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Adin contra lei 9958/00.

Comissões de conciliação prévia na justiça do trabalho

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01/11/2000 às 00:00
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V – A CONTRARIEDADE DA LEI 9958/2000 COM A CF

A Lei 9958/2000, ao dispor sobre as "Comissões de Conciliação Prévia", estabeleceu-se no art. 1o o acréscimo das letras "A" a ‘H" ao art. 625 da CLT; nas letras "D, §§ 1o, 2o,3o e 4o " e "E, Parágrafo único" impôs arbitrária restrição ao direito público subjetivo dos cidadãos de submeter à apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito decorrente da relação de emprego, infringindo-se portanto o disposto no inciso XXXV do art. 5º da Lei Maior, criando-se, ainda, uma desigualdade injustificável, ou seja: o trabalhador pertencente a um setor onde não foi instituída Comissão de Negociação Prévia poderá ajuizar sua ação trabalhista diretamente na Justiça do Trabalho. Um outro, só porque a comissão foi instituída, não. Terá que se submeter seu pleito perante a referida comissão, violando-se então a garantia da igualdade prevista no art. 5º da mesma Carta Política vigente.

O art. 652-E da Lei 9958/2000 viola diretamente o art. 5º, LV, da CF ("o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes");na comissão de conciliação prévia não há garantia de contraditório, nem de ampla defesa. Essa lei encontra vedação incontornável no art. 5o, inciso XXXV, da CF, que não admite seja excluída da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

O art. 652 "D e E" violam, também, o art. 5º, inciso XXXVI. É que ao tornar tornar obrigatória a submissão de qualquer demanda de natureza trabalhista à Comissão de Conciliação Prévia que houver sido instituída no âmbito da empresa ou do sindicato da categoria admite que mesmo os trabalhadores ainda com vínculo empregatício em vigor submetam à referida comissão seus pleitos de recebimento de seus créditos trabalhistas, comissão esta composta de empregados ainda subordinados aos interesses empresariais, ainda que se lhes garanta a estabilidade pelo prazo de seus mandatos.

A submissão obrigatória à comissão de negociação prévia de qualquer demanda coloca em grave risco e ameaça de perda de direitos trabalhistas líquidos e certos (os créditos trabalhistas alimentares dos trabalhadores), já que o § Único do art. 625-E atribui à transação feita perante a comissão o efeito de coisa julgada (art. 1030 do CCB), mesmo das parcelas que sequer foram postuladas perante a comissão, violando-se por conseguinte o direito adquirido tutelado pelo art. 5º, inciso XXVI, inovando sobre o direito constitucional de ação, tutelando a fraude material contra direitos de ordem pública e inderrogáveis (Art. 5º, XXXIV (a), dando causa inclusive a enriquecimento ilícito não suportado pelo direito pátrio, transgredindo-se o próprio princípio da legalidade, como já decidiu o próprio STF:

"O alcance respectivo há de ser perquirido considerada a garantia constitucional implícita vedadora do enriquecimento sem causa. (STF – AG 182.458-1 (AgRg) – 2ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio – DJU 16.05.1997).

O mesmos dispositivos atacados violam ainda o próprio artigo 7º da CF/88, incisos:

VI (irredutibilidade salarial), salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo. Os créditos trabalhistas são salários, verba alimentar irrenunciável, mormente em se tratando de parcelas salariais que sequer foram postuladas perante a comissão;

X, que protege o salário, constituindo crime sua retenção dolosa. Tratando-se os créditos trabalhistas de salários não pagos e retidos, não pode haver quitação a não ser que a parcela haja sido postulada perante a comissão;

XXIX (a), que assegura ao trabalhador o direito de postular em juízo seus créditos trabalhistas resultantes do pacto laboral no prazo máximo de até dois anos após a extinção do contrato. Se for mantido o efeito liberatório geral, mesmo das parcelas não discutidas perante a comissão, o trabalhador ficará impedido de exercitar seu direito constitucional de ação no prazo marcado pela própria Carta Política vigente.

O Como sustenta com inteira justeza o Dr. Reginaldo Melhado, Juiz do Trabalho em Maringá – Paraná e Presidente da Amatra-IX, porta-voz do justo repúdio, sustenta com clareza e sapiência:

"a irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas cogentes devem, portanto, ser assegurados, não se admitindo jamais que a Comissão de Negociação prévia possa legitimar RENÚNCIAS DO TRABALHADOR, seja ela tácita ou expressa, não podendo sequer admitir que a simples expressão "eficácia liberatória geral" tenha o condão de contrariar as dicções do art. 9o., 444 e 468 contidas na mesma Consolidação. Veja-se que até mesmo no que se refere a redução de salário a CF só a admite mediante CCT ou ACT (art. 7º, inciso VI). Ademais da incorreção lexicológica, há nesta regra uma perversidade política imoral" (in "Comissões de conciliação: a lógica do avesso" (GENESIS, Curitiba, 331-409, março/2000).

E continua:

"na realidade, seria tolerável e até desejável – com organizações sindicais decentes, legítimas e representativas, ou comissões de empresa legitimamente instituídas – que a prática da negociação fosse revestida da maior autoridade. Nada obstante, nunca da forma como posta pelo legislador. A lei deveria estabelecer que a eficácia liberatória só ocorre em relação ao objeto da demanda submetida à comissão. Imagine-se, por exemplo, a hipótese de uma controvérsia banal sobre o acerto de contas na rescisão de um contrato de emprego (muitas vezes marcada por certa intranqüilidade entre os envolvidos). Para a composição acerca de valores ou critérios de cálculo, haverá o trabalhador de ressalvar imediatamente no "termo" de conciliação todas as questões que pretende discutir em juízo. E deverá fazê-lo de inopino, sem consultar advogado, sem meditar sobre os anos passados do contrato ainda não alcançados pela prescrição qüinqüenal, sem trocar idéias com familiares. Se nada lhe vier à memória, haverá quitação geral. A considerar constitucional a referida Lei, por certo, doravante, muitos empregadores passarão a exigir que a "homologação" das rescisões contratuais se realizem perante as comissões. Tal como hoje em dia uns tantos já se valem do artifício do aforamento de uma "demanda" judicial para o pagamento de verbas rescisórias, buscando exatamente a eficácia liberatória genérica agora consagrada na lei como regra, mais e mais empresários passarão a correr às comissões prévias de conciliação. O resultado disso poderá ser o sacrifício dos direitos de milhões de humildes trabalhadores. Por que não estabelecer que a conciliação só implica eficácia liberatória – isto é, só exime o devedor de qualquer obrigação – quando pactuada expressamente? As razões são políticas, e seguramente inconfessáveis, ou são a manifestação da ingenuidade coletiva de pelo menos uma parte dos membros do Congresso Nacional. Até mesmo uma sentença judicial deve estar limitada à chamada res in iudicio deducta (não vamos repisar aqui a teoria da sentença infra, ultra e extra petita, plasmada, grosso modo, no art. 460 do CPC). Como posta na Lei 9.958/2000, o termo de conciliação terá poder maior que aquele conferido à sentença, pois produzirá a mesma conseqüência jurídica, sem qualquer formalidade, sem contraditório, sem ampla defesa e principalmente sem os limites da demanda. Certo, pois, que o direito de ação assegurado na Constituição da República não se sujeita a nenhum limite, nem autoriza submissão a um estágio prévio de tentativa conciliatória. Veja-se que quando o constituinte, efetivamente, quis limitar o direito constitucional, fê-lo de forma expressa, como por exemplo no art. 5º LVIII: "o civilmente indentificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei" (in "Comissões de conciliação: a lógica do avesso" (GENESIS, Curitiba, 331-409, março/2000).

No mesmo estudo:

"As comissões de conciliação trarão inevitável prejuízo às classes trabalhadores. Menos pela idéia em si da conciliação prévia e muito mais pelas incongruências e perversidades do diploma legal que as instituiu. Entre outros, que deixo de discutir aqui em face da exigüidade do espaço, as fontes de distorções são (a) exigência da conciliação prévia em um contexto político desfavorável aos trabalhadores, ainda insuficientemente organizados, (b) a falta de normas jurídicas disciplinando o processo de criação das comissões na empresa e a eleição dos representantes dos trabalhadores, (c) a omissão do legislador quanto às regras de exceção para afastar o requisito da conciliação prévia em inúmeras hipóteses e (d) a cruel inversão da lógica, ao consagrar a eficácia liberatória geral independentemente de demanda e transação expressas. Como está, a conciliação prévia é uma tragédia" (in "Comissões de conciliação: a lógica do avesso" (GENESIS, Curitiba, 331-409, março/2000).

Trilhando na mesma lógica, o Professor José Affonso Dallegrave, na exegese mesma matéria (direito constitucional de ação, incondicional) afasta a possibilidade de se limitar o direito de ação:

"Sabido que a Constituição não contém palavras ociosas e sua exegese deve ser fiel ao escopo buscado pelo constituinte. Logo, nos termos da expressa dicção do art. 5º, XXXV da CF/88, o direito de Ação não pode sofrer limitações de qualquer natureza" (in Inovações no Processo do Trabalho", RJ: Forense, 2000, pág. 57).

E o coreto da indignação jurídica, contra o arbítrio das limitações impostas pela lei 9958/2000, é afinado também com a doutrina do Professor João Augusto de Palma, materializadas na obra "Novas Práticas trabalhistas, com Sumaríssimo e Conciliação Prévia, publicada pela Editora LTr, ed. 2000, págs. 122:

" Com a Lei n o 9.958, de 12 de janeiro de 2000, discute-se a constitucionalidade de um dos seus dispositivos, que condiciona o ajuizamento da ação trabalhista à prévia tentativa de conciliação na esfera extrajudicial. A regra está no art. 625-D da CLT, criado pela nova lei:

"Qualquer demanda de natureza trabalhista será submetida à Comissão de Conciliação Prévia se, na localidade da prestação de serviços, houver sido instituída a Comissão no âmbito da empresa ou do Sindicato da categoria".

Em princípio, a interpretação literal da norma constitucional do art. 5o, inciso XXXV, acima transcrita, em cotejo com o novel art. 625-D, da Consolidação, inspira uma conclusão imediata. É inconstitucional a subordinação do processo judicial à conciliação prévia, por representar inibição do exercício do direito de ação e, portanto, ofensa ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, consagrado como cláusula pétrea da Carta de 1988".

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Na mesma linha a indignação cívico-jurídica de Ivan Alemão (Juiz titular da 1ª Vara do Trabalho de São Gonçalo, autor dos livros "Garantia do Crédito Salarial", Direito das Relações do Trabalho" e "Execução do Devedor, Satisfação do Trabalhador") manifestada em palestra da OAB/Niteroi, em 31.01.2000, sobre a obrigatoriedade de submissão de qualquer demanda à comissão de negociação prévia:

"É democrática a obrigatoriedade da negociação que pressupõe perda de direito líquido e certo?? (...) permitir o término do contrato por acordo significa abrir espaço para que tal fato ocorra em quase todos os contratos, suprimindo direitos trabalhistas".

Com efeito, as Comissões de Conciliação Prévia previstas na CLT, em face da nova lei, devem ser vistas como mera opção do interessado em relação a via da mediação, mas jamais como condição ao exercício do direito de ação. O próprio STF tem precedente semelhante. Em 1995, reagindo contra o art. 11 e o inciso II, do art. 13, da então Medida Provisória 1.053, de 30 de junho, o Partido Democrático Trabalhista ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1309-2; o pedido de liminar foi analisado pelo então Presidente dessa Suprema Corte, o Exmo. Senhor Ministro Sepúlveda Pertence (DJ de 03/08/95 pág. 22271). O processo, embora se referisse a dissídio coletivo, é semelhante.

Consta do despacho liminar:

"frustrada a negociação direta, as partes deverão, obrigatoriamente, antes do ajuizamento do dissídio coletivo, solicitar ao Ministério do Trabalho que designe mediador para o prosseguimento do processo de negociação coletiva". Era vedado na negociação coletiva e no dissídio coletivo, "a concessão a título de produtividade de aumento não amparado em indicadores objetivos, aferidos por empresa". Ajuizada no curso de férias forenses, o Ministro Sepúlveda Pertence, ‘ad referendum’ do Plenário, apreciou o pedido de medida liminar, concedendo-a, sob o seguinte fundamento, que por sua semelhança com o objeto da presente demanda, em que pese as normas ora impugnadas não se referirem especificamente aos dissídios coletivos, merecem ser transcritos e considerados: "Negociação são tratativas, diálogos, em síntese, fato necessariamente bilateral e voluntário: se uma das partes se recusa liminarmente à busca do entendimento, não se poderia mesmo subordinar à impossível efetivação dela o acesso da outra à Justiça. 10. Desse modo, tanto quanto a frustração das negociações realizadas, a recusa a entabulá-las não tem outra conseqüência, nos termos da Constituição, que não seja a submissão da parte que se furtar ao diálogo à composição heterônoma do conflito, por iniciativa da outra, na vida do dissídio coletivo. 11. Segue-se que a parte que a recusa não pode ser compelida à negociação. (...) 14. Essa submissão compulsória das partes à interferência de um mediador do Ministério do Trabalho constitui obstáculo anteposto ao exercício do direito ao ajuizamento do dissídio coletivo, que a constituição, no entanto, subordinou apenas à tentativa da negociação para a qual, de resto, não ditou forma nem impôs a participação do Estado".

Com efeito, o pleito de declaração de inconstitucionalidade do art. 625-E, bem como de seu parágrafo único, há que ser acatado, condicionando que qualquer eficácia liberatória geral só possa acontecer perante a Justiça do Trabalho, aliás como já previa a proposta original então remetida ao Congresso Nacional.

A Lei 9958/2000 em seu art. 1º , acrescentou ao artigo 625 da CLT vários itens, entre os quais os "D,§§ 1º a 4º " e o "E, Par. Único". Esse acréscimo – como se viu – obriga a submissão antecipada do trabalhador a uma Comissão de Negociação Prévia (onde poderá, por desconhecimento, quitar o contrato de trabalho, mesmo das parcelas não discutidas – art. 625-E, Parágrafo único). Essa exigência viola diretamente o art. 5º, XXXV.

O legislador ordinário não pode excluir, cercear ou tolher a possibilidade de o Poder Judiciário Trabalhista, no desempenho de sua competência constitucional, conciliar os conflitos submetidos a ele por qualquer cidadão interessado. As limitações criadas pela Lei 9958/2000 e sua nefastas conseqüências (submissão dos pedidos à comissão e o efeito liberatório geral) são inconstitucionais e assim devem ser declaradas.

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Sobre o autor
Luiz Salvador

advogado trabalhista no Paraná, diretor para assuntos legislativos da ABRAT, integrante do corpo técnico do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), colaborador de revistas especializadas em Direito do Trabalho (LTr, Síntese, Gênesis)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SALVADOR, Luiz. Adin contra lei 9958/00.: Comissões de conciliação prévia na justiça do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. -973, 1 nov. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16118. Acesso em: 25 abr. 2024.

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