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Indenização contra empresa aérea por perda de bagagem em viagem

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A responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor.

Visto o problema da antinomia das normas, parte-se agora para a responsabilidade civil no âmbito do Código de Defesa do Consumidor.

Citando mais uma vez os mestres Eduardo Arruda Alvim e Flávio Cheim:

"O Código de Proteção e Defesa do Consumidor regulamenta a responsabilidade por serviços fundamentalmente em dois dispositivos: no art. 14, trata da responsabilidade civil pelo fato do serviço; no art. 20, trata da responsabilidade civil pelo vício do serviço".

"É mister, pois, que tenha havido evento danoso, decorrente de defeito no serviço prestado, para que se possa falar em responsabilização nos moldes do art. 14. Ou, então, que o evento danoso tenha decorrido de informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos, o que se pode chamar de defeito de informação" (Op. Cit. Pág. 138).

O artigo 14, que diz responder o fornecedor pelo evento danoso, independentemente de culpa, consagra a sua modalidade objetiva. Já seu parágrafo 3º comporta as causas de exclusão, in verbis:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente, da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

(...)

"§ 3º. O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar":

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro:

Assim, se provado o defeito do serviço (extravio da bagagem), o transportador somente deixará de ser responsabilizado quando a responsabilidade advier de fato de outrem ou fato próprio do consumidor.

Colhe-se da jurisprudência:

"Responsabilidade Civil. Transporte aéreo e extravio de bagagem. Indícios de extravio em terra, além de não estar relacionado com acidente. Responde a transportadora pela indenização integral regulada no Código Civil, afastando a indenização tarifada da Lei 7.565/86, prevista para acidente aéreo. Interpretação que também se harmoniza com o Direito do Consumidor. Ação procedente. Decisão mantida." (Ap. Cív. 548.098-4, rel. Márcio Franklin Nogueira, j. 26.05.93, in JTA-LEX 142/144).

Atraso e extravio de Bagagem. Dano Material e Moral. Não ofende a CF art. 178 a decisão judicial que condena companhia aérea ao pagamento de dano material e moral por atraso e extravio de bagagem (STF, 2a T. AgRgAg 198380-9-RJ, rel. Min. Marco Aurélio, v.u., j. 27.4.1998, BolAASP 2071/246-e).

Deve-se agora tratar, haja vista que a lei aplicável ao caso é o Código de Defesa do Consumidor, da espécie de responsabilidade civil do transportador, qual seja, a responsabilidade objetiva.


Da Responsabilidade Objetiva

O Professor Fernando Noronha conceitua responsabilidade objetiva como "a obrigação de reparar determinados danos causados a outrem, independentemente de qualquer atuação dolosa ou culposa do responsável, mas que tenham acontecido durante atividades realizadas no interesse ou sob o controle da pessoa responsável".

Do conceito apresentado inferem-se três requisitos básicos para que se configure a responsabilidade objetiva: 1) o fato; 2) o dano; 3) o nexo de causalidade.

O fato na hipótese levantada é extravio da bagagem e o dano configura-se pela perda de documentos, material pessoal, roupas, jóias, enfim o que sair do patrimônio do transportado em virtude da perda de suas malas. Quanto ao nexo de causalidade, diz a teoria da causalidade adequada que, um fato é causa de um dano quando este seja conseqüência normalmente previsível daquele.

"E para sabermos se ele (o dano) deve ser considerado conseqüência normalmente previsível, devemo-nos colocar no momento anterior àquele em que o fato aconteceu e tentar prognosticar, de acordo com as regras da experiência comum, se era possível antever que o dano viesse a ocorrer. Quando a resposta for afirmativa, teremos um dano indenizável".

Ora, é sabido da desordem que muitas vezes povoa nossos aeroportos, tanto que é muitíssimo comum as malas de um cearense serem encontradas em Assunção ou em Porto Alegre. Portanto, pode-se afirmar que num aeroporto em que não há um controle rígido das bagagens, é perfeitamente possível antever-se que, sem serem tomadas estas as devidas cautelas, quaisquer malas teriam grande chance de se extraviarem. Assim sendo, no momento anterior ao fato era possível prever-se a ocorrência do dano, não tendo sido tomada nenhuma providência para que tal não ocorresse.

Conclui-se, portanto que, presentes os requisitos configuradores da CULPA OBJETIVA, quais sejam o fato, o dano e o nexo de causalidade, estamos diante de um dano indenizável.


Da

A prática ensina que, na maioria das empresas de aviação, não são exigidas declarações minuciosas do conteúdo da bagagem. O transportado não teria, pois, como provar o conteúdo das malas, posto que seria considerado documento unilateral (o próprio consumidor, após a constatação do extravio, faz uma lista do que foi perdido). Mas de nada valem estes argumentos, pois no Código de Defesa do Consumidor o ônus da prova é invertido, devendo o transportador comprovar que a mala extraviada não continha tais objetos.

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E, nem mesmo é necessário o pedido de inversão do onus probandi, pois, em sede de direito do consumidor, pode-se operar de ofício, ou seja, sem requerimento das partes. É que o Código de Defesa do Consumidor elevou suas normas à condição de normas de ordem pública e de interesse social (art. 1º), e as normas de ordem pública, segundo Carlos César Hoffmann, com base em Nery Jr. "compreendem-se aquelas que devem ser apreciadas e aplicadas de ofício, e em relação às quais não se opera a preclusão, podendo, as questões que delas surgem, serem decididas e revistas a qualquer tempo e grau de jurisdição" (A Inversão do ônus da prova. FURB. Pró-Reitoria de Pesquisa em Pós-Graduação, 1998. Págs. 83-84).

A Jurisprudência é vasta:

"RESPONSABILIDADE DO PRESTADOR DE SERVIÇOS. Ônus da prova segundo o Código de Defesa do Consumidor. Suficiência da verossimilhança do alegado para transferir ao prestador de serviços o encargo probatório (Lei 8.078/90, arts. 6º, VIII, e 14, parág. 3º). Sentença Confirmada". (TJRS - Ap. Cív. 593133416-6 6ª Câm. - Rel. Des. Adroaldo Furtado Fabrício - RJTJRS 163/393).

"PROVA - Ônus - Inversão - Critério do Juiz, quando reputar verossímil a alegação deduzida - Artigo 6º, inciso VIII, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, com o flagrante intuito de facilitar o ajuizamento da ação, reserva ao Juiz o poder de dispensar o autor do encargo de provar o fato constitutivo de seu direito, quando, a critério exclusivo do Magistrado, reputar verossímil a alegação deduzida" (TJSP - 7ªC. - Ap. Cív. 198.391-1- Rel. Des. Leite Cintra - JTJ/LEX 152/128).

Portanto, nos contratos de transporte aéreo, tanto internacional quanto nacional, a responsabilidade do transportador, pelos danos causados à bagagem, é sempre objetiva, tendo em vista a relação de consumidor-fornecedor que existe. Não é necessário se provar dolo ou culpa. Basta simplesmente a prova do fato ocorrido e o nexo de causalidade entre o fato e o dano.

O ônus desta prova, de acordo com o Código do Consumidor, há de ser operado inversamente, ou seja, o fornecedor deve provar fato que desconstitua o direito alegado pelo consumidor.

Como visto antes, a Convenção de Varsóvia se tornou parcialmente incompatível com o Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista que a Lei 8.078/90 é posterior, especial e editada nos termos da Constituição Federal, não podendo, assim, sobressair-se no ordenamento nacional em detrimento de outros diplomas legais.

Diante dos fatos e da evidência das provas documentais, não poderão subsistir argumentos que lhe afastem o reconhecimento do dano material e moral. Aliás, o brocardo latino "furtum sine dolo malo non committitur", (não se comete furto sem dolo mau), socorre aqueles que tiveram as bagagens extraviadas, desaparecidas, furtadas, sumidas etc., pois, o dolo está presente quando não se pretende vigiar adequadamente o bem depositado à vigilância da transportadora.


DO PEDIDO

sendo que, destes R$ 50.000,00 (Cinqüenta mil reais) pelos danos sofridos por parte do Suplicante (Milton...), R$ 30.000,00 (trinta mil reais) pelos danos sofridos pela Suplicante (Patrícia...) e R$ 30.000,00 (trinta mil reais) pelos danos sofridos pela menor e também Suplicante (Rafaela...).

02) - Reparação dos Danos Materiais causados pela Suplicada, estes no valor de R$ 4.161,00 (quatro mil, cento e sessenta e um reais).

03) – Que seja concedida o benefício da justiça gratuita conforme pedido PRELIMINAR.

Protesta provar o alegado por todos os meios de provas em direito admitidas, em especial o depoimento pessoal das partes, a oitiva de testemunhas, prova pericial, apresentação de novos documentos, e quaisquer outras que se fizerem necessárias.

Determinar a CITAÇÃO dos Réus, para dentro do prazo legal, contestar a presente ação.

Fixar os honorários advocatícios na ordem de 20%, sobre o valor da causa.

Dá-se à causa o valor de R$ 114.161,00 (centro e quatorze mil e cento e sessenta e um reais).

Deferimento

Fortaleza/Ce, 21 de dezembro de 2000.

    Carlos César de Carvalho Lopes
    Advogado

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Sobre o autor
Carlos César de Carvalho Lopes

advogado em Fortaleza (CE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, Carlos César Carvalho. Indenização contra empresa aérea por perda de bagagem em viagem. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 49, 1 fev. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16105. Acesso em: 19 abr. 2024.

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