Petição Destaque dos editores

Crime com pena inferior a 2 anos na Justiça Estadual:

habeas corpus

Exibindo página 2 de 2
Leia nesta página:

I I.B.4 – DA APLICAÇÃO DA LEI NOVA

O art. 1º, da Lei nº 10.259, dispõe:

"Art. 1o São instituídos os Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Justiça Federal, aos quais se aplica, no que não conflitar com esta Lei, o disposto na Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995."

Dessa forma, foi inserido no texto da lei em comento uma regra determinando a utilização da legislação que deu nascedouro aos Juizados Especiais Federais aos casos disciplinados pela Lei nº 9.099/95, onde não houvesse conflito com as leis.

Ciente é a comunidade jurídica que não podem existir antinomias nos textos legais, isto é, não podem entrar em conflito e serem, ao mesmo tempo, válidos. Os choques entre as legislações são resolvidos pelas regras de hermenêutica, elencadas na Lei de Introdução ao Código Civil, em seu art. 2º. Ato contínuo, encontramos a possibilidade de revogação da lei velha pela lei nova, sendo a revogação estudada o ato ou efeito de revogar, destrinchando-se em Ab-rogação - quando total; Derrogação - quando parcial.

A lei nova, estabelecendo novos critérios sistemáticos na definição de crimes de menor potencial ofensivo, estendeu, automaticamente, os seus efeitos, dando nova diretriz ao art. 89, da Lei nº 9.099/95. O parágrafo único, do art. 2º, da Lei nº 10.259/2001, reza:

"Parágrafo único. Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa."

Por outra banda, a Lei nº 9.099/95, disciplina:

"Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a um ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial."

Vejam, doutos julgadores, que as leis são praticamente idênticas, só havendo uma majoração na pena máxima e na exclusão dos procedimentos especiais.

A sistemática das leis têm o mesmo senso axiológico e teleológico, não podendo, portanto, a Lei nº 10.259/2001, em desabalada e estabanada fuga, desviar-se do sentido criativo da lei mais completa, qual seja a Lei nº 9.099/95, que dispôs mais detalhadamente acerca das propostas.

A lei nova foi uma emenda, mal feita, data venia, mas não mais do que isso, devendo as suas alterações se incorporarem ao texto da lei anterior, espinha dorsal do juizado especial em sentido amplo.

Por conseguinte, ao disciplinar novos caminhos para o Juizado Especial Federal, atingiu frontalmente a linha mestra da Lei nº 9.099/95, mesmo onde parecia, em uma primeira vista, inabalável.


I I.B.5 – DA APLICAÇÃO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO PARA OS CRIMES COM PENA MÍNIMA NÃO SUPERIOR A 2 (DOIS) ANOS

Prezados Desembargadores, o pleito alongado, frente à necessidade palpitante das novas temáticas, não postula nada mais do que a concessão de regalias contidas na lei nova aos casos idênticos previstos na Lei 9.099/95, clamando-se, por uma questão de honradez, uma interpretação extensiva da norma mais recente, por parecer indubitável que tal postura beneficiará a ré.

Os princípios constitucionais da Isonomia e da Retroatividade da Lei foram inspiradores e a basilares na interposição do presente Habeas Corpus.

O principal objetivo é, portanto, requerer que seja dada interpretação extensiva inversa, especificamente, ao art. 89, da Lei 9.099/ 95, levando a hipótese que beneficia o réu, qual seja a suspensão do processo para os crimes que possuam pena mínima igual ou inferior a dois anos.

Diz, textualmente, o art. 89:

"Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal)."

Esse questionamento, embora de vanguarda, encontra amparo em Acórdão do próprio Tribunal de Justiça do nosso Estado. O Des. Raphael Carneiro Arnaud, em brilhante explanação, ressaltou, indiretamente, a má redação da Lei nova e deixando claro que, em seu entendimento, a Lei Federal, deve, sim, em razão da matéria, ser aplicada em Juízo Estadual, excetuando daí a questão clara e inquestionável da competência da Justiça Federal, que é pacífica e não causa celeuma da seara jurídica.

A suspensão processual exigida encontra amparo nas finalidades desse instrumento processual posto à disposição da justiça, com espeque na necessidade da reformulação da aplicação das penas de alguns delitos, evitando, para os réus, em tese, a aplicação de penas curtas, reparação de danos, desburocratização, entre outras.

O professor LUIZ FLÁVIO GOMES (17) estuda com lucidez essa matéria, ainda sob a égide da legislação anterior, elencando as razões máximas da suspensão:

"De todas, a mais marcante é a seguinte: acima de tudo, o escopo da suspensão condicional do processo é evitar a estigmatização derivada do próprio processo. Como conseqüência, acaba evitando também a estigmatização que traz a sentença condenatória. O processo em si já é penoso para o acusado. Participar dos seus rituais (a citação em sua casa, o interrogatório, oitiva de testemunhas etc.) configura um gravame incomensurável. A suspensão condicional, dentre outras, tem a virtude de evitar as denominadas cerimônias degradantes. ... Logo, o desideratum fundamental da suspensão (evitar o processo) não pode ser invocado como argumento para a irretroatividade da lei penal nova benéfica. Mesmo porque, contra expressa disposição constitucional (art. 5º, inc. XL), não há argumentos. Quando falamos em evitar as cerimônias degradantes do processo estamos pensando nos processos novos. Isso não invalida a retroatividade benéfica da lei para os casos antigos que estavam em curso, é dizer, que ainda não contavam com trânsito em julgado."

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Em trabalho mais recente, O ilustre Juiz Federal Titular da 4º Vara no Ceará, Dr. AGAPITO MACHADO (18), preconizou a tese ora sustentada, de que passaria a ser admitida a Suspensão Condicional do Processo aos crimes em que a pena mínima não fosse superior a 2 anos, por força do novo conceito de crime de pequeno potencial ofensivo, descriminado da Lei 10.259/01:

"Insistimos que a Lei n. 10.259/2001 admitiu como aplicável o rito para qualquer crime cuja pena máxima não passe de dois anos. Portanto, não trazendo regra específica sobre o sursis processual, caso em que se aplica a Lei n. 9.099/95, por força de seu art. 1º, é razoável admitir que o referido benefício pode ser aplicado a qualquer crime cuja pena mínima privativa de liberdade não ultrapasse mesmo dois anos, como é o caso do estelionato julgado pela Justiça Federal, que sempre tem a majorante de um terço do §3º do art. 171 do CP."

Norteando a argumentação proposta, em ótimo vernáculo do magistrado, amolda-se a sua exposição teórica, mesmo que breve acerca da matéria específica, aos rumos propostos através desse mandamento constitucional. A acusada, processada por dois delitos (artigos 171, caput, e 297, c/c o artigo 69, todos do estatuto punitivo), vê-se impedida de obter os benefícios do sursis processual, tendo esse pleito sido obstaculado pelo juízo monocrático.

Não haverá distorções, nem mesmo, no que tange ao concurso de crimes, em tese, já que a jurisprudência tem se posicionado à sua concessão nesses casos, determinando que os crimes sejam estudados de modo isolado. Esse é o entendimento do mestre DAMÁSIO DE JESUS (19):

"Sustentamos nossa opinião. No que se refere à quantidade da pena mínima abstrata, não vemos como possam ser somadas as cominações para efeito de impedimento da medida. Cuida-se de instituto despenalizador, criado para beneficiar denunciados que apresentam condições pessoais favoráveis. Além disso, de ver-se o crime continuado: há a Súmula 497 do STF, recomendando a apreciação isolada de cada delito e o desprezo do acréscimo. Não se esqueça o art. 119 do CP, que pode ser aplicado por analogia, uma vez que o término da suspensão condicional do processo sem revogação enseja a extinção da punibilidade, segundo o qual as infrações em concurso merecem apreciação individual. Quanto ao argumento da quantidade de crimes (RT, 761:618), de observar-se que o art. 89, caput, da Lei n. 9.099/95, impõe como condição do sursis processual a presença dos requisitos de permissibilidade do sursis comum (CP, art. 77), dentre os quais se encontram as "circunstâncias" da prática do crime, subjetivas e objetivas, inserindo-se nestas a gravidade objetiva do fato, que poderia, pelo número de infrações em concurso, desautorizar a concessão. Nunca, porém, por causa da simples quantidade da soma das penas."

Da mesma forma, como bem lembra o professor citado, admite essa tese a brilhante ADA PELLEGRINI GRINOVER (20).


III – DO PEDIDO FINAL

Diante de todo o exposto, é o presente para requerer a expedição de salvo-conduto, consistente em ordem judicial que garanta ao paciente o direito à suspensão do processo, determinando, de ofício, a sua concessão, pelo juízo singular da Vara de Gurinhém-PB, ou de forma que, de outro modo, alcance o mesmo objetivo, sob a égide da interpretação sistemática das Leis nº 10.259/2001 e 9.099/1995.

Termos em que
Pede deferimento.

João Pessoa, 12 de setembro de 2002.

ÍRIO DANTAS DA NÓBREGA
OAB/PB 10.025
NÍVEA DANTAS DA NÓBREGA
OAB/PB 11.023


NOTAS

, Coimbra: Coimbra Editora, 1982. p.382.
  • A exceção do art. 61 da Lei dos Juizados Especiais Criminais em face da Lei 10.259, de 12 de julho de 2001 – Lei dos Juizados Especiais Federais, in http://www.trf1.gov.br/ Publicacao/Revista/artigo%202%20jan.2002.htm;
  • op., cit.;
  • Código Penal Interpretado, São Paulo: Atlas, 1999, pág. 99;
  • STF, 1ª T., HC nº 70.641/SP – Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ, Seção I, 26/08/1994, p. 21.890;
  • Constituição do Brasil Interpretada, São Paulo: Atlas, 2002, pág. 181;
  • op., cit., pág. 181;
  • op., cit.;
  • 7.ª Câmara, Apelação Criminal n.° 1.027.383/9 – Relator: Juiz José Habice, julgamento de 19.09.96, v.u., excertos citados do voto vencedor proferido pelo Juiz Correa de Moraes in RJDTACRIM 34/322;
  • Hermenêutica e Aplicação do Direito, 9ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1980, p.p. 161-162;
  • Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo: Malheiros, 1999, pág. 226;
  • Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva, 11.ª edição, pág. 272;
  • A Força Normativa da Constituição, Porto Alegre: Ed. Sérgio Antônio Fabris, 1991, p. 23;
  • Reformas no Direito Processual Penal, http://www.cjf.gov.br/revista/numero3/ artigo15.htm;
  • O Desvio de Poder na Função Legislativa, São Paulo: Ed. FTD, 1997, pág. 88;
  • Juizados Especiais Criminais na Justiça Federal, São Paulo: Saraiva, 2001, pág. 50;
  • Suspensão Condicional do Processo Penal, 2ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, pág. 190/191;
  • op., cit., pág. 91;
  • Suspensão Condicional do Processo e Concurso de Crimes, http://www.damasio.com.br/novo/html/artigos/art_13.htm;
  • Juizados Especiais Criminais, 3ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, pág. 255;
  • Assuntos relacionados
    Sobre os autores
    Írio Dantas da Nóbrega

    advogado em João Pessoa (PB)

    Nívea Dantas da Nóbrega

    advogados em João Pessoa (PB)

    Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

    NÓBREGA, Írio Dantas ; NÓBREGA, Nívea Dantas. Crime com pena inferior a 2 anos na Justiça Estadual:: habeas corpus. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16522. Acesso em: 25 abr. 2024.

    Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
    Publique seus artigos