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Parceria no cultivo de floresta para produção de madeira

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13/01/2011 às 18:39
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Proprietários de imóveis rurais consultam sobre a possibilidade de, sob o ponto de vista do direito agrário e do direito tributário, cada um deles firmar contrato de parceria rural com sociedade empresária em que esta, às suas expensas, formará nos imóveis deles florestas objetivando a obtenção de madeira a ser partilhada entre as duas partes contratantes.

A CONSULTA

Proprietários de imóveis rurais consultam sobre a possibilidade de, sob o ponto de vista do direito agrário e do direito tributário, cada um deles firmar contrato de parceria rural com sociedade empresária em que esta, às suas expensas, formará nos imóveis deles florestas objetivando a obtenção de madeira a ser partilhada entre as duas partes contratantes. O primeiro corte das árvores a serem cultivadas está previsto para ser feito no sétimo ano contado do início do cultivo.

Durante o período de formação da floresta, cada um dos consulentes receberá mensalmente da empresa cultivadora quantia a título de adiantamento por conta da partilha da produção esperada. Por ocasião do corte das árvores, o valor atualizado dos adiantamentos que recebeu será comparado com o valor da parte na produção de madeiras que lhe couber, avaliada pelo preço então corrente; se o valor de sua participação na produção for maior do que a soma atualizada das quantias adiantadas, receberá a diferença em madeira, e em caso contrário deverá reembolsar a parceira cultivadora pelo excesso recebido.

Interessa-lhes saber se, acaso permitido esse contrato com base nas normas do direito agrário, especialmente da Lei nº 4.504/1964, o chamado Estatuto da Terra (ET), e do Decreto nº 59.566/1966, qual poderá ser o entendimento da Receita Federal do Brasil a respeito, e pedem em especial que sejam esclarecidas as seguintes dúvidas surgidas no decorrer da negociação que vem sendo entabulada, suscitadas umas por eles consulentes e outras pela empresa interessada:

a)procede o entendimento da empresa de que no caso estão vedados os adiantamentos mensais por conta da participação do dono da terra, visto que o ET em seu art. 96, §§ 2º e 3º, somente os permite se forem eventuais?

b)sendo permitidos os adiantamentos, qual o tratamento tributário a lhes ser dado pelo dono da terra?

c) e qual o tratamento tributário a ser dado aos referidos adiantamentos mensais pela parceira cultivadora?

d)como alternativa aos adiantamentos, poderia ser adotada a sugestão da empresa de comprar a parte dos donos da terra na produção, consistente de quantidade prefixada de madeira a ser entregue na época do corte, por preço certo, por exemplo, de R$ 800,00 por alqueire ao ano, a ser pago anualmente?


AS RESPOSTAS

Os contratos agrários

Arrendamento e parceria rurais constituem as duas únicas espécies do gênero contrato agrário, pelo qual o titular de direitos sobre imóvel rural cede, mediante pagamento de um preço, o uso temporário de toda ou de parte da área para que outrem nela exerça atividade agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa ou mista.

O preço pela cessão do uso temporário da terra é um dos elementos essenciais e específicos do contrato agrário, por isso não foi o comodato incluído pela lei como uma de suas espécies.

No arrendamento, a cessão do uso temporário da terra se dá mediante fixação do preço em quantia certa. O pagamento poderá ser feito em dinheiro ou no seu equivalente em frutos ou produtos, mas o preço do arrendamento tem de ser fixado de antemão, em dinheiro. Nesse tipo de contrato o dono da terra não compartilha qualquer dos riscos assumidos pelo parceiro tratador com relação às explorações rurais a serem desenvolvidas no imóvel.

O contrato oneroso para uso temporário de imóvel rural ou de parte dele que não se enquadrar na definição de arrendamento, será parceria, contrato pelo qual o titular do imóvel assume qualquer tipo de risco das explorações rurais, ainda que seja apenas o da variação de preço dos frutos delas obtidos.

As normas legais sobre contratos agrários são de direito público, tanto que não constam do atual Código Civil, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Constava do Código Civil de 1916, Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, que de modo genérico falava sobre arrendamento, e sobre parceria rural tratava em seus artigos 1.410 a 1.423. Mas o Código Civil de 1916 foi editado sob a égide da Constituição Federal de 1891, quando ainda não havia, no Brasil, maiores preocupações com a função social da terra.

Somente com a Emenda Constitucional nº 10, de 9 de novembro de 1964 (DOU de 11-11-1964), que alterou o inciso XV do artigo 5º da Constituição Federal de 1946, foi reconhecida a competência da União para legislar sobre direito agrário, que assim passou a constituir novo ramo de direito no País. Denotando que os estudos pertinentes já vinham se desenvolvendo fazia algum tempo, no mesmo mês da EC nº 10/1964 foi editada a Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, o Estatuto da Terra (ET), que regula os direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis rurais, para os fins de execução da Reforma Agrária e promoção da Política Agrícola no País. O ET, na parte que cura dos contratos agrários, foi regulamentado pelo Decreto nº 59.566, de 14 de novembro de 1996.

Na Constituição atual, a autonomia do direito agrário está prevista no artigo 22, especificamente em seu inciso I, que lista os diversos ramos de direito sobre os quais a União tem competência para legislar.


A parceria rural

A parceria rural, modalidade de contrato agrário que interessa a esta análise, está regulada no artigo 96 da Lei nº 4.504/1964, na redação que a esse artigo deu a Lei nº 11.443, de 5 de janeiro de 2007, e regulamentada no já referido Decreto nº 59.566/1996, que a definiu em seu artigo 4º, reproduzido a seguir com obediência à acentuação diacrítica da época:

Art. 4º Parceria rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso especifico de imóvel rural, de parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, benfeitorias, outros bens e ou facilidades, com o objetivo de nêle ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa vegetal ou mista; e ou lhe entrega animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração de matérias primas de origem animal, mediante partilha de riscos do caso fortuito e da fôrça maior do empreendimento rural, e dos frutos, produtos ou lucros havidos nas proporções que estipularem, observados os limites percentuais da lei (artigo 96, VI do Estatuto da Terra).

Parágrafo único. para os fins dêste Regulamento denomina-se parceiro outorgante, o cedente, proprietário ou não, que entrega os bens; e parceiro-outorgado, a pessoa ou o conjunto familiar, representado pelo seu chefe, que os recebe para os fins próprios das modalidades de parcerias definidas no art. 5º.

Não tendo essa dicção "partilha de riscos do caso fortuito e da fôrça maior do empreendimento rural, e dos frutos, produtos ou lucros havidos nas proporções que estipularem, observados os limites percentuais da lei (artigo 96, VI do Estatuto da Terra)", do Decreto, sido suficientemente clara para evitar divergências de interpretação quanto à configuração de parceria nos contratos de cessão da terra para uso temporário, foi editada a Lei nº 11.443, de 5 de janeiro de 2007, que deu nova redação ao artigo 96 do Estatuto da Terra.

Na nova redação desse artigo foram incluídos cinco parágrafos, dos quais os três primeiros, que interessam ao tema aqui versado, são destacados em negrito na longa redação atual do referido dispositivo, abaixo copiado:

"Da Parceria Agrícola, Pecuária, Agro-Industrial e Extrativa

Art. 96. Na parceria agrícola, pecuária, agro-industrial e extrativa, observar-se-ão os seguintes princípios:

I - o prazo dos contratos de parceria, desde que não convencionados pelas partes, será no mínimo de três anos, assegurado ao parceiro o direito à conclusão da colheita, pendente, observada a norma constante do inciso I, do artigo 95;

II - expirado o prazo, se o proprietário não quiser explorar diretamente a terra por conta própria, o parceiro em igualdade de condições com estranhos, terá preferência para firmar novo contrato de parceria;

III - as despesas com o tratamento e criação dos animais, não havendo acordo em contrário, correrão por conta do parceiro tratador e criador;

IV - o proprietário assegurará ao parceiro que residir no imóvel rural, e para atender ao uso exclusivo da família deste, casa de moradia higiênica e área suficiente para horta e criação de animais de pequeno porte;

V - no Regulamento desta Lei, serão complementadas, conforme o caso, as seguintes condições, que constarão, obrigatoriamente, dos contratos de parceria agrícola, pecuária, agro-industrial ou extrativa:

a) quota-limite do proprietário na participação dos frutos, segundo a natureza de atividade agropecuária e facilidades oferecidas ao parceiro;

b) prazos mínimos de duração e os limites de vigência segundo os vários tipos de atividade agrícola;

c) bases para as renovações convencionadas;

d) formas de extinção ou rescisão;

e) direitos e obrigações quanto às indenizações por benfeitorias levantadas com consentimento do proprietário e aos danos substanciais causados pelo parceiro, por práticas predatórias na área de exploração ou nas benfeitorias, nos equipamentos, ferramentas e implementos agrícolas a ele cedidos;

f) direito e oportunidade de dispor sobre os frutos repartidos;

VI - na participação dos frutos da parceria, a quota do proprietário não poderá ser superior a:

a) 20% (vinte por cento), quando concorrer apenas com a terra nua; (Redação dada pela Lei nº 11.443, de 2007).

b) 25% (vinte e cinco por cento), quando concorrer com a terra preparada; (Redação dada pela Lei nº 11.443, de 2007).

c) 30% (trinta por cento), quando concorrer com a terra preparada e moradia; (Redação dada pela Lei nº 11.443, de 2007).

d) 40% (quarenta por cento), caso concorra com o conjunto básico de benfeitorias, constituído especialmente de casa de moradia, galpões, banheiro para gado, cercas, valas ou currais, conforme o caso; (Redação dada pela Lei nº 11.443, de 2007).

e) 50% (cinqüenta por cento), caso concorra com a terra preparada e o conjunto básico de benfeitorias enumeradas na alínea d deste inciso e mais o fornecimento de máquinas e implementos agrícolas, para atender aos tratos culturais, bem como as sementes e animais de tração, e, no caso de parceria pecuária, com animais de cria em proporção superior a 50% (cinqüenta por cento) do número total de cabeças objeto de parceria; (Redação dada pela Lei nº 11.443, de 2007).

f) 75% (setenta e cinco por cento), nas zonas de pecuária ultra-extensiva em que forem os animais de cria em proporção superior a 25% (vinte e cinco por cento) do rebanho e onde se adotarem a meação do leite e a comissão mínima de 5% (cinco por cento) por animal vendido; (Redação dada pela Lei nº 11.443, de 2007).

g) nos casos não previstos nas alíneas anteriores, a quota adicional do proprietário será fixada com base em percentagem máxima de dez por cento do valor das benfeitorias ou dos bens postos à disposição do parceiro;

VII - aplicam-se à parceria agrícola, pecuária, agropecuária, agro-industrial ou extrativa as normas pertinentes ao arrendamento rural, no que couber, bem como as regras do contrato de sociedade, no que não estiver regulado pela presente Lei.

VIII - o proprietário poderá sempre cobrar do parceiro, pelo seu preço de custo, o valor de fertilizantes e inseticidas fornecidos no percentual que corresponder à participação deste, em qualquer das modalidades previstas nas alíneas do inciso VI do caput deste artigo; (Incluído pela Lei nº 11.443, de 2007).

IX - nos casos não previstos nas alíneas do inciso VI do caput deste artigo, a quota adicional do proprietário será fixada com base em percentagem máxima de 10% (dez por cento) do valor das benfeitorias ou dos bens postos à disposição do parceiro. (Incluído pela Lei nº 11.443, de 2007).

§ 1º Parceria rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso específico de imóvel rural, de parte ou partes dele, incluindo, ou não, benfeitorias, outros bens e/ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa vegetal ou mista; e/ou lhe entrega animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração de matérias-primas de origem animal, mediante partilha, isolada ou cumulativamente, dos seguintes riscos: (Incluído pela Lei nº 11.443, de 2007).

I - caso fortuito e de força maior do empreendimento rural; (Incluído pela Lei nº 11.443, de 2007).

II - dos frutos, produtos ou lucros havidos nas proporções que estipularem, observados os limites percentuais estabelecidos no inciso VI do caput deste artigo; (Incluído pela Lei nº 11.443, de 2007).

III - variações de preço dos frutos obtidos na exploração do empreendimento rural. (Incluído pela Lei nº 11.443, de 2007).

§ 2º As partes contratantes poderão estabelecer a prefixação, em quantidade ou volume, do montante da participação do proprietário, desde que, ao final do contrato, seja realizado o ajustamento do percentual pertencente ao proprietário, de acordo com a produção. (Incluído pela Lei nº 11.443, de 2007).

§ 3º Eventual adiantamento do montante prefixado não descaracteriza o contrato de parceria. (Incluído pela Lei nº 11.443, de 2007).

§ 4º Os contratos que prevejam o pagamento do trabalhador, parte em dinheiro e parte em percentual na lavoura cultivada ou em gado tratado, são considerados simples locação de serviço, regulada pela legislação trabalhista, sempre que a direção dos trabalhos seja de inteira e exclusiva responsabilidade do proprietário, locatário do serviço a quem cabe todo o risco, assegurando-se ao locador, pelo menos, a percepção do salário mínimo no cômputo das 2 (duas) parcelas. (Incluído pela Lei nº 11.443, de 2007).

§ 5º O disposto neste artigo não se aplica aos contratos de parceria agroindustrial, de aves e suínos, que serão regulados por lei específica. (Incluído pela Lei nº 11.443, de 2007)."

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Começando pela redação do § 1º, vê-se que essa nova disposição caracterizadora do contrato de parceria rural, desta vez constando da própria lei e não de seu decreto regulamentador, inclui a partilha do risco das variações de preço dos frutos obtidos na exploração do empreendimento rural (inciso III do § 1º do art. 96), empreendimento que no caso da consulta é o de exploração agrícola.

A redação da lei agora é elucidativa, facilitadora da conclusão, que deveria ser óbvia, de que, sendo somente dois os tipos de contratos agrários, será parceria aquele que não se caracterizar como arrendamento. Dito de outro modo: será parceria o contrato de cessão do uso temporário e oneroso de imóvel rural ou de parte dele que não for feito em contrapartida de um preço fixo a ser pago em dinheiro ou no seu equivalente em frutos ou produtos.

O fato de o inciso VI do caput do art. 96 do ET prescrever que na participação dos frutos da parceria a quota do proprietário não poderá ser superior a determinados percentuais, conforme seja sua contribuição para a exploração objetivada, não significa que sua participação deva sempre ser fixada percentualmente. Trata-se de prescrição legal que serve também como fixação de quotas-limites para apurar eventuais excessos, especialmente quando houver notória desproporção econômica entre o proprietário do imóvel e o parceiro outorgado, visto que essa lei é de cunho social.

Ao dizer o art. 96, § 1º, inciso III, que para configurar o contrato de parceria rural basta a assunção, pelo dono da terra, do risco de variações de preço dos frutos obtidos na exploração, está o dispositivo permitindo que esse parceiro receba quantidade prefixa da produção que vier a ser obtida da atividade exercida em comum.

Adiantar quantias por conta da participação do proprietário do imóvel nos frutos e produtos esperados da atividade rural exercida em parceria já era prática generalizada e aceita, notadamente nos empreendimentos de prazo médio ou longo de implantação.

Haja vista que nos Regulamentos do CONSECANA – Conselho de Produtores de Cana-de-Açúcar, Açúcar e Álcool, tanto o do Estado de São Paulo como o do Estado do Paraná, acessíveis na internet em diversos portais, v.g. www.udop.com.br, sempre constou a possibilidade desses adiantamentos e seu ajuste ao final, como se vê do Anexo II desses Regulamentos, arts. 16 a 18 e 21 e 22. A inclusão dos §§ 2º e 3º ao art. 96 do Estatuto da Terra visou apenas espancar dúvidas e prevenir contendas estéreis, pois o que deles consta já emergia claramente do direito aplicável.

Em conclusão: os adiantamentos por conta da participação do parceiro outorgante são e já eram permitidos, e nessa condição não são tributáveis; a tributação fica diferida para o momento da partilha dos frutos ou produtos da atividade exercida em comum pelos contratantes.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PALHARES, Cacildo Baptista. Parceria no cultivo de floresta para produção de madeira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2752, 13 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/18258. Acesso em: 20 abr. 2024.

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