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Parceria no cultivo de floresta para produção de madeira

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13/01/2011 às 18:39
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Parceria em cultura florestal

A formação de floresta, ou silvicultura, classifica-se obviamente entre as atividades rurais referidas no § 1º do art. 96 do Estatuto da Terra, como agrícola (agricultura). Em sentido lato, a palavra "agricultura" compreende todas as atividades do campo, ou atividades rurais, mas em sentido estrito tem o significado de cultivo de vegetais. Portanto, com base nas disposições legais pertinentes, a florestação e o reflorestamento constituem tipos de exploração rural que podem ser exercidas por meio de contrato de arrendamento ou de parceria, como demonstrado na seção anterior, intitulada "A parceria rural".

O Regulamento do Imposto de Renda (RIR), consubstanciado no Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999, que consolida a legislação sobre o Imposto de Renda editada até a sua expedição, dispõe em seu artigo 58 que se considera atividade rural, entre outras: "VI - o cultivo de florestas que se destinem ao corte para comercialização, consumo ou industrialização."

A análise das normas do direito agrário, feita acima, deixa claro o cabimento, para qualquer efeito legal, da parceria com vistas à formação de floresta. E não é por outra razão que existe ato da Receita Federal expedido com o fito de manifestar essa possibilidade. Trata-se do Parecer Normativo do Coordenador do Sistema de Tributação (PN/CST) nº 30, de 20 de agosto de 1980, publicado no Diário Oficial da União de 26 de agosto de 1980, cuja cópia é apresentada com o presente parecer. O caso dos consulentes identifica-se com o do item 2, alínea "a", do Parecer Normativo, em que a empresa cultivadora venderá madeira oriunda de árvores por elas plantadas em terrenos de terceiros, os parceiros donos das terras.

O referido Parecer Normativo foi expedido na vigência do Decreto-lei nº 1.382, de 26 de dezembro de 1974, que dispunha sobre a forma de tributação das empresas agrícolas, nesta parte alterando o Decreto-lei nº 902, de 30 de setembro de 1969, que tratava da tributação dos rendimentos da exploração agrícola ou pastoril, diplomas que vigoraram até o advento da Lei nº 8.023, de abril de 1990, que atualmente rege a referida tributação. Especificamente no que diz com os contratos agrários, o DL nº 1.382/1974 e portanto também o PN-CST nº 30/1980 tinham sustentação na mesma Lei nº 4.504/1964, que servia então e serve ainda hoje para conferir orientação e limites às normas legais tributárias nesse tema específico.

E se para definir ou limitar competência para instituir tributo a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, como prescreve o art. 110 do Código Tributário Nacional, igualmente não poderá, para esse fim, alterar os mesmos elementos de direito público, caso do direito agrário. Portanto, as orientações do referido Parecer Normativo, pelos seus fundamentos de direito, valem ainda hoje, a despeito de a matéria estar sob regência de outra lei tributária.

Valem porque, repita-se, a lei tributária vigente tem, assim como tinha a anterior, sustentação na Lei nº 4.504/1964, que por sua vez regulava o disposto no art. 5º, inciso XV, da Constituição Federal de 1946 em matéria de direito agrário, e, recepcionada pela atual Carta Magna, regula o art. 22, inciso I, desta.

Demonstrado assim que perante o direito agrário e o direito tributário é possível a contratação de parceria para formação de floresta, vamos agora às perguntas feitas pelos consulentes.

a) Procede o entendimento da empresa de que no caso estão vedados os adiantamentos mensais por conta da participação do dono da terra, visto que o ET em seu art. 96, §§ 2º e 3º, somente os permite se forem eventuais?

A afirmação feita pelo ilustre e zeloso representante da empresa cultivadora, de que o § 3º do artigo 96 do Estatuto da Terra apenas permite adiantamentos por conta do montante prefixado se forem eventuais, com a devida vênia, não procede.

Em primeiro lugar, observar que o dispositivo permite o adiantamento do montante prefixado, e sendo assim, a parceira cultivadora se quisesse poderia adiantar o total de uma só vez. Mas apesar de poder adiantar de uma vez só todo o valor, irá fazê-lo de forma compassada, em parcelas ao longo de todo o período que antecede a colheita e a partilha. Como quem pode o mais pode o menos, não há o que questionar ou censurar nesse procedimento.

O longo prazo de maturação do empreendimento, sete anos, também não é motivo para inviabilizar a antecipação permitida, que afinal é prevista em lei, sem restrição quanto ao tempo necessário para obtenção dos frutos da exploração rural em parceria.

Por outro lado, o dispositivo fala em "eventual adiantamento", e não em "adiantamento eventual", expressão que teria sentido diverso. Amiúde ocorre mudança no significado da palavra ou da frase quando se antepõe o adjetivo ao substantivo.

No caso, somente se a expressão estivesse com o adjetivo colocado em sua forma posposta ("adiantamento eventual") é que estaria o legislador se referindo à qualidade dos adiantamentos que o parceiro outorgado poderia fazer ao dono da terra sem que com isso restasse descaracterizada a parceria. Mas ele empregou a forma anteposta, pelo fato de o adiantamento não ser elemento ínsito, isto é, requisito essencial e específico do contrato de parceria, como por exemplo o preço, o uso temporário da terra, a partilha etc. De fato, o legislador jamais falaria em eventual partilha, eventual parceiro outorgante, eventual parceiro outorgado, pois todos esses são elementos indefectíveis da parceria, ou requisitos obrigatórios desse tipo de contrato.

Em conclusão: se a lei permite a contratação da parceria agrícola; se a florestação é uma atividade agrícola; se a Receita Federal reconhece a possibilidade de parceria para essa atividade; se a lei permite adiantamento de quantias por conta da participação do proprietário do imóvel; se ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, como estabelece o art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, então ninguém poderá legitimamente se opor ao ajuste dessa cláusula contratual.

b) Sendo permitidos os adiantamentos, qual o tratamento tributário a lhes ser dado pelo dono da terra?

Adiantamentos não são tributáveis quando de seu recebimento. A tributação fica protraída para o momento em que se der o fato gerador do imposto de renda. Fato gerador da obrigação tributária principal, que é a de pagar o tributo, é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência, segundo o teor do artigo 114 do Código Tributário Nacional. No caso do imposto sobre a renda da atividade rural da pessoa física, esse momento é o do recebimento do preço de venda, pelo parceiro outorgante (dono do imóvel), da parte da produção que lhe couber na partilha.

Os adiantamentos foram aqui tomados como sendo uma forma de conferir uma compensação ao proprietário do imóvel pela falta de obtenção de renda da propriedade durante o período de formação da floresta, e não como recebimento de antecipação do preço de venda de sua parte na produção, pois disso não foi cogitado pelos consulentes.

Se fosse o caso de recebimento por conta de venda da produção, seria aplicável o disposto no § 2º do artigo 61 do Regulamento do Imposto de Renda, segundo o qual "Os adiantamentos de recursos financeiros, recebidos por conta de contrato de compra e venda de produtos agrícolas para entrega futura, serão computados como receita no mês da efetiva entrega do produto."

Como a partilha entre os parceiros terá por objeto a produção de madeira, e não o lucro que a empresa obterá com a exploração, o dono da terra auferirá receita da venda da parte que lhe couber na madeira a ser produzida. Sendo assim, do produto da venda dessa sua parte no máximo vinte por cento (20%) serão tributados, por força do que estabelece o art. 5º da Lei nº 8.023, de 12 de abril de 1990.

Foi dito no máximo vinte por cento porque a lei, ao dispor que para efeito do imposto de renda o resultado tributável da atividade rural não passará de vinte por cento da receita auferida, em outras palavras está concedendo direito de deduzir da receita oitenta por cento de despesas. Todavia, o contribuinte, consideradas todas as suas atividades rurais, pode ter, em relação às receitas, despesas efetivas em porcentagem superior aos oitenta por cento de despesas fictas proporcionadas pela lei.

Por certo será com o produto da venda da produção que na partilha lhe tocar que o proprietário do imóvel satisfará sua obrigação decorrente dos adiantamentos recebidos. Se a venda for feita à própria empresa parceira na formação das árvores, provavelmente será por compensação que liquidará essa dívida, fazendo o encontro de sua conta devedora, gerada pelos adiantamentos, com a conta credora pela venda da madeira. Se a venda for feita a terceiro, com o dinheiro recebido pagará os adiantamentos. Seja como for, valor tributável para a pessoa física dona das terras será no máximo o equivalente a vinte por cento da receita recebida pela venda da madeira que lhe couber na partilha da produção em parceria.

c) E qual o tratamento tributário a ser dado aos referidos adiantamentos mensais pela parceira cultivadora?

Evidentemente, os adiantamentos não constituirão despesa para a parceira cultivadora, ao contrário do que sucederia se se tratasse de pagamento em contrapartida a arrendamento.

Para ela, os adiantamentos configurarão créditos perante o proprietário do imóvel rural. Esses créditos deverão figurar no seu ativo realizável a longo prazo, na forma prevista no art. 179, inciso II, da Lei das Sociedades por Ações, nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, na redação que a esse dispositivo foi dada pela Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007.

A Lei das Sociedades por Ações (LSA), pela necessidade de adequação da contabilidade e do balanço das empresas nacionais aos padrões da economia internacional, acaba por ditar as normas de controle contábil e tributário aplicáveis a todos os tipos de sociedades, estando suas últimas alterações, implantadas por meio da Lei nº 11.638/2007, ainda em fase de adequação ao ordenamento jurídico geral do País. Essas alterações foram iniciadas pela Lei nº 11.941/2009, que a partir de seu art. 15 instituiu o Regime Tributário de Transição de apuração do lucro real.

O parágrafo único do referido art. 179 da LSA diz que na empresa em que o ciclo operacional tiver duração maior que o exercício social a classificação no circulante ou longo prazo terá por base o prazo desse ciclo. Embora eu não conheça as particularidades da empresa que se propõe a florestar os imóveis, julgo que, sejam elas quais forem, nenhum efeito prático terá a classificação dos adiantamentos no seu ativo realizável a longo prazo.

O crédito da empresa será baixado por ocasião do ajuste final entre os parceiros, oportunidade em que, com o produto da venda de sua parte na produção, o proprietário do imóvel pagará seu débito à empresa.

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d) Como alternativa aos adiantamentos, poderia ser adotada a sugestão da empresa de comprar a parte dos donos da terra na produção, consistente de quantidade prefixada de madeira a ser entregue na época do corte, por preço certo, por exemplo, de R$ 800,00 por alqueire ao ano, a ser pago anualmente?

Apesar do engenho da proposta, essa compra, cujas condições não foram informadas, no meu entender não teria nenhum efeito prático se comparada com a realização dos adiantamentos.

Por outro lado, poderia ser interpretada como contrato de arrendamento disfarçado, visto que, segundo parece, os proprietários dos imóveis receberiam preço fixo, predeterminado, sem correr risco.

O Fisco poderá entender que não há diferença entre essa forma de contratar e a prefixação do preço em dinheiro a ser pago pelo uso da terra. Por exemplo, se no contrato de arrendamento ficasse convencionado que o preço fixo, em dinheiro, portanto o arrendamento, seria de R$ 800,00 por alqueire ao ano, a empresa iria pagar anualmente R$ 100.000,00 reais por um imóvel de 875 alqueires paulistas, o mesmo valor que pagará na hipótese proposta, de venda da produção. A proposta seria para compra da parte da produção que pelo contrato será destinada a cada um dos donos das terras, ou seja, quantidade prefixada de madeira a ser entregue na época do corte e cujo valor seria, por exemplo, de R$ 800,00 por alqueire ao ano, a ser paga mediante parcelas anuais.

A notícia a respeito da sugestão formulada pela empresa não esclarece se a venda da madeira seria pura ou condicionada, se o contrato de compra e venda seria aleatório, no sentido de ela assumir o risco de a madeira vir a existir em qualquer quantidade, ou mesmo não existir, podendo, conforme sejam as condições ajustadas, ficar descaracterizada a parceria. Mas um dado é certo: trata-se de compra e venda de coisa futura, tipo de contrato que fica sem efeito se o bem não vier a existir, a menos que a intenção das partes tenha sido de concluir contrato aleatório. Neste caso, seria necessário saber a que álea terá ficado sujeito o contrato, para se poder avaliar sobre os reflexos no seu tratamento tributário.

Mas independentemente de saber sobre essas especificidades do contrato de compra e venda sugerido, o certo é que terá ele por objeto coisa futura. E neste caso, o tratamento tributário é um só, e está previsto no § 2º do artigo 61 do Regulamento do Imposto de Renda: "Os adiantamentos de recursos financeiros, recebidos por conta de contrato de compra e venda de produtos agrícolas para entrega futura, serão computados como receita no mês da efetiva entrega do produto." Como se verá logo adiante, desse enunciado se conclui que no caso aqui analisado o ano em que forem recebidos os adiantamentos não será o do fato gerador da obrigação de pagar o imposto de renda, a não ser aquele ano em que também for entregue a madeira.

Na apuração do resultado da atividade rural exercida por pessoa física, a receita, por força do disposto no art. 4º da Lei nº 8.023/1990 e no já reproduzido § 2º do art. 61 do RIR, somente é considerada na data de seu efetivo recebimento, assim como as despesas somente são consideradas na data de seu pagamento.

Se tomados os valores recebidos como sendo por venda da parte do dono da terra na produção, esses recebimentos antes da entrega dos produtos serão por conta de receita futura, e a entrega do produto marcará o momento da percepção da receita e, portanto, o momento do fato gerador da obrigação tributária principal. Como se trata de rendimentos tributáveis da pessoa física, o exercício financeiro de competência será o ano civil seguinte ao do recebimento da receita de venda da madeira, quando o contribuinte deve apresentar sua declaração anual de ajuste.

Numa observação parentética, que será útil linha à frente, se em lugar de rendimento a renda da pessoa física fosse do tipo "ganho de capital", ou seja, a alienação de bem de seu patrimônio fixo por valor acima do que lhe custou, a obrigação de pagar o imposto seria no mês seguinte ao do recebimento da receita pela alienação do bem ou direito.

Relembrando que o fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência (Código Tributário Nacional, art. 114), no caso dos adiantamentos recebidos para entrega futura de madeira será o ano da entrega desse produto, digamos, o ano de 2017, devendo, na hipótese, a declaração de ajuste ser apresentada em 2018. O mesmo Código, tratando do lançamento tributário, ou seja, o ato de constituição do crédito tributário, diz também que "O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada."

De tudo isso se infere que não há necessidade de os parceiros proprietários dos imóveis contratarem venda prévia de sua parte na produção, pois a parceria lhes garante a consideração da receita somente quando da venda de sua parte na produção rural. E enquanto não auferirem essa receita, não existirá fato gerador do imposto de renda. No caso é como se eles estivessem, por conta própria, formando a floresta, apenas nela aplicando seus recursos.

Ainda sobre essa proposta de venda, como o fato gerador do imposto no caso de adiantamentos por conta do preço ocorre no ano da entrega do produto vendido, que na situação aqui analisada pode ser de até sete anos depois dos adiantamentos feitos no primeiro ano, a lei de regência da tributação que vigorar por ocasião do lançamento que vier a ser realizado de ofício pela autoridade fazendária poderá ser outra, com novas alíquotas e quem sabe com outras alterações.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PALHARES, Cacildo Baptista. Parceria no cultivo de floresta para produção de madeira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2752, 13 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/18258. Acesso em: 5 mai. 2024.

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