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Adin contra lei 9958/00.

Comissões de conciliação prévia na justiça do trabalho

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01/11/2000 às 00:00
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Ação direta de inconstitucionalidade contra a Lei 9958/00, que instituiu as comissões de conciliação prévia na Justiça do Trabalho. Alega-se a violação dos princípios de amplo acesso ao Judiciário, do contraditório e da ampla defesa e da irredutibilidade salarial.

Excelentíssimo Senhor Ministro Presidente do Egrégio Supremo Tribunal Federal

....., vem, respeitosamente, por seus advogados (instrumento de mandato em apenso), com fundamento nos artigos 102, I, "a", e 103, IX, da Constituição Federal/88, propor

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
(com pedido de liminar)

O Congresso Nacional aprovou e o Presidente da República sancionou a Lei nº 9.958, de 12 de janeiro de 2000, que acrescenta dispositivos à Consolidação das Leis do Trabalho – CLT –, dispondo sobre as Comissões de Conciliação Prévia e permitindo a execução de título executivo extrajudicial na Justiça do Trabalho. Para tanto, a citada Lei, em seu artigo 1o, alterou o artigo 625 da CLT, acrescentando os itens " D mais os parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º" e "E, Parágrafo Único".

A alteração legislativa, o objeto desta insurgência, tem a seguinte redação:

Art. 625-D: Qualquer demanda de natureza trabalhista será submetida à Comissão de Conciliação Prévia se, na localidade da prestação de serviços, houver sido instituída a comissão no âmbito da empresa ou do sindicato da categoria.

§ 1º A demanda será formulada por escrito ou reduzida a termo por qualquer dos membros da Comissão, sendo entregue cópia datada e assinada pelo membro aos interessados.

§ 2º Não prosperando a conciliação, será fornecida ao empregado e ao empregador declaração da tentativa conciliatória frustrada com a descrição de seu objeto, firmada pelos membros da Comissão, que deverá ser juntada à eventual reclamação trabalhista.

§ 3º Em caso de motivo relevante que impossibilite a observância do procedimento previsto no caput deste artigo, será a circunstância declarada na petição inicial da ação intentada perante a Justiça do Trabalho.

§ 4º Caso exista, na mesma localidade e para a mesma categoria, Comissão de empresa e Comissão sindical, o interessado optará por uma delas para submeter a sua demanda, sendo competente aquela que primeiro conhecer do pedido.

Art. 625-E. Aceita a conciliação, será lavrado termo assinado pelo empregado, pelo empregador ou seu preposto e pelos membros da Comissão, fornecendo-se cópia às partes.

§ Único. O termo de conciliação é título executivo extrajudicial e terá eficácia liberatória geral, exceto quanto às parcelas expressamente ressalvadas.


II - VIOLAÇÃO DIRETA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL

a)- Art. 652-D

O art. 652-D da CLT, criado pelo art. 1o da Lei 9958/2000, viola diretamente o art. 5º, inciso XXXV, da CF., que dispõe:

"a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito".

Trata-se de direito público, assegurador do direito de ação, de exercício incondicional. O direito de ação não pode sofrer limitação pelo legislador ordinário: ao cidadão é assegurado o direito de buscar no Judiciário a tutela estatal - a qualquer tempo - independentemente de qualquer condição; basta ter capacidade jurídica, legitimidade e direito de agir.

O renomado jurista Manoel Antonio Teixeira Filho, na exegese do texto constitucional (direito incondicional de ação), conclui, lógica e didaticamente, que não se pode impedir, nem restringir o direito de ação:

"Consistindo, pois, a ação num direito constitucional, isso significa, em termos concretos, que o legislador infraconstitucional não poderá, por que motivo seja, impedir ou restringir o exercício desse direito, ainda que temporariamente, sob pena de colocar-se em manifesto e insustentável antagonismo com a Suprema Carta Política do País" (in JURIDIÇÃO, AÇÃO E PROCESSO, Editora LTr – SP, nº 01, pág. 43).

"De qualquer forma, o fato de esse princípio estar contido em texto constitucional é de suma relevância para os indivíduos, para as coletividades e para o próprio regime democrático, porquanto nenhuma norma infraconstitucional poderá cercear, e, nem mesmo, restringir – sob que argumento seja – o exercício do direito de ação. ... Como dissemos, são despiciendas as razões pelas quais o legislador infraconstitucional venha, ainda que ocasionalmente, a restringir ou a impedir o exercício da ação: ao fazê-lo, estará transgredindo uma das mais provectas e notáveis garantias constitucionais do indivíduo, motivo por que os juizes deverão se recusar a submeter-se a esse tipo de ato da legislatura" ( in PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO DO TRABALHO, Editora LTr – SP, nº 29, págs. 12 e 14).

"... o princípio da inafastabilidade da jurisdição (direito de ação) está contido no art. 5º, XXXV, do texto constitucional; sendo assim, o legislador ordinário (infraconstitucional) não poderá, por mais relevante que lhe pareça o motivo, cercear ou restringir o exercício desse direito de invocar-se a prestação da tutela jurisdicional, com a finalidade de promover-se a satisfação de interesses ligados a bens ou a utilidades da vida" (in PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO DO TRABALHO, Editora LTr – SP, nº 2, pág. 13).

A inconstitucionalidade da Lei 9958/2000 é apontada também por Jorge Pinheiro Castelo (mestre e doutor pela FADUSP, cujo currículo é engrossado por farta produção doutrinária, como: "o Direito Processual do Trabalho na Moderna Teoria Geral do Processo", "Tutela Antecipada na Teoria Geral do Processo", "Tutela Antecipada no Processo do Trabalho" - todos da LTR), que em artigo publicado na Revista LTR de abril/2000, demonstra que:

"Para que o exercício da tutela jurisdicional ocorra de forma efetiva e eficiente, o acesso à Justiça e à Ordem Jurídica justa tem que se dar sem embaraços, ou seja, de forma direta e imediata(...). É de patente inconstitucionalidade impor-se ao empregado que, além de sofrer a resistência direta do empregador inadimplente, seja obrigado a percorrer, plano material, uma etapa administrativa de conciliação, para só então, num segundo (ou talvez, terceiro, considerando-se o ato homologatório) momento, poder ingressar em juízo. (...)com o afirmado inadimplemento, no plano material, está configurado e satisfeito o interesse de agir processual próprio do direito constitucional de ação, não se podendo exigir a presença de um segundo interesse de agir administrativo, para só então se poder demandar em juízo. (...). O § 4 do art. 153 da CF/69 autorizava a lei infraconstitucional a exigir o prévio esgotamento da via administrativa para o ingresso em juízo. Ocorre que a CF/88 extirpou esse entulho autoritário. (...) Dessa forma, só na época da ditadura militar existiu uma condição de ação de natureza administrativa. E, nesse período, a lei infraconstitucional editada para as ações contra o INSS foi reiteradamente julgada inconstitucional pelo STF (RE 78272. No mesmo sentido, noticia também o DJU, 14.5.97, pág. 19.253 e Inf. STF 71, DE 12.5.97, AgRg naSE 5.206-7 – Espanha", in CPC Comentado de Teotônio Negrão, Saraiva, 1988, pag. 804). (...)a conciliação – que jamais poderá ser renúncia – tem por conteúdo um negócio jurídico através do qual se estabelece e transação sobre res dubia pertinente a direitos meramente patrimoniais. Logo, não se pode nela incluir interesses não específica e concretamente transacionados. Caso contrário, o § Único do art. 625-E da Lei 9958/2000 estaria violando o direito adquirido (inciso XXXVI do art. 5º da CF, inovaria contra o direito de ação em defesa do direito estabelecendo o inconstitucional princípio do enriquecimento ilícito e da fraude material (alínea a do inciso XXXIV e inciso XXXV do art. 5º da C.F). (...) O ordenamento jurídico, constitucional, democrático e ético, não admite a fraude de direitos, em especial a renúncia de direitos inderrogáveis, de ordem pública, de caráter social e de pessoas em estado de vulnerabilidade jurídica e econômica." (Jorge Pinheiro Castelo, in "COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA-FILOSOFIA, IDEOLOGIA E INTERESSES ENVOLVIDOS NA LEI, INCONSTITUCIONALIDADES, PERPLEXIDADES E SITUAÇÕES ESPECÍFICAS – LIMITAÇÕES, EXCEÇÕES E ALTERNATIVAS", LTR, vol. 64, 04, 446/455).

Portanto, a Lei 9958/2000, ao acrescentar ao art. 625 da CLT as letras "D" e "E", provocou profunda lesão no texto constitucional. As feridas só irão cicatrizar se o STF, ao exercer sua função saneadora e cirúrgica, extrair o tumor maligno e restabelecer o direito de cidadania plena, devolvendo aos trabalhadores o direito de ação, cerceado a toque de caixa pelas inserções arbitrárias na codificação trabalhista.

Os acréscimos ao artigo 625 da CLT (letras "D" e "E") violentam diretamente também o art. 114 da CF, que atribui à Justiça do Trabalho competência EXCLUSIVA para conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos:

"Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre os trabalhadores e empregados, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas".

Há exceções, mas a própria Constituição Federal cuidou de estabelecer tratamento diferenciado e as oportunidades em que isso poderia ocorrer (Dissídio Coletivo: o art. 114, § 1º e 2º, traz condição especial de Ação - a tentativa conciliatória; direito individual, art. 217, § 1º: "O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, reguladas em lei").

Portanto, na coerência do preciso ensinamento do jurista Manoel Antonio Teixeira Filho, a Constituição Federal não prevê outras hipóteses restritivas do amplo e incondicional direito de ação e não autoriza o legislador infraconstitucional, seja qual for o motivo, impedir ou restringir o exercício desse direito, ainda que temporariamente; se o fizer (como efetivamente fez!), se posiciona em manifesto e insustentável antagonismo com a Suprema Carta Política do País.

A Justiça Especializada especializada surge como decorrência da necessidade de pronta prestação jurisdicional; a familiaridade com os temas peculiares de certas causas deu origem à especialização dos juízos:

"... A especialização desses juízos decorreu da necessidade de serem atendidas as peculiaridades de certas causas (trabalhista, militar, eleitoral). À Justiça do Trabalho, por exemplo, a Constituição atribuiu competência para solucionar conflitos de interesses, individuais ou coletivos, envolvendo trabalhadores e empregadores, e, mediante, lei, outras controvérsias oriundas das relações do trabalho (Const. Federal, art. 114, caput)" ( in PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO DO TRABALHO, autor citado, Editora LTR-SP, n 29, pág. 17).

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Esclarece ainda o respeitado jurista:

"O princípio constitucional do devido processo legal é de extrema importância para todos aqueles que, um dia, tiverem o seu "dia na corte" (his day in Court), constituindo, sem dúvida, uma das mais expressivas manifestações dos regimes democráticos. O due process of law não deve ser visto, pois, como uma simples retórica do constituinte, sem qualquer ressonância no plano da realidade prática, mas como uma sua efetiva preocupação de fazer com que os conflitos de interesses sejam submetidos à apreciação do Poder Judiciário, e por este solucionados, não segundo a vontade das partes ou do magistrado, mas de acordo com as normas legais específicas. Qualquer violação dessa cláusula constitucional acarretará a nulidade do processo..." ( in PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO DO TRABALHO, autor citado, Editora LTR-SP, n 29, pág. 24).

Portanto, mesmo que se alegue que o trabalhador tem a possibilidade de não transigir perante a Comissão – que, não transigindo, possa exercer o direito de ação -, tão logo obtenha a declaração negativa da tentativa conciliatória, mesmo nesta hipótese ainda haverá violação ao direito constitucional de ação durante o período em que ficou impedido de submeter seu pedido ao Poder Judiciário. E isto não pode ocorrer diante do assegurado pelo art. 5º, inciso XXXV da CF – o direito de ação é inafastável, incondicional.

A certeza de que a lei 9958/2000 atenta contra os princípios constitucionais é reforçada pela Profª Carmen Lúcia Antunes Rocha:

"O direito à jurisdição é a primeira das garantias constitucionais dos direitos fundamentais, como anteriormente frisado. Jurisdição é direito-garantia sem o qual nenhum dos direitos, reconhecidos e declarados ou constituídos pela Lei Magna ou por outro documento legal, tem exercício assegurado e lesão ou ameaça desfeita eficazmente. Primeiramente, o direito à jurisdição é a garantia fundamental das liberdades constitucionais. Sem o controle jurisdicional, todos os agravos às liberdades permanecem no limbo político e jurídico das impunidades. Todas as manifestações da liberdade, todas as formas de seu exercício asseguradas de nada valem sem o respectivo controle jurisdicional. A liberdade sem a garantia do pleno exercício do direito à jurisdição é falaciosa, não beneficia o indivíduo, pois não passa de ilusão do direito, o que sempre gera a acomodamento estéril e a desesperança na resistência justa e necessária. Não é por acaso que os regimes políticos antidemocráticos iniciam suas artes e manhas políticas pela subtração ou pelo tolhimento do direito à jurisdição. É que sem este direito plenamente assegurado e exercitável o espaço para as estripulias dos ditadores é mais vasto e o descontrole de seus comportamentos confere-lhes a segurança de que eles se vêm necessitados de continuar no poder".

No dizer do eminente constitucionalista português JJ Gomes Canotilho, "a garantia do acesso aos tribunais" é considerada "como uma concretização do princípio estruturante do Estado de Direito":

"A proteção jurídica através dos tribunais implica a garantia de uma proteção eficaz. Neste sentido, ela engloba a exigência de uma apreciação, pelo juiz, da matéria de facto e de direito, objecto de litígio ou da pretensão do particular, e a respectiva ‘resposta’ plasmada numa decisão judicial vinculativa (em termos a regular pelas leis de processo)".


III – FUNDAMENTOS, OBJETIVOS, PRINCÍPIOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E A LEI 9958/2000

A Carta Política brasileira, tendo como fundamento o bem estar do homem. Na estruturação desse fundamento, subordinou os interesses particulares do lucro à prevalência do social: art. 5º, inciso XXIII; art. 170, inciso III.

E - assim - a Lex Legum, buscando o atingimento dos objetivos maiores colimados pela nação (promoção do bem comum a todos os nacionais), projetou a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Ao projetar, ficou alicerces seguros, garantidores do progressivo e evolutivo desenvolvimento nacional, com a conseqüente erradicação da pobreza e combate à marginalização, que possibilite a redução das desigualdades sociais e regionais - artigos 1º ( I, II, III, IV) e 3º (I, II, III, IV) e a prevalência dos direitos humanos (art. 4, inciso II). Esses pressupostos asseguram o direito à cidadania, à dignidade, à preservação e manutenção dos valores sociais do trabalho e do salário, bem como dos demais direitos civis.

O direito de acesso ao Judiciário, para a composição dos conflitos de interesses, é conquista evolutiva, com cláusula moral impeditiva de retrocesso. É dever do Estado Democrático estruturar e manter o Poder Judiciário independente, para a composição dos conflitos de interesse; não pode delegar essa magna tarefa, não pode privatizá-la, sob pena de se admitir expressamente o retrocesso, a barbárie, o intento reducionista da dignidade humana.

A lei 9.958/2000 materializa, em parte, a privatização da Justiça. O Estado terceiriza a composição dos conflitos, privatiza a Justiça, retrocede e se desestrutura, deixa de existir (na composição). Num enxergar em profundidade se constata a flexibilização (destruição, implosão) dos direitos humanos, sociais e culturais.

O Poder Judiciário tem o dever zelar pela sua dignidade, independência e soberania; e a lei 9.958/2000 representa atentado à sua dignidade, independência e soberania. O direito materializado por essa lei, transforma o trabalho em mercadoria – e, como mercadoria, sem qualquer dignidade, sem valor social.

A mensagem transmitida pela essência da norma constitucional, que incorpora a evolução da sociedade, globaliza o social e estabelece condições (limites) ao interesse do puro e simples lucro: o enriquecimento, em qualquer setor de atividade humana, deve vir seguido de construtividade social. A sociedade existe - e se mantém - porque o homem é ser de localidade: isolado, não produz; em sociedade, produz, constrói - e evolui; da mesma forma, o direito - produto das normas de convivência humana - evolui, na medida em que a sociedade evolui: é o retrato do estágio em que a sociedade se encontra.


IV – O DIREITO INTERNACIONAL E SUA INCORPORAÇÃO AO TEXTO CONSTITUCIONAL

Todo direito – regras de conduta da sociedade – evolui. Portanto, o Direito Internacional é o resultado da evolução das sociedades planetárias evoluídas. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1.948, teve reafirmada suas disposições e eficácia em razão da adoção da concepção contemporânea de direitos humanos, que restou prevalente na aprovação da Declaração de Viena (1993, assinada também pelo Brasil).

A Declaração de Direitos Humanos de Viena, de 1993, reitera a concepção introduzida pela Declaração de 1948, que, no parágrafo 5º, afirma:

"Todos os direitos humanos são universais, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente de forma justa e eqüitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase."

As garantias dos direitos humanos, sociais e trabalhistas, bem como as dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à segurança, à previdência social (direitos que se encontram protegidos pelas chamadas "cláusula pétrea" e que sequer podem ser objeto de deliberação pelo Congresso Nacional, por força do que dispõe o art. 60, § 4º da CF), foram conquistadas no processo de evolução da sociedade e contam, na essência, com a proteção de cláusula impeditiva de retrocesso, como em todas as constituições democráticas, ou seja da prevalência do entendimento de que a Declaração Internacional de Direitos reconhecidos deva ser "jurisdicizada" sob a forma de tratado internacional, tutelando direitos (humanos, sociais e culturais) que sejam juridicamente obrigatórios e vinculantes no âmbito do Direito Internacional, como sustentou a constitucionalista Flávia Piovesan na Palestra "A DESCONSTITUCIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS NA AMÉRICA LATINA", que proferiu no III ELAT, realizado em Campos de Jordão, 3º Encontro dos Advogados Trabalhistas Latino-Americanos, de 28 de abril a 1º de maio/2000.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, trouxe avanços que se incorporaram ao patrimônio da humanidade, que não admitem retrocesso ("Da aplicação progressiva dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais resulta a cláusula de proibição do retrocesso social em matéria de direitos sociais" – trecho da tese citada de Flávia Piovesan), que constituem a essência da cidadania – passaporte universal da dignidade (princípios reafirmados na Declaração de Viena (1993) e ampliados com a evolução temporal):

Após a Declaração Universal de 1948, dois novos tratados (aprovados no âmbito das Nações Unidas) reforçam e tornam mais consistentes as garantias dos direitos humanos, sociais e culturais: o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ratificado pelo Brasil no ano de 1.992). Os postulados adotados por esses dois tratados internacionais incorporam - e até detalham, com precisão - os direitos constantes da Declaração Universal – preceitos obrigatórios e vinculantes.

Todos esses novos postulados internacionais de respeito aos direitos humanos, sociais, civis, políticos, econômicos, se incorporam ao direito pátrio a teor do que prevê o art. 5º, § 2º, da CF, que dispõe:

"Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".

Há que se realçar, portanto, a imperatividade jurídica dos direitos econômicos, sociais e culturais, com base na doutrina da indivisibilidade dos direitos humanos consagrada pela Declaração Universal em 1948, endossada em Viena, em 1993 e reafirmada pelos dois novos tratados internacionais citados (Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais).

Na esteira das reflexões doutrinárias acima expostas, o legislador ordinário não pode criar ou dispor sobre quaisquer formas que impliquem no constrangimento de um dos princípios estruturantes do Estado de Direito, resultando desta atitude insanável vício constitucional.

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Sobre o autor
Luiz Salvador

advogado trabalhista no Paraná, diretor para assuntos legislativos da ABRAT, integrante do corpo técnico do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), colaborador de revistas especializadas em Direito do Trabalho (LTr, Síntese, Gênesis)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SALVADOR, Luiz. Adin contra lei 9958/00.: Comissões de conciliação prévia na justiça do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. -973, 1 nov. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16118. Acesso em: 20 abr. 2024.

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