origem em obrigações tributárias descumpridas, que com o competente lançamento passaram a constituir crédito tributário, nos termos do art. 139 e 142 do CTN, que prescrevem:

"Art. 139. O crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta.

....................................................................................................................

Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível."

Logo, sendo o parcelamento oriundo de créditos tributários apenas uma forma de pagamento do crédito tributário vencido e não pago, dúvidas não há de que a cessão de seus direitos creditórios configura a cessão do próprio crédito tributário, que ao lado de outros créditos referidos no art. 1º, da lei sob exame, constitui receita pública classificada no art. 11 da Lei nº 4.320/64 como receitas correntes.

Dessa forma, tanto os direitos creditórios originários de créditos tributários, como aqueles originários de créditos não tributários objetos de parcelamentos administrativos ou judiciais constituem receita pública, que é bem público indisponível, inegociável e irrenunciável, porque necessário ao cumprimento dos fins do Estado, que é a realização do bem comum, ou seja, a satisfação das necessidades públicas, que são aquelas de interesse geral, satisfeitas sob o regime de direito público, presidido pelo princípio da estrita legalidade. [03] Essas necessidades públicas são aquelas consignadas na lei orçamentária anual que ao mesmo tempo que estima a receita pública fixa as despesas pormenorizadamente.

Por isso, a receita pública, como espécie de bem público que é, sequer pode ser penhorada como, aliás, resulta do disposto no art. 100, da CF.

No magistério do Prof. Celso Antonio Bandeira de Mello "bens públicos, como é sabido e ressabido, não são suscetíveis de penhora, nem de qualquer modalidade de apoderamento forçado, visto que a forma pela qual credores públicos se saciam, quando não hajam sido regularmente pagos, é a prevista no art. 100 da Constituição, isto é, com o atendimento dos precatórios, na ordem de sua apresentação, pelas correspondentes verbas consignadas no orçamento ou nos créditos adicionais para tal fim abertos, admitindo-se apenas, em caso de violação de precedência de algum credor, o seqüestro da importância necessária, determinado pelo Presidente do Tribunal que proferiu a decisão exeqüenda" [04].

Daí a proclamação pelo Plenário do Colendo Supremo Tribunal Federal da impenhorabilidade das rendas da EBCT equiparada à Fazenda Pública, conforme ementa abaixo transcrita:

EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. IMPENHORABILIDADE DE SEUS BENS, RENDAS E SERVIÇOS. RECEPÇÃO DO ARTIGO 12 DO DECRETO-LEI Nº 509/69. 1. À empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, pessoa jurídica equiparada à Fazenda Pública, é aplicável o privilégio da impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços. Recepção do artigo 12 do Decreto-lei nº 509/69 e não-incidência da restrição contida no artigo 173, § 1º, da Constituição Federal, que submete a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias. 2. Empresa pública que não exerce atividade econômica e presta serviço público da competência da União Federal e por ela mantido. Execução. Observância ao regime de precatório, sob pena de vulneração do disposto no artigo 100 da Constituição Federal. Vícios no julgamento. Embargos de declaração rejeitados."

(RE nº 230051 ED/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 08-08-2003, PP. 86).

A receita tributária proveniente de impostos sequer pode ser vinculada a órgão, fundo ou despesa, indispensáveis que são à consecução da finalidade estatal, nos termos do art. 167, IV da CF que prescreve:

"Art. 167. São vedados:

...................................

IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo;" (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

É importante ressaltar que quando o art. 167, IV da Carta Maior, retro transcrito, ressalva o oferecimento de crédito tributário para garantia das operações de crédito por antecipação de receitas, essa garantia não tem o sentido de garantia real que se preste a execução direta.

O Prof. Celso Antonio Bandeira de Mello versando sobre vinculação de receitas, invocando o parecer que ofertamos à OAB, Seção de São Paulo sobre as parcerias público-privadas disciplinadas pela Lei nº 11.079/2004, tece as seguintes considerações judiciosas:

"Há grosseira inconstitucionalidade na previsão do art. 8º, I, segundo o qual obrigações pecuniárias da Administração resultantes da parceria poderiam ser garantidas por vinculação de receitas. Conforme flagrado pelo Prof. Harada, a proibição de vinculação de receitas residente no art. 167, IV, da Constituição, só pode ser excepcionada nos casos que especifica, consoante ali mesmo está previsto e estampado de maneira exuberantemente clara. A única remissão que nele se faz ao tema de prestação de garantias concerne a operações de créditos por antecipação de receita, ou a pagamento de créditos da União (§ 4º do mesmo artigo). Além disso, na primeira hipótese, sempre conforme observado pelo citado jurista, a prestação de garantias suposta naquele dispositivo nem ao menos tem o mesmo sentido que lhe é próprio no Direito Privado. Sua finalidade não é garantir algum credor, mas ‘preservar o equilíbrio entre o montante do empréstimo público (dívida pública) e o valor da receita antecipada’, para prevenção de desequilíbrio orçamentário. Na segunda hipótese está claríssimo que o que entra em pauta são débitos de Estados ou Municípios com a União.

Em suma: receita pública jamais pode ser vinculada a garantia de créditos de particular, sob pena de escandalosa inconstitucionalidade" [05].

A jurisprudência de nossos tribunais também não discrepa do quanto exposto. Na apelação civil nº 168.220-1 de que foi Relator o Des. Régis de Oliveira, a E. 8ª Câmara do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo decretou a rescisão parcial do contrato de execução de obra pública, para excluir a cláusula que vinculava as receitas do ICMS para garantia do pagamento. Nos autos do AI nº 722.535-3, de que foi Relator o Juiz Antonio de Pádua Ferraz Nogueira, o 1º TAC manteve a liminar concedida em medida cautelar preventiva, requerida pela Municipalidade de Araçariguama, para suspender os poderes outorgados ao Banco credor (BANESPA) para recebimento do ICMS em pagamento de mútuo decorrente de contrato firmado entre as partes. Esse tema foi ventilado, também, no mandado de segurança impetrado pela Municipalidade de São Paulo contra ato do Presidente do Banespa, que destinava diretamente ao credor, o produto da arrecadação das cotas do ICMS vinculadas em garantia do mútuo. A liminar foi concedida, porém, ao final, o processo foi extinto sem julgamento de mérito a pretexto de irregularidade na representação processual da impetrante. Foi provida a apelação da impetrante anulando a decisão monocrática para determinar a apreciação do mérito (Apelação Cível nº 135.447-1-SP, 8ª Câmara do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Rel. Des. Jorge de Almeida). Antes da decisão de mérito houve acordo das partes e o Município recebeu de volta os valores do ICMS indevidamente compensados com os seus débitos resultantes de operações de empréstimo. Quanto à indisponibilidade da receita pública é de ser lembrada, ainda, no âmbito do Município de São Paulo, a Lei nº 11.713/94, que autorizou o Executivo aumentar o capital social da EMURB mediante, entre outras modalidades, a ´cessão de créditos ou direitos de qualquer natureza´. Com base nessa lei, o Decreto nº 34.798/95 transferiu à EMURB créditos tributários inscritos na dívida ativa, no valor total de R$100.00.000,00. Após concessão da liminar no bojo da ação popular (Proc. nº 145/95 da 7ª VFP), o Decreto nº 34.798/95 foi revogado.

Se a própria vinculação de receita de impostos, permitida pela Constituição Federal, em caráter excepcional, para prestação de garantias visando a obtenção de receita creditícia, de natureza temporária, não pode ser interpretada em sentido amplo, permitido pelo direito privado, é justamente porque a receita pública constitui bem fora do comércio insuscetível de negociação.

Consectário lógico da impenhorabilidade da receita pública é a sua inalienabilidade, sendo, portanto, bem inegociável, não se prestando a cessão prevista na Lei nº 13.723/2009.

Créditos tributário e não tributário sob o regime de parcelamento outras coisas não são senão aquelas receitas lançadas e não pagas em determinado exercício financeiro que, de acordo com o regime de competência, passam a constituir resíduos ativos que devem ser cobrados nos exercícios posteriores na conta de receita a arrecadar.

Face à indisponibilidade do crédito público a cessão prescrita na Lei nº 13.723/2009 não encontra respaldo no Código Civil, devido à ilicitude de seu objeto, conforme disposto em art. 286:

"O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação."

Daí a absoluta inconstitucionalidade e ilegalidade da cessão prevista na Lei nº 13.723/2009, que atenta frontalmente contra o disposto nos arts. 100 e 167, IV, a, da CF e 286 do Código Civil.


4 A cessão de crédito autorizada pela Lei nº 13.723/2009 mascara autêntica operação de crédito

A cessão de crédito autorizada pelo art. 1º da Lei nº 13.723/2009, conforme se depreende de seu § 1º, compreende apenas o direito autônomo ao recebimento do crédito.

O art. 2º dispõe que a cessão não modifica a natureza do crédito que originou o direito creditório objeto de cessão, e, dentre outras coisas, não transfere a prerrogativa de cobrança judicial e extrajudicial dos créditos originadores, que permanece com a Procuradoria Geral do Estado.

Ora, embora o parágrafo único, do art. 6º da lei sob comento enfatize que a cessão é feita em "caráter definitivo, sem assunção, pelo Estado, perante o cessionário, de responsabilidade pelo efetivo pagamento a cargo do contribuinte", de sorte a não "caracterizar operação de crédito", as prescrições do § 1º, do art. 1º e a do art. 2º da mesma lei infirmam a natureza de cessão de crédito. Não é a rotulagem legal que define a verdadeira natureza jurídica dos institutos ou categorias de direito. A verdadeira natureza jurídica do ato legislativo resulta do exame de seus efeitos e causa. Pergunta-se, por que criar uma SPE para que esta adquira do ente político, a título oneroso, o direito autônomo de receber o crédito tributário sob parcelamento? Não seria mais lógico o próprio ente político receber esses créditos diretamente dos contribuintes-devedores? É claro que de cessão não se trata.

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O instituto da cessão implica transmissão da própria relação obrigacional que abarca todos os direitos decorrentes dessa relação, dentre os quais se destaca a titularidade ativa da relação creditícia. Nesse sentido a lição de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery:

"A cessão de crédito – que com a sub-rogação pode ser classificada como forma de transmissão de crédito – tem como característica fundamental a disposição volitiva do sujeito (cedente) de transmitir a titularidade ativa da relação creditícia por ele vivenciada a outrem (cessionário), se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor." (Código Civil Comentado, 7ª ed.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 457, nota 4.)

A autonomia da cessão a que se refere o art. 287 do Código Civil [06] somente se refere à autonomia da obrigação principal face às obrigações acessórias, como multa, juros etc., mas nunca às prerrogativas inerentes do direito material transferido, como o direito de cobrança.

Na cessão, a regra geral é que o cessionário assume todos os riscos do negócio. A responsabilização do cedente pela solvência do devedor é exceção à regra, que necessita de estipulação expressa. O Código Civil, via de regra, somente atribui responsabilidade ao cedente no caso de inexistência do crédito cedido, conforme se depreende dos arts. 295 e 296 do Código Civil, que prescrevem:

"Art. 295. Na cessão por título oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu; a mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por título gratuito, se tiver procedido de má-fé.

Art. 296. Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor."

Se a Lei nº 13.723/2009 prescreveu que mesmo com a cessão definitiva dos direitos creditórios sob o regime de parcelamento, no caso de descumprimento, o direito de cobrança dos créditos originários permanece com a Procuradoria Geral do Estado é porque reconhece que a cobrança da dívida ativa é prerrogativa exclusiva do Poder Público, no caso, da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, que não pode funcionar na defesa de interesses privados.

De fato, prescreve o art. 99, VI da Constituição do Estado de São Paulo:

"Artigo 99 - São funções institucionais da Procuradoria Geral do Estado:

....................................................................................................................

VI - promover a inscrição, o controle e a cobrança da dívida ativa estadual."

O art. 2º, VI, da Lei Orgânica da Procuradoria do Estado de São Paulo, LC nº 478, de 18-7-1986, por sua vez, dispõe:

"Artigo 2º - A Procuradoria Geral do Estado, órgão integrante da Secretaria da Justiça, tem, com fundamento nos artigos 48 a 51 da Constituição do Estado, as seguintes atribuições:

....................................................................................................................

VI - promover privativamente a cobrança da dívida ativa em todo o Estado."

Como se vê, a cessão sob análise nada tem a ver com o instituto da cessão regulada pelo Código Civil, implicando violações de dispositivos adiante apontados.A cessão autorizada pela lei sob comento configura verdadeira operação de crédito, que é definida no art. 29, III da LEF como:

"compromisso financeiro assumido em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serviços, arrendamento mercantil e outras operações assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros";

Isso está confesso no Ofício SEFAZ/GS nº 470/2009, em que o Sr. Secretário da Fazenda submete ao Sr. Governador do Estado de São Paulo a minuta do projeto da Lei nº 13.723/2009 com a seguinte mensagem:

"4. Ainda em relação aos créditos tributários, importante destacar que a cessão apenas atinge aqueles que já foram devidamente constituídos, com fato gerador já ocorrido, não incidindo, pois, a vedação constante do artigo 37, I da Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), que proíbe a captação de recursos a título de antecipação de receita e tributo ou contribuição cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido."

Na mensagem acima o Secretário da Fazenda deixou clara a finalidade da operação prevista na Lei nº 13.723/2009, quer seja, a antecipação de receita de tributo ou contribuição, preocupando-se somente com o aspecto temporal do fato gerador da obrigação tributária a ser antecipada.

Há, na verdade, confissão de dupla infração: primeiramente, porque não se pode fazer operação de crédito sem atendimentos dos requisitos previstos na Constituição Federal e na LRF; em segundo lugar, porque não se pode lançar mão de uma nova modalidade de antecipação de receita, não reconhecida na Constituição Federal, nem na LRF.

Com efeito, verifica-se que a Lei Paulista de nº 13.729/2009 introduziu uma nova modalidade de operação de crédito por antecipação de receita de créditos tributários sob parcelamento, não reconhecida pelo nosso ordenamento jurídico, conforme se depreende da leitura conjugada do art. 165, § 8º da Carta Maior com o art. 38 da LRF, abaixo transcritos:

Art. 165, § 8º:

"Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:

...................................................................................................................

§ 8º - A lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa, não se incluindo na proibição a autorização para abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, nos termos da lei."

O art. 38 da LRF reza:

"Art. 38. A operação de crédito por antecipação de receita destina-se a atender insuficiência de caixa durante o exercício financeiro e cumprirá as exigências mencionadas no art. 32 e mais as seguintes:"

I- realizar-se-á somente a partir do décimo dia do início do exercício;

II - deverá ser liquidada, com juros e outros encargos incidentes, até o dia dez de dezembro de cada ano;

III - não será autorizada se forem cobrados outros encargos que não a taxa de juros da operação, obrigatoriamente prefixada ou indexada à taxa básica financeira, ou à que vier a esta substituir;

IV - estará proibida:

a) enquanto existir operação anterior da mesma natureza não integralmente resgatada;

b) no último ano de mandato do Presidente, Governador ou Prefeito Municipal.

§ 1º As operações de que trata este artigo não serão computadas para efeito do que dispõe o inciso III do art. 167 da Constituição, desde que liquidadas no prazo definido no inciso II do caput.

§ 2º As operações de crédito por antecipação de receita realizadas por Estados ou Municípios serão efetuadas mediante abertura de crédito junto à instituição financeira vencedora em processo competitivo eletrônico promovido pelo Banco Central do Brasil.

§ 3º O Banco Central do Brasil manterá sistema de acompanhamento e controle do saldo do crédito aberto e, no caso de inobservância dos limites, aplicará as sanções cabíveis à instituição credora."

E o art. 32 da LRF ainda prescreve:

"Art. 32. O Ministério da Fazenda verificará o cumprimento dos limites e condições relativos à realização de operações de crédito de cada ente da Federação, inclusive das empresas por eles controladas, direta ou indiretamente.

§ 1º O ente interessado formalizará seu pleito fundamentando-o em parecer de seus órgãos técnicos e jurídicos, demonstrando a relação custo-benefício, o interesse econômico e social da operação e o atendimento das seguintes condições:

I - existência de prévia e expressa autorização para a contratação, no texto da lei orçamentária, em créditos adicionais ou lei específica;

II - inclusão no orçamento ou em créditos adicionais dos recursos provenientes da operação, exceto no caso de operações por antecipação de receita;

III - observância dos limites e condições fixados pelo Senado Federal;

IV - autorização específica do Senado Federal, quando se tratar de operação de crédito externo;

V - atendimento do disposto no inciso III do art. 167 da Constituição;

VI - observância das demais restrições estabelecidas nesta Lei Complementar.

§ 2º As operações relativas à dívida mobiliária federal autorizadas, no texto da lei orçamentária ou de créditos adicionais, serão objeto de processo simplificado que atenda às suas especificidades.

§ 3º Para fins do disposto no inciso V do § 1º, considerar-se-á, em cada exercício financeiro, o total dos recursos de operações de crédito nele ingressados e o das despesas de capital executadas, observado o seguinte:

I - não serão computadas nas despesas de capital as realizadas sob a forma de empréstimo ou financiamento a contribuinte, com o intuito de promover incentivo fiscal, tendo por base tributo de competência do ente da Federação, se resultar a diminuição, direta ou indireta, do ônus deste;

II - se o empréstimo ou financiamento a que se refere o inciso I for concedido por instituição financeira controlada pelo ente da Federação, o valor da operação será deduzido das despesas de capital;

III - (VETADO)

§ 4º Sem prejuízo das atribuições próprias do Senado Federal e do Banco Central do Brasil, o Ministério da Fazenda efetuará o registro eletrônico centralizado e atualizado das dívidas públicas interna e externa, garantido o acesso público às informações, que incluirão:

I - encargos e condições de contratação;

II - saldos atualizados e limites relativos às dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito e concessão de garantias.

§ 5º Os contratos de operação de crédito externo não conterão cláusula que importe na compensação automática de débitos e créditos."

Como operação de crédito na modalidade de empréstimo também fere os arts. 165, § 8º, 167, IV, da Carta Maior anteriormente transcritos, bem como seu art. 52, VII e IV, reproduzidos abaixo:

"Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

....................................................................................................................

VII - dispor sobre limites globais e condições para as operações de crédito externo e interno da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de suas autarquias e demais entidades controladas pelo Poder Público federal;

....................................................................................................................

IX - estabelecer limites globais e condições para o montante da dívida mobiliária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios."

Viola ostensivamente os arts. 32, 36, 37, II e 38 da LRF e arts. 3º, § 1º, I e 5º, I, da Resolução do Senado Federal nº 43/2001, todos já transcritos no corpo do parecer.

Dessa forma, as operações descritas na Lei nº 13.723/2009 são absolutamente nulas, por evidente violação da Lei de Responsabilidade Fiscal, devendo ser canceladas, no caso de sua implementação, sujeitando, ainda, a entidade política a aplicação das sanções previstas no § 3º, do art. 23, da LRF, conforme prescreve o art. 33, §§ 1º a 4º desse mesmo diploma legal:

"Art. 33. A instituição financeira que contratar operação de crédito com ente da Federação, exceto quando relativa à dívida mobiliária ou à externa, deverá exigir comprovação de que a operação atende às condições e limites estabelecidos.

§ 1º. A operação realizada com a infração do disposto nesta Lei Complementar será considerada nula, procedendo-se ao seu cancelamento, mediante a devolução do principal, vedados o pagamento de juros e demais encargos financeiros.

§ 2º. Se a devolução não for efetuada no exercício de ingresso dos recursos, será consignada reserva específica na lei orçamentária para o exercício seguinte.

§ 3º. Enquanto não efetuado o cancelamento, a amortização, ou constituída a reserva, aplicam-se as sanções previstas nos incisos do § 3º do art. 23. [07]

§ 4º. Também se constituirá reserva, no montante equivalente ao excesso, se não atendido o disposto no inciso III do art. 167 da Constituição, consideradas as disposições do § 3º do art. 32."

Como se vê, a Lei nº 13.723/2009 viola não só a Lei de Responsabilidade Fiscal, como também os princípios Constitucionais que norteiam a Administração Pública previstos no caput de seu art. 37, mormente os princípios da moralidade e da eficiência da Administração, uma vez que não se antevê o propósito específico de ceder, a título oneroso, os direitos creditórios oriundos de créditos tributários e não tributários objetos de parcelamento administrativos ou judiciais do Estado de São Paulo a outra entidade controlada pelo próprio Estado de São Paulo. Atenta, também, contra o princípio da razoabilidade implícita na CF e expressa no art. 111 da CE, além de violar o inciso XXII, do art. 37 que define as administrações tributárias como atividades essenciais do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas.

A operação autorizada pela Lei nº 13.723/2009, além de nula, configura ato de improbidade administrativa, nos termos do art. 10, VI e 11 I da Lei nº 8.429/1992, que prescrevem:

"Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;

....................................................................................................................

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;"

O mesmo diploma legal ainda prescreve as penas para o governante que incorrer nesses atos, nos seguintes termos:

"Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:

..........................................

II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;

III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente."

Outrossim, tanto a Companhia Paulista de Parcerias já constituída em desacordo com a Lei Federal de nº 11.079/2004, como a Sociedade de Propósito Específico a ser constituída com o mesmo vício da primeira destinam-se a atuar com desvio de finalidade, pois nada têm a ver com a implementação de obras e serviços mediante esforços comuns entre o poder público e o setor privado, finalidade única da Lei nº 11.079/2004, que disciplina as normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada.

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Lei paulista de cessão de crédito tributário é inconstitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2349, 6 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16907. Acesso em: 5 mai. 2024.

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