Capa da publicação Nota ao PL 3.337/2015: cessão de créditos da dívida ativa da União às instituições financeiras
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Nota técnica – Projeto de Lei 3.337 de 2015 (minuta).

Da cessão de créditos da dívida ativa da União às instituições financeiras

Leia nesta página:

O parecer trata da cessão de créditos da dívida ativa da União às instituições financeiras, da transferência das garantias processuais ao cessionário e da cobrança amigável promovida por pessoas jurídicas de direito privado.

CESSÃO DE CRÉDITOS DA DÍVIDA ATIVA DA UNIÃO ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. TRANSFERÊNCIA DAS GARANTIAS PROCESSUAIS AO CESSIONÁRIO. COBRANÇA AMIGÁVEL PROMOVIDA POR PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO. RESTRIÇÕES DE NATUREZA PENAL E PROCESSUAL PENAL. DESTINAÇÃO DE PERCENTUAL AOS SINDICATOS DOS AUDITORES FISCAIS E DOS PROCURADORES DA FAZENDA.    

I- Relatório

O Projeto de Lei n.º 3337/2015, que dispõe sobre a cessão de créditos da dívida ativa da União às pessoas jurídicas de direito privado, constitui valiosa proposta de alteração da legislação vigente, no sentido de reduzir, em favor do Estado, os gastos e os riscos inerentes à execução fiscal, tanto nas esferas administrativa quanto na judicial.

Do ponto de vista estatal, a medida não poderia ser mais benéfica e oportuna, pois nesse momento de crise econômica que assola o país, em que todos os setores da sociedade clamam por ações enérgicas por parte do governo federal, o aumento da arrecadação por intermédio da recuperação dos seus créditos é providencial. Dessa forma, pode-se vislumbrar o abatimento da dívida pública e a retomada do crescimento econômico, sem, contudo, onerar ainda mais o contribuinte com o recrudescimento da carga tributária. Todavia, deve-se observar com cautela se as vantagens auferidas pelo Estado se darão em contrapartida para o particular cessionário.

Há também extrema necessidade de se ampliar os mecanismos de arrecadação, conferindo às pessoas jurídicas de direito privado, mediante procedimento licitatório, a atividade de cobrança amigável dos créditos tributários. É notória a carência de servidores públicos ligados ao fisco para a realização de uma atividade dessa magnitude, tendo em vista a dimensão da dívida acumulada em favor do Estado.

Em segundo plano, convém debater sobre a necessidade de se reforçar a estrutura dos órgãos da administração pública dedicados à cobrança de impostos, reservando-lhes percentuais sobre os valores adquiridos com a alienação dos créditos cedidos, bem como ressalvar as hipóteses de cometimento de crimes tributários.


II- Fundamentação

O projeto em comento transfere integralmente às instituições financeiras os riscos quanto à satisfação dos créditos cedidos. Embora o texto deixe claro de que é do Estado a responsabilidade quanto à sua legalidade, o mesmo não o faz em relação aos demais aspectos.

É sabido que a execução fiscal é toda embasada em privilégios processuais ao fisco, de acordo com as normas que regem a Lei n.º 6.830/80. Portanto, convém questionar se uma vez alienado o crédito tributário, gozaria a instituição financeira, integralmente, das mesmas prerrogativas no curso da execução fiscal.

Outro ponto que nos impõe maior reflexão diz respeito ao disposto no art. 4.º do PL 3337/15, que prevê a transferência dos créditos tributários às instituições financeiras, mantidas as garantias e privilégios assegurados à dívida ativa da Fazenda Pública, quando interpretado à luz do art. 204 do CTN, que, por sua vez, estabelece que a dívida regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída.  Não seria demais lembrar que as garantias das CDAs ocorrem por dois motivos: primeiro, por terem passado por um procedimento administrativo prévio (lançamento tributário) que, como todo ato administrativo, reveste-se da presunção de legalidade; segundo, em razão do titular desse crédito ser o Estado, mais precisamente o fisco, que, na realidade, lida com bem público. Quando transferido à iniciativa privada, via leilão, ocorrerá a desafetação desse crédito por força do discutido projeto de lei, que autoriza a sua alienação. Por conseguinte, podemos questionar de que forma seriam mantidos tais privilégios a um bem que, pela desafetação, de dominical passaria a ser privado, após a sua alienação.

Superadas as questões relacionadas à cessão de crédito às instituições financeiras, não há razão para negar às demais pessoas jurídicas de direito privado a incumbência de promover a solução amigável da dívida diretamente com os seus devedores. A alienação dos créditos tributários deve ser realizada em última análise, quando tiverem sido esgotados todos os meios para a composição, o que é menos oneroso tanto para a administração pública quanto para o particular. As empresas de cobrança existentes no mercado podem, perfeitamente, mediante licitação, desempenhar esse papel, que hoje se torna impossível de ser executado pelo Governo Federal, graças a atual conjuntura financeira do país.

Estima-se que a transferência dos créditos da dívida ativa às empresas privadas venha gerar cerca de 500 mil empregos por todo o país - sendo que 60% sobre o total representarão primeiro emprego - além dos 350 mil já existentes nesse setor somente no estado de São Paulo. Atualmente, são 16 mil empresas especializadas na área de recuperação de crédito, entre as quais 11 mil estão situadas em São Paulo atuando com extrema capilaridade pelo território nacional. E o mais importante é que a atividade movimentará um capital que hoje se encontra inoperante, avaliado em R$ 120 bilhões anuais, segundo fonte DCI.

No tocante aos aspectos penais, não é possível deixar de ponderar o que disciplina a legislação vigente sobre a suspensão da pretensão punitiva e a extinção da punibilidade nas hipóteses de parcelamento e pagamento da dívida, respectivamente, como dispõe a lei 11.941/09. Com a cessão do crédito tributário, o devedor que estiver figurando como indiciado em investigação policial ou réu em processo criminal não poderá ser submetido às condições impostas pela instituição financeira cessionária para o pagamento dos seus débitos, a fim de obter os benefícios penais supracitados. Por outro lado, não se pode falar em extinção do jus puniendi pelo fato do Estado ter cedido o seu crédito a terceiros, não havendo mais a dívida que caracterizaria os supostos delitos. Portanto, para não se institucionalizar a justiça privada, nem a impunidade daqueles que aplicam fraudes ao Fisco, é forçoso acrescentar ao texto legal que a fazenda não poderá negociar os créditos sobre os quais recaem a suspeita de constituírem objeto de crime.

A questão dos honorários de sucumbência devidos aos advogados públicos, destacados proporcionalmente do valor pago à União pelo cessionário, apresenta-se justa e adequada, deixando clara a intensão da lei em criar mecanismos voltados para o fortalecimento estrutural dos órgãos públicos atuantes na cobrança de impostos. Porém, nesse mesmo sentido, como medida suplementar, deveria ser destinado um percentual acrescido ao valor do crédito tributário negociado em leilão, a ser pago pelo cessionário, ao SINPROFAZ – Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional e ao SINDIFISCO – Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, a fim de contribuir, exclusivamente, com a carteira previdenciária dos referidos agentes públicos.


III- Conclusão.

Mostra-se prudente a elucidação dessas questões no PL 3337/15 de forma clara e precisa, pois não há dúvida de que a inovação legislativa proposta provocará intensos debates tanto na doutrina quanto na jurisprudência dos Tribunais Superiores. O posicionamento que os doutos julgadores adotarão é uma incógnita, pois não estamos diante de um diploma legal que autoriza o particular a promover a execução fiscal, mas, sim, o Estado a transferir o próprio crédito tributário. A inserção de outras normas capazes de dirimir as dúvidas acima suscitadas afastará, genuinamente, do referido projeto determinados percalços para a sua aprovação e aplicação. Nessa ótica, devem ser propostas algumas emendas ao projeto em tela, no sentido de alterar determinados artigos, como abaixo sugerido.

O art. 4º passaria a ter a seguinte redação: “O crédito cedido mantém as garantias e privilégios assegurados à dívida ativa da Fazenda Pública, incluindo: I- presunção de certeza e liquidez do crédito tributário; II- observância do procedimento previsto na Lei 6.830/80 e sua manutenção quando da redistribuição do processo para qualquer das varas cíveis competentes; III- exclusão do concurso de credores ou habilitação em falência, concordata, liquidação, inventário ou arrolamento, salvo entre as pessoas jurídicas de direito público; IV- execução da totalidade de bens e das rendas, de qualquer origem ou natureza, do sujeito passivo, seu espólio ou sua massa, inclusive os gravados por ônus real ou cláusula de inalienabilidade ou impenhorabilidade, seja qual for a data da constituição do ônus ou da cláusula, excetuados unicamente os bens e rendas que a lei declara absolutamente impenhoráveis. V- atualização monetária do crédito tributário cedido, acrescido de juros de mora e mais encargos legais a partir da data da cessão.”.

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No art. 2º haveria a inserção de uma ressalva com a construção de um parágrafo: “É vedada a cessão de créditos da dívida ativa sobre os quais haja indícios de que possam constituir objeto de crime.”.

Por fim, ao art. 7.º também seria incluído um único parágrafo: “Será acrescido ao total do crédito cedido o valor de um por cento, a ser pago pelo cessionário, em partes iguais, ao SINPROFAZ – Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional e ao SINDIFISCO – Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, destinado, exclusivamente, à carteira previdenciária dos procuradores e auditores fiscais da União.”.

É o parecer.

São Paulo, 11 de dezembro de 2015.

Henrique Nelson Calandra

Desembargador TJSP

                                 

Sergio Ricardo do Amaral Gurgel

OAB/RJ 90.413


PROJETO DE LEI NO     , DE 2015  (DO SR. VICENTE CÂNDIDO) 

Dispõe sobre a cessão de créditos da Dívida Ativa da União a pessoas jurídicas de direito privado e dá outras providências.  

Art. 1º Esta lei trata da alienação de créditos da Dívida Ativa da União. 

Art. 2º A União, por intermédio da Advocacia-Geral da União, fica autorizada a ceder a pessoas jurídicas de direito privado créditos referentes à sua dívida ativa consolidada. 

Art. 3º A cessão se dará por licitação na modalidade leilão, considerado vencedor o licitante que oferecer o menor valor de deságio entre o crédito cedido e o valor pago à União. 

§ 1º O instrumento convocatório fixará o valor máximo do deságio, considerada a classificação do crédito de acordo com sua qualidade, a viabilidade da execução e as características socioeconômicas do devedor. 

§ 2º Se não constar do instrumento convocatório, a informação referida no §1º deste artigo possuirá caráter sigiloso e será disponibilizada estrita e permanentemente aos órgãos de controle externo e interno. 

§ 3º O licitante vencedor efetuará o pagamento à União no momento da assinatura do instrumento de cessão, autorizada a autoridade administrativa a parcelar o montante em até seis prestações mensais.

Art. 4º O crédito cedido mantém as garantias e privilégios assegurados à dívida ativa da Fazenda Pública. 

Art. 5º A cobrança correrá por conta e risco da instituição financeira, respondendo a União exclusivamente pela existência e legalidade do crédito. 

Art. 6º A arrecadação decorrente da cessão de créditos da dívida ativa respeitará a repartição prevista nos artigos 157, 158 e 159 da Constituição Federal, bem como as demais vinculações constitucionais e legais.  

Art. 7º Os honorários de sucumbência devidos aos advogados públicos nos termos do art. 85, § 19, da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil, e o encargo legal previsto no Decreto-lei nº 1.025, de 21 de outubro de 1969, serão destacados proporcionalmente do valor pago à União pelo cessionário.  

Art. 8º. A cessão de créditos cuja execução já tenha sido ajuizada implica a modificação da competência em razão da pessoa, devendo o juízo competente para as ações da Fazenda Pública remeter os autos à redistribuição.  

Parágrafo único. Redistribuídos os autos, a instituição financeira prosseguirá na ação seguindo o rito do art. 824 e seguintes da Lei nº 13.105, de 2015 – Código de Processo Civil, observado o previsto no artigo 4º desta Lei. 

Art. 9º. Os Estados, Distrito Federal e Municípios, mediante lei, poderão autorizar a cessão de seus créditos. 

Art. 10 Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.  

JUSTIFICAÇÃO 

A presente proposição objetiva conferir à Fazenda Pública um meio alternativo de cobrança da dívida ativa, no intuito de aumentar o aproveitamento de créditos de difícil recuperação. 

A cobrança da dívida ativa pela estreita via da execução fiscal muitas vezes dificulta a recuperação de créditos, justamente por se submeter às formalidades dos procedimentos administrativo e judicial.  

O que se propõe é que a Fazenda Pública possa ceder a instituições financeiras esses créditos que ela própria tem dificuldade de recuperar, tornando mais econômica e eficiente sua cobrança pelo setor privado. Evidentemente, a remuneração será devida ao ente privado, mediante a aplicação de um valor de deságio.  

Não se busca aqui, à revelia dos artigos 131 e 132 da Constituição, substituir as procuradorias estatais. As instituições financeiras não representarão o Estado, mas, sim, cobrarão créditos próprios, objeto de cessão.  Tampouco se busca por vias transversas permitir operações de crédito à revelia da legislação financeira. A operação de cessão de créditos da dívida ativa não se amolda à descrição de operação financeira no art. 29, inciso III, da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal. 

Forte nessas considerações, confio na aprovação da proposição pelos eminentes Pares. 

Sala das Sessões, em        de                       de 2015. 

Deputado VICENTE CÂNDIDO

Deputado SIBÁ MACHADO

Deputada JANDIRA FEGHALI

Deputado LEONARDO PICCIANI

Deputado EDUARDO DA FONTE

Deputado ROGÉRIO ROSSO

Deputado DOMINGOS NETO

Deputado MAURÍCIO QUINTELLA

Deputado CELSO RUSSOMANNO 

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Sobre os autores
Sergio Ricardo do Amaral Gurgel

SERGIO RICARDO DO AMARAL GURGEL é sócio em COSTA, MELO, GURGEL Advogados; autor da editora Impetus; professor de Direito Penal e Direito Processual Penal.

Henrique Nelson Calandra

Desembargador; especialista em Direito Empresarial, Presidente da AMB - Associação dos Magistrados do Brasil nos anos de 2011-2013; Ex-presidente da APAMAGIS - Associação Paulista de Magistrados, professor emérito da Escola Paulista da Magistratura

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GURGEL, Sergio Ricardo Amaral ; CALANDRA, Henrique Nelson. Nota técnica – Projeto de Lei 3.337 de 2015 (minuta).: Da cessão de créditos da dívida ativa da União às instituições financeiras. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5164, 21 ago. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/59349. Acesso em: 20 abr. 2024.

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