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Licenciamento ambiental em área suscetível a enchentes e inundações: preponderância da lei federal sobre a lei municipal menos restritiva

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27/07/2010 às 09:33
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IV – Princípios da Precaução Prevenção

Todo ordenamento jurídico é composto por um conjunto de normas e princípios dispostos hierarquicamente, sendo a Constituição Federal a lei máxima, o norte, o parâmetro, a norma normarum para todos os cidadãos e ao próprio Estado.

Em direito ambiental, os princípios possuem grande relevância e importância, tendo em vista que atualmente não se possui uma consolidação ou codificação de leis ambientais, apresentando-se o plexo normativo de forma emaranhada e dispersa.

Os princípios, em sede jus-ambiental, correspondem às diretrizes do ordenamento, sendo enunciados lógicos, implícitos ou explícitos, que, por sua grande generalidade, ocupam posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito, vinculando, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam. São orientações normativas de valor genérico que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas.

Para Celso A. Bandeira de Mello:

"Princípios são normas de hierarquia superior às demais regras de qualquer ordenamento jurídico, pelo quê devem sempre orientar a interpretação destas. Correspondem à cristalização de determinados valores sociais tidos como relevantes em determinada organização social, consagrando certa ideologia do sistema jurídico." (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 14ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 807)

Em sede ambiental, vários são os princípios que regem o ordenamento jurídico. Entre eles, podemos citar os princípios do desenvolvimento sustentável, do poluidor-pagador, da cooperação e da participação dos cidadãos, da função sócio-ambiental da propriedade, da máxima proteção e, por fim os da prevenção e precaução, objeto da nossa análise momentânea.

Tais princípios são tidos pela doutrina e pela jurisprudência como princípios fundamentais do Direito Ambiental, já que são muito freqüentes danos ao meio ambiente, atingindo a coletividade como um todo, com caráter irreversível e de difícil ou incerta reparação.

Os princípios da prevenção e precaução são importantíssimos e devem ser sempre considerados, pois visam a impedir a ocorrência de danos e impactos com o emprego de medidas preventivas adequadas e eficazes antes da realização de uma obra, empreendimento ou atividade. Eles determinam que não se produzam intervenções no meio ambiente antes de se ter a certeza de que estas não serão adversas ou lesivas tanto para o meio ambiente quanto para a coletividade.

Nesse ponto, importante lembrar a ensinança de Paulo Afonso Leme Machado sobre o tema:

"[...] não é preciso que se tenha prova científica absoluta de que ocorrerá dano ambiental, bastando o risco de que o dano seja irreversível para que não se deixem para depois as medidas efetivas de proteção ao ambiente". (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro.9. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 574)

Em se tratando de Administração Pública, referidos princípios encontram enorme aplicabilidade, principalmente quando da verificação e análise técnica para expedição de licenças e autorizações para atividades, obras e empreendimentos, exatamente a fase que o processo se encontra.

No caso de empreendimentos particulares em geral, sujeitos à atuação e aprovação da Administração Pública, estes princípios encontram eco e grande relevo, pois visam a planejar, instruir, racionalizar e, acima de tudo, proteger o meio ambiente e a coletividade frente às ações e investida do empreendedor, que, muitas das vezes, não está disposto a questionar a viabilidade ambiental da obra ou atividade, se esta irá trazer prejuízos aos recursos ambientais ou a terceiros, ou ainda, se os prejuízos ambientais decorrentes do empreendimento são passíveis de recomposição ou não.

Subsumindo todas estas considerações e ensinamentos ao caso concreto, em complementação a tudo o que já foi exposto no presente parecer, para que o empreendimento do interessado possa ser licenciado necessário que se tenha a certeza de que o residencial a que se pretende construir não trará nenhum dano, seja ao meio ambiente seja a coletividade, tendo em vista, principalmente, a área sujeita a enchentes, alagamentos e inundações escolhida pelo interessado para empreender.

Uma vez verificada a real possibilidade de o empreendimento causar danos ao meio ambiente e a população, ou não havendo conclusão técnica a respeito, ou ainda, não se tendo certeza quanto a não ocorrência de danos de qualquer natureza no local visado para a construção do residencial, a Procuradoria Geral do Município se posiciona contra o empreendimento, tal como disposto no item anterior.


V – Necessidade de Estudo de Impacto de Vizinhança

Exatamente conforme sugeriram as Secretarias de Serviços Públicos – SUSP e de Desenvolvimento Urbano e Social – SEPLAN deste Município às fls. 29, esta Procuradoria, em virtude do vulto, da magnitude, do elevado número de pessoas que eventualmente irão habitar o futuro residencial e adensar o bairro em questão, aí envolvendo o tráfego de veículos e a necessidade de novos equipamentos públicos, também é pela realização do competente Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV, conforme determina a Lei Federal n.º 10.257/01 nos seus artigos 36 a 38 (Estatuto das Cidades), bem como a Lei Ordinária Municipal n.º 6.781/06, dando-se ao mesmo a devida publicidade.

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Conforme muito bem explica o jurista Celso Antônio Pacheco Fiorillo:

"Mais importante instrumento de atuação no meio ambiente artificial na perspectiva de assegurar a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal), o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) tem como objetivo compatibilizar a ordem econômica do capitalismo (arts. 1º, IV, e 170 da Constituição Federal) em face dos valores fundamentais ligados às necessidades de brasileiros e estrangeiros residentes no país justamente em decorrência do trinômio vida / trabalho / consumo."

E finaliza:

"Trata-se de previsão de diagnóstico da situação ambiental presente (meio ambiente cultural, meio ambiente artificial, meio ambiente do trabalho e meio ambiente natural), antes da implantação da obra ou atividade, possibilitando fazer comparações com as alterações que ocorrerão posteriormente, caso a obra ou atividade venha a ser autorizada. [...]. O EIV evidencia a sua existência no princípio da prevenção do dano ambiental, decorrendo, portanto, da idéia antes fixada, sua essência preventiva. O conteúdo do EIV deverá ser executado de forma a contemplar tanto os efeitos positivos como os negativos do empreendimento ou atividade e tem como objetivo explícito a tutela da qualidade de vida da população residente na área e suas proximidades." (FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 3ª ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2002, p. 219-220).


VI – Conclusões

Ante todo o exposto, sintetizando o que foi abordado no presente parecer jurídico, a Procuradoria Geral do Município conclui e opina:

1) Que o referido processo administrativo trata de pedido de Licença Ambiental Prévia, visando à implementação de um residencial com 11 (onze) blocos e 264 (duzentos e sessenta e quatro) apartamentos, em terreno localizado em Área Mista de Serviços, em trecho urbano deste Município;

2) Que o interessado apresentou todos os documentos legalmente exigidos e necessários para a análise do Licenciamento Ambiental Prévio - LAP;

3) Que nas plantas e projetos do empreendimento apresentados pelo interessado não foram respeitados os afastamentos legais de 30 metros das margens dos canais existentes no terreno onde se pretende edificar, áreas estas consideradas de Preservação Permanente;

4) Que deve o interessado, caso a municipalidade entenda por licenciar o empreendimento, respeitar a faixa de 30 metros de APP às margens dos canais e cursos d’água existentes no terreno a ser edificado, conforme dispõe o Código Florestal em seu art. 2º (Lei n.º 4771/65), assim como toda e qualquer outra área considerada de preservação ou de uso restrito;

5) Que o empreendimento sob estudo está inserido em uma região de alagamentos e inundações, isso porque se situa na exutória (ponto onde escoa toda a água drenada pela bacia) de confluência de dois canais de escoamento de águas, responsáveis pela drenagem de duas sub-bacias hidrográfica do Município;

6) Que devido ao sub-dimensionamento dos canais de escoamento existentes no entorno do empreendimento, a área em exame é suscetível a enchentes, que tendem a ocorrer em períodos curtos, menores que 1 (um) ano;

7) Que o empreendimento só pode ser licenciado e autorizado caso o interessado demonstre tecnicamente, de forma cabal, segura e eficiente, que a região onde pretende implantar seu empreendimento não apresentará riscos ao meio ambiente nem aos futuros adquirentes dos imóveis objetos do empreendimento, e ainda, que as obras e soluções técnicas que pretende realizar ou efetuar corrigirão ou sanarão totalmente a ocorrência de enchentes, alagamentos e inundações no terreno, tendo em vista que a área escolhida para o empreendimento situa-se no exato ponto de confluência de canais responsáveis pela drenagem de duas sub-bacias hidrográficas do Município (exutória);

8) Que deve o interessado realizar, conforme preceituam os artigos 36 a 38 do Estatuto das Cidades e a respectiva Lei Ordinária Municipal, o competente Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV, em virtude do vulto, da magnitude, do elevado número de pessoas que irão habitar o futuro residencial e adensar o bairro em questão, aí envolvendo o tráfego de veículos e a necessidade de novos equipamentos públicos;

9) Que se trata a presente fase do processo de verificação prévia da viabilidade ambiental do empreendimento, exercida por intermédio da avaliação de concessão de LAP, e, que caso a municipalidade entenda por licenciar e autorizar o empreendimento, todos os seus demais aspectos serão vistos e analisados em momento futuro e oportuno, tanto pela Fundação Municipal de Meio Ambiente quanto por outros órgãos do Município, como é o caso do saneamento, rede de água e esgoto etc. A eventual concessão de LAP não dispensa o interessado, nem lhe dá total liberdade, para intervir como queira na área objeto do empreendimento.

S.M.J., é o que nos parece.

Remetam-se os autos ao Ilustríssimo Senhor Superintendente desta Fundação Municipal de Meio Ambiente, para as providências que entender cabíveis.

Município, em 01 de julho de 2010.

PROCURADOR DO MUNICÍPIO

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Sobre o autor
Felipe Neves Linhares

Advogado. Procurador do Município de Palhoça-SC. Professor Substituto da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Membro da Comissão de Meio Ambiente da OAB/SC. Representante da OAB/SC na Câmara Técnica para Assuntos Agro-Florestais do Conselho Estadual do Meio Ambiente - CONSEMA. Pós-graduado pela Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina ESMESC. Pós-graduado com o título de Especialista Acadêmico em Direito Público pelo Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina CESUSC. Pós-graduado com o título de Especialista Acadêmico em Direito Material e Processual Civil também pelo Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina CESUSC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LINHARES, Felipe Neves. Licenciamento ambiental em área suscetível a enchentes e inundações: preponderância da lei federal sobre a lei municipal menos restritiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2582, 27 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/17048. Acesso em: 6 mai. 2024.

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