VI EM CONCLUSÃO
Não se desconhece que a Justiça do Trabalho deixou de atuar com agilidade e eficiência desejáveis, que os juízes estão atuando além do limite da capacidade orgânica produtiva, que os processos se acumulam e se amontoam num ritmo avassalador.
Não se desconhece também que os recursos humanos e mecânicos colocados à disposição dessa Justiça Especializada são insuficientes, como não se desconhece que as causas desse crescimento exagerado de ações se localizam na crise econômica, no desemprego massivo, e principalmente na tolerância irresponsável com o descumprimento das normas trabalhistas. Não há penalidade alguma para o descumprimento da norma: se o contribuinte deixa de recolher impostos, paga pesadas multas; se deixa de cumprir as normas sociais, se não paga salários, se não paga férias, 13o, aviso prévio, se não recolhe fgts, não há multa alguma; há estímulo a que continue desrespeitando a legislação trabalhista. E se, após todas as artimanhas, não conseguir aquietar o trabalhador, se ele vier a exigir seus direitos, o empregador ainda poderá lucrar, com um bom acordo, ou até mesmo com o pagamento integral da dívida, com modestos juros de 1% ao mês, mais correção monetária pela desacreditada Taxa Referencial (TR); poderá talvez até parcelar esse débito.
Se houvesse penalidade pelo descumprimento das normas trabalhistas, elas seriam cumpridas espontaneamente; poucas seriam as ações trabalhistas: com certeza a Justiça seria ágil e eficaz. A Lei 9958/2000 criou uma armadilha para o trabalhador (a parte mais fraca da relação de emprego) ao obrigá-lo a submeter seus pedidos a uma Comissão de Conciliação Prévia, de caráter privado, como condição ao exercício do direito de ação.
Certo que a lei não obriga a criação de comissão prévia, mas, se criada e instalada, obriga o trabalhador do respectivo setor a submeter seus pedidos previamente a ela. Uma vez instalada, é necessário que os pedidos sejam submetidos a essa comissão, que tentará conciliar as partes; se a conciliação for infrutífera, fornecerá uma certidão para o ajuizamento da ação na Justiça do Trabalho. Portanto, em que pese não ser, de início, obrigatória a criação das comissões prévias, na prática elas acabarão por ser criadas e instaladas em todos os setores de nossa economia, porque os empregadores têm interesse em liquidar suas pendências trabalhistas - e ainda mais por um valor que poderá se tornar irrisório.
As comissões prévias, ao que tudo indica, observados os fatores contextuais do momento, podem tornar-se numa autêntica "guilhotina" para o pescoço do trabalhador: por uns parcos reais, milhares (ou até milhões!), sem conhecer sequer os seus direitos, darão quitação do contrato de trabalho (mesmo das parcelas não discutidas perante a comissão).
As comissões prévias podem ser criadas dentro das próprias empresas, como também dentro dos sindicatos, sendo que a não exigência de acompanhamento por advogado, além de contrariar o disposto no art. 133 da CF, ainda viola o disposto no art. 5º, caput (direito à igualdade), ou seja, exigir de uns, a submissão dos pedidos à Comissão Prévia e não exige de outros (por não ter sido criada a comissão) .
Como nessas comissões não há exigência legal de assessoramento por advogado de confiança das partes, há violação clara do direito ao contraditório e à ampla defesa - art. 5º, inciso LV, da CF.
Portanto, desinformado, desempregado, sem dinheiro, sem perspectivas de vida digna a curto e médio prazo (essa é a realidade contextual), o trabalhador fatalmente irá tornar-se presa fácil desse novo e cruel sistema, irá jogar fora seus direitos por valor irrisório, vil (os operadores do direito mesmo antes dessa "lei" já conviviam com os irrisórios acordos na Justiça do Trabalho, mas em condições onde se respeitava ao menos o direito de defesa, o princípio do contraditório, a presença e acompanhamento do assessor jurídico - o advogado).
A Lei 9958/2000, de 12 de janeiro de 2000, que não assegura a presença obrigatória do advogado nas conciliações prévias; e, ao submeter o conflito à solução privada, viola o direito constitucional de livre acesso à Justiça para a solução do conflito (art. 5o, XXXV da CF). Essa lei representa a recusa do Estado na composição dos conflitos de interesse, a privatização da justiça, a entrega da solução a entidades privadas, contrariando as garantias sociais de prevalência do interesse social sobre o interesse privado ( art. 5º, XXIII, art. 170, III CF).
Sem a assessoria do advogado de confiança das partes, a reclamação verbal poderá ser lavrada por escrito pelos próprios membros da comissão de negociação prévia (representantes dos empregadores e ou dos empregados e por eles mesmo apreciada);e aí se o trabalhador aceitar o acordo que lhe for proposto, estará impedido de, mais tarde, reivindicar na Justiça do Trabalho as diferenças salariais e outros direitos não pagos e não discutidos naquela comissão.
Como os sindicatos estão enfraquecidos, a tendência da classe patronal é a de instituir e instalar as comissões não dentro das empresas, mas dentro dos próprios sindicatos de trabalhadores, hoje sem recursos até mesmo para cumprir suas obrigações sociais, previstas em seus estatutos.
Nos últimos anos, tem-se visto que, ao invés de conquistar novos direitos e viabilizá-los nos instrumentos coletivos (Acordos, CCT), os sindicatos de trabalhadores têm aberto mão até daqueles já conquistados nos anos anteriores, em troca de mera reposição da inflação reconhecida. Essa situação de enfraquecimento dos sindicatos, não é desconhecida.
O trabalhador normalmente está desinformado de seus direitos; não sabe quais são; com freqüência, procura advogado para discutir algumas horas extras, o FGTS não depositado, e aí é informado de outros direitos. Por isso, deve ser sempre orientado por advogado. Se não for orientado, esclarecido, alertado, e se comparecer perante uma dessas comissões de negociação prévia, mesmo dentro de um sindicato de empregado, poderá quitar todos seus direitos, por quantia irrisória, e ficar impedido de postular em Juízo os demais créditos trabalhistas que não foram submetidos à comissão, como prevê o agora art. 625-E, Parágrafo Único da CLT.
Não se tratando de lei autônoma, mas de disposições inseridas no corpo geral da Consolidação das Leis do Trabalho, qualquer transação entabulada perante as Comissões tem por conseqüência seus limites fincados na própria CLT, artigos 9º, 444 e 468.
VII SUPENSÃO LIMINAR DOS EFEITOS DAS NORMAS IMPUGNADAS
A relevância jurídica e a premência justificadoras da suspensão dos efeitos jurídicos das normas ora impugnadas, até o julgamento final desta ação, resulta da necessidade de se assegurar a preservação das garantias legais indicadas e violadas, ou seja resulta do reconhecimento de que a exigência de submissão prévia dos pedidos a uma comissão de negociação prévia contraria o art. 5O, inciso XXXV da CF., que o efeito liberatório art. 625-E, Parágrafo único se restringe apenas às parcelas postuladas perante a comissão.
Por esta razão, torna-se relevante e urgente que o pedido de suspensão liminar seja apreciado antes que a lei comece a gerar efeitos, que nos termos postos evidenciam riscos iminentes de danos de difícil reparação.
VIII OS PEDIDOS
Diante de todo o exposto, requer:
A suspensão liminar, até o julgamento final desta Ação (art. 102, I, "p", da CF) do artigo 1o da Lei 9.958/2.000, que acrescentou à Consolidação das Leis do Trabalho, no artigo 625 as letras "D", "E" e seus parágrafo; ou então pelo menos a suspensão dos efeitos jurídicos dessa alteração legislativa, ouvido o Presidente da República e o Congresso Nacional no prazo de 5 dias, conforme dispõe o art. 10 da lei nº 9.868/99;
Que ao Exmo. Sr. Presidente da República e ao Congresso Nacional sejam solicitadas, nos termos do art. 6º da Lei nº 9.868/99 e do art. 170 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, as devidas informações sobre os termos desta ação, a serem prestadas no prazo de trinta dias;
A intimação, nos termos do art. 8º da Lei nº 9.868/99, do Advogado-Geral da União e do Procurador Geral da República, para se manifestarem sucessivamente no prazo de quinze dias.
No final seja declarada a inconstitucionalidade da Lei 9.958/2000, ou quando não ao menos dos artigos 625-D e seus parágrafos, como também do art. 625-E e seu Parágrafo Único, acrescentados à CLT pelo artigo 1o dessa lei (9.958/2000), já analisados anteriormente.
Termos em que
pede deferimento
Brasília, 14 de junho de 2000
LUIZ SALVADOR
- OAB-PR 5439