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Ação civil pública por desrespeito à Lei de Zoneamento Urbano em Pinheiros (SP)

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Resumo:


  • Responsabilidade do Município de São Paulo e do Administrador Regional de Pinheiros por danos urbanísticos e ambientais devido à falta de ordenação urbana.

  • Atuação negligente da Administração Pública na fiscalização do uso do solo, resultando em ocupação desordenada e violação de legislação de zoneamento.

  • Omissão do dever de eficiência e presteza na vigilância do cumprimento das normas, configurando ato de improbidade administrativa e responsabilidade civil objetiva.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

          

III. DOS NÓS GÓRDIOS E DAS PROVIDÊNCIAS TENDENTES A SEU DESATAMENTO:

           Os depoimentos colhidos junto aos agentes vistores, posteriormente confirmados pelo réu S., apontaram uma série de "nós górdios" (obstáculos intransponíveis, em razão dos quais a atividade não se operacionaliza) da fiscalização municipal exercida sobre usos não conformes com o zoneamento local. Justamente, os causadores da "zorra urbana" atestada pela comunidade e pela imprensa.

           Evidenciou-se que, muitas vezes, a Municipalidade simplesmente não efetuava fiscalização alguma. Exemplo característico de tal omissão é o escritório político do ex-Governador Orestes Quércia (cf. matéria jornalística acima comentada). Mais não precisa ser dito...

           Em outras ocasiões, a fiscalização que se exercia - à qual não se podia furtar por muito tempo, mais, ainda, diante da pressão da sociedade - era meramente formal. Um trabalho que não primava pela eficiência e que não guardava qualquer compromisso com o resultado. É a respeito de tal trabalho que se pretende discutir.

           Vários "pontos de estrangulamento" do serviço saltaram aos olhos. Dentre estes, é possível mencionar-se os seguintes:

           a) burocracia/hierarquia exacerbada;

           b) "errônea" interpretação do que seja fechamento administrativo;

           c) perda de tempo com requerimento de auxílio policial;

           d) a própria forma como tal auxílio é realizado;

           e) não esgotamento do poder de polícia municipal;

           f) possível prática de crimes contra a Administração Pública;

           g) "errônea" interpretação das atividades permitidas em corredor de uso especial;

           h) facilidade de inscrição no C.C.M. (Cadastro de Contribuintes Mobiliários), face à inexigência, para tanto, de prévia verificação da observância ao zoneamento imposto para o local onde se pretende instalar a atividade;

           i) retardo ou não efetivação de requerimento de inquérito policial;

           j) não ocorrência de autuação do proprietário, como responsável solidário que é da infração ali praticada.

           No que tange ao nó denominado burocracia/hierarquia exacerbada pouco necessita ser mencionado. A simples leitura do tópico acima, que relata de maneira pormenorizada o procedimento fiscalizatório, demonstra que o trabalho não é sério. Não observa padrões mínimos de comprometimento com resultados.

           O que se nota é um tumulto de remessas e de despachos, inúmeros atos burocráticos que procuram disfarçar - mediante o volume excessivo de etapas, de assinaturas e de atores do processo - o indisfarçável: a Prefeitura Municipal não fiscaliza. Simula, apenas, a fiscalização. Trabalha com pouca utilidade, e grande demanda de esforço, a tentar justificar, pelo número excessivo de entraves burocráticos, sua inoperância.

           Só não faz o necessário: observar a lei e fechar os estabelecimentos.

           A lei - sempre tachada de empecilho - é muito mais simples e objetiva que as condutas da Administração Regional. Exige, somente, que, uma vez constatado o uso em situação irregular, providencie a Administração Regional a lavratura do termo de fechamento administrativo e, simultaneamente, aplique a multa (que pode ser reaplicada mensalmente). Caso não se obedeça a tal ordem administrativa, impõe o auxílio policial para garantir o seu cumprimento - cf. art. 102 e parágrafo do Decreto no. 11.106/74.

           O mesmo já dizia o Decreto Municipal no. 27.894/89, que regulamentou a Lei Municipal no. 8.513/77. Em seu art. 1o., inciso I, atribuía ao Administrador Regional o "proceder a fechamentos administrativos e interdições, em decorrência do descumprimento de legislação municipal". E, em seu art. 2o., inciso II, delegava ao Administrador Regional competência para, em sua circunscrição territorial, solicitar diretamente o auxílio da Polícia do Estado para a garantia do cumprimento de seus atos.

           Isto importa em dizer que, constatada a irregularidade, deve a Administração fechar administrativamente o local.

           Como medida tendente a que se evitasse alegação de desconhecimento por parte dos ocupantes a respeito da determinação administrativa, a Portaria no. 3851/86, da Secretaria Geral das Subprefeituras (atual Secretaria das Administrações Regionais), impôs a intimação anterior ao fechamento referido. Anterior, somente, 24hs. Ou seja, a não ser a providência elogiável de prévia intimação mencionada, nada há que impeça a Administração Regional, por seus vistores e por seu Administrador Regional - que de tudo sabe e participa -, de providenciarem o imediato fechamento administrativo previsto em lei.

           Há que se salientar que o que se espera é a realização de verdadeiro "fechamento administrativo", e não de mero arremedo deste, como é praticado.

           Observe-se o que menciona De Plácido e Silva, em sua obra "Vocabulário Jurídico", volumes I e II, Forense, 1a. ed., 1989, p. 280, a respeito do vocábulo "FECHADO":

           "FECHADO. Do fechar, seja derivado do latim figere (fixar, pregar) ou de facere (fazer, concluir), na técnica jurídico-comercial quer significar o que está feito, ultimado, acabado ou terminado.

           "É, assim, que, na técnica dos negócios, entendem-se fechados aqueles que se mostram já ajustados ou concluídos. São negócios acertados.

           "Na própria terminologia forense, fechado possui sentido semelhante, dando bem a idéia de terminação ou encerramento do ato que se diz fechado.

           "Quando se diz que o incidente está fechado é que está concluído ou liquidado.

           "Em igual sentido tem-se fechamento: encerramento, conclusão, terminação".

           É evidente, pois, que a sanção de fato aplicada pela Administração Regional, a título de exercício de seu poder de polícia, pode ser denominada de tudo, menos de "fechamento". Pode ser "convite a paralisação temporária", ou algo que o valha. Não é fechamento, contudo, uma vez que não se reveste da imperatividade de ordem que tal medida deveria ter e, também, porque, através desta não se obtém o necessário: o encerramento, a conclusão, a terminação.

           Em conseqüência ao malogrado "fechamento", o Administrador Regional dispõe da possibilidade de se valer de auxílio policial para garantir a manutenção (ou o cumprimento) da ordem.

           Ocorre que também este auxílio está sendo deturpado pela prática corrosiva do Poder Público municipal. O auxílio policial, é evidente, destina-se à manutenção da ordem. É ato de força, através do qual o Poder Público impõe a sua vontade - que se confunde com a vontade coletiva ou social - ao particular. Obriga o mesmo a se ajustar às regras que valem para toda a sociedade e que, em nome do bem-estar desta, foram estipuladas.

           Mediante o auxílio de policiais, o Administrador Regional deve usar de energia para que se cumpra a ordem. E tal energia pode variar desde a efetiva lacração do imóvel (medida garantidora da ordem anteriormente desobedecida), da apreensão de seus utensílios, da premente desocupação do local - o que, ante infratores menos afortunados, os "camelôs", já vem sendo feito -, até a efetiva prisão em flagrante delito por parte dos ocupantes que se recusem a cumpri-la. Tudo que seja necessário fazer para se garantir a ordem pública desobedecida.

           E não há que se dizer que não há possibilidade de se atuar deste modo. A lei impõe o auxílio policial para a manutenção da ordem de fechamento desobedecida (art. 102, par. único, do Decreto no. 11.106/74). Igualmente, cumpre lembrar que, persistindo a desobediência, os policiais que comparecessem ao local, instruídos pelo Administrador Regional, deveriam apreender o material ali encontrado (concretizando a cessação do uso não conforme). Até porque, se tal não fosse feito como providência administrativa, deveria sê-lo como providência penal, por se tratar de corpo de delito do crime de desobediência.

           Em vez disto, o Administrador prefere tornar o auxílio um mero ato teatral, onde os policiais, flagrantemente desviados de sua verdadeira função, servem de acompanhantes do agente vistor.

           O próprio requerimento de auxílio policial, como observado pelo Administrador Regional, é causa de atraso no procedimento fiscalizatório. Isto porque, em lugar de ser feito diretamente pela Regional, é feito pela "Assistência Militar" do Gabinete do Prefeito Municipal, o que toma cerca de 3 meses para ser realizado. Só por isto, como contribui para piorar a prestação do serviço público esperado, deveria ser modificado.

           Em lugar de se concentrar a expedição em mais um órgão criado dentro da estrutura do Poder Público Municipal, onde mais pessoas têm que ser alocadas para a realização destas funções, deveria ser feita diretamente pela Administração interessada.

           A teor do que preceitua a legislação referente à Guarda Civil Metropolitana (Leis Municipais no. 10.115/86 - arts. 1o. e 6o. -, e 10.272/87 - art. 2o.), o Administrador Regional poderia, de modo a assegurar cumprimento à ordem administrativa por si proferida, valer-se da guarda em questão. Se o fizesse, ainda que sem qualquer alteração na sistemática relativa ao requerimento de auxílio da Polícia Militar, concretizaria sua ordem em tempo infinitamente inferior. Basta vontade política para tanto...

           Finalmente, como "fecho de ouro" da ineficácia do Município, sob a batuta do Administrador Regional (o réu S.), há o não esgotamento do poder de polícia municipal.

           Passar-se-á à análise do que seja o poder de polícia municipal, confrontando-o com a forma tacanha como vem sendo exercido, através da qual decide-se deliberadamente não atuar de maneira integral, mas transferir ao Poder Judiciário a responsabilidade pelo que deveria ser feito administrativamente.

           De acordo com o mestre Hely, em sua obra "Direito Municipal Brasileiro", Malheiros, 7a. ed., pp. 342 e ss., poder de polícia "é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado".

           E prossegue:

           "Em linguagem menos técnica podemos dizer que o poder de polícia é o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública para conter os abusos do direito individual. Por esse mecanismo, que faz parte de toda a Administração, o Estado detém a atividade dos particulares que se revelar contrária, nociva ou inconveniente ao bem-estar social, ao desenvolvimento e à segurança nacional".

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           Em linhas gerais, o conceito da lavra do mestre citado corresponde ao pensamento da melhor doutrina pátria. Neste sentido, dentre outros, cumpre destacar Celso Antonio Bandeira de Mello ("Curso de Direito Administrativo", Malheiros, 5a. ed., pp. 391 e ss. - especialmente, a p. 395):

           "A expressão "Poder de Polícia" pode ser tomada em sentido mais restrito, relacionando-se unicamente com as intervenções, quer gerais e abstratas, como os regulamentos, quer concretas e específicas (tais as autorizações, as licenças, as injunções) do Poder Executivo, destinadas a alcançar o mesmo fim de prevenir e obstar ao desenvolvimento de atividades particulares contrastantes com os interesses sociais. Esta acepção mais limitada responde à noção de Polícia Administrativa".

           Fundamenta-se o poder de polícia na necessidade de proteção ao interesse social, comunitário, frente aos abusos dos particulares que violem o bem-estar comum. Baseia-se, ademais, na supremacia geral da Administração Pública sobre as pessoas (os administrados).

           Corresponde, pois, a restrição do direito individual em favor do interesse transindividual (difuso ou coletivo). Sua inobservância, por si só, caracteriza dano social, decorrente do privilégio ao particular em detrimento do bem-estar comum.

           Segundo entendimento de Eros Roberto Grau, em seu estudo denominado "Poder de Polícia: Função Administrativa e Princípio da Legalidade: O Chamado "Direito Alternativo", publicado em Revista Trimestral de Direito Público 01/93, pp. 88 e ss., o problema vai mais além. Ao desenvolver raciocínio extraído da obra de Celso Antonio, supra citado, mais especificamente, a respeito do poder-dever da Administração Pública, comenta:

           "Procurei, em outra ocasião deixar bem salientado que a autoridade pública, enquanto tal, não é titular de direitos que se possa individualmente arrogar. Cumpre-lhe o exercício de função pública. Ou seja, incumbe-lhe o dever de prover a realização de interesses alheios. Para tanto, confere-lhe o ordenamento jurídico determinados poderes. A função pública, assim, é antes a expressão de um dever-poder do que de um poder-dever. À entidade administrativa, pois, incumbe o dever-poder de gerir a res publica, assim como ao membro do Poder Judiciário incumbe o dever-poder de aplicar o Direito e ao membro do Poder Legislativo incumbe o dever-poder de integrar o ordenamento jurídico, inovando-o. A concepção de que esta ou aquela autoridade pública, enquanto autoridade pública, seja titular de um direito integrado em sua esfera de interesses individuais é incompatível com os princípios do Estado de Direito. Tal sentir só é compatível com a tirania: apenas pode prosperar no clima das ditaduras, nas quais os cidadãos são retransformados em súditos.

           "A autoridade pública, assim, no desempenho da função administrativa, está abrangida por um vínculo imposto à sua vontade. O dever jurídico consubstancia uma vinculação imposta à vontade de quem esteja por ela alcançado. E consubstancia, no caso da função administrativa, vinculação imposta à vontade da autoridade pública em razão de interesse alheio, isto é, do todo social"
(grifos nossos).

           Saliente-se que o ato decorrente do exercício do poder de polícia (ou dever-poder de polícia, como visto) reveste-se dos mesmos atributos comuns a todos os atos administrativos. Dentre estes, dois interessam ao presente estudo: a imperatividade e a auto-executoriedade.

           Por imperatividade entende-se a capacidade de imposição de coercibilidade para seu cumprimento ou execução. Por auto-executoriedade, a capacidade de ensejar imediata e direta execução pela própria Administração, independentemente de ordem judicial.

           Hely, em sua obra "Direito Administrativo Brasileiro", RT, 16a. ed., p. 137, já advertia que "os atos, porém, que consubstanciam um provimento ou uma ordem administrativa (atos normativos, ordinatórios, punitivos), nascem sempre com imperatividade, ou seja com a força impositiva própria do Poder Público, e que obriga o particular ao fiel atendimento, sob pena de sujeitar-se à execução forçada pela Administração (atos auto-executórios) ou pelo Judiciário (atos não auto-executórios)".

           Ao comentar o atributo da auto-executoriedade, mestre Hely observa, a pp. 138/139, que "firma-se cada vez mais a jurisprudência na boa doutrina, reconhecendo à Administração - especialmente quanto aos atos de polícia - o poder de executar direta e imediatamente seus atos imperativos, independentemente de pedido cominatório ou mandado judicial" (grifos nossos).

           E, após citar ampla jurisprudência a respeito:

           "Entre nós essa doutrina é corrente, como nos revela Seabra Fagundes, com sua imensa autoridade no assunto: "Tal processo executório tem cabimento quando as circunstâncias indicam a necessidade premente da obtenção do fato ou coisa. Atua pela utilização, por parte do administrador, dos chamados meios diretos de coerção administrativa, de modo a tornar possível obter, por coação absoluta, a própria prestação exigida do administrado, ou, na sua impossibilidade, outra equivalente".

           "Realmente, não poderia a Administração bem desempenhar a sua missão de autodefesa dos interesses sociais, se, a todo momento, encontrando natural resistência do particular, tivesse que recorrer ao Judiciário para remover a oposição individual à atuação pública.

           "O que se faz necessário - como bem adverte Bielsa - é distinguir os atos próprios do poder administrativo, na execução dos quais é irrecusável a auto-executoriedade, dos que lhe são impróprios, e, por isso mesmo, dependentes da intervenção de outro poder, como ocorre com a cobrança contenciosa de uma multa, que, em hipótese alguma poderia ficar a cargo exclusivo dos órgãos administrativos. Mas as prestações tipicamente administrativas, principalmente as decorrentes da utilização do poder de polícia, podem ser exigidas e executadas imediata e diretamente pela Administração, sem necessidade de mandado judicial. Tal acontece com as interdições de atividades ilegais, como os embargos e demolições de obras clandestinas, com a inutilização de gêneros impróprios para o consumo, e outros atos de polícia administrativa. Claro está, porém, que a execução de tais determinações deve ser precedida de notificação e acompanhada do respectivo auto circunstanciado, em que se comprove a legalidade da atuação do Poder Público e se possibilitem a posteriori, as medidas judiciais que o particular reputar convenientes à defesa de seus direitos e de seu patrimônio"
(grifos nossos).

           Ao analisarmos o "fechamento administrativo" realizado, observamos anteriormente que este não se revestia do atributo da imperatividade. Mais evidente se demonstra tal assertiva, tendo em conta, agora, o conceito supra reproduzido.

           Quanto à auto-executoriedade do ato, pode-se afirmar que o "fechamento" em questão também não ostenta este atributo. Isto porque, ao término do "fechamento" - e, mesmo, após o auxílio policial -, persistindo a desobediência à ordem judicial, o que faz a Administração Pública a garantir sua ordem? Nada... Remete o processo administrativo formado para o Departamento Jurídico da Prefeitura Municipal para que esta busque socorro junto às barras do Judiciário.

           Em vez de se valer de seu dever-poder de obrigar, por suas próprias mãos, o cumprimento de sua ordem, vale-se de auxílio do Judiciário. Assim, deliberadamente, abre mão de sua obrigação (juridicamente, dever-poder) de executar de maneira direta sua ordem. E o pior, ao fazê-lo, transige com o que não lhe pertence: o interesse social de todos os outros administrados frente ao interesse individual de um só, que, por sinal, é infrator da legislação criada para defesa do bem-estar de toda a comunidade. Privilegia, voluntariamente, o infrator que prejudica toda a sociedade obediente à lei...

           E o pior é que, neste intento, conta com apoio da própria Secretaria das Administrações Regionais que, através da Ordem Interna no. 07/SAR/ATAJ/90- que, ironicamente, menciona em seus considerandos que objetiva a "desburocratização" do serviço e a garantia de maior autonomia a cada Administração Regional -, possibilita a remessa dos autos ao Departamento Jurídico e a abertura de inquérito policial (esta, somente após o auxílio policial para o fechamento). E, ainda assim, depois de se proceder a um "saneamento" do processo que tem preocupação, apenas, com a arrecadação e o recebimento das multas, não o tendo com a cabal observância e respeito à ordem administrativa.

           Como se observa, em razão das audiências e conversas informais com os funcionários das Administrações Regionais, não é praxe da Administração Pública o requerimento de instauração de inquérito policial pela prática de desobediência à ordem administrativa.

           Basta que se constate qualquer levantamento a respeito da quantidade de violações e do número de inquéritos gerados para que se verifique tal afirmação.

           Mesmo quando se entenda como hipótese de efetuação deste requerimento, a burocracia cria novos entraves para que tal ato ocorra com retardo. Exemplo desta afirmação é a própria Ordem Interna supra mencionada, que impõe o cumprimento de etapas desnecessárias (e voltadas para a arrecadação de multas lançadas), completamente estranhas à caracterização da prática criminosa.

           Parece que a própria vítima não quer a responsabilização dos criminosos desobedientes, o que, certamente, colabora para o desprezo com que as poucas representações são recebidas pela Justiça Criminal pátria (e, novamente, aqui se inclui o "Parquet" como membro desta). E, óbvio, contribui decisivamente para a ocorrência da prescrição do delito, verdadeiro atestado de incompetência passado pelo Poder Público.

           Outro "nó" encontrado - evidentemente, não mencionado pelos funcionários municipais ouvidos -, é o relativo à prática de delitos contra a Administração Pública (em especial, o de prevaricação ou, mesmo, o de corrupção ou concussão). Tal fato é divulgado pela mídia como de conhecimento notório da população. Todos os dias vemos nos principais jornais de nosso país denúncias de tais práticas criminosas. Até gravações em pontos de camelôs ou em aeroportos foram feitas, recentemente, por emissora de televisão nacional de expressão. A tudo assiste, imobilizada pela dificuldade de formação do acervo probatório, a Justiça pátria (e aqui se inclui o "Parquet").

           No caso concreto, "denúncias" feitas por respeitável arquiteto (Roberto Saruê) evidenciam a existência da prática ilícita. Podem ser conhecidas quando da leitura, no item seguinte, relativo à cobertura da imprensa e à mobilização da comunidade.

           Em razão desta "denúncia" - e da oitiva de fonte integrante da alta burocracia municipal, realizada pelas jornalistas da revista "Veja", infra arroladas como testemunhas - apurou-se que cerca de R$ 40.000,00 são recolhidos pelos vistores, a mando do Administrador Regional, para a "caixinha" do Vereador que o apadrinha (nome cuidadosamente sonegado pelo autor da "denúncia").

           Sem dúvida, apesar das dificuldades de prová-lo - o que se espera sejam contornadas, mais, ainda, tendo se realizado flagrante esperado pelo denunciante Roberto Saruê -, é fator que se sabe decisivo para que a máquina pública municipal seja mantida devidamente emperrada, o que se realiza através dos inúmeros entraves apontados.

           Outro fator de indução do caos urbano, onde a degradação dos padrões urbanísticos/ambientais é consagrada diante da atuação do Poder Municipal, é a interpretação que se intenta fazer do que seja corredor de uso especial, a incluir o denominado (e desvirtuado) "show room".

           A Lei Municipal no. 9.049/80, em seu art. 19, admite o exercício de certas atividades, as quais controla com rigidez, de modo a evitar a degradação urbana. Para tanto, admite como uma de suas hipóteses o escritório administrativo, sem operação de venda de mercadorias, de firmas, empresas, representação, publicidade e propaganda.

           A simples leitura do artigo citado demonstra que o que o legislador pretendia era a implantação de mero escritório onde se realizassem atividades internas de tais empresas, concernentes ao seu planejamento e à sua gestão. Com isto, pretendia limitar o afluxo de pessoas ao local, legitimando a presença, apenas, de seus funcionários.

           A Prefeitura, contudo, desvirtuando tal interpretação, optou por outra bem mais "flexível", que não controlava o acesso ao local por terceiros interessados nos produtos ou serviços fornecidos. Assim é que permitiu a presença de "show rooms". Inicialmente concebidos para a exposição dos produtos ou serviços (e, já aí, violadores da legislação restritiva do afluxo de pessoas à área, predominantemente residencial), estes tornaram-se verdadeiros centros de aquisição dos bens desejados.

           Os depoimentos, e a prova obtida junto à imprensa, comprovam que ao local compareciam inúmeras pessoas interessadas, examinavam os produtos, adquiriam-nos, emitia-se a nota fiscal pertinente e os mesmos eram retirados em muitos casos (geralmente, quando de pequeno porte, situação em que não se necessitaria de grande estoque). O único ponto que, segundo a equivocada interpretação municipal, transformaria tais estabelecimentos comerciais em "escritórios administrativos" seria o fato de que, na nota fiscal emitida constava outro endereço. Ou, em algumas situações, o de a compra se esgotar mediante a retirada do produto em local diverso.

           Ou seja, segundo a "criativa" interpretação municipal, a relação comercial não se perfazia no local onde se efetivava a exposição do bem à compra, a sua escolha, o seu pagamento e a emissão da nota fiscal correspondente, ou, até, a retirada do objeto. Concretizava-se somente no local em que constava na nota fiscal como o da venda. Quando muito, o da retirada do objeto. Verdadeira ficção jurídica, violadora da norma, tudo com a conivência do Administrador Regional da Municipaliadade.

           Mais um dos fatores de indução ao desrespeito à legislação de zoneamento é a facilidade com que se obtém da Municipalidade uma "autorização" ainda que provisória para o funcionamento da empresa no local.

           Isto decorre do fato de, mediante a simples declaração de vontade do interessado, acompanhada do necessário recolhimento da taxa pertinente, ser possível inscrever-se para o licenciamento da atividade. Nunca há, por parte da Municipalidade, exigência de comprovação da atividade ao zoneamento permitido. E não há com o fim de obtenção do C.C.M. por parte da Secretaria das Finanças, como não há para a instalação de luminosos por parte da Secretaria da Habitação e Desenvolvimento Urbano (que, inclusive, por intermédio do CONTRU, efetua vistorias no imóvel).

           Evidencia-se, pois, a necessidade de implantação de um efetivo, e prévio, instumento de controle (informatizado) para que, já no ato de pedido de licenciamento, constatando-se o desrespeito da atividade face ao zoneamento, negue-se tal ato liminarmente. Sem que se encoraje o violador a ali permanecer, ainda que provisoriamente...

           Igualmente, é fato que induz a violação ao ordenamento urbano o descaso da Administração Pública municipal face aos proprietários dos imóveis. Tal afirmação é feita tendo em vista que toda a fiscalização é centrada na pessoa do ocupante do imóvel. Omite-se o Administrador Regional a controlar, e punir, o proprietário desidioso.

           Deve ser recordado que em grande parte dos estabelecimentos ocorre que a empresa violadora do zoneamento não corresponde ao proprietário do imóvel. Por vários motivos, dentre os quais se destaca a locação comercial dominante na região.

           A locação para fins comerciais pode ser observada, facilmente, bastando levantamento de anúncios publicados em jornais de grande circulação. De qualquer modo, mesmo em razão da investigação efetuada, constatou-se tal praxe. Constatou-se, até, a afixação de cartazes ou faixas anunciando o imóvel à locação, sem que se mencionasse o zoneamento da área, em cfrontal desrespeito à Lei Municipal no. 11.820/95. Tal fato, percebido por nosso Oficial de Promotoria, não foi notado pelos agentes vistores, profissionais encarregados da fiscalização e, assim, possuidores de olhar mais treinado para estas observações.

           De modo a que esta prática perniciosa cessasse, necessário o estabelecimento de uma rotina de trabalho includente do proprietário como co-responsável pela violação.

           Necessária, pois, sua intimação, em conjunto com a do ocupante do imóvel (o que não deve, em absoluto, tornar-se mais um entrave burocrático a retardar o procedimento fiscalizatório), e, também, a imposição de multa, a realização do fechamento administrativo e, até, a adoção de medidas criminais (desobediência) ou cíveis (cobrança de uma indenização) contra sua pessoa.

           Isto porque, ou estava ciente do uso desconforme desde o início - e, mesmo assim, insistiu na locação - ou porque, uma vez ciente da violação urbana, permanceu omisso - deixando de cumprir com o que lhe possibilitava o art. 9o., II, da Lei no. 8.245/91 (Lei do Inquilinato) -, o que evidencia ter contribuido para a prática dos danos urbanísticos decorrentes da infração ao ordenamento urbano. Principalmente, em razão da inobservância da função social de seu imóvel (cf., em especial, o art. 182, par. 2o., da Constituição da República).

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Sobre os autores
Carlos Alberto Amin Filho

promotor de Justiça

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMIN FILHO, Carlos Alberto ; SAMBURGO, Beatriz Augusta Pinheiro et al. Ação civil pública por desrespeito à Lei de Zoneamento Urbano em Pinheiros (SP). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 23, 27 jan. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16006. Acesso em: 30 dez. 2024.

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