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Venda compulsória das ações do ente público em sociedade anônima, como acionista minoritário.

Submissão do Estado às regras do mercado de capitais

09/02/2010 às 00:00
Leia nesta página:

Enquanto atua como investidor no mercado de capitais, o ente público estadual pratica atos de gestão, submetendo-se, sem ressalvas, ao marco regulatório vigente no mercado de capitais.

Parecer nº ____/2009

         Repartição consulente: Secretaria da Fazenda do Estado de Pernambuco - SEFAZ

         Protocolo PGE nº 1.776/2009

         Ofício GSF nº 429/2009

         EMENTA: DIREITO COMERCIAL. SOCIEDADES ANÔNIMAS. INTERVENÇÃO ESTATAL POR PARTICIPAÇÃO. ESTADO ENQUANTO ACIONISTA MINORITÁRIO DA PETROFLEX INDÚSTRIA E COMÉRCIO S/A. TRANSFERÊNCIA DO CONTROLE ACIONÁRIO PARA A LANXESS PARTICIPAÇÕES S/A. OFERTA DE AQUISIÇÃO DAS AÇÕES EM CIRCULAÇÃO (OFERTA DE TAG ALONG). EXERCÍCIO DA POTESTADE CONHECIDA COMO SQUEEZE-OUT (EXCLUSÃO DOS ACIONISTAS MINORITÁRIOS DETENTORES, EM CONJUNTO, DE MENOS DE 5% DO CAPITAL DA COMPANHIA). ART. 4º, §5º, DA LEI Nº 6.404/1976.

         - Enquanto atua como investidor no mercado de capitais, o ente público estadual pratica atos de gestão e, ao fazê-lo, se submete às regras impostas indistintamente a todos quantos adquiram valores mobiliários negociáveis em bolsa.

         - Realizada a oferta de tag along, as ações de titularidade do Estado participavam dos 3% ainda em poder de acionistas minoritários. Foi então que o novo controlador da Petroflex pôs em prática o mecanismo comumente designado por squeeze-out, por intermédio da qual a Assembléia Geral autoriza o acionista detentor de ações representativas de fração superior a 95% do capital da companhia a exercer uma espécie de direito de recesso às avessas, adquirindo, por ato unilateral (direito potestativo), as ações que faltam à obtenção dos 100% necessários ao cancelamento do registro (art. 4º, §5º, da Lei das S.A.).

         - Possibilidade de resgate do numerário depositado em favor do Estado, mediante prévia confirmação, junto à CVM, das informações que vieram aos autos.

         Vem-nos, para análise, consulta originária da Secretaria da Fazenda do Estado de Pernambuco, por intermédio da qual o titular da aludida pasta solicita pronunciamento jurídico que examine, sob o aspecto da legalidade, operação de resgate da quantia de R$15.946.251,36 (quinze milhões novecentos e quarenta e seis mil duzentos e cinqüenta e um reais e trinta e seis centavos), relativos à aquisição, pelo atual acionista controlador da sociedade Petroflex Indústria e Comércio S/A – Lanxess Participações S/A –, das posições acionárias que o Estado de Pernambuco outrora mantivera na aludida sociedade (609.501 ações ordinárias – PEFX3 e 200.776 ações preferenciais – PEFX5), ao preço unitário (por ação) de R$ 19,68.

         O consulente informa, ainda, que a Lei Estadual nº 11.071/1994 autorizou o Poder Executivo a alienar as ações de que o Estado de Pernambuco era titular como acionista minoritário da Companhia Pernambucana de Borracha Sintética – COPERBO, sociedade essa que veio a ser incorporada pela Petroflex S/A, em operação ocorrida em meados do ano de 1996. Na ocasião da incorporação da COPERBO, cogitou-se de que o Estado pudesse exercer o direito potestativo de recesso (retirada unilateral da sociedade). A esse respeito, a Procuradoria emitiu o Parecer GPG nº 008/96, elaborado pelo então Procurador Geral Adjunto – e notável comercialista – Ivanildo Figueiredo Andrade de Oliveira Filho.

         Em síntese, o parecer em comento advogara que, em face da extinção da COPERBO e versão do seu patrimônio à Petroflex S/A, assistia ao Estado o direito de recesso, por intermédio do qual o ente público se retiraria da sociedade na condição de sócio minoritário dissidente. Foi dito, ainda, que a Lei nº 11.071/1994 estaria a respaldar a operação de retirada.

         Apesar disso e por motivos que nos são desconhecidos, o Estado não exerceu a potestade do recesso, sendo que as ações da COPERBO continuaram integrando o patrimônio estadual por anos a fio. Naturalmente, após a incorporação promovida pela Petroflex, as ações da COPERBO foram substituídas, segundo regras pré-fixadas no edital então lançado, por posições acionárias na sociedade incorporadora. Assim é que o Estado passou à condição de sócio minoritário da Petroflex Indústria e Comércio S/A, tendo permanecido como tal até recentemente, quando a Secretaria da Fazenda foi informada sobre o reembolso das ações de titularidade do Estado, em virtude da aquisição das mesmas pela nova controladora da Petroflex.

         É o que importa relatar. Adiante, as considerações que temos a fazer sobre o caso.

         Embora brilhantemente exarado, o Parecer GPG nº 008/1996 expende considerações acerca de quadro fático absolutamente distinto do que ora se nos apresenta. Naquela ocasião, em 1996, analisava-se a possibilidade de o Estado retirar-se da Companhia Pernambucana de Borracha Sintética – COPERBO, fazendo-o na condição de acionista minoritário dissidente. A questão foi então analisada sob o ângulo do direito de recesso, faculdade que, naquele cenário, exprimiria discordância com relação à deliberação da Assembléia Geral que autorizou a incorporação da COPERBO por seu acionista controlador, a Petroflex S/A.

         Como dissemos, apesar do parecer, o Estado não exerceu o direito de retirada, passando, após a incorporação, à condição de sócio minoritário da Petroflex.

         O que acaba de ocorrer é, aparentemente, algo bastante diferente disso.

         Os poucos documentos colacionados aos autos sugerem que a empresa Lanxess Participações S/A adquiriu, em 13 de dezembro de 2007, o controle societário da Petroflex S/A, sendo que, ao fazê-lo, anunciou sua intenção de encetar as medidas necessárias ao cancelamento do registro da referida empresa como companhia aberta, significando que a Petroflex, se bem sucedido o intento do seu controlador, deixaria de ter ações negociadas nos pregões das bolsas de valores, tornando-se uma sociedade anônima com 100% do seu capital nas mãos de um único acionista.

         Para que isso se fizesse possível, era preciso adotar as formalidades do artigo 4ª, §4º, da Lei nº 6.404/1976, dispositivo esse com redação dada pela Lei nº 10.303/2001, senão vejamos:

         Art. 4º. (...)

         §4º O registro de companhia aberta para negociação de ações no mercado somente poderá ser cancelado se a companhia emissora de ações, o acionista controlador ou a sociedade que a controle, direta ou indiretamente, formular oferta pública para adquirir a totalidade das ações em circulação no mercado, por preço justo, ao menos igual ao valor de avaliação da companhia, apurado com base nos critérios, adotados de forma isolada ou combinada, de patrimônio líquido contábil, de patrimônio líquido avaliado a preço de mercado, de fluxo de caixa descontado, de comparação por múltiplos, de cotação das ações no mercado de valores mobiliários, ou com base em outro critério aceito pela Comissão de Valores Mobiliários, assegurada a revisão do valor da oferta, em conformidade com o disposto no art. 4o-A.

(Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001)

         O edital de oferta pública para aquisição das ações da Petroflex S/A (também chamada, no jargão do mercado de capitais, de oferta de tag along) fixou preço unitário em R$18,29, tanto para as ações ordinárias quanto para as preferenciais (fls. 25/39). O valor em comento parece ter sido fixado através de laudo de avaliação e, aparentemente, foi considerado justo pela Comissão de Valores Mobiliários, entidade responsável pela fiscalização do mercado de capitais brasileiro. O preço unitário de aquisição se prendia à database de abril de 2008, devendo ser corrigido até a data da liquidação financeira da aquisição, de acordo com os critérios do item 2.4.1 do edital de oferta.

         Ao que tudo indica, a controladora foi bem sucedida na oferta, obtendo, através dela, a titularidade de ações que representavam 97% do capital da Petroflex S/A (informe de fls. 20). Ressalte-se que as ações de titularidade do Estado, naquele momento, participavam dos 3% ainda em poder de acionistas minoritários. Foi então que se pôs em prática o mecanismo comumente designado por squeeze-out, por intermédio da qual a Assembléia Geral autoriza o acionista detentor de ações representativas de fração superior a 95% do capital da companhia a exercer uma espécie de direito de recesso às avessas, adquirindo, por ato unilateral (direito potestativo), as ações que faltam à obtenção dos 100% necessários ao cancelamento do registro. O squeeze-out encontra disciplina no artigo 4º, §5º, da Lei das Sociedades Anônimas, senão vejamos:

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         Art. 4º (...)

         § 5º Terminado o prazo da oferta pública fixado na regulamentação expedida pela Comissão de Valores Mobiliários, se remanescerem em circulação menos de 5% (cinco por cento) do total das ações emitidas pela companhia, a assembléia-geral poderá deliberar o resgate dessas ações pelo valor da oferta de que trata o § 4º, desde que deposite em estabelecimento bancário autorizado pela Comissão de Valores Mobiliários, à disposição dos seus titulares, o valor de resgate, não se aplicando, nesse caso, o disposto no § 6º do art. 44.

(Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001)

         As ações de titularidade do Estado de Pernambuco, segundo informa a instituição responsável pela custódia dos mencionados ativos (fls. 41), foram adquiridas pela Lanxess Participações S/A através da operação de squeeze-out, pagando-se por cada uma das ações o preço de R$ 19,68, o qual parece corresponder ao valor unitário praticado na oferta pública, atualizado de acordo com o disposto no art. 2.4.1 do pertinente edital.

         Sendo assim, não há cogitar-se da aplicação ao presente caso de qualquer das considerações feitas no Parecer GPG nº 008/96, uma vez que o opinativo trata da hipótese de o Estado, por ato de vontade seu, exercer o direito de retirada da sociedade de que participava enquanto minoritário, ao passo que, agora, o que se tem é a unilateral e peremptória exclusão do Estado, mediante procedimento aparentemente regular, do quadro de sócios da Petroflex.

         Não é supérfluo lembrar que, enquanto atua como investidor no mercado de capitais, o ente público estadual pratica atos de gestão e, ao fazê-lo, se submete às regras impostas indistintamente a todos quantos adquiram valores mobiliários negociáveis em bolsa. Portanto, por mais inusitado que possa parecer o fato de um ente público sujeitar-se à potestade particular (squeeze-out praticado pelo acionista controlador) – sendo que o Estado está, ele próprio, habituado a exercer as prerrogativas que lhe conferem o regime jurídico de direito público – o certo é que, como investidor, o Estado se submete, sem ressalvas, ao marco regulatório vigente no mercado de capitais: trata-se apenas de mais uma dentre as inúmeras hipóteses em que o Estado, praticando atos de gestão, atua como se particular fosse, sem qualquer prerrogativa publicística. Sintomas de uma época em que, cada vez mais, as fronteiras entre o direito público e o privado se tornam fluidas.

         Retornado ao caso, temos que o Estado foi alcançado por ato unilateral de terceiro, ato para o qual não concorreu com anuência ou qualquer outra forma de consentimento, expresso ou tácito. Em hipótese como essa, seria absurdamente inócua a exigência, por exemplo, de autorização legislativa. Ora, autorização para sujeitar-se à vontade de outrem? Não há qualquer sentido, precisamente porque, aqui, o Estado não praticou qualquer ato; distintamente, foi alcançado pela vontade da Assembléia Geral da Petroflex e de seu acionista controlador. Exigências como autorização legislativa, avaliação, licitação, entre outras não têm qualquer pertinência no presente caso, uma vez que, nele, a posição do ente público é de reles sujeição.

         Antes de encerrarmos, no entanto, convém alertar o consulente para o fato de que o presente pronunciamento foi elaborado com base nos documentos e informações que vieram aos autos. Por outro lado, a documentação reunida não é suficiente para que tenhamos absoluta segurança sobre as seguintes circunstâncias:

         1.Transferência do controle acionário para a Lanxess Participações S/A: a comunicação de fato relevante de fls. 21 não indica o veículo em que foi publicada tal notícia;

         2.Oferta pública de aquisição de ações da Petroflex pela Lanxess: o edital de fls. 25/39 consiste em documento apócrifo, sem qualquer sinal de aprovação pela CVM;

         3.Obtenção pela Lanxess, após a oferta, de ações representativas de 97% do capital da Petroflex: o documento de fls. 20 não indica a fonte, de modo que, embora seja plausível que esse tenha sido o resultado da oferta, não há como afirmá-lo com convicção;

         4.Por fim, não há como saber se o preço pago pelas ações do Estado de Pernambuco (R$19,68) está, efetivamente, em consonância com os critérios de atualização fixados no item 2.4.1 do edital de oferta pública.

         Sendo assim, ao tempo em que recomendamos sejam confirmadas tais informações junto à Comissão de Valores Mobiliários ou mesmo perante qualquer instituição que goze de inconteste credibilidade (p. ex., BOVESPA), somos do entendimento de que, acaso ratificados os dados acima, não haverá qualquer óbice a que o Estado resgate a importância de R$15.946.251,36, hoje depositada à sua disposição na instituição financeira responsável pela custódia dos papéis de titularidade do acionista controlador (Banco Itaú).

         Por óbvio, o numerário em tela ingressará no orçamento do Estado como receita de capital decorrente da alienação de bens, conforme a classificação do art. 11, §4º, da Lei nº 4.320/1964, devendo-se observar as limitações que tal categoria legal atrai.

         É como pensamos.

         Recife, 30 de março de 2009.

         Leonardo Cavalcanti Morais

         OAB/PE Nº 22.513

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Sobre o autor
Leonardo Cavalcanti Morais

Procurador do Estado de Pernambuco e advogado associado a Lima & Falcão Advogados

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAIS, Leonardo Cavalcanti. Venda compulsória das ações do ente público em sociedade anônima, como acionista minoritário.: Submissão do Estado às regras do mercado de capitais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2414, 9 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16913. Acesso em: 18 nov. 2024.

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