DO DIREITO:
DA IMPOSSIBILIDADE DE MODIFICAÇÃO FORA DA PREVISÃO LEGAL, PELA OCORRÊNCIA DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA -
18.- Reza o art. 65, da Lei nº 8.666/93, (DOU 22/06/1993) verbis:
CAPÍTULO III - Dos Contratos - Artigos 54 a 80.
SEÇÃO III - Da Alteração dos Contratos - Artigo 65.
ART.65 Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
I - omissis...
II - por acordo das partes:
a) quando conveniente a substituição da garantia de execução;
b) quando necessária a modificação do regime de execução da obra ou serviço, bem como do modo de fornecimento, em face de verificação técnica da inaplicabilidade dos termos contratuais originários;
c) quando necessária a modificação da forma de pagamento, por imposição de circunstâncias supervenientes, mantido o valor inicial atualizado, vedada a antecipação do pagamento, com relação ao cronograma financeiro fixado, sem a correspondente contraprestação de fornecimento de bens ou execução de obra ou serviço;
d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.
19.- Vislumbra-se, na hipótese, que a lei esgota sua permissibilidade quanto à faculdade que tem as partes contratantes, no contrato administrativo, de efetuar modificação no contrato principal.
20.- Em outras palavras, a lei enfatiza os meios pelo qual deve palmilhar os agentes públicos , aqui entendido na concepção de Celso Antônio Bandeira de Mello (2), em seu Regime Constitucional dos Servidores da Administração Direta e Indireta, quando classifica como agente público: a) servidores públicos; b) particulares em colaboração com a Administração; e, c) agentes políticos; na modificação de um contrato já celebrado e, diga-se de passagem, faz afigurar várias opções de percurso, sempre no intuito maior de resguardar a coisa pública de interesses particularizados.
21.- Sair, portanto, dessa vereda, é perigoso e, na maioria das vezes, pode se deparar com alguma afronta aos princípios que regem a Administração, como foi o caso em epígrafe, remanescendo em ato inequivocamente ímprobo, conforme preleciona a lei de improbidade administrativa, além de denotar que as sanções de ordem administrativa deixaram de ser aplicadas, conforme previsão contratual que repousa na cláusula oitava, letra "b", do contrato principal (nº 0131/97 e 0134/97) e na cláusula sexta "b" e "c" dos contratos de armazenamento (vide termos de contratos anexos, doc. avulso )
22.- Num primeiro momento, seria oportuno destacar que improbidade administrativa é o designativo técnico para a chamada corrupção administrativa, que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administração Pública e afronta os princípios nucleares da ordem jurídica (Estado de Direito, Democrático e Republicano), revelando-se pela obtenção de vantagens patrimoniais indevidas às expensas do erário, pelo exercício nocivo das funções e empregos públicos, pelo "tráfico de influência" nas esferas da Administração Pública e pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interesses da sociedade, mediante a concessão de obséquios e privilégios ilícitos.
23.- O diploma legal estatuído na Lei nº 8.429/92, divide e define, exemplificadamente, os atos de improbidade administrativa em três categorias: a) os efetivamente lesivos ao erário (art10); b) os que importam enriquecimento ilícito do agente público (art.9º), acarretem ou não danos ao erário; c) e os que atentam contra os princípios da Administração (art.11), acarretem ou não lesão ao erário ou enriquecimento ilícito.
24.- Em oportuna dissertação sobre o tema, ensina o magistério de Marcelo Figueiredo: (3)
A Lei 8.429 tem por escopo proteger a administração em seu sentido mais amplo possível; é ela, em seus variados matizes e representações orgânicas e funcionais, quase sempre, o alvo de "corrupção", de favoritismos, de má gestão; enfim, de toda a sorte de malversações e ilícitos. Remarque-se novamente a abrangência do que se entende por "administração". Nota-se claramente que a "ratio legis" volta-se para o controle dos "dinheiros públicos" (bens, direitos, recursos, com ou sem valor econômico) em todo espectro da Federação brasileira e em toda e qualquer categoria de empresas e órgãos públicos, entidades ou empresas particulares relacionadas na lei (v. arts. 1º, parágrafo único e 3º).
25.- Ao que faz parecer, pelo menos em princípio, é que no caso vertente se está diante das suposições acentuadas nos arts. 10 e 11 da lei acima enumerada. O ato de modificar o contrato sem obedecer aos ditames articulados no art. 65 da lei de licitação, indubitavelmente, ofende o princípio da legalidade.
26.- Sobre tal princípio, deve-se observar que o estado de direito cifra-se na legalidade como medida do exercício do poder, ou seja, o exercício do poder deve processar-se mediante processos jurídicos. É a auto-limitação do Estado perante os direitos subjetivos e a vinculação da atividade administrativa à Constituição.
27.- A propósito do assunto, é oportuno salientar a lição de Fábio Medina Osório: (3)
"Saliente-se que o princípio da legalidade administrativa encontra ressonância, de um modo geral, na idéia de Estado de Direito. De um lado, a legalidade dos atos administrativos resulta da divisão de poderes. De outra parte, a legalidade é produto, também, de uma concepção da lei enquanto "vontade geral". A administração é uma função essencialmente executiva: ela encontra na lei o fundamento e o limite de suas ações .
(...)
A regra, pois, aos particulares, é a liberdade de agir. As limitações, positivas ou negativas, deverão estar expressas em leis.
Aos agentes públicos, todavia, tal princípio é inverso. A liberdade de agir encontra sua fonte legítima e exclusiva nas leis. Não havendo leis outorgando campo de movimentação, não há liberdade de agir. Os agentes públicos, na ausência das previsões legais para seus atos, ficam irremediavelmente paralisados, inertes, impossibilitados de atuação.
(...)
No Estado de Direito, quer-se o governo das leis, não dos homens, radicando o princípio da legalidade, especificamente, nos arts. 5º, II, 37, 84, IV, todos da Carta Constitucional vigente, significando que a Administração nada pode fazer senão o que a lei determina. Ao contrário dos particulares, os quais podem fazer tudo o que a lei não proíbe, a Administração só pode fazer o que a lei antecipadamente autorize.
(...)
A ilegalidade, portanto, é o primeiro passo para reconhecimento da improbidade do agente público, pois é seu dever fundamental e básico o respeito às leis."
28.- Ratificando a posição anterior,
o regulamento maior da Constituição Federal no
tocante à administração pública tem
como resultado:
29.- Sendo a legalidade descendente do princípio do estado de direito, é a base dos demais princípios e deve ser compreendida sempre associada com a moralidade administrativa, porque uma legalidade desprovida de conteúdo ético significaria insuportável distanciamento entre direito e justiça.
30.- A ilegalidade pode referir-se à competência, à finalidade, à forma, ao objeto e ao motivo do ato administrativo. Ou seja, o ato praticado com qualquer desses vícios é ilegal e perfaz, em tese, a tipificação da improbidade administrativa.
31.- É por demais claro e não enseja, a priori, nenhuma delonga, a interpretação que se extrai da inteligência do art. 10, inc.I, da Lei n° 8.429/92, quando arremata, ipsis litteris:
Art.10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseja perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art.1º desta Lei, notadamente:
I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art.1º desta Lei; (sem grifos no original)
32.- Cumpre, neste particular, procurar compreender o que é Patrimônio público. Pode-se dizer, em suma, que Patrimônio público é o complexo de bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico e turístico da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, Territórios, de autarquias, de empresas públicas, de sociedades de economia mista, de fundações instituídas pelo Poder público, de empresas incorporadas, de empresas com participação do erário e de entidades subvencionadas pelos cofres públicos. A noção de patrimônio público não se restringe aos bens e direitos de valor econômico, conquanto neste caso deve-se assim entender.
33.- Merece especial atenção de V. Exª., o fato de que a lei de improbidade administrativa, assim popularmente chamada, não restringe à tipificação de conduta ilícita na prática consumada sob a égide do elemento subjetivo do dolo. Ela vai mais além, e diz que de todo o ato de improbidade administrativa supõe-se que a conduta lesiva ao erário, dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva, seja ilegal.
34.- Nesse passo, releve-se, que a deliberação precária e discricionária de alterar o contrato principal, publicado no extrato do edital e, por isso mesmo, conhecido de toda a população, sem a devida obediência às prescrições do art. 65 da Lei de licitação, fere frontalmente o princípio da legalidade e, via de consequência, consubstancia-se em ato de improbidade por não obedecer as vias legais atinentes à administração.
35.- Ainda neste diapasão, a lei de improbidade, em seu art. 11, inc. I, expõe como preceito, verbis:
Art.11. Constitui ato de improbidade administrativo que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência. (grifos próprios)
36.- A regra destacada no dispositivo, ao que faz parecer, é usada como regra de reserva ou, muitas vezes, como norma aditiva para o caso de, na instrução processual, não sobejar provados os argumentos de um dos artigos anteriores arts. 9º e 10, da Lei nº 8.429/92 , não se premi a impunidade daqueles que descuram no trato da coisa pública.
37.- Vê-se, portanto, Douto Julgador, que o espírito da lei de improbidade é compelir à aplicação de sanção, seja pelo cometimento de atos ilícitos por dolo, seja pela prática de ações ilegais por culpa, contando que causem sérios prejuízos ao erário, que foi o caso, ou que resulte em locupletamento às custas do erário e que, por questão de justiça, deve-se observar que nada há, até o presente momento, prova concreta que indique para tal suspeita.
38.- Obviamente, importa comentar que o ato ilegal praticado pelas partes dos contratos nos 0132 e 0134, de tão disparatado chega a ser difícil acreditar que aconteceu, tão-somente, pela modalidade de culpa. Sua efetivação, dotada do inusitado ato de se pagar adiantado a quantia de R$ R$ 2.803.376,62 (Dois milhões, oitocentos e três reais, trezentos e setenta e seis reais e sessenta e dois centavos), considerando que as demais empresas ganhadoras da concorrência relativa a merenda, no número de 09 (nove) ao todo, nos contratos principais, acrescido aos termos aditivos que somaram mais R$ 234.386,84 (Duzentos e trinta e quatro mil, trezentos e oitenta e seis reais e oitenta e quatro centavos) também receberam antecipadamente, em completo desarmonia com a legislação pertinente, no caso a lei de licitação, que regulamenta as formas de contratos administrativos e seus respectivos pagamentos em aquisição de compras ou serviço feitos via certame licitatório, sendo R$ 120.525,75 (Cento e vinte mil, quinhentos e vinte e cinco reais e setenta e cinco centavos) à empresa Baobá Distribuidora Empreendimentos e Participações Ltda, e R$ 1.323.687,15 (Hum milhão, trezentos e vinte e três reais e seiscentos e oitenta e sete reais e quinze centavos) à firma Búfalo, Comércio Importações e Exportações Ltda, que atrasaram a entrega dos produtos, deixando a Administração Pública refém das suas próprias conveniências.
39.- Em sede do tema improbidade administrativa, arrematam os tribunais:
ORIGEM DO ACORDÃO:
TRIBUNAL DE ALCADA DO ESTADO DO PARANÁ
TIPO DO PROCESSO:
AGRAVO DE INSTRUMENTO
NÚMERO DO PROCESSO:
0082115800
ORGÃO JULGADOR
QUARTA CÂMARA CÍVEL
DATA DE JULGAMENTO:
04.10.95
RELATOR:
JUIZ CONV. LAURO LAERTES DE OLIVEIRA
DECISÃO:
Unanime
PARECER/SESSÃO DE JULGAMENTO:
POR UNANIMIDADE DE VOTOS, CONHECERAM PARCIALMENTE E NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.
NÚMERO DE ARQUIVO DO ACORDÃO:
6158
RAMO DO DIREITO:
Cível
DATA DE PUBLICAÇÃO:
20.10.95
EMENTA:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - ACÃO CIVIL PUBLICA - ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - AGENTES PÚBLICOS - PREJUÍZO AO PATRIMÔNIO PUBLICO - MEDIDA LIMINAR -INDISPONIBILIDADE DE BENS - ADMISSIBILIDADE - INTELIGENCIA DO ART. 7º, DA LEI N. 8.429.92 - PRESUPOSTOS DO "FUMUS BONI JURIS" E DO "PERICULUM IN MORA" PRESENTES - PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE OU DA PONDERACÃO DOS INTERESSES EM CONFLITO - DECISÃO MANTIDA - AGRAVO IMPROVIDO. NESTA FASE PARA QUE SE CONCEDA A MEDIDA LIMINAR, SUFICIENTE QUE SE DEMONSTRE, DE MODO SUMARIO, A PROBALIDADE, EM TESE, DE VIR A SER ACOLHIDO PELO PODER JUDICIÁRIO O DIREITO MATERIAL OBJETODA DEMANDA. APLICA-SE AQUI A DOUTRINA ANGLO-AMERICANA DA PONDERACÃO DOS INTERESSES EM CONFLITO (BALANCE OF CONVENIENCE) OU A DOUTRINA ALEMÃ DO PRINCíPIO DA PROPORCIONALIDADE. AMBAS COM O MESMO ESCOPO, OU SEJA, O JUIZ HÁ DE SOPESAR OS INTERESSES EM CONFLITO PARA VERIFICAR SOBRE A POSSIBILIDADE OU NÃO DA CONCESSÃO DA MEDIDA LIMINAR, NÃO OLVIDANDO O RESULTADO ÚTIL DO PROCESSO. LEGISLACÃO: L 8429.92 - ART 7. L 7347.85 - ART 12. DOUTRINA: TOMMASCO, FERRUCIO - LES MESURES PROVISOIRES EN PROCEDURE CIVILI, 1985, P 307.
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00531038.001\DAT\DE$TJ47
|MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS
Nome: ANANIAS AFONSO LAMOUNIER
Tipo: APELADO
|EMENTA AÇÃO CIVIL PÚBLICA - O MINISTÉRIO PÚBLICO TEM INTERESSE E LEGITIMIDADE PARA PROMOVÊ-LA, SE VISLUMBRAR ILEGALIDADE NA CONTRATAÇÃO DE SERVIDORES MUNICIPAIS, EM DETRIMENTO DO ERÁRIO PÚBLICO.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 53.103/8 - COMARCA DE CANDEIAS - APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS, PJ COMARCA CANDEIAS - APELADO: ANANIAS AFONSO LAMOUNIER - RELATOR: EXMO. SR. DES. RONEY OLIVEIRA
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DAR PROVIMENTO.
Belo Horizonte, 14 de novembro de 1995.
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DES. ORLANDO CARVALHO - Presidente.
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DES. RONEY OLIVEIRA - Relator.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
Assistiu ao julgamento, pelo apelado, a Dra. Sanny de S. L. Almeida.
O SR. DES. RONEY OLIVEIRA:
V O T O
Conheço do recurso, manejado pelo órgão ministerial contra a sentença de fls. 89, que extinguiu, sem exame do mérito, o processo, referente à ação civil pública, ajuizada com o escopo de tornar sem efeito a contratação ilegal de servidores municipais, arrebanhados para cobrir lacunas decorrentes da demissão de servidores outros.
Diante da vacilação jurisprudencial a respeito do tema, considero de certa forma natural que, sem ocultar sua perplexidade, o culto julgador de primeiro grau se valesse do artigo 267, inciso VI, do CPC, em sua decisão, por não vislumbrar no Ministério Público legitimidade para a propositura da ação.
Com respeitosa vênia, tenho, no presente caso, o mesmo entendimento esposado no parecer ministerial de fls. 113/5, da lavra do culto Procurador de Justiça ROBERTO CERQUEIRA CARVALHAES:
"A Constituição Federal é bem clara, em seu artigo 129, inciso III, ao estabelecer, entre as funções do Ministério Público, a de ´promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social...´. Vale citar a doutrinadora Lúcia Valle Figueiredo, em ´Direitos Difusos na Constituição de 1988´, Revista de Direito Tributário, nº 88, Revista dos Tribunais", pág. 105.
O Capítulo referente ao Ministério Público é dos mais ricos, colocando a Instituição em postura constitucional condizente.
O Ministério Público é guardião dos direitos sociais e dos ´individuais indisponíveis´.
Na área que nos concerne, a ação civil pública aparece, vez primeira, em texto constitucional, independendo, pois, de legislação infra-consti-tucional para sua sobrevivência.
A legislação infra-constitucional, posterior a nossa Carta Magna, como não poderia deixar de ser, vem reafirmando a função ministerial de proteger o patrimônio público. A lei nº 8.078/90, acrescentou o inciso IV ao artigo 1º da Lei nº 7.347/85, estipulando que a ação civil pública presta-se à defesa de ´qualquer outro interesse difuso ou coletivo´. A Lei nº 8.429/92 legitima o Ministério Público a promover ação para a reparação de dano decorrente de improbidade administrativa.
Posteriormente, foi promulgada a lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) que, em seu artigo 25, inciso IV, alínea b, dispõe expressamente ser função do Ministério Público promover o inquérito civil público e a ação civil pública ´para anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa do Estado ou de Município, de suas administrações indiretas ou fundacionais ou de entidades privadas de que participem´.
Evidentemente, o legislador nada mais está a fazer do que adaptar a legislação federal aos novos mandamentos constitucionais. Sobre o tema, leciona o mestre HUGO NIGRO MAZZILLI, em sua obra ´O Ministério Público na Constituição de 1988´, editora Saraiva, pág. 106:
"A proteção do patrimônio público e social já era promovida pelo Ministério Público quando a legislação anterior já lhe permitia assumir a titularidade ativa na ação popular, em caso de desistência pelo autor (Lei nº 4.717, de 29.6.65, art. 9º). Agora, porém, o novo texto constitucional o legitima à própria propositura da ação civil pública, na defesa do patrimônio público e social (confira-se a ampla conceituação de patrimônio público constante do art. 1º, § 1º, da mesma lei, aliás, trata-se de expressão que tem tradição constitucional, constando, hoje, do preceito relativo à ação popular - art. 5º, LXXIII, da CF)´ - grifamos.
Portanto, negar ao Ministério Público legitimidade para a propositura de ação civil pública contra atos lesivos aos cofres públicos importa em contrariar a Lei Maior e toda a legislação federal a ela posterior".
Na realidade, o que confere legitimidade ao Ministério Público na propositura de tal ação, "para a proteção do patrimônio público" - (que pode, em tese, ser lesado com as contratações acoimadas de ilegais) - é o texto constitucional (artigo 129, III, CF), a que não se pode negar vigência, ainda que com arrimo em alguma decisão pretoriana.
Quero crer que a melhor e mais caudalosa vertente jurisprudencial desta Corte esteja bem espelhada na seguinte ementa de acórdão:
"Há de se reconhecer, por força do art. 129 da Constituição Federal, a competência institucional do Ministério Público para promover ação civil pública contra atos lesivos ao patrimônio do Estado, praticados por autoridades administrativas, referentes a enquadramento de servidores em cargos não vinculados ao Quadro Permanente, por importar em aumento de despesas indevidas" (JM 125/236).
Pelo exposto, dou provimento ao recurso e casso a decisão hostilizada, a fim de que, reconhecida a legitimidade ministerial, tenha o feito normal seqüência e regular instrução, com enfrentamento do mérito, como melhor parecer do julgador de primeiro grau.
Custas ex lege.
O SR. DES. ORLANDO CARVALHO:
Com o advento da denominada Lei de Colarinho Branco e da Lei 8.429 de 1992, surgiu alguma dúvida acerca da legitimidade do Ministério Público para propor aquelas ações ali previstas pela via da ação civil pública. Mas, logo depois, a jurisprudência deste Tribunal se firmou no sentido de que, se cabe ao Ministério Público nos casos ali elencados, e por força da Constituição de 1988, sequestrar bens de autoridades por práticas de atos fraudulentos na administração pública e propor ação civil competente, à evidência qualquer ação civil proposta pelo Ministério Público há de ser uma ação civil pública, aplicando-se, por conseqüência, o procedimento da ação civil pública prevista em lei anteriormente editada, motivo pelo qual acompanho, na íntegra, o voto do eminente Relator e também dou provimento ao recurso.
PARTICIPOU DO JULGAMENTO o Desembargador Antônio Hélio Silva.
SÚMULA:DERAM PROVIMENTO.
......................................................
00500017.001\DAT\DE$TJ46
|S
Nome: ALDO RIANI E OUTROS
Tipo: APDOS
|APELAÇÃO CÍVEL Nº 50.001/7 - COMARCA DE CANDEIAS - APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, PJ DA COMARCA DE CANDEIAS - APELADOS: ALDO RIANI E OUTROS - IRACI BERNARDINO DE SENA E OUTROS - RELATOR: EXMO. SR. DES. NEY PAOLINELLI
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM DAR PROVIMENTO, VENCIDO O RELATOR.
Belo Horizonte, 14 de março de 1996.
_________________________________________
DES. BADY CURI - Presidente.
___________________________________________
DES. SCHALCHER VENTURA - Revisor e Relator p/ acórdão.
_________________________________________
DES. NEY PAOLINELLI - Relator vencido.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. NEY PAOLINELLI:
V O T O
Pelo que se vê, o Ministério Público, representado pelo Dr. Promotor de Justiça em exercício na Comarca de Candeias, aforou, perante o Juízo dali, contra Aldo Riani e outros, Ação Civil Pública, fundada em que, os réus, vereadores do Município, causaram prejuízos ao patrimônio público municipal.
Contam os autos que Aldo Riani foi denunciado perante à Câmara Municipal, iniciando-se, contra ele, um processo para a cassação de seu mandato. Necessitando de um advogado para patrocinar sua defesa, contratou o Dr. José Nilo de Castro, acordando que as despesas gastas com o deslocamento seriam por conta da parte.
Ocorre que com o avanço do processo, necessitou-se da presença do defensor, quando então Aldo solicitou ao Presidente da Comissão Processante que obtivesse do Presidente da Câmara o pagamento das despesas, consistentes em duas viagens de ida e volta de Candeias à Belo Horizonte, efetuadas pelo taxista Antônio Moreira Martins, o que lhe foi concedido por Iraci Bernadino, presidente da Câmara, sem qualquer consulta ao plenário.
O MM. Juiz, na esteira dos pronunciamentos deste Egrégio Tribunal, extinguiu o processo sem julgamento de mérito, ao fundamento de ilegitimidade ativa do Ministério Público para propor Ação Civil Pública.
Inconformado, o digno representante do MP aviou apelação, recurso adequado do qual conheço, mas nego provimento ao apelo, e, confirmo a respeitável sentença, por entender que deu correto desate à lide.
Com efeito, em outros julgamentos já tive oportunidade de pronunciar-me no sentido de que falece ao Ministério Público legitimidade para propositura de procedimento que vise ao objetivo colimado.
Ademais, conforme anotou com inigualável precisão, o eminente Des. JOSÉ LOYOLA, em voto recentemente publicado, verbis:
"A via processual adequada para se anularem atos lesivos ao patrimônio público, por ilegalidade ou desvio de finalidade, é a ação popular, nos termos do inciso LXXIII do art. 5º da Constituição Federal e do art. 1º, caput, da Lei 4.717 de 29/06/95, e não a ação civil pública; o Ministério Público não tem legitimidade ativa para a propositura da ação popular, não está vinculado aos interesses do iniciador da ação, como também não se subordina aos interesses da Administração na defesa do ato impugnado, estando incumbido, como parte autônoma do processo, de velar pela regularidade do mesmo, de apressar a produção de prova e de promover a responsabilidade civil ou criminal dos culpados" (Agravo de Instrumento nº 12.676-3 - Comarca de Caratinga - Rel. Des. José Loyola)
Outro não foi o entendimento do Excelso Superior Tribunal de Justiça, colacionado pelo culto Des. CAMPOS OLIVEIRA, no julgamento da Apelação Cível nº 40.688-4, da Comarca de Santo Antônio do Monte, verbis:
"Sustentam os recorrentes que a Lei 7.347/85 legitima o Ministério Público a ajuizar Ação Civil Pública apenas nas hipóteses nela especificadas, não o autorizando a promovê-la para ressarcimento de prejuízos causados ao Erário por supostos atos ilícitos, caso específico da Ação Popular, que não pode ser substituída por aquela. Não contemplando a referida lei a possibilidade da Ação Civil Pública para o fim perseguido na presente demanda - Verdadeira ação de reparação de danos - a teor do art. 81 do CPC que só admite o exercício da ação pelo Ministério Público nos casos previstos em lei, o PARQUET não tem legitimidade para ajuizá-la" (Recurso especial nº 34.980-5 - SP, rel. Min. PEÇANHA MARTINS, RSTJ nº 65/354).
Manifestado RE contra tal julgamento, o eminente Vice-Presidente, daquele Magno Colégio negou-lhe seguimento, conforme publicação no DJ de 19/12/94 pág. 32.516.
Portanto, forte no entendimento de que ação para ressarcimento de possíveis danos ao erário municipal não se insere nas condições previstas na Lei nº 7.347/85, e considerando os substanciosos votos citados, confirmo a veneranda sentença, reconhecendo a ilegitimidade do Ministério Público para promover ação civil pública visando este fim específico.
Nego provimento.
Custas, na forma da lei.
O SR. DES. SCHALCHER VENTURA:
V O T O
Pedindo venia ao em. Relator, dou provimento ao recurso, cassando a sentença e considerando o Ministério Público parte legítima para a propositura de ação civil pública que vise a defesa do patrimônio público e social, por força do art. 129, III, da atual Const. Federal, de princípio.
O Erário Público faz parte do patrimônio público, no meu entender. Patrimônio não são apenas móveis e imóveis, mas também créditos e direitos.
Aqui trata-se de pagamentos de viagens de taxistas ao encontro de advogados para feitura de defesa de vereadores. Trata-se de uso indevido do Erário, pois as corridas são de interesse pessoal do vereador e foram pagas pelos cofres públicos, pois defendiam-se de acusação pessoal (cassação de mandato).
No meu parco entender, não pode prevalecer a extinção do processo, sem julgamento do mérito, porque isto contraria o princípio da moralidade pública, do ato administrativo, os princípios gerais de direito, no final.
O voto do em. Juiz Brandão Teixeira, acontecido na Ap. Cível nº 167.843-3, do nosso eg. Tribunal de Alçada e mencionado a fls. 78 destes autos, merece a minha respeitosa adesão. Existe um despautério com o Erário e o defensor nato do mesmo é o Ministério Público, como representante da sociedade como um todo, superior até ao próprio Estado, pois este existe em razão daquela.
Não se pode deixar a sociedade sem defesa, já que ela é a base primária das leis, o princípio norteador e prevalente.
Mesmo se ausente norma jurídica expressa, a legitimidade ocorreria por intuição maior e derivada do princípio expresso de que cabe ao órgão a defesa, em primordial, da sociedade e até mesmo contra o Estado, quando este ultrapasse ditames primários.
Outrossim, fugindo agora da divagação filosófica, a Lei 8.429, de 02/06/96, com vigência anterior aos fatos apontados, que são de setembro/93, respalda a atividade ministerial.
Assim, dispõe ela que os atos de improbidade de agente público serão punidos na conformidade que preconiza, visando o integral ressarcimento do dano e obrigando que a autoridade administrativa, responsável pelo inquérito, represente ao Ministério Público.
Expressamente incumbe ao Ministério Público (art. 22) agir de ofício, a requerimento da autoridade administrativa ou mediante representação de qualquer pessoa.
E a ação é civil pública, nos termos do art. 18, que dispõe:- "A sentença que julgar procedente ação civil de reparação de danos ou decretar a perda dos bens havidos ilicitamente...".
Visa a lei "o integral ressarcimento do dano" (art. 5º), bem assim atua independentemente das sanções penais, civis e administrativas de legislação específica (art. 12). Outrossim, as medidas acauteladoras (sequestros) seguem disposições do Cód. de Processo Civil (art. 16, § 1º), bem assim, no dizer do art. 17, que a ação principal terá o rito ordinário e deverá ser proposta no prazo de 30 dias, não se pode chegar a outra conclusão senão a de estarmos frente a uma ação civil de natureza pública, que, por sua vez, não despreza outros procedimentos.
Renovando a vênia, casso a sentença.
O SR. DES. BADY CURI:
Pedindo vênia ao em. Relator, acompanho o não menos douto Revisor, dando provimento para cassar a sentença, nos exatos termos do voto de S. Exa. que, na verdade, vem ao encontro de posicionamento que tenho adotado em outros processos da mesma natureza.
SÚMULA:DERAM PROVIMENTO, VENCIDO O RELATOR.
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