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Ação civil pública por desrespeito à Lei de Zoneamento Urbano em Pinheiros (SP)

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IV. DA RESPONSABILIDADE DO ADMINISTRADOR REGIONAL E DO MUNICÍPIO:

          

IV.1. DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS DA AÇÃO:

           Foi exaustivamente examinado, nos ítens II.2. e II.3., o mecanismo de atuação fiscalizatório empreendido pela Municipalidade e, especialmente, pelo Administrador Regional.

           Pelo que se nota, através de uma leitura mais atenta, o Administrador Regional participa intensa e diretamente do procedimento de fiscalização. Mais do que isto, a teor do que preceitua a legislação que regula a matéria (em especial, o art. 104 do Decreto Municipal no. 11.106/74), é o Administrador Regional o guardião do zoneamento urbano. É o responsável por sua observância, bem como, pela repressão aos atos atentatórios ao ordenamento urbano. Toda a fiscalização encontra-se sob sua coordenação. Na verdade, o procedimento fiscalizatório volta-se para o Administrador, a quem se destina.

           Contudo, não obstante sua posição central no procedimento fiscalizatório, o Administrador não parece encarar sua função com a seriedade esperada. Age de maneira desidiosa, o que foi cansativamente exposto.

           De maneira resumida, poderia ser dito que o Administrador comanda a estrutura burocrática e hierarquizada da Administração Regional de Pinheiros. Na verdade, é possível afirmar que dá o ritmo à atuação de sua Regional.

           Isto, porque é pessoalmente encarregado de aplicar o fechamento administrativo. E desincumbe-se de tal tarefa de maneira formal, mas sem compromisso com a produção de qualquer resultado concreto..

           Igualmente, é o direto responsável pelo pedido de auxílio policial, sendo o encarregado de avaliar ser hipótese de sua realização (ante a verificação do descumprimento de sua ordem) e a forma como deve ser realizado. É aquele que não convoca a Guarda Municipal Metropolitana, quando deveria fazê-lo, para assegurar o eficaz e ágil cumprimento de sua ordem. Isto, apesar de saber da demora no auxílio pela Polícia Militar, e da forma como tal se dá (que, na verdade, obedece a seu comando e ao ritmo por si imposto).

           É, pois, o responsável pela ineficiente ordem de fechamento emitida e, também, pelo ineficaz auxílio policial tendente a garantir seu cumprimento. Contenta-se com a obediência formal (e provisória) do fechamento, não se importando se ocorre, de fato, a cessação da atividade.

           Caso observe desobediência, não exaure seu poder de polícia. Limita-se a, em raras oportunidades, requerer instauração de inquérito policial e, em outras, solicitar auxílio de outro departamento - o Jurídico - da Municipalidade. Em vez de garantir a execução de sua ordem, que não se encarrega de ver respeitada como tal.

           Mesmo tendo sido cientificado a respeito de possíveis práticas delituosas - caracterizadoras de eventuais crimes contra a Administração Pública -, em lugar de instaurar procedimento adequado para o esclarecimento da verdade e a obtenção de provas, limitou-se a nada fazer até que tais provas fossem previamente apresentadas. Como se caíssem do céu e não fossem fruto de árduo trabalho de investigação...

           Finalmente, é o responsável pela equivocada interpretação do que seja escritório administrativo, possibilitando a implantação de "show rooms" de "fachada", violadores da legislação.

           A Municipalidade, por sua vez, em razão da ineficaz conduta de seu servidor, é responsável por todas as falhas deste, supra apontadas. E mais: é responsável pela orientação que contribui para a burocratização do pedido de instauração de inquérito policial e do auxílio policial. Também, pela concordância com a remessa do processo fiscalizatório instaurado para JUD (Departamento Jurídico), em lugar de cobrar de seu Administrador Regional o exaurimento do poder-dever de polícia municipal. Assim, contribui para seu próprio desprestígio e queda natural de sua autoridade. Igualmente, não zela pela observância do zoneamento quando da emissão do C.C.M. (Através de sua Secretaria das Finanças), quando da instalação de luminosos na calçada e quando da realização de vistorias por órgão de sua Secretaria da Habitação e de Desenvolvimento Urbano.

           O Administrador Regional de Pinheiros, o réu S. (e o Município de São Paulo, por conseqüência), teve conhecimento direto das inúmeras infrações ao zoneamento em sua área de atuação, comunicado que foi pela sociedade civil organizada. Também, em razão de noticiários da imprensa, ocasiões em que, até, foi ouvido a respeito. Igualmente, mediante o presente procedimento, onde prestou depoimento.

           Apesar disto, não logrou comprovar qualquer alteração em sua confortável e burocrática rotina de trabalho. Não obstante sua cientificação a respeito da "zorra urbana" existente em sua região e do mau funcionamento de sua fiscalização por si capitaneada (fatos conhecidos por, praticamente, todos moradores do município), nada fez, perseverando em seus erros. Manteve os equívocos , eventualmente, praticados de há muito, apesar de ser a única pessoa com atribuição e poder para alterá-los hodiernamente, rompendo os nós mencionados, na região da Administração Regional de Pinheiros.

           Por assim agir - ou, melhor dizendo, por assim se omitir -, deram causa, Município e Administrador, à degradação ambiental/urbanística observada. Por assim agir - ou se omitir -, o réu S. deu causa à prática de improbidade administrativa.

           Ambos os réus violaram uma série de normas, impostas através da Constituição da República, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Município, do Plano Diretor de São Paulo, e de diversas leis (federais e municipais), além de decretos municipais.

           A responsabilidade dos réus pela violação ao ordenamento do uso do solo urbano (infração à legislação de zoneamento) e pela reparação dos correlatos prejuízos, conquanto solidária, assenta-se em fontes distintas, derivadas dos diferentes títulos em que nele intervieram e do peculiar concurso que cada qual prestou à emergência das ilegalidades.

           É possível a menção de alguns artigos e textos de lei a caracterizar a responsabilidade dos requeridos (em especial, dos entes políticos):

           - Arts. 23, 30, VIII, 37, par. 6o., 182, e 225, todos da Constituição Federal;

           - Art. 181, da Constituição Estadual;

           - Arts. 143, 144, 148, IV, 149, I, e 180, todos da Lei Orgânica Municipal;

           - Lei Municipal no. 10.676/88 (Plano Diretor);

           - Lei Municipal no. 7.085/72;

           - Lei Municipal no. 8.001/73;

           - Lei Municipal no. 11.820/95.

           - Arts. 1o., I, e 2o., II, do Decreto no. 27.894/89;

           - Art. 102 e 104 do Decreto Municipal no. 11.106/74;

           - Arts. 8o., 10o. e 15, da Lei Municipal no. 8.513/77;

           - Art. 19 da lei Municipal no. 9.049/80;

           - Art. 15, segunda parte, 159, e 1.518, todos do Código Civil;

           - Lei Federal no. 6.938/81;

           - Art. 11, I e II, da Lei Federal no. 8.429/92.

           Não bastassem tantas normas violadas e simplesmente estaria o Administrador sujeito a indenizar os danos ambientais/urbanísticos por si gerados, exclusivamente, com base no instituto da responsabilidade civil, pois, por ação voluntária, violou direitos e causou prejuízo a outrém, ficando obrigado, portanto, a reparar o dano (Código Civil, art. 159).

           A mesma voluntariedade pode ser apontada para a omissão que permitiu que, na região de Pinheiros (e bairros que a compõem), fosse promovida a ocupação desordenada. À evidência, com base no citado art. 159 do C.C.B., deve ser gerada a responsabilização do Administrador, pessoa que, no mínimo, neglicengiou com seus deveres, fazendo com que preceitos urbanísticos e ambientais fossem violados (descumprindo com o seu dever de zelar pela função social da propriedade e pelo respeito aos padrões urbanísticos - meio ambiente urbano - de nosso Município).

           Aliás, não se trata, no caso, de um simples ilícito civil, pois, por este modo reprovável, ofendendo normas de ordem pública e atingindo o patrimônio de terceiros de boa fé, o administrador violou a lei de improbidade administrativa, especialmente o disposto em seu art. 11, I e II, ambos da Lei no. 8.429/92, a saber:

           "Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

           "I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência.

           "II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício".

           As ações do Administrador limitaram-se a posturas de gabinete, meros cumprimentos de ordens burocráticas, que em nada resultaram de útil ao impedimento da ação (ou à repressão) aos infratores do zoneamento, à degradação ambiental e dos padrões urbanísticos.

           Bem se vê que, não bastassem, para o mesmo feito, os outros fundamentos de que já se cuidou, há, ainda, uma causa específica, da qual deriva sua responsabilidade pela reparação dos prejuízos que ainda provoca à comunidade (Código Civil, art. 159, c.c. o art. 1518, "caput" e par. único).

           Ademais, é o Administrador considerado agente poluidor (cf. art. 3o., IV, da Lei 6.938/81: pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degração ambiental), tendo agido de forma eficiente para a consecução do desordenamento urbano (foco de degradação ambiental), respondendo objetivamente (Lei 6.938/81, art. 14, par. 1o.) por danos ao meio ambiente, causando poluição (art. 3o., III, Lei 6.938/81: degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que, direta ou indiretamente prejudiquem a saúde, a segurança, o bem-estar da população, afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente ou lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.

           A responsabilidade do Município, por si só, confunde-se com a de seus agentes, como já visto, o que dispensa maiores comentários. Aliás, a teor do que preceitua a Lei municipal no. 8.513/77, que visava a reorganização das Administrações Regionais, é dever da Municipalidade, através de seus respectivos Administradores Regionais, a fiscalização, na sua região administrativa, do cumprimento de leis e regulamentos municipais (cf., especialmente, arts. 8o., 10 e 15).

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IV.2. DA RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: CONCEITO E LIMITES:

           No direito brasileiro, desde a Constituição de 1946, o dever de reparação dos entes estatais, pelos danos que provocam, funda-se na responsabilidade objetiva, sobre a qual, porém, ainda não há uma concepção uniforme.

           Esta responsabilidade se inspira na idéia do risco criado pelas atividades, normais ou anormais, da Administração e, a rigor, para configurá-la, bastaria "o vínculo etiológico - atividade do Estado, como causa, e dano sofrido pelo particular, como conseqüência", ficando eliminado "o exame de qualquer coeficiente de culpa identificada do funcionário, ou de culpa anônima decorrente de falha da máquina administrativa", pois a culpa decorreria de uma "presunção absoluta, "iuris et de iure", portanto invencível e sem possibilidade de qualquer contraprova" (YUSSEF SAID CAHALI, "Responsabilidade Civil do Estado", Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1982, p. 24).

           Contudo, doutrina e jurisprudência, buscando amenizar suas graves implicações, rejeitam uma interpretação com tal amplitude e, por diferentes teorias e fundamentos, advogam limites para a responsabilidade estatal de ressarcir.

           Com este propósito, muitos autores e julgados retomam a velha noção de culpa, adaptando-a, entretanto, ao Direito Público, para identificá-la em toda falha no funcionamento da máquina administrativa, decorrente de culpa anônima, impessoal, objetiva, diluída no serviço público como um todo.

           Adota-se, assim, clássica formulação doutrinária, segundo a qual a culpa da Administração no exercício de suas funções apresenta-se nos casos em que o serviço público, por falha na sua organização, não funciona, funciona mal ou funciona tardiamente (Cf. MARTINHO GARCEZ NETO, "Prática da Responsabilidade Civil", Ed. Jurídica e Universitária Ltda., Rio de Janeiro, 1970, p. 157; CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, "Ato Administrativo e Direito dos Administrados", Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1981, pp. 133 e 144-145).

           Ocorrendo qualquer destas modalidades, há um descumprimento da lei, por culpa presumida do Poder Público, que fica sujeito a ressarcir os danos conseqüentes desta falta (Cf. OSWALDO ARANHA BANDEIRA DE MELLO, "Princípios Gerais de Direito Administrativo", Forense, vol. II, pp. 482-483; RUI STOCO, "Responsabilidade Civil do Estado por Obras que Realiza", em RT 689/116-118).

           Esta opinião é combatida por YUSSEF SAID CAHALI, para quem, ainda que não se prove culpa ou falha da máquina administrativa, a Administração deve ressarcir os danos que têm como causa uma conduta sua, comissiva ou omissiva, atenuando-se a responsabilidade estatal se concorre, como causa, fato da natureza ou do próprio prejudicado (Cf. ob. cit., pp. 25-26 e 33-34; no mesmo sentido: WEIDA ZANCANER BRUNINI, "Da Responsabilidade Extracontratual da Administração Pública", Ed. Revista dos Tribunais, 1981, pp. 59-62).

           Neste tema, há particular polêmica sobre os efeitos da inércia, quando o Poder Público omite-se em adotar providências indispensáveis ao bom funcionamento do serviço público e à segurança dos seus usuários. Em tal hipótese, a tendência dominante é responsabilizá-lo pelo descumprimento da lei, sempre que dele seja razoavelmente exigível uma conduta diversa, dotada de um padrão normal de eficiência e apta a impedir ou a atenuar as conseqüências do dano.

           O pressuposto da razoabilidade, sujeito à discrição judicial, reclama uma análise do caso concreto, para verificar, de acordo com as suas circunstâncias peculiares, qual era o padrão de conduta adequado, se ele era viável e se poderia ter impedido ou atenuado o dano (Cf. YUSSEF SAID CAHALI, ob. cit., p. 40). Se a Administração podia e devia atuar, mas permaneceu inerte e o resultado se verificou, animado ou auxiliado pela indiferença ou ineficiência da máquina administrativa, entende-se que este procedimento do Poder Público foi a causa do dano (Cf. YUSSEF SAID CAHALI, ob. cit., pp. 161-171).

          

IV.3. DO DEVER DE INDENIZAÇÃO NA ESPÉCIE -FUNDAMENTOS ALTERNATIVOS: RESPONSABILIDADE OBJETIVA OU FALTA IMPESSOAL DO SERVIÇO:

           No caso concreto, o Município descumpriu dever legal, claramente imposto, de controle do uso do solo, não adotando as medidas aptas a prevenir ou atenuar suas repercussões danosas. Exigia-se do ente político citado uma conduta diversa, mais eficiente, que estava habilitada a prestar. Exatamente por isto, deve reparar os danos resultantes de seu comportamento, seja este encarado sob o prisma da responsabilidade objetiva ou, mais restritamente, nos limites demarcados para a falta impessoal do serviço.

           Na realidade, embora o exame da culpa seja dispensável, não há dúvida de que, na espécie, o evento danoso se deve à negligência da Administração Pública. Houve desídia na fiscalização do uso do solo e a omissão de qualquer providência oportuna que impedisse a infração ao ordenamento urbano.

           Como é cediço, desde que o serviço público influi na gênese ou no agravamento do dano suportado por particulares, nasce para o ente estatal o dever de ressarcimento. E isto acontece porque não tomou as precauções necessárias para evitar ou diminuir o dano, ou porque não prestou o serviço em condição adequada para cumprir o seu destino.

           Realmente, no poder de polícia se compreende também o dever de eficiência e presteza, pois cabe à Administração vigiar para que as normas de ordem pública sejam cumpridas.

           Como explica Paul Duez, "o exercício da competência não é um privilégio, mas um dever para o agente, que tem a obrigação funcional de ser vigilante. E isto é verdadeiro não somente nos casos de competência vinculada, mas ainda nos casos de competência discricionária" ("La Responsabilité de la Puissance Publique", Dalloz, Paris, 1927, p. 16, cit. por CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, "Responsabilidade Pública por Danos Causados por Instituições Financeiras", em RDP 91/247).

           Não se pode efetivamente esquecer que toda atividade humana supõe um dever geral, de diligência e prudência, a que ninguém está imune. Logo, se a Administração Pública descura do dever que lhe cabe, de fiscalizar o uso e a ocupação do solo, e em razão disso são feitos loteamentos irregulares, esta abstenção acarreta seu dever de compor os danos que poderia ter evitado ou diminuído.

           É conseqüência natural do princípio da legalidade que o Poder Público deva reparar os danos propiciados por seu comportamento, sempre que faz o que não deveria fazer ou deixa de fazer o que deveria. Pouco importa que sua conduta consista em uma ação ou em uma inação, pois, nessa matéria, tanto o fazer como o omitir-se podem ser ilícitos (Código Civil, arts. 15 e 159).

           Aliás, a doutrina há muito acentua que, em essência, "não atuar, não prevenir, não reprimir, quando a ordem jurídica impõe atuação, prevenção, repressão, é decidir não atuar, não prevenir, não reprimir ou, quando menos, decidir assumir os riscos por isso. É, em suma, descumprir as determinações do Direito. Se, podendo cumpri-las e de modo suficiente para evitar o dano, o Estado se omite, evidentemente, assujeita-se à responsabilidade oriunda de sua injurídica inação" (CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, "Responsabilidade Pública por Danos Causados por Instituições Financeiras", em RDP 91/246).

           Na espécie, é evidente que a situação atual também deve ser debitada aos comportamentos do Município e de seu agente, porque, infringindo deveres legais, abstiveram-se de adotar, a tempo e com eficiência, as medidas preventivas e corretivas, necessárias para impedir, atenuar e remover o dano. A autoridade competente, embora tivesse sido informada das irregularidades, deixou de realizar todas as medidas que lhe competia, para defesa dos padrões urbanísticos. De fato, adotou algumas poucas providências, mas tarde, e inaptas a impedir a "zorra urbana" ou a revertê-la, retirando-a desta lamentável condição.

           Deste modo, o serviço público exigível "não funcionou", "funcionou mal" ou "funcionou tarde", quando deveria legalmente funcionar, a tempo e de modo eficiente. A Municipalidade incorreu, pois, nas três modalidades de falta de serviço ou, em outros termos, com tais condutas, objetivamente, deu causa aos danos.

           É claro que a responsabilidade do Poder Público só se configura se, podendo atuar, ficou inerte, ou se, agindo, atuou insuficientemente, aquém dos padrões a que estava sujeito (Cf. CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, "Elementos de Direito Administrativo", ed. cit., p. 341).

           Entretanto, a Administração Pública nem pode alegar sua impossibilidade ou dificuldade prática de atuar apenas porque, eventualmente, não tenha reservado agentes e recursos materiais suficientes para o cumprimento de sua função. Do contrário, o preceito se tornaria inteiramente inútil, não consagrando, realmente, um dever, mas simples recomendação, cujo cumprimento estaria sujeito, apenas, à conveniência da própria autoridade administrativa, que dele poderia se liberar não dotando sua máquina de instrumentos eficientes para agir. Em exemplo pitoresco, seria o mesmo que dispensar um pródigo de seus débitos apenas porque, não tendo conservado dinheiro consigo, esteja circunstancialmente sem meios para honrá-los.

           Não se concebe uma norma de ordem pública sem efetividade, impotente para compelir seu destinatário à satisfação de seu comando. Presume-se que o dever de agir, notadamente quando endereçado ao Poder Público, também traga para este, implícito, o encargo de se preparar adequadamente para cumpri-lo.

           A respeito, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO esclarece:

           "Não há resposta a priori quanto ao que seria o padrão normal, tipificador da obrigação a que estaria legalmente adstrito. Cabe indicar, no entanto, que a normalidade da eficiência há de ser apurada em função do meio social, do estágio de desenvolvimento tecnológico, cultural, econômico e da conjuntura da época, isto é, das possibilidades reais médias dentro do ambiente em que se produziu o fato danoso.

           "Como indício dessas possibilidades há que levar em conta o procedimento do Estado em casos e situações análogas e o nível de expectativa comum da sociedade (não o nível de aspirações), bem como o nível de expectativa do próprio Estado em relação ao serviço increpado de omisso, insuficiente ou inadequado. Este último nível de expectativa é sugerido, entre outros fatos, pelos parâmetros da lei que o institui e regula, pelas normas internas que o disciplinam e até mesmo por outras normas das quais se possa deduzir que o Poder Público, por força delas, obrigou-se, indiretamente, a um padrão mínimo de aptidão.

           "Por exemplo: se o Poder Público licencia edificações de determinada altura, não poder  deixar de ter, no serviço de combate a incêndio e resgate de sinistrados, meios de acesso compatíveis para enfrentar eventual sinistro" (...)

           "Em síntese: se o Estado, devendo agir, por imposição legal, não agiu ou o fez deficientemente, comportando-se abaixo dos padrões legais que normalmente deveriam caracterizá-lo, responde por esta incúria, negligência ou deficiência, que traduzem um ilícito ensejador do dano não evitado quando, de direito, devia sê-lo. Também não o socorre eventual incúria em ajustar-se aos padrões devidos"
("Elementos", pp. 339-340).

           Aliás, nesta matéria, sempre que pessoas ou recursos naturais sofram prejuízos, justifica-se a atribuição de responsabilidade aos entes políticos, de modo solidário com o particular, precisamente para compeli-los ao prudente cumprimento de seus deveres de vigilância e ordenação das atividades urbanas (Cf., em sentido semelhante, PAULO AFFONSO LEME MACHADO, "Direito Ambiental Brasileiro", 3a. ed., Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1991, p. 203).


          

V. DOS PEDIDOS:

           Diante do exposto, REQUER:

           1) a citação dos réus, com a faculdade do art. 172, par. 2o., do Código de Processo Civil, para resposta no prazo legal, advertindo-se-os de que, não sendo contestada a ação, ficarão sujeitos aos efeitos da revelia;

           2) a publicação do edital de que trata o art. 94 do Código de Defesa do Consumidor, de modo a que os outros eventuais interessados na lide dela tomem ciência;

           3) ao final, a PROCEDÊNCIA DA AÇÃO, com imposição dos ônus da sucumbência, quanto às custas e demais despesas processuais, condenando-se:

           3.a) o MUNICÍPIO DE SÃO PAULO e o réu S. S., solidariamente, a indenizarem, em sua plenitude e na forma da lei, os danos urbanísticos e ambientais, ocasionados pela degradação decorrente da falta de ordenação urbana, em montante a ser apurado em liqüidação;

           3.b) o réu S. S. às penas previstas no art. 12 da lei de Improbidade Administrativa (Lei no. 8.429/92).

           Requer, mais:

           I) a produção de todas as provas admitidas em Direito, notadamente documentos, depoimento pessoal dos réus, sob pena de confissão, oitiva de testemunhas infra arroladas ou outras cujos nomes serão fornecidos oportunamente, realização de perícias e inspeções judiciais;

           II) a dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, desde logo, à vista do disposto no art. 18 da Lei 7.347/85 e no art. 87, do Código de Defesa do Consumidor;

           III) a realização de sua intimação pessoal dos atos e termos processuais, na forma do art. 236, par. 2o., do Código de Processo Civil (no endereço que figura no final desta peça), mediante entrega dos autos (art. 41, IV, da Lei 8.625, de 12/02/93 - Lei Orgânica Federal do Ministério Público), a se efetivar na r. Major Quedinho, no. 90, 3o. andar, Bela Vista, nesta Capital;

           IV) a requisição, junto à Municipalidade, das declarações de bens apresentadas por seus agentes S. S., relativamente aos bens e valores que compõem o seu patrimônio privado, de arquivamento obrigatório junto ao Setor de Recursos Humanos municipal (art. 13 da Lei no. 8.429/92).

          

Valor da causa: R$ 1.000.000,00.

          

São Paulo, 18 de novembro de 1997.

Beatriz Augusta Pinheiro Samburgo
Promotora de Justiça

Carlos Alberto Amin Filho
Promotor de Justiça João Lopes Guimarães Junior
Promotor de Justiça Lazaro Roberto de Camargo Barros
Promotor de Justiça Mario Augusto Vicente Malaquias
Promotor de Justiça

           ROL DE TESTEMUNHAS:

           1. Roberto Saruê

           2. Candido Malta

           3. Regina Monteiro

           4. Iracy Paulina

           5. Rosana Zakabi

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Sobre os autores
Carlos Alberto Amin Filho

promotor de Justiça

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMIN FILHO, Carlos Alberto ; SAMBURGO, Beatriz Augusta Pinheiro et al. Ação civil pública por desrespeito à Lei de Zoneamento Urbano em Pinheiros (SP). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 23, 27 jan. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16006. Acesso em: 24 abr. 2024.

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