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Empréstimos consignados: falta de clareza na publicidade.

Ação civil pública

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09/08/2006 às 00:00
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DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA.

Verifica-se no foro e em notícias veiculadas pela mídia, televisiva e escrita, que vários são os casos de superendividamento decorrentes da utilização descontrolada do crédito, que é ostensivamente oferecida em programas de televisão, rádio e outros meios de comunicação social.

A maioria das grandes lojas de departamento, as redes de hipermercados, revendas de automóveis e praticamente todos os segmentos comerciais de nossa sociedade têm deixado de lado suas atividades para se dedicar à exploração do lucrativo ramo de financiamento, mediante cobrança de taxas de juros extorsivas. De acordo com o Jornal International Press "de acordo com os relatórios de maio, o empréstimo consignado já superou duas modalidades tradicionais de crédito: o cartão de crédito e o cheque especial. As Instituições Financeiras que fazem esse tipo de operação estão ganhando dinheiro a rodo".

O consumidor, especialmente o menos esclarecido e, portanto, mais vulnerável, é diariamente bombardeado com propagandas incentivadoras do consumo desenfreado e supérfluo. O consumismo é a nova onda. Pode-se comprar de tudo com parcelas pequenas e com prazos de pagamento a perder de vista. Hoje é possível adquirir um veículo 0km sem entrada e mediante o pagamento de até 72 prestações.

Os meios de comunicação alcançam localidades inimagináveis, fomentam o desejo de ter e quando se tem, fomentam o desejo de se ter mais e mais. A única forma de conseguir aplacar os desejos incutidos pelo marketing é buscando crédito, com taxas de juros reduzidas (mas mesmo assim as maiores do mundo). O desejo e a cobiça pelos bens de consumo idealizados por campanhas publicitárias milionárias conseguem, pelo menos por algum tempo, esconder a catástrofe dos juros, que só serão sentidos no final do mês subseqüente ao empréstimo, na hora de adquirir a medicação, de realizar as compras de supermercado...

O consumidor precisa de proteção, precisa ser alertado, admoestado, tal qual é feito para com os fumantes. O Poder Judiciário, ante a omissão proposital dos demais Poderes da República precisa agir, mas agir logo. O periculum in mora é evidente e constitui-se na grande massa de endividados, que, desesperadamente procuram socorro junto ao Judiciário, que, infelizmente, pouco pode fazer. Resta apenas tentar prevenir, ainda que simbolicamente. De cada 10 pessoas que procuram os serviços da Defensoria na área cível, seguramente, 07 são vítimas do superendividamento. Alguns por culpa própria, mas a maioria induzida ao superendividamento, em razão da falta de informação sobre o serviço de crédito que contrataram. Se tivessem sido alertados para os riscos de tais serviços talvez muitos não estivessem na situação em que se encontram.

Toda a história do abuso dos juros e da concessão de crédito no Brasil se reduz a um único fato: a sociedade brasileira está criando escravos. Para quem? Para a miséria, para a fome, para o frio, para uma velhice solitária, para o abandono. A miséria está pedindo para se instalar, e estamos aceitando. A história dos juros está se tornando um doloroso comércio, cuja perversidade tende a aumentar, caso não se comece a tomar uma providência. Eis o periculum in mora.

O próprio [BANCO], conforme notícia em anexo, por meio de seu Presidente ... afirmou que com os prazos que o comprometimento da renda do aposentado, dependendo do número de meses de financiamento, ficava muito alto. Informa que no ano passado pretendia ofertar empréstimo para 1,5 milhões de aposentados e para este ano um acréscimo de 28% no volume de empréstimos.

O fummus boni iuris também se faz presente. A legislação acima citada, que deve ser conjugada com a dignidade da pessoa humana, deixa claro que o Requerido deve zelar pelo dever de clareza, deve ser auxiliar no combate ao superendividamento, deve auxiliar os consumidores.

Não é despropositado lembrar que a Instituição Financeira ré, segundo o Artigo 192 da Constituição Federal, integra o Sistema Financeiro Nacional que deve ser "estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade (...)".

Assim, mais do que a fumaça do bom direito, mesmo nesta fase incipiente da cognição, é possível vislumbrar a exatidão e correção das teses aqui esboçadas. A Instituição Financeira ré, assim como as demais [22] integrantes do Sistema Financeiro Nacional, são obrigadas a observar os postulados da boa-fé objetiva, integrante indissociável do moderno sinalagma contratual. Presente, portanto, de forma veemente o fummus boni iuris.


DANOS MORAIS COLETIVOS.

Diante do quadro aqui pintado não há como se deixar de realizar o pedido de reparação de danos morais. A possibilidade de reparação de dano moral de natureza coletiva não é novidade no direito pátrio, encontrando-se explicitamente consagrada no art. 6º, inciso VI, da Lei nº 8.078/90, quando afirma que são direitos básicos do consumidor: a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.

O caput do Art. 4º do Código de Defesa do Consumidor exige, além da transparência, a manutenção da harmonia das relações do consumo, o que somente será possível caso observada a boa-fé por parte de todos os envolvidos no mercado de consumo.

Não é descabido dizer que no estágio da teoria contratual em que vivemos a boa-fé é elemento essencial de existência e validade de todo e qualquer contrato. A boa-fé exige confiança, princípio imanente a todo o direito.

Claudia Lima Marques [23] aduz que "como novo paradigma para as relações contratuais de consumo de nossa sociedade massificada, despersonalizada e cada vez mais complexa, propõe a ciência do direito o renascimento ou a revitalização de um dos princípios gerais do direito há muito conhecido e sempre presente desde o movimento do direito natural: o princípio geral da boa-fé". O princípio em comento, obtempera a autora tem uma função criadora ao trazer ao contrato deveres anexos como lealdade ao informar, dever de cooperação, também tem função limitadora, na medida em que não mais permite a busca de vantagem excessiva em detrimento da parte hipossuficiente. A boa-fé objetiva e a função social do contrato são, na feliz expressão de Waldirio Bulgarelli [24] "salvaguardas das injunções do jogo do poder negocial".

Ao descurar-se do dever de observar a boa-fé objetiva, o que fez o Banco [BANCO] de forma despudorada, feriu as regras estabelecidas pela Constituição da República. Atingiu, assim, os sentimentos de dignidade de toda a nação, de todo o povo. O Banco [BANCO], há muito tempo, ainda que não de forma isolada, fere a dignidade dos idosos, em claro desrespeito ao preceito inscrito no Artigo 230 da Constituição Federal.

Deve, pois, ser condenado ao pagamento dos danos morais em valor significativo. Conforme notícia inclusa a esta peça destinou cerca de R$ 19 Bilhões de reais a esta modalidade de empréstimo. Veja a reprodução da notícia [25]:

[BANCO] e [PARCEIRO] anunciam acordo operacional de R$ 2 bilhões

Os bancos [BANCO] e [PARCEIRO] assinaram acordo operacional que prevê exclusividade sobre direitos de créditos no montante de até R$ 2 bilhões. A parceria envolve os contratos de crédito pessoal consignados dos beneficiários do INSS (aposentados e pensionistas). Com três anos de vigência, o acordo conta com desembolso mensal mínimo de R$ 50 milhões pelo [BANCO].

O objetivo do [BANCO] é ampliar sua presença no crédito direcionado às pessoas físicas, um dos mercados de maior potencial de expansão em função da recuperação econômica do País. Para o [PARCEIRO], o acordo estabelece novas bases para a expansão sustentada, como resultado de melhores condições de competitividade.

Especializado em crédito consignado, o [PARCEIRO] opera neste segmento desde 1999 e, com o acordo, passa a ter uma linha constante para os seus financiamentos de longo prazo, liberando outros recursos para financiar a média empresa, seu foco na pessoa jurídica.

Segundo dados atualizados, o [BANCO] apresentou seu maior crescimento na carteira de empréstimos no segmento de pessoas físicas, com 26% de evolução. O montante chegou, no período, a R$ 18,7 bilhões, para uma carteira de crédito total de R$ 60 bilhões.

O valor de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais) a título de danos morais coletivos, ante o lucro da empresa e a magnitude do lucro auferido com a prática desleal da empresa para com os consumidores de baixa renda, idosos e de baixa escolaridade vítimas do assédio e da falta de informações, apesar de baixo, poderá surtir os efeitos necessário à prevenção da ocorrência de fatos semelhantes.

Importante, para finalizar, rememorar que a destinação do valor arbitrado a título de danos morais coletivos deve seguir a destinação prevista no artigo 13 da Lei 7347, de 24 de julho de 1985, a seguir transcrito: havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados. Parágrafo único. Enquanto o fundo não for regulamentado, o dinheiro ficará depositado em estabelecimento oficial de crédito, em conta com correção monetária. O valor arbitrado poderá ser utilizado pelos gestores do fundo para realização de contrapropaganda e para realização de campanhas educativas a respeito do uso imoderado do crédito e dos riscos de superendividamento.

Assim, a título de danos morais coletivos, desde já se postula a fixação de indenização, no mínimo, no valor de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais).


PARTICIPAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

Segundo o Art. 5º, § 1º da Lei 7347/85, o Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei. Assim, o Ministério Público, segundo seu próprio alvedrio, poderá ingressar no feito como litisconsorte ativo ou como custus legis. Independente da posição que venha a assumir, tal participação é de suma importância, sendo, por isso, necessário que se proceda a intimação do parquet antes da realização da citação da Instituição Financeira requerida.


TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA.

Importante ter em mente também a previsão do Artigo 5º, § 6º da Lei 7542/86 que preceitua que "os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial".

Tal possibilidade indica a necessidade que após deferida a liminar seja designada audiência de conciliação, onde, pela via consensual, poderá ser tomado o termo de ajustamento de conduta. Assim, sem prejuízo do deferimento da liminar, requeiro, desde já, a designação de audiência de conciliação.

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ASTREINTES.

Segundo a dicção do Artigo 11 da Lei 7542/86, possível, quando da prolação de provimentos de cumprimento de obrigação de fazer a fixação de multa com a finalidade de influir no espírito do ofensor dos direitos coletivos a prestigiar o comando judicial. No mesmo diapasão é a previsão do Artigo 84 da Lei 8078/90, especialmente em seu § 4º.

Necessário, assim, para garantir o imediato cumprimento da liminar, que se espera seja deferida inaudita altera pars, a fixação de multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais), para cada contrato firmado sem observância da diagramação indicada no corpo desta petição e sem que conste advertência referente ao uso imoderado do crédito como gerador do superendividamento.

Os valores eventualmente apurados pela cobrança da multa deverá ter a destinação prevista no Art. 13 da Lei de Ação Civil Pública, na mesma forma em que os danos morais pleiteados.


LIMITE TERRITORIAL DA SENTENÇA.

Malgrado a modificação do Artigo 16 da Lei 7542/86 pela Lei 9494, de 10 de setembro de 1997, ao determinar que "a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator (...)", a alteração não modificou a estrutura das ações coletivas reguladas pelo Código de Defesa do Consumidor. Vale relembrar que a aplicação da lei da Ação Civil Pública, segundo o Artigo 90 do CDC, é apenas subsidiária. Vale, portanto, a regra especial do Código de Defesa do Consumidor.

Com efeito, o Artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor diz que "nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada: I – erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81".

Desta forma, o provimento a ser emanado nesta ação terá efeito erga omnes, alcançando inclusive as demais unidades da federação.


NOTÍCIAS VEICULADAS NA IMPRENSA SOBRE O EMPRÉSTIMO CONSIGNADO.

Para ressaltar a gravidades das questões aqui debatidas vale a pena trazer aos autos matérias obtidas em consulta na Internet sobre o lucrativo mercado da consignação em pagamento feita aos aposentados e beneficiários do INSS. O inteiro teor das reportagens e notícias citadas encontra-se em anexo.

O veículo de comunicação último segundo [26]informa que os bancos e financeiras abriram temporada de caça ao aposentado. Informa que até agosto de 2005 4,414 milhões de operações já haviam sido realizadas. Diz, ainda, que um dos bancos, o Panamericano, contra quem também será intentada idêntica ação, chega a realizar sorteios diários para incentivar o aposentado a aderir ao empréstimo. Diz que o [BANCO] entrou no crédito consignado para aposentados e pensionistas do INSS este mês. O foco são 4 milhões de aposentados, para lograr tal objetivo contratou atendentes na faixa de 50 anos.

O Correio da Bahia, edição de 13 de junho de 2005, informava que já havia, àquela época, mais de 03 milhões de aposentados vinculados aos empréstimos consignados. Em outro textos surgem denúncias de fraudes envolvendo o [BANCO].

Segundo informações da empresa CREDIBRAS, ligada ao sistema financeiro, a carteira de crédito total para pessoas físicas do Banco [BANCO] é de R$ 60 Bilhões, sendo que destes, R$ 18,7Bilhões se deve ao empréstimo consignado para pensionistas e aposentados do INSS.

Insisto, o volume de negócios é impressionante. São 19 milhões de aposentados e pensionistas e mais de 6 milhões de operações já foram realizadas, sendo que mais de 50% dos negócios foram realizados por pessoas que recebem benefícios de até 01 salário mínimo mensal. Entre janeiro de 2005 e janeiro de 2006 o número de operações cresceu 664,12%, mas nenhum banco, repito, nenhum banco, materializa os contratos de forma clara e transparente, conforme determina o CDC. O [BANCO] deve ser o primeiro dos réus, pois detém a maior parcela do expressivo e lucrativo negócio. Lucrativo, obviamente, para o Banco, não para os consumidores, idosos, de baixa escolaridade e que, ludibriados por técnicas de marketing maquiavélicas são despojados do pouco que a vida lhes concedeu. Alguns perdem a dignidade enquanto as Instituições Financeiras batem recordes de lucratividade e festejam a cleptocracia brasileira.

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Sobre o autor
André de Moura Soares

procurador da Assistência Judiciária do Distrito Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, André Moura. Empréstimos consignados: falta de clareza na publicidade.: Ação civil pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1134, 9 ago. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16706. Acesso em: 25 abr. 2024.

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