4ª ILEGALIDADE DO ACORDO
Os parques públicos municipais da cidade de São Paulo, dentre os quais, evidentemente, o maior deles, o Parque do Ibirapuera, são regidos por conselhos gestores, nos termos da Lei Municipal 13.539/03 (doc. 16), cujo artigo primeiro é do seguinte teor:
"Art. 1º - Fica criado, no âmbito de cada parque municipal, com caráter permanente e deliberativo, Conselho Gestor, com a finalidade de participar do planejamento, gerenciamento e fiscalização de suas atividades."
O art. 8º da mesma lei detalha melhor, evidentemente em rol exemplificativo, as atribuições dos Conselhos Gestores, interessando destacar o seguinte:
"Art. 8º - São atribuições dos Conselhos Gestores dos Parques Municipais, respeitadas as atribuições do Poder Público:
I – participar da elaboração e aprovar o planejamento das atividades desenvolvidas pelos parques municipais;
II – propor medidas visando à organização e à manutenção dos parques municipais, à melhoria do sistema de atendimento dos usuários, à defesa dos direitos dos trabalhadores e à consolidação de seu papel como coentro de lazer e recreação e como unidade de conservação e educação ambiental;
III – analisar e opinar sobre pedidos de autorização de uso dos espaços dos parques municipais, inclusive para realização de shows e eventos;
A Lei Municipal 13.539/03 é regulamentada pelo Decreto Municipal 43.685/03, cujo art. 7º é do seguinte teor (doc. 17):
"Art. 7º. Os Conselhos Gestores dos Parques Municipais, órgãos de caráter permanente e deliberativo, serão organizados e acompanhados por intermédio do representante indicado pela Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente."
O art. 2º do Decreto em questão, por sua vez, aumenta o rol das atribuições dos Conselhos Gestores.
Insta destacar, ainda, que os conselhos gestores dos 32 (trinta e dois) parques da cidade, dentre eles o Ibirapuera, são compostos por 9 (nove) representantes da sociedade civil, 2 (dois) representantes de trabalhadores e servidores do parque municipal e 7 (sete) representantes do Poder Executivo, nos termos do art. 2º da Lei Municipal 13.539/03. Há, portanto, um bom equilíbrio entre Governo e Sociedade Civil na composição de tais conselhos gestores.
O caráter deliberativo dos Conselhos Gestores dos Parques Municipais de São Paulo é reconhecido, inclusive, pela própria Promotoria de Meio Ambiente e pelo Poder Judiciário. Com efeito, em recente ação civil pública proposta pela Sociedade Amigos do Jardim Lusitânia – SOJAL, contra a Prefeitura do Estado de São Paulo, que tramita perante a 12ª Vara da Fazenda Pública da Capital, sob nº 2007.118.568-8, cujo objeto é a não instalação de um museu permanente na área da antiga Serraria do Parque do Ibirapuera, a ilustre Promotora de Meio Ambiente da Capital, Dra. Mariza Schiavo Tucunduva, que ali atua como "custus legis" assim se manifestou em seu parecer acerca da concessão ou não da medida liminar (doc. 18):
"Ademais, o Conselho Gestor do Parque do Ibirapuera – órgão que foi criado pela Lei Municipal 13.539/03, com caráter permanente e deliberativo, e que possui, dentre outras, a atribuição de analisar e opinar sobre pedidos de autorização de uso dos espaços dos parques municipais; deliberou contrariamente à instalação do museu, o que foi ignorado pelas autoridades municipais."
A liminar acabou por ser concedida (doc. 19) e confirmada pelo Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo (doc. 20). Agora, entretanto, repete-se o mesmo vício na questão da via de acesso objeto desses autos.
É que na reunião do dia 21 de fevereiro de 2008, em que o Conselho Gestor discutiu e deliberou acerca do tema, foi aprovado um texto extremamente contundente contra a abertura dessa alça de acesso, por 11 (onze) votos a favor, 06 (seis) abstenções e nenhum contra (doc. 21).
O texto destaca a ausência de previsão dessa modificação no Plano Diretor; o compromisso de compensação de áreas permeáveis para construção do auditório Ibirapuera assumido pela Prefeitura; o fato da área onde se quer construir a via de acesso estar dentro da área tombada do Parque do Ibirapuera, dentre outros importantes argumentos.
Já aqui chegamos à quarta ilegalidade presente no ato administrativo anunciado no acordo parcialmente nulo de pleno direito. Mas ainda há mais um ponto que merece destaque.
5ª ILEGALIDADE DO ACORDO
Não bastasse o plexo de agressões à lei supra demonstrado, patente, também, que a via de ligação em questão, pelos impactos significativos que ocasiona, deveria ser objeto de um estudo de impacto ambiental. Diz a Constituição Federal, em seu art. 225:
"Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º. Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade.".
Esse dispositivo constitucional está regulamentado pela Lei 13.430/02 (Plano Diretor), pela sua Lei Complementar 13.885/04 e por Decretos Municipais e Resoluções que conferem ao CADES – Conselho Municipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – o poder licenciador dessas atividades potencialmente degradadoras do ambiente.
É evidente que uma ligação entre uma movimentada avenida e outra via definida como local, cortando o maior Parque da cidade de São Paulo, implicando em impermeabilizar área desse Parque, com corte de vegetação não desprezível, é atividade causadora de significativa degradação do meio ambiente.
Foi justamente isso que levou o então Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital, Dr. Tiago Cintra Zarif a, em 14 de setembro de 1996, quando da abertura dessa infeliz via de acesso pela primeira vez, no contexto das obras do complexo viário conhecido como "Cebolinha", propor uma ação civil pública contra a EMURB – Empresa Municipal de Urbanização, que tramitou pela 11ª Vara da Fazenda Púbica da Capital, sob n° 860/96, justamente para tentar impedir essa primeira abertura.
Nessa ocasião, escreveu o eminente Promotor de Justiça, Dr. Tiago Cintra Zarif, em sua inicial (doc. 22):
"A Prefeitura Municipal de São Paulo, dando prosseguimento às obras referentes ao "Corredor Viário Sudoeste – Sudeste", apresentou junto aos órgãos ambientais competentes, os projetos elaborados por seus técnicos, sendo os mesmos aprovados na Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente, após Resolução do Conselho Municipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – CADES.
(...)
Todavia, após a aprovação acima referida, e já no final das obras aprovadas, a Prefeitura Municipal, através da EMURB, efetuou novas obras em local não permitido.
Estas novas obras estão dentro de uma área onde havia a exigência de proteção ambiental, conforme aprovado pelo órgão municipal acima citado (o CADES e a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente).
Em total desacordo com as regras e obrigações estabelecidas, a Requerida no último final de semana ingressou com suas máquinas na área anteriormente destinada para implementação do Programa de Compensação Ambiental.
(...)
Assim, absolutamente ilegal as obras desta interligação, tanto no que se refere a falta de aprovação pelos órgãos competentes, quanto pelo aspecto ambiental (visto que o local seria destinado a compensação ambiental pela degradação das demais obras do complexo), e ainda pelos transtornos que ocorreram na região, zona 1, residencial, que teria um aumento de trânsito absurdo e não examinado tecnicamente o impacto que ocorreria.
(...)
Entretanto, na correria de apresentar o "fato consumado", como aliás é medida corriqueira dos órgãos públicos, o ato da Prefeitura foi realizado de forma sorrateira, uma vez que, vinha tratando com os moradores do local no sentido de não haver qualquer interligação entre o Corredor Viário e a Av. IV Centenário."
Em que pese essa magnífica ação tenha sido julgada improcedente, há que se observar que nela o Ministério Público denuncia o caráter clandestino da via de ligação entre a Av. IV Centenário e Av. Pedro Álvares Cabral e, mais do que isso, fica denunciado que essa abertura não constava do projeto original, não estando englobada, portanto, no Estudo de Impacto Ambiental que foi efetuado por ocasião da obra conhecida como "Complexo Viário Cebolinha". Havia necessidade, portanto, de outro estudo.
Cabe asseverar, ainda, que se estudo ambiental houvesse, haveria a necessidade de audiência pública, onde a população poderia apresentar suas propostas, sugestões e críticas à iniciativa. Aliás, mesmo fora do âmbito do Estudo de Impacto Ambiental, a audiência pública é obrigatória, a teor do art. 287, "caput", da Lei 13.430/02 (Plano Diretor de São Paulo), que transcrevemos:
"Art. 287. Serão realizadas no âmbito do Executivo Audiências Públicas referentes a empreendimentos ou atividades públicas ou privadas em processo de implantação, de impacto urbanístico ou ambiental com efeitos potencialmente negativos sobre a vizinhança no seu entorno, o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população, para os quais serão exigidos estudos e relatórios de impacto ambiental e de vizinhança nos termos que forem especificados em lei municipal."
Essa ilegalidade completa a lista de afrontas à lei que aqui são referidas
DA MEDIDA LIMINAR
Nos termos do art. 12 da Lei 7.347/85, estão presentes os requisitos do "fumus boni juris" e do "periculum em mora", que autorizam a concessão urgente e imediata da medida liminar pretendida.
De fato, o "fumus boni juris" consiste nas cinco gravíssimas ilegalidades supra relacionadas, a saber: desvio de finalidade do órgão ministerial, afronta às normas de tombamento do Parque do Ibirapuera e entorno, tanto do CONDEPHAAT quanto do CONPRESP, além da falta de consulta a esses órgãos, afronta ao Plano Diretor da Cidade de São Paulo, afronta à decisão do Conselho Gestor do Parque do Ibirapuera e falta de estudo de impacto ambiental para a via de acesso pretendida. Todos esses argumentos são plenamente perceptíveis "prima facie" e são extremamente relevantes e sérios, recomendando a concessão da liminar.
O "periculum em mora", por sua vez, fica patente se levarmos em consideração que o acordo celebrado entre as partes já foi homologado (doc. 23), tendo o Juízo que proferiu a sentença de homologação, inclusive, remetido as questões urbanísticas a outras eventuais demandas judiciais (caso da presente).
O início das obras de construção da via de ligação entre a Av. IV Centenário e a Av. Pedro Álvares Cabral, portanto, pode ter início à qualquer momento, o que, de um lado, produzirá imediatamente os danos ambientais e urbanísticos que aqui se quer evitar e, de outro, tornará mais difícil e onerosa a reposição do "stauts quo ante" no caso de procedência dessa demanda, o que, "data maxima venia", se impõe.
Face ao exposto, requer o autor a concessão de medida liminar para que seja determinada a não construção da via de ligação entre a Av. IV Centenário e a Av. Pedro Álvares Cabral, bem como não destruição da área verde atualmente anexada ao Parque, suspendendo-se de imediato obras eventualmente iniciadas, até o trânsito em julgado da presente demanda.
DO PEDIDO
Diante do exposto, são os termos da presente para respeitosamente requerer a V. Exa.:
a) com fundamento no art. 12 da Lei 7.347/85, a concessão urgente e imediata de medida liminar, "inaudita altera partes", nos termos supra requeridos;
b) sejam citados os requeridos, nos endereços supra, para que, em querendo, contestem os termos da presente demanda;
c) com fundamento no art. 8º da Lei 7.347/85, seja oficiada a EMURB – Empresa Municipal de Urbanização, para que, no prazo de 15 (quinze) dias, forneça cópia integral e ordenada do projeto original de construção do complexo viário conhecido como "Cebolinha", bem como do Estudo de Impacto Ambiental, para que fique constatado que a alça aqui enfocada não está presente no projeto original;
d) ainda com fundamento no art. 8º da Lei 7.347/85, seja oficiada a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente da Prefeitura do Município de São Paulo para que a mesma informe em que condições foi anexada a área em questão ao Parque do Ibirapuera;
e) nos termos do art. 5º, inciso I da Lei 7.347/85, a oitiva da Promotoria de Meio Ambiente do Ministério Público do Estado de São Paulo para que oficie nos presentes autos na qualidade de "custus legis". Há que se observar a situação "sui generis" dos presentes autos, em que se pretende a anulação parcial de acordo que teve como protagonista o Ministério Público, havendo inclusive suspeição, "data maxima venia" do insigne Promotor de Justiça Dr. José Carlos de Freitas para aqui atuar como "custus legis", por razões evidentes;
f) ao final, seja a presente julgada totalmente procedente, para:
f.1) declarar nulas de pleno direito as cláusulas "1", "2" e "6" do acordo celebrado entre o Ministério Público, a CET e a Prefeitura de São Paulo, nos autos da ação civil pública que tramitou perante a 3ª Vara da Fazenda Pública da Capital, sob n° 2007.119.565-5, controle 1215, impondo-se aos réus, ainda, a obrigação de não fazer, consistente na não abertura da via de acesso pretendida. A condenação deverá abranger indenização por eventuais danos ambientais e urbanísticos ocasionados com a construção da obra, cujo valor, a ser determinado pelo prudente e elevado critério de V. Exa., deverá reverter ao fundo a que faz referência o art. 13 da Lei 7.347/85, bem como condenação dos requeridos no pagamento de custas processuais, honorários advocatícios e demais cominações legais.
Protestando-se provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, dá-se à causa, para efeitos fiscais, o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), deixando o autor de recolher as custas correspondentes, em virtude do disposto no art. 18 da Lei 7.347/85.-
Termos em que,
P. Deferimento.
São Paulo, 11 de março de 2008.
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pp. Marcus Vinicius Gramegna
- OAB/SP 130.376 -