Capa da publicação Intervenção judicial no grupo Ortopé
Capa: Reprodução
Petição Destaque dos editores

Intervenção judicial no grupo Ortopé

Exibindo página 2 de 4
04/04/2007 às 00:00
Leia nesta página:

DIREITO

O ordenamento jurídico contempla instrumentos suficientes para fazer frente às fraudes de todos os tipos, perpetradas pelos réus, em defesa da sociedade, da dignidade humana e da ordem jurídica em si, como bem social insuscetível de transação e necessário à sobrevivência da própria sociedade e do Estado Democrático de Direito.

FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E INTERVENÇÃO ESTATAL

As normas jurídicas são classificadas pela doutrina em princípios e regras. Os primeiros informam todo o ordenamento jurídico, composto pelo conjunto de regras que os desdobram e concretizam. Nos princípios, ganham as regras seu fundamento e, ao se hamornizar com eles, harmonizam-se entre si, emprestando coerência ao próprio sistema.

Os princípios constitucionais fundamentais – informadores de todo o sistema de diretrizes básicas sobre as quais foi erigida a Lei Maior – possuem efeito vinculante, regras jurídicas efetivas. A violação de um princípio implica a vulneração não apenas a uma específica regra, mas a todo o ordenamento. Mais grave que infração à lei é o desrespeito ao princípio, a mais nociva e profunda forma de ilegalidade, pois representa a rebelião contra todo o sistema de valores. Por serem as linhas mestras da legislação, os princípios não podem ser contrariados, sendo forçosa sua defesa e prestígio até as últimas conseqüências, como condição para a sobrevivência do sistema que neles se assenta.

Ao incluir no Título I, artigo 1º, da Constituição Federal, os princípios da "dignidade da pessoa humana" (inciso III), seguido dos "valores sociais do trabalho e da livre iniciativa" (inciso IV), nesta exata ordem, o constituinte indicou de forma clara e vinculante a orientação axiológica da Carta Política, de cumprimento inexcusável.

A ordem de relevância dos valores erigidos em alicerces da República não deixa margem de dúvida de que a dignidade humana e os valores sociais do trabalho vêm antes e acima do valor da própria livre iniciativa, havendo esta de ceder lugar àqueles quando os fatos, as circunstâncias e a conduta dos agentes sociais levar à contraposição de interesses entre eles. Entre a dignidade da pessoa humana e o interesse da livre iniciativa, não há dúvida de que a Carta Magna optou pela dignidade. Entre o valor social do trabalho e o da livre iniciativa, o trabalho vem antes do capital, até porque é o trabalho, como valor social, que contribui para a construção da dignidade humana, jamais o capital ou o sua liberdade de iniciativa.

É a dignidade o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional posto e o último arcabouço da guarida dos direitos individuais, funcionando como princípio maior e angular para a interpretação de todos os direitos e garantias individuais e sociais conferidos pelo Texto Constitucional.

O valor social do trabalho, consagrado de forma harmônica e precedente ao da livre iniciativa, a fim de que haja relação de cooperação entre capital e trabalho, fundamenta todo o rol de direitos sociais, que se materializam em liberdades positivas, asseguradas nos artigos 6º, 7º, 8º e 193 a 230.

A Ordem Econômica, aliás, ratificando a precedência do valor social do trabalho, fundamenta-se na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, e tem por escopo garantir a todos existência digna, nos termos do artigo 170 constitucional. E conduz à conclusão de que qualquer atividade ou conduta econômica que não garanta a seus agentes uma vida digna não tem abrigo constitucional e, portanto, não pode buscar nem encontrar no ordenamento jurídico qualquer amparo à sua continuidade ou existência.

Ao mesmo tempo, a Ordem Social busca no primado do trabalho o seu fundamento, e no bem-estar e na justiça sociais o seu objetivo (artigo 193), afastando qualquer possibilidade de tolerância a condutas que rebaixem o trabalhador a segundo plano, pois que é cidadão dotado da dignidade da pessoa humana, a ele conferida pelo artigo 1º, III, Carta.

Esse respeito à dignidade do cidadão trabalhador exige que sejam respeitados todos os direitos inerentes a essa categoria. Ao seu trabalho digno deve corresponder uma remuneração que lhe permita uma vida honrada. Deve também fazer com que o desempenho de sua atividade não traga gravames de nenhuma ordem, seja à sua integridade física e mental, seja ao seu patrimônio jurídico e material, seja à estima e ao prestígio que desfruta no seu meio social e profissional, seja à sua própria auto-estima. E deve ter a certeza inabalável de que, cumprindo com seu dever, terá a correspondente contrapartida material e moral.

Toda e qualquer conduta privada ou estatal há de levar em conta, em primeiro lugar, a preservação da dignidade do cidadão trabalhador.

Do capital a mesma postura é exigida.

Ao consagrar a propriedade privada como garantia individual, no artigo 5º, XXII, condicionou seu exercício, no inciso XXIII, ao atendimento de sua função social. Quando encarada como garantia de sobrevivência individual e familiar, a propriedade tem uma função individual. Estando, porém, relacionada com os bens de produção, não é ela um direito mas instrumento de uma função, perdendo sua condição de direito e assumindo a de dever, regulada pelo artigo 170, III, constitucional, no descortino de EROS GRAU (in A Ordem Econômica na Constituição de 88 – Interpretação Crítica – São Paulo – RT, 1990, página 247).

Coerente com o comando constitucional, o artigo 116 da Lei 6.404/76, a Lei das Sociedades Anônimas, impõe ao administrador o dever de buscar a realização da função social da companhia, e o artigo 154 do mesmo diploma impõe a ele o dever de exercer a função para satisfazer as exigências do bem público e a da função social da empresa.

A só conjugação dos princípios da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da livre iniciativa, da função social da propriedade e da justiça social como fundamentos da ordem social e objetivos da econômica, já conduz à conclusão de que intervenção estatal, por meio da tutela jurisdicional, no grupo econômico, representa a única forma eficaz e jurídica de se buscar a manutenção dos mais de 500 empregos e a continuidade da atividade econômica.

Mas não só a Constituição ampara a necessidade de intervenção.

A legislação material e processual, coerentes com os ditames da Carta Magna, fornecem instrumentos para a submissão do direito individual ao social, a fim de que, escoimada a conduta arbitrária, seja restabelecida a ordem jurídica.

A relativização da propriedade é estabelecida, no direito material, aparelhando a legislação infra-constitucional de mecanismos de proteção do ordenamento jurídico e de punição de seus infratores. Dentre eles, a intervenção e a expropriação.

A Lei 6.024/74 prevê a intervenção em instituições financeiras e cooperativas de crédito sempre que verificadas certas anormalidades nos negócios sociais, tal como "a entidade sofrer prejuízo, decorrente de má administração, que sujeite a riscos os seus credores" (artigo 2º, inciso I).

O Decreto-Lei 2.321/87 estabelece a possibilidade de se decretar "o regime de administração especial temporária", quando verificada a "gestão temerária ou fraudulenta de seus administradores" (artigo 1º, letra "d"). E impõe a responsabilidade objetiva a todos os administradores e controladores da sociedade bancária, uma vez que é inexigível dolo ou culpa na conduta do administrador ou controlador (artigo 15).

Importante mencionar o artigo 9º da Lei 8.629, de 25.02.1993, que tem por escopo detalhar os preceitos constitucionais referentes à função social da propriedade rural, demonstrando cabalmente que a ordem jurídica submete essa garantia individual a condicionantes de natureza social, imperativas:

"Art. 9º. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende simultaneamente, segundo graus e critérios estabelecidos nesta lei, os seguintes requisitos:

(...)

"III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

"IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

(...)

"§ 4º – A observância das disposições que regulam as relações de trabalho implica tanto o respeito às leis trabalhistas e aos contratos coletivos de trabalho, como as disposições que disciplinam os contratos de arrendamento e parceria rurais.

"§ 5º – A exploração que favorece o bem-estar dos proprietários e trabalhadores rurais é a que objetiva o atendimento das necessidades básicas dos que trabalham a terra, observa as normas de segurança do trabalho e não provoca conflitos e tensões sociais do imóvel."

Assim, quando o uso da propriedade rural se faz com infração à legislação trabalhista, independentemente do cumprimento dos demais requisitos, ela descumpre sua função social, deixa de ser direito, deixa de ser propriedade e fica sujeita à desapropriação.

Finalmente, a Lei 8.884/94 dispõe que "o Juiz decretará a intervenção na empresa" quando necessária para permitir a execução de medida determinada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE (artigo 69). O CADE, órgão administrativo subordinado ao Ministro da Justiça, foi criado para a defesa da ordem econômica e é orientado "pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico" (artigo 1º).

Mas o CADE pode ir muito além e determinar a própria dissolução da sociedade, a transferência do controle acionário, a venda de ativos e a cessação parcial de atividade (artigo 24, inciso V, da mesma lei). Verdadeira fulminação do direito de propriedade.

Harmônica com essa postura, a Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 8º, é taxativa ao impor que "nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público". O preceito se completa com o artigo 9º consolidado, que declara nulos todos os atos praticados para fraudar os preceitos legais trabalhistas, todos de ordem pública, e com o artigo 166 do Código Civil, que declara nulo o ato jurídico praticado com o objetivo de fraudar a lei (inciso V).

O direito processual civil estabelece o processo de execução como instrumento de expropriação dos bens do devedor para a satisfação do direito do credor (artigo 647), facultando, além da alienação e adjudicação, o usufruto, pelo credor, de imóvel ou de empresa (artigo 648). Dessa expropriação não pode fugir o devedor, pois que a sua resistência ensejará até o arrombamento e o uso da força policial (artigos 660 e 662).

O estatuto processual civil avança mais, permitindo a penhora da própria empresa, o que resulta em transferência da administração, que passa às mãos de depositário judicial (artigo 677). Também a Lei 6.830/80 permite a penhora do estabelecimento comercial, industrial ou agrícola no processo de execução de dívida ativa (artigo 11, § 1º).

O artigo 798 do Código de Processo ampara o poder geral de cautela do juiz, permitindo a ele a determinação de todas as medidas que julgar adequadas para evitar dano, grave ou de difícil reparação, ao direito da parte. Da mesma forma, o artigo 273 autoriza a antecipação os efeitos da tutela pretendida na inicial, na presença de abuso de direito de defesa, protelação ou fundado receio de dano irreparável ou difícil reparação.

Logo, uma vez que em direito não existem compartimentos estanques, considerando que os "valores sociais do trabalho", "a valorização do trabalho humano" e a "busca do pleno emprego" estão num patamar constitucional superior ao da "livre iniciativa" e da "livre concorrência", e presentes semelhantes aspectos de fato, impõe-se a intervenção nas empresas rés, transferindo-se a administração de todos os seus bens móveis e imóveis, inclusive os de propriedade particular de seus sócios, em especial numerários movimentados por todos os réus em suas respectivas contas bancárias, aos interventores para o ressarcimento do patrimônio coletivo dos empregados e ex-empregados, visando salvaguardar a quitação de direitos e de passivos trabalhista, fiscal e previdenciário.

Impõe-se igualmente a tomada de providências visando elidir todas as tentativas de fraude e de evasão de patrimônio de todos os réus, e o resgate de bens, documentos e informações em seu poder e que possam viabilizar a retomada das atividades da empresa e seu saneamento.

A par disso, não se pode olvidar que o Decreto-lei nº 368/68, sem prejuízo da sanção penal, proíbe que as empresas em mora salarial ou com o FGTS paguem "honorário, gratificação, pro labore, ou qualquer outro tipo de retribuição ou retirada" ou distribuam "quaisquer lucros, bonificações, dividendos ou interesses" a seus sócios, diretores ou acionistas (artigo 1º), podendo realizar somente "as operações de crédito destinadas à liqüidação dos débitos salariais existentes" (artigo 2º, § 2º). Preceitua o DL 368/68:

"Artigo 1º - A empresa em débito salarial com seus empregados não poderá:

I - pagar honorário, gratificação, pro labore ou qualquer outro tipo de retribuição ou retirada a seus diretores, sócios, gerentes ou titulares da firma individual;

II – distribuir lucros, bonificações, dividendos ou interesses a seus sócios, titulares, acionistas ou membros de órgãos dirigentes, fiscais ou consultivos (...)"

Nesse quadro, a intervenção judicial afigura-se como a única medida capaz de proteger o interesse público, porque, sem prejuízo da continuidade das atividades produtivas, permitirá que, ao menos temporariamente, o controle do empreendimento fique nas mãos de pessoas probas, que exercerão o mister com seriedade e profissionalismo, doravante honrando os compromissos assumidos, observando a legislação trabalhista e principalmente garantindo a manutenção de postos de trabalho da coletividade.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Também por meio da intervenção judicial será possível um estudo completo da situação da empresa e viabilizar a tomada de providências que permitam a continuidade do negócio e a manutenção dos empregos.

FRAUDE DE EXECUÇÃO

Fraude de execução é um instituto de direito processual, regulado no artigo 593 Código de Processo Civil, e que consiste na alienação de bens pelo devedor, na pendência de um processo capaz de reduzi-lo à insolvência, sem a reserva - em seu patrimônio - de bens suficientes à garantir o débito objeto de cobrança. É um incidente do processo que não reclama ação própria e cujo reconhecimento implica na ineficácia da alienação em relação à outra parte, não desfazendo a alienação.

Ensina Liebmam que, na fraude de execução, "a intenção fraudulenta está in re ipsa; e a ordem jurídica não pode permitir que, enquanto pende o processo, o réu altere a sua posição patrimonial dificultando a realização da função jurisdicional" (Enrico Tulio Liebmam, apud Theodoro Júnior, Processo de Execução, Editora Leud, 1991, página 155)

Um dos elementos constitutivos do direito de propriedade é o poder de disposição do bem pelo proprietário, o jus abutendi, que associado ao jus utendi e ao jus fruendi, constituem a denominada propriedade perfeita, na lição de Washington de Barros Monteiro, que conclui:

"O direito de dispor, o mais importante dos três, consiste no poder de consumir a coisa, de aliená-la, de gravá-la de ônus e de submetê-la a serviço de outrem." (Washington de Barros Monteiro, Curso de Direito Civil, Saraiva, 1989, páginas 90/91)

Mas esse poder de disposição não é ilimitado. Só é lícito quando não lese terceiros. A fraude contra a execução e a responsabilidade patrimonial relacionam-se estreitamente, sendo conseqüência direta do artigo 591, que estabelece a responsabilidade dos bens do devedor para satisfação de suas obrigações.

Logo, o objeto jurídico do instituto da fraude de execução é a segurança das relações jurídicas postas em discussão perante em juízo, ao não permitir que, na pendência do processo, o devedor aliene bens, frustrando a execução e impedindo, por essa via, a satisfação do credor. É a dicção do artigo 592, V, do CPC.

Assim dispondo, a lei adjetiva visa elidir atentados à dignidade da justiça, permitindo que esta realize o fim precípuo do processo de execução, que é a expropriação de bens do devedor para satisfação do crédito do credor.

É por isso que, além dos efeitos que a fraude provoca na relação negocial, a prestação jurisdicional também é atingida. Combater os atos que fraudam a execução – e a própria prestação jurisdicional – é necessário não só em atenção às partes do negócio jurídico, mas também em defesa do Poder Judiciário, que sofre grande desprestígio em razão da fraude.

A declaração do ato de alienação como fraude de execução decreta sua ineficácia em relação ao credor prejudicado. Decorre daí que o ato continua válido e eficaz perante terceiros, só não podendo ser oposto ao credor prejudicado, para o qual a penhora e seus efeitos continuam como dantes. Inválido é, pois, todo negócio jurídico que invada a órbita de proteção criada pela constrição, que a inutilize, ou que a enfraqueça. Aquele que faz negócio com devedor, sabendo da penhora da coisa objeto do contrato, assume a responsabilidade de assumir todas as restrições decorrentes, e arcar com as conseqüências de sua participação na fraude.

No caso em discussão, os réus fraudaram a constituição de empresas, a venda de ativos, a existência de patrimônios, a receita de empresas e de negócios, tudo em desfavor de execuções trabalhistas, visando furtar-se ao comando de decisões judiciais transitadas em julgado e forrar-se do ressarcimento de prejuízo por eles causado, para manter e fazer crescer seu próprio patrimônio, autorizando a desconstituição e declaração de ineficácia de todos os atos jurídicos assim praticados.

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

No curso da crise trabalhista instalada pelas condutas fraudulentas dos réus, foi arrestada e penhorada a marca ORTOPÉ (processo 171-2005), de cuja propriedade era titular a ré D&J PARTICIPAÇÕES, dos HOMRICH. Embora não figurasse no pólo passivo da reclamatória, o Judiciário trabalhista em primeira e segunda instâncias, em decisões transitadas em julgado, considerou válida a desconsideração da personalidade jurídica da empresa, visando elidir a fraude em nome dela cometida por seus sócios.

Não é uma novidade, muito menos um anacronismo. Essa doutrina, baseada no pensamento alemão, ganhou vulto no final do século passado.

"Quando o conceito de pessoa jurídica ( corporate entity ) se emprega para defraudar credores, subtrair-se a uma obrigação existente, para desviar a aplicação de uma lei, para constituir ou conservar um monopólio ou para proteger velhacos e delinqüentes, os tribunais poderão prescindir da personalidade jurídica e considerar que a sociedade é um conjunto de homens que participam ativamente de tais atos e farão justiça entre as pessoas reais". (Wormser, citado por Rubens Requião, in Aspectos Modernos do Direito Comercial, Ed. Saraiva)

A legislação brasileira já a adotava como mecanismo de preservação do patrimônio público desde a década de 1980, com a edição da Lei 6.830/80, que dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública:

"Art. 4º - A execução fiscal poderá ser promovida contra:

§ 1º - Ressalvado o disposto no artigo 31, o síndico, o comissário, o liquidante, o inventariante e o administrador, nos casos de falência, concordata, liquidação, inventário, insolvência ou concurso de credores, se, antes de garantidos os créditos da Fazenda Pública, alienarem ou derem em garantia quaisquer dos bens administrados, respondem, solidariamente, pelo valor desses bens.

(...)

V - o responsável, nos termos da lei, por dívidas, tributárias ou não, de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado;

(...)

§ 3º - Os responsáveis, inclusive as pessoas indicadas no § 1º deste artigo, poderão nomear bens livres e desembaraçados do devedor, tantos quantos bastem para pagar a dívida. Os bens dos responsáveis ficarão, porém, sujeitos à execução, se os do devedor forem insuficientes à satisfação da dívida."

Atenta à evolução das relações jurídicas, à necessidade de coletivização do dissídio, como mecanismo de salvaguarda do interesse social, e sedimentando posicionamento da doutrina e na jurisprudência, a lei pátria adotou o conceito no Código de Defesa do Consumidor, de 1990, nascido já sob a égide da processualística coletiva:

"Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

(...)

"§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores."

O dispositivo inspirou o Código Civil em vigor desde 2002:

"Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica."

A jurisprudência, que com a doutrina construíram o conceito adotado pela norma, vem-se confirmando todos os dias. Exemplo disso é o v. acórdão, com julgamento unânime, da 5ª Turma do egrégio TRT da 4ª Região, prolatado nos autos do processo nº 01070-2005-027-04-00-5 (AP), publicado em 07/03/2007, tendo como relatora a juíza BERENICE MESSIAS CORRÊA (Documento 64):

"As atitudes da reclamada e de seus sócios determinam que a personalidade jurídica da empresa, frente à legislação em vigor, não constitui um direito absoluto, eis que sujeita a fraude contra credores, à execução, ou abuso de direito (exemplo, art. 28 do Código de Defesa do Consumidor). A desconsideração da personalidade jurídica deve ser observada sempre que houver incompatibilidade entre o ordenamento jurídico e o resultado buscado com a utilização da pessoa jurídica. Portanto, também são devedores os sócios-cotistas que, por seus atos, passam a se encontrar legitimados para arcar com a dívida, restando seus bens sujeitos aos atos executórios, pois se sabe que no Direito do Trabalho, em razão da previsão consolidada de responsabilidade solidária, formação de grupo econômico ou desconstituição da personalidade jurídica do empregador (arts. 2º, § 2º, 10 e 448 da CLT), não basta duas pessoas terem personalidades jurídicas próprias para se eximirem dos efeitos do procedimento executório."

Também recentemente, assim manifestou-se o E. TST, aplicando a teoria da desconsideração da personalidade jurídica para afastar a fraude e a aparência de legalidade em atos, negócios e condutas cujo objetivo é o ferimento da lei:

"Disso tudo resta concluir: perfeitamente cabível aqui a teoria da desconsideração da personalidade jurídica ( disregard of legal entity ) já que desvirtuada a finalidade precípua da cooperativa. Assim, reconhece-se o vínculo existente entre as partes como de emprego, haja vista que a condição de cooperado é apenas aparente e em fraude às leis trabalhistas, nos termos do art. 9º da CLT." (AIRR – 1659/2001-010-18-00, 2ª Turma, DJ – 02/03/2007, Relator Ministro RENATO DE LACERDA PAIVA, julgamento unânime)

O seguinte aresto traduz, em síntese e clareza, a essência do instituto, pressupostos e objetivos:

"Pessoa jurídica. Disregard of legal entity. Responsabilidade dos sócios. A pessoa jurídica constitui mera ficção legal, que só adquire existência concreta na pessoa de seus sócios. Foi para coibir a excessiva personalização das pessoas jurídicas, potencialmente acobertadora dos abusos e irregularidades perpetrados pelas pessoas dos sócios, que o mundo jurídico elaborou teorias como a da ´Disregard of legal entity´, sendo inegável, por outro lado, que os patrimônios particulares dos sócios respondem pelos créditos trabalhistas, em face da inidoneidade econômica da empresa. (02960313148, Ac. 8ª T. 02970059503 – Rel. Juíza Wilma Nogueira de Araújo Vaz da Silva – TRT/SP)".

Análise completa e definitiva da matéria encontra-se no v. acórdão 621-1997-771-04-00-8 (AP), da 6ª Turma do E. Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, Relatora Juíza ANA ROSA PEREIRA ZAGO SAGRILO, julgamento por maioria, publicado em 18/12/2006, in verbis:

"O instituto da personalidade jurídica constitui-se em uma técnica de separação patrimonial dos bens da sociedade e dos bens particulares dos sócios que a compõem. Entretanto, o princípio da desconsideração da personalidade jurídica autoriza a execução de bens do sócio da empresa demandada, mesmo que esse não conste no título executivo judicial, quando verificado o seu mau uso em prejuízo de terceiros e fraude à lei. Parafraseando Fábio Ulhoa Coelho, a personalidade jurídica não poderá servir para criação de situações injustas. Ademais, atualmente o próprio ordenamento jurídico prevê a desconsideração da personalidade jurídica. Nesse sentido, o artigo 28, parágrafo 5º, do Código de Defesa do Consumidor, já determinava em 1990 que: poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

"Tal situação é análoga ao Processo do Trabalho, diante do seu caráter tutelar e da natureza alimentar dos créditos do trabalhador.

"O atual Código Civil, no seu artigo 50, autoriza a desconsideração da personalidade jurídica em casos de abuso da personalidade e desvio de finalidade na sua utilização. Porém, mesmo antes da vigência do atual Código Civil, a jurisprudência pátria já consagrava a aplicação de tal teoria na hipótese em que os bens da sociedade não fossem capazes de responder pelo débito da mesma.

"Diante de tais situações, o princípio da autonomia da pessoa jurídica, que não é absoluto, relativiza-se e pode ser derrogado, tanto para imputar responsabilidade da sociedade ao sócio, quanto para conferir à sociedade qualidade humana do sócio. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica possibilita assim a imputação exclusiva do responsável pelo mau uso da pessoa jurídica.

"Assim, com base nessa elaboração recente da dogmática jurídica, o juiz pode e deve ignorar a existência da pessoa jurídica, suspendendo episodicamente a eficácia do seu ato constitutivo, sempre que houver a sua utilização como instrumento para a realização de fraudes ou de abusos de direito.

"Pode então, pela teoria da desconsideração da personalidade jurídica, recepcionada no artigo 50 do atual Código Civil, o credor trabalhista buscar a satisfação de seu crédito além do patrimônio da sociedade empregadora, com o redirecionamento da execução contra os bens dos sócios, sempre que, por meio do uso indevido de uma sociedade, consistente em fraude à lei ou abuso de direito, ocorrer a lesão do direito de terceiros, como se verifica no caso dos autos, em que o simples descumprimento, por parte da reclamada, das obrigações como empregadora, já caracteriza o abuso de direito.

"Conclui-se, portanto, que deve ser permitida a penhora sobre o patrimônio dos sócios, sob pena de restar frustrada a satisfação do crédito de natureza alimentar. Aplica-se subsidiariamente o artigo 4º, inciso V e § 3º, da Lei 6.830/80, segundo o qual a execução pode ser dirigida contra os responsáveis pelas pessoas jurídicas, tal como ocorre com o sócio em relação à sociedade. A condição dos agravantes é a de devedores, sendo irrelevante, no caso, como destacou o Julgador de origem, o fato de alguns deles possuírem percentual minoritário de cotas ou não serem sócios-administradores da sociedade, estando, por conseqüência, seu patrimônio sujeito à execução, na forma do inciso II do artigo 592 do CPC, aplicável na hipótese dos autos.

"Pelos mesmos argumentos, descabe qualquer limitação da responsabilidade de cada sócio, como querem os recorrentes, com base em cotas não integralizadas ou no limite do risco assumido, ou mesmo no percentual de participação de cada um.

"Considera-se, pois, regular o direcionamento da execução contra a pessoa dos sócios da executada, entendendo-se não ter havido violação ao inciso XXXVI do artigo 5º da CF ou aos demais dispositivos legais invocados." ( Documento 65, grifos no original)

Presentes o abuso do direito, a conduta fraudulenta, os objetivos contrários ao ordenamento jurídico, o prejuízo causado à coletividade, é de rigor sejam desconsideradas as personalidades jurídicas de todas as empresas rés para que sejam trazidos à responsabilização seus sócios, mentores de todos as fraudes, para que respondam com o patrimônio amealhado e mantido por meio de tais fraudes.

DANO MORAL COLETIVO E INDISPONIBILIDADE DOS BENS

Fica evidente que os fatos aqui narrados têm gerado grande prejuízo ao Erário Federal e aos empregados. Como já citado, o débito parcialmente apurado e devido nas execuções, aos ex-empregados, segundo levantamentos preliminares, atinge mais de R$ 10 milhões, sem contar os valores referentes aos direitos correntes, às reclamações trabalhistas pendentes e outras execuções fiscais e compromissos não honrados com a iniciativa privada.

Ainda, é inegável que a conduta perpetrada pelos réus causou, e causa, lesão aos interesses difusos de toda a coletividade de trabalhadores, tratados, em vários aspectos, sem a dignidade que merece o cidadão brasileiro que procura, através do trabalho, o sustento para si e para sua família, uma vez que propiciam a negação dos direitos trabalhistas aos antigos, atuais e futuros trabalhadores.

Há de se levar em conta, também, a afronta ao próprio ordenamento jurídico que, erigido pelo legislador como caminho seguro para se atingir o bem comum, flagrantemente é aviltado pelos réus que, visando a obtenção do lucro fácil, deixam de observar os postulados constitucionais atinentes à proteção do trabalhador e à atividade econômica.

Por derradeiro, o efeito pedagógico da condenação da pessoa dos sócios. A impunidade é quase uma instituição, a proteger infratores de todas as espécies. Na medida em se põe cobro a condutas lesivas, o efeito é o de demonstrar a todos que o crime será punido. A punmição exemplar ameniza a costumeira impressão de que, enquanto a empresa, pela incúria de seus dirigentes, arruína-se sem honrar seus compromissos, seus sócios proprietários mantêm incólume seu patrimônio. Mitiga a sensação de que o rico tudo pode, e ao pobre resta a resignação do que não tem ninguém por si.

Como tais lesões se amoldam na definição do artigo 81, incisos I e II, da Lei nº 8.078/90, cabe ao Ministério Público, fundado nos artigos 1º, caput, e inciso IV, e 3º da Lei nº 7.347/85, propor a medida judicial necessária à reparação do dano e ao estancamento dessa nociva prática.

Em se tratando de danos a interesses difusos e coletivos, a responsabilidade deve ser objetiva, porque é a única capaz de assegurar uma proteção eficaz a esses interesses.

No particular, é oportuno trazer à baila trecho do venerando acórdão do Egrégio TRT da 12ª Região, ao apreciar o processo TRT/SC/RO-V 7158/97, que assim se manifestou:

"O prejuízo em potencial já é suficiente a justificar a actio .

"Exatamente porque o prejuízo em potencial já é suficiente a justificar a propositura da presente ação civil pública, cujo objeto, como se infere dos balizamentos atribuídos pela peça exordial ao ´petitum´, é em sua essência preventivo (a maior sanção) e apenas superficialmente punitivo, é que entendo desnecessária a prova de prejuízos aos empregados.

"De se recordar que nosso ordenamento não tutela apenas os casos de dano ´in concreto´, como também os casos de exposição ao dano, seja ele físico, patrimonial ou jurídico, como se infere do Código Penal, do Código Civil, da CLT e de outros instrumentos jurídicos.

"Tanto assim é que a CLT, em seu artigo 9º, taxa de nulos os atos praticados como o objetivo de fraudar, o que impende reconhecer que a mera tentativa de desvirtuar a lei trabalhista já é punível".

Por isso, através do manejo da ação civil pública, pretende o autor impedir que os réus continuem a transgredir impunemente a lei e definir responsabilidadez pelos atos ilícitos que causaram e continuam causando vastos danos morais e patrimoniais a interesses difusos e coletivos.

De outra parte, a violação da dignidade dos trabalhadores não pode ficar impune.

Saliente-se, assim, que o montante pecuniário relativo à indenização genérica aqui mencionada jamais será deduzido de condenações judiciais, que venham a imputar reparação individual pelo dano causado a alguém, por idênticos fatos. De igual forma, a indenização genérica aqui defendida não quita, nem parcialmente, qualquer indenização conferida, ou a conferir, aos lesados efetivamente, pelos mesmos danos e fatos correlatos.

Justifica-se a reparação genérica, não só pela dificuldade de se reconstituir o mal já impingido à coletividade, mas também, por já ter ocorrido a transgressão ao ordenamento jurídico vigente.

Necessário, portanto, um meio que, a um só tempo, não permita que o transgressor se exima da obrigação de reparar o mal causado sob o argumento de que seria impossível individualizar os lesados e permita, ao menos de forma indireta, que todos os atingidos pela conduta transgressora sejam ressarcidos pelos danos sofridos.

Com o fim de solucionar esses inconvenientes é que legislador inseriu no artigo 13 da Lei 7.347/85 a possibilidade de ser cobrada indenização reversível a um fundo criado com a finalidade de proteção dos bens lesados. Assim determina o citado artigo:

"Artigo 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados."

Nesse passo, afigura-se cabível a reparação da lesão à coletividade dos trabalhadores, não só pelos danos causados, mas, igualmente, para desestimular tais atos.

Oportuno se torna dizer que:

"não somente a dor psíquica pode gerar danos morais; devemos ainda considerar que o tratamento transindividual aos chamados interesses difusos e coletivos origina-se justamente da importância destes interesses e da necessidade de uma efetiva tutela jurídica. Ora, tal importância somente reforça a necessidade de aceitação do dano moral coletivo, já que a dor psíquica que alicerçou a teoria do dano moral individual acaba cedendo lugar, no caso do dano moral coletivo, a um sentimento de desapreço e de perda de valores essenciais que afetam negativamente toda uma coletividade. (...) Assim, é preciso sempre enfatizar o imenso dano moral coletivo causado pelas agressões aos interesses transindividuais afeta-se a boa imagem da proteção legal a estes direitos e afeta-se a tranqüilidade do cidadão, que se vê em verdadeira selva, onde a lei do mais forte impera.

"Tal intranqüilidade e sentimento de desapreço gerado pelos danos coletivos, justamente por serem indivisíveis, acarretam lesão moral que também deve ser reparada coletivamente. Ou será que alguém duvida que o cidadão brasileiro, a cada notícia de lesão a seus direitos, não se vê desprestigiado e ofendido no seu sentimento de pertencer a uma comunidade séria, onde as leis são cumpridas? (...)

"A reparação moral deve se utilizar dos mesmos instrumentos da reparação material, já que os pressupostos (dano e nexo causal) são os mesmos. A destinação de eventual indenização deve ser o Fundo Federal de Direitos Difusos, que será responsável pela utilização do montante para a efetiva reparação deste patrimônio moral lesado. Com isso, vê-se que a coletividade é passível de ser indenizada pelo abalo moral, o qual, por sua vez, não necessita ser a dor subjetiva ou estado anímico negativo, que caracterizariam o dano moral na pessoa física..." In André de Carvalho Ramos, A Ação Civil Pública e o Dano Moral Coletivo.

Em assim sendo, através do exercício da Ação Civil Pública, pretende o Ministério Público do Trabalho a definição das responsabilidades por ato ilícito que causou danos morais e patrimoniais a interesses difusos ou coletivos.

A questão está assim definida pelo artigo 1º da Lei n. 7.347/85:

"Artigo 1º. Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:

(...)

V – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo."

Busca-se, aqui, a reparação do dano jurídico social emergente da conduta ilícita dos réus, cuja responsabilidade pode e deve ser apurada através de ação civil pública (Lei nº 7.347/85, artigo 1º, IV), bem como – e especialmente – a imediata cessação do ato lesivo (artigo 3º), através da imposição de obrigação de não fazer.

Observe-se que atualmente vem se flexibilizando a idéia de "reconstituição dos bens lesados", referida na parte final do já mencionado artigo 13, para se considerar como objetivo da indenização e do fundo não somente a reparação daquele bem específico lesado, mas de bens a ele relacionados.

De fato, o restabelecimento da ordem jurídica envolve, além da suspensão da continuidade da lesão, a adoção de outra medida: que propicie a reparação do dano social emergente desta conduta de burlar todo o arcabouço de princípios e normas, constitucionais e infra-constitucionais, que disciplinam as relações de trabalho.

No presente caso, por exemplo, revertida a indenização para o Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT –, instituído pela Lei nº 7.998/90, com base no artigo 13 da Lei 7.347/85, não será reparado especificamente o dano moral causado à totalidade de trabalhadores, mas estará o transgressor da Ordem Jurídica sendo forçado, como pena, a beneficiar de forma indireta a classe operária, atingida por sua conduta. Com essa indenização, o referido fundo terá maiores recursos para proporcionar benefícios aos obreiros, em contrapartida pelos danos sofridos.

Nesse sentido se posiciona Hugo Nigro Mazzilli ao comentar o objetivo do fundo a que se refere o artigo 13 da Lei da Ação Civil Pública, a cuja lição nos reportamos:

"O objetivo inicial do fundo era gerir recursos para a reconstituição dos bens lesados. Sua destinação foi ampliada: pode hoje ser usado para a recuperação dos bens, promoção de eventos educativos e científicos, edição de material informativo relacionado com a lesão e modernização administrativa dos órgãos públicos responsáveis pela execução da política relacionada com a defesa do interesse desenvolvido.

(...)

"A doutrina se refere ao fundo de reparação de interesses difusos como fluid recovery , ou seja, alude ao fato de que deve ser usado com certa flexibilidade, para uma reconstituição que não precisa ser exatamente à da reparação do mesmo bem lesado. O que não se pode é usar o produto do fundo em contrariedade com sua destinação legal, como para custear perícias.

"Há bens lesados que são irrecuperáveis, impossíveis de serem reconstituídos: uma obra de arte totalmente destruída; uma maravilha da natureza, como Sete Quedas ou Guaíra, para sempre perdida; os últimos espécimes de uma raça animal em extinção...Casos há em que a reparação do dano é impossível. É comovente o provérbio chinês que lembra poder uma criança matar um escaravelho, mas não poderem todos os sábios recriá-lo...

"Ao criar-se um fundo fluído, enfrentou-se o problema de maneira razoável. Mesmo nas hipóteses acima exemplificadas, sobrevindo condenação, o dinheiro obtido será usado em finalidade compatível com sua causa. Assim, no primeiro exemplo, poderá ser utilizado para reconstituição, manutenção ou conservação de outras obras de arte, ou para conservação de museus ou lugares onde elas se encontrem..." (A defesa dos interesses difusos em juízo. 9ª edição Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 1997. pp. 153 e 154)

O valor da indenização fixada e o das multas aplicadas em razao de eventual descumprimento de ordens judiciais proferidas na presente ação deverão ser revertidos em prol do FAT, que custeia o pagamento do seguro-desemprego (artigo 10) e o financiamento de políticas públicas que visem à redução dos níveis de desemprego, o que propicia, de forma adequada, a reparação dos danos sofridos pelos trabalhadores, aqui incluídos os desempregados que buscam uma recolocação no mercado.

Entende o autor Público que é razoável a fixação da indenização postulada, considerando-se que as empresas rés, e respectivos sócios, agiram e continuam a agir com em fraude à legislação laboral, deixando pagar direitos e de recolher quantias milionárias, atitude que é a mola propulsora da continuidade e ampliação da lesão.

Postula o autor, em razão do já exposto, a condenação solidária de todos os réus no pagamento de indenização, face aos danos já causados por suas condutas ilegais, a título de reparação pelos danos causados aos direitos difusos e coletivos dos trabalhadores, no valor de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais), corrigido monetariamente até o efetivo recolhimento em favor do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador).

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Ricardo Wagner Garcia

Procurador do Trabalho da PRT 4ª Região

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCIA, Ricardo Wagner. Intervenção judicial no grupo Ortopé. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1372, 4 abr. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16756. Acesso em: 26 dez. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos