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Indenização em relação de consumo. Juizado Especial.

Petição inicial

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30/03/2008 às 00:00
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A peça trata de numerosos aspectos, dentre os quais a competência do Juizado, a legitimidade passiva, a existência de relação de consumo, a responsabilidade objetiva e a quantificação da indenização.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DO FÓRUM REGIONAL DE ____________________ – COMARCA DA CAPITAL DO ESTADO DE SÃO PAULO

(nome), (nacionalidade), (estado civil), (profissão), portador do R.G. nº _______________, inscrito no CPF sob o nº _______________ (documento nº ___), residente e domiciliado na Avenida _______________, nº ____, apartamento nº ____, bairro _______________, cidade de São Paulo/SP, CEP nº _______________ (documento nº ___), comparecendo pessoalmente, conforme os auspícios do artigo 9º da Lei nº 9.099/1995, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, com fundamento no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988, na Lei nº 9.099/1995 e nos artigos 6º, inciso VIII, 81 e 83, caput, da Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), propor a presente

AÇÃO CONDENATÓRIA

em face de _______________, sociedade anônima de capital fechado, inscrita no CNPJ sob o nº _______________, com sede na Avenida _______________, nº ____, bairro _______________, cidade de São Paulo/SP, CEP nº _______________ (documento nº ___), pelos fundamentos de fato e de direito que a seguir se expõem.


I. DOS FATOS

1.O autor, de reputação ilibada, dirigiu-se à empresa-ré, no dia _______________, para adquirir automóvel novo, dando veículo de sua propriedade como parte do pagamento, para comemorar o dia dos pais vindouro, com sua esposa e filha, assinando declaração como instrumento comprobatório do termo de responsabilidade assumido (documento nº ___).

2.Nestes termos, as partes combinaram, de comum acordo, que o automóvel novo estaria disponível ao autor no dia _______________. No entanto, para absoluta surpresa do autor, no dia combinado o automóvel novo sequer havia chegado à concessionária. Ressalta-se que o autor já havia, nesta data, entregue seu veículo à empresa-ré, encontrando-se em situação de completo desamparo.

3.A esposa do autor, neste ínterim, foi acometida de mal súbito, tendo sido o seu atendimento prejudicado devido à demora para chegar ao Hospital _______________, tendo sido feito o transporte via táxi. A entrada na seção do pronto-socorro do hospital foi registrada às _____ horas do dia _______________, conforme documento em anexo (documento nº ___) e, até a consumação do atendimento e respectiva medicação, or suportou intensas dores, não podendo sequer se locomover sem auxílio de terceiros.

4.O automóvel novo chegou à concessionária e foi liberado somente no dia _______________ (documento nº ____), depois de repetidas, reiteradas e insistentes reclamações do autor, sempre tratadas com descaso pela empresa ré.

5.Assim, é a presente para que os danos causados e as infrações cometidas pela empresa ré sejam reparados, de forma que a sentença proferida puna os excessos cometidos, torne indene o autor e, sobretudo, cumpra a sua inerente função preventiva, de exemplo à sociedade, para que fatos como este não se repitam, da maneira que melhor arbitrar este douto juízo.


II. DO DIREITO

6.Assiste direito ao autor, tanto preliminarmente como na análise do mérito, devendo ser indenizado pela empresa ré nos termos do requerido nesta inicial, conforme a seguir se demonstrará.

II.1. PRELIMINARMENTE

7.Como pressupostos para a análise do mérito, deseja o autor demonstrar o cumprimento dos requisitos preliminares para que se possa dar integral provimento à presente demanda condenatória, o que faz nos seguintes termos.

II.1.a. Da excepcional capacidade postulatória do autor

8.O autor tem capacidade postulatória excepcional, garantida pela previsão do artigo 9º da Lei dos Juizados Especiais, estando autorizado a comparecer sem a representação técnica:

"Lei nº 9.099/1995 – Art. 9º

Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado" – (seleção e grifos do autor).

9.O professor Cândido Rangel Dinamarco assevera, neste sentido, a posição tomada pelo Supremo Tribunal Federal no debate:

"Fundado no preceito constitucional da indispensabilidade do advogado (Const., art. 133), o Estatuto da Advocacia solenemente incluiu entre as atividades privativas da advocacia ‘a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais’ (art. 1º, inc. I). O Supremo Tribunal Federal, contudo, levando em consideração que a indispensabilidade do advogado não pode atuar em detrimento do acesso à justiça (art. 5º, inc. XXXV), suspendeu a eficácia daquele dispositivo, na parte que atingiria os juizados especiais" – (seleção e grifos do autor).

10.Assim, tendo em vista as garantias constitucionais da ampla defesa e do acesso à Justiça, bem como a disposição expressa da Lei, conforme artigo supra transcrito, bem como o entendimento da boa doutrina e da Corte Suprema, tem o autor capacidade postulatória na presente demanda, sem prejuízo de seus demais direitos.

II.1.b. Da competência deste juizado especial (matéria, valor, pessoa e território)

11.Ainda antes de adentrar no mérito, cabe ao autor demonstrar, sucintamente, a competência deste douto Juizado Especial mediante os critérios objetivos a seguir expressos.

12.Trata-se a presente ação de causa de menor complexidade, cuja matéria, a indenização de danos morais e materiais decorrente de relação de consumo, vem sendo reiteradamente julgada em outros juizados especiais de natureza cível, devido à própria coincidência de princípios dos dois diplomas.

13.Tal concorrência de princípios é expressa pelo Código de Defesa do Consumidor, in verbis:

"Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) – Art. 5°. Para a execução da Política Nacional das Relações de Consumo, contará o poder público com os seguintes instrumentos, entre outros:

(...)

IV - criação de Juizados Especiais de Pequenas Causas e Varas Especializadas para a solução de litígios de consumo" – (seleção e grifos do autor).

14.A matéria de que trata a presente ação, conforme as jurisprudências que se arrolarão no decorrer da argumentação do autor, é típico caso a ser apreciado em sede de juizados especiais, em conformidade com as considerações do Professor João Batista de Almeida:

"Verifica-se, pela simples leitura dos três primeiros artigos da Lei nº 9.099/95, que o Juizado Especial Cível – tal qual o JEPC – é a grande solução para o consumidor no que se refere ao acesso à Justiça, constituindo-se num dos mais valiosos instrumentos colocados à sua disposição (CDC, art. 5º, IV). Parece ter sido concebido sob medida para a tutela do consumidor" – (seleção do autor).

15.Uma vez comprovada a competência material deste respeitável juízo, denota-se da simples leitura do pedido expendido nesta exordial a competência por valor, em estrita legalidade se confrontada com o inciso I do artigo 3º da Lei nº 9.099/1995.

16.Da mesma maneira, o critério pessoal é sumamente preenchido, tratando-se o autor de pessoa física, livre, capaz para litigar, nos termos cumulativos da Lei dos Juizados Especiais, em seu artigo 8º, § 2º e do Código Civil, em seu artigo 5º.

17.Resta, assim, a delimitação da competência territorial: é notório ser da escolha do autor a instituição de dois foros comuns concorrentes, (a) o do domicílio do réu, ou (b) o do local no qual o réu exerce as suas atividades. Ocorre, no entanto, que, no presente caso, conforme lições do Professor Cândido Rangel Dinamarco, faz-se uso de um dos dois foros especiais: não (c) o do local no qual a obrigação deve ser satisfeita, mas (d) o do domicílio do próprio autor, com um duplo fundamento.

18.Em primeiro lugar, com base na própria natureza da presente ação, de reparação de danos, satisfazendo o requisito do inciso III do artigo 4º da Lei nº 9.099/1995:

"Lei nº 9.099/1995 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais) – Art. 4º. É competente, para as causas previstas nesta Lei, o Juizado do foro:

I - do domicílio do réu ou, a critério do autor, do local onde aquele exerça atividades profissionais ou econômicas ou mantenha estabelecimento, filial, agência, sucursal ou escritório;

II - do lugar onde a obrigação deva ser satisfeita;

III - do domicílio do autor ou do local do ato ou fato, nas ações para reparação de dano de qualquer natureza" – (seleção e grifos do autor).

19.E, como segundo fundamento, específico, por se tratar de ação de responsabilidade civil decorrente de relação de consumo, conforme se comprovará no ítem "II.2.c.", infra, da presente peça, o inciso I do artigo 101 do Código de Defesa do Consumidor:

"Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) – Art. 101. Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, sem prejuízo do disposto nos Capítulos I e II deste título, serão observadas as seguintes normas:

I - a ação pode ser proposta no domicílio do autor" – (seleção e grifos do autor).

20.Conforme se depreende da leitura do contrato de adesão (documento nº 06), força clausular obriga a eleição do respeitável Fórum João Mendes Jr., foro central da capital, para solução de litígios, conforme transcrição infra:

"Cláusula ____ª. Fica eleito o Foro Central de São Paulo, para serem dirimidas quaisquer controvérsias oriundas do presente contrato"

21. Tal determinação deverá restar afastada de plano por este ínclito juízo, e considerada nula de pleno direito, pois flagrantemente abusiva, infringindo deliberadamente o citado artigo 101 da lei consumeirista, em seu inciso I, os direitos básicos do autor, a boa doutrina e a construção pretoriana. Neste sentido, a Secretaria Nacional de Direito Econômico editou a Portaria nº 04/1998:

"Portaria nº 04 de 13 de março de 1998. (...)

Considerando que o elenco de Cláusulas Abusivas relativas ao fornecimento de produtos e serviços, constantes no art. 51 da Lei nº 8.078/90, é de tipo aberto, exemplificativo, permitindo, desta forma a sua complementação, e

Considerando, ainda, que decisões terminativas dos diversos Procons e Ministérios Públicos, pacificam como abusivas as cláusulas a seguir enumeradas, resolve:

Divulgar (...) as seguintes cláusulas que, dentre outras, são nulas de pleno direito:

(...) 8. elejam foro para dirimir conflitos decorrentes de relações de consumo diverso daquele onde reside o consumidor" – (seleção e grifos do autor).

22.Ainda sobre o foro de eleição, cabe a transcrição de ilustre decisório proferido pela Colenda Segunda Turma do Egrégio Primeiro Tribunal de Alçada Civil da Comarca de São Paulo, extinto, in verbis:

"Egrégio Primeiro Tribunal de Alçada Civil da Comarca de São Paulo

Ementa: COMPETÊNCIA – FORO DE ELEIÇÃO – CONSÓRCIO – CONTRATO DE ADESÃO – Prevalecimento do Código de Defesa do Consumidor para que o devedor tenha acesso aos órgãos judiciários e facilitação de sua defesa – Artigo 6º, incisos VII e VIII da Lei nº 8.078/90 – Hipótese que não se trata de declinação de ofício de incompetência relativa, mas sim de reconhecimento de normas de ordem pública a exigir a remessa dos autos à comarca do domicílio do consumidor.

Acórdão: (...) A questão objeto do presente recurso vem, de forma inquietante, renovando-se de forma crescente (...) as regras ditadas pelo artigo 6º, incisos IV, VII e VIII, artigo 51, § 1º, inciso III, artigo 54, § 4º e artigo 101, I, têm, necessariamente, aplicação.

Com efeito, trata-se de contrato de adesão para aquisição de bem (...).

(...) Assim, se o contrato primitivo (adesão) está sujeito às normas do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, se a lei estabelece como direito básico do consumidor, o acesso aos órgãos judiciários e a facilitação de sua defesa (artigo 6º, VII e VIII da Lei nº 8.078 de 1990), além de conceder-lhe privilégio de foro (artigos 93, I e 101, I), privilégios decorrentes de normas de ordem pública, não se justifica a insistência da agravante em mover a ação em Foro que entende seja melhor para sua comodidade e interesse (...).

(...) Não é, portanto, como pareceu à agravante, declinação de ofício de competência relativa. Foi, isto sim, reconhecimento de normas de ordem pública a exigir a remessa como determinada. Somente ao consumidor é dada a faculdade. Nunca ao fornecedor ou prestador de serviços" – (seleção e grifos do autor).

23. Assim, quanto aos critérios de competência, esta inicial preenche todos os requisitos legais, não podendo ser reconhecida, por nenhum dos ângulos que se observem, a incompetência, absoluta ou relativa, deste douto juízo, devendo esta ação ser apreciada no mérito e, nele, integralmente provida.

II.1.c. Legitimidade da empresa ré para figurar no pólo passivo da presente ação

24.Como restou esclarecido, o autor foi lesado em seus direitos não apenas pela empresa ré, como também pelos seus funcionários, de forma direta e imediata: pelo seu vendedor, o senhor _______________; e sua gerente, a senhora _______________.

25.No entanto, com base na aplicação da teoria do risco do negócio, preferiu ingressar com a ação somente em face da empresa-ré, amparado também na lei, na doutrina, na ordem consuetudinária e na mais firme construção pretoriana:

"Súmula nº 341 do Supremo Tribunal Federal – É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto"

26.O Professor Sílvio de Salvo Venosa é esclarecedor a este respeito, conforme se percebe da sua análise do posicionamento, mais do que consolidado, dos tribunais pátrios, expressos, como demonstrado, com força sumular pela Corte Suprema:

"Essa conclusão sumular, já antiga, decorre da margem de dúvida que colocava o antigo Código [Civil] com relação à natureza desta responsabilidade. Hoje, é mais apropriado referirmo-nos à responsabilidade da empresa da qual o empregado é um dos seus elementos ou órgãos (...) Nos modernos julgados, geralmente nem mais se discute a natureza deste vínculo entre o causador e o patrão ou comitente. A sociedade aceita este vínculo sem rebuços, tanto que hoje se encara esta responsabilidade como objetiva, o que foi consagrado pelo art. 933 do Novo Código (...) Advirtamos, porém, que o Código de Defesa do Consumidor instituiu a responsabilidade objetiva do fornecedor de produtos ou serviços. Dessa forma, no largo espectro atingido pelas relações de consumo, qualquer discussão de culpa é despicienda. Derrogou-se, nesse âmbito, o dispositivo do Código Civil. O fornecedor e fabricante respondem pelos danos de seus empregados e prepostos causados ao consumidor, independentemente de culpa" – (seleção, grifos e colchetes do autor).

27.Ademais, conforme explica o Professor João Batista de Almeida, independentemente da responsabilidade solidária dos demais participantes da cadeia produtiva/fornecedora, cabe ao autor ingressar com ação exclusivamente em face de um ou de todos eles, caso da presente ação, em cujo pólo passivo figura exclusivamente a empresa ré.

II.2. DO MÉRITO

28.No mérito também assiste razão ao autor em suas alegações, cabendo, à empresa ré, a obrigação, tanto subjetiva como objetiva, de reparar o dano causado, conforme a seguir se demonstrará.

II.2.a. Da ofensa frontal ao artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988

29.Como descrito, autor foi desrespeitado e submetido a graves constrangimentos, em múltiplas oportunidades, de forma atentatória ao princípio da dignidade, conforme disposição do legislador constituinte:

"Constituição Federal de 1988 – Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...) II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana" – (seleção e grifos do autor).

30.A ofensa pode ser identificada em diversos pontos da narrativa expendida, a começar pelo descaso e tratamento esquivo da empresa ré logo após obter a assinatura do contrato de venda e compra, furtando-se a informações, ou as dando de maneira obscura e controversa, sempre verbalmente, explicitamente para evitar uma vinculação que já existia.

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31.Outro ponto a ser salientado é a criação de falsas expectativas ao autor, prometendo-lhe a entrega do produto diversas vezes, frustrando-o sempre e repetidas vezes nos prazos acertados, principalmente quanto à condição verbalmente firmada, esclarecida desde o início das negociações – e também desrespeitada – de que desejava obter o carro para comemoração do dia dos pais em família.

32.O deslocamento do autor do seu local trabalho até a empresa ré, no meio do dia, repetidas vezes, atrapalhou consideravelmente a sua rotina profissional, dado o notório trânsito caótico dos dias úteis na cidade de São Paulo.

33.Tal afronta merece ser reparada de forma exemplar, pois atentou à dignidade humana em níveis que o autor não esperava encontrar.

II.2.b. Da responsabilidade civil subjetiva da empresa ré decorrente do cometimento de ato ilícito civil, da prática do crime de injúria, e do descumprimento sucessivo de obrigações acessórias e de meio

34.Mesmo diante da posição jurídica mais conservadora, defensora da aplicação subjetiva da responsabilidade, será obrigada a empresa ré a indenizar o autor, raciocínio decorrente da leitura do caput do artigo 927 do diploma civil:

"Lei nº 10.406/2002 (Código Civil) – Art. 927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo".

35. A empresa ré é responsável na medida em que assumiu as conseqüências de seus atos e omissões, já descritos, contratuais ou extracontratuais, indiferentemente. O próprio código fornece a definição de ato ilícito:

"Lei nº 10.406/2002 (Código Civil) – Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes".

36.O mero dever genérico de não-prejudicar não foi respeitado pela empresa ré que, como observado, foi omissa, negligente e excedeu em muito os limites impostos tanto pelo seu fim econômico-social como pelos bons costumes.

37.Sua culpa vai além, afrontando a dignidade do autor, incorrendo, assim, em crime de injúria, que, conforme disposição do Código Penal, é a ofensa à dignidade ou ao decoro.

38.Na esfera civil, os efeitos da injúria, dentre os quais o dano moral, conforme interpretação conjunta com o artigo 927, caput do Código Civil, devem ser considerados pela perspectiva do artigo 953:

"Lei nº 10.406/2002 (Código Civil) – Art. 953. A indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido.

Parágrafo único: Se o ofendido não puder provar prejuízo material, caberá ao juiz fixar, eqüitativamente, o valor da indenização, na conformidade das circunstâncias do caso".

39.O professor Sílvio de Salvo Venosa escreve com peculiar brilhantismo sobre o tema em questão:

"A injúria, de acordo com o art. 140 do Código Penal, é a ofensa à dignidade ou decoro. Nesta última, o agente ofende a honra subjetiva do ofendido, atingindo seus tributos morais, sua dignidade (...). Na injúria, ao contrário das demais condutas mencionadas, não existe a menção de fatos precisos ou determinados (...) No campo da responsabilidade civil, existe maior elasticidade do que na esfera criminal na apuração da conduta punível (...). Não há necessidade, porém, da sentença criminal para que se pleiteie a indenização por essas ofensas (...). Não nos parece duvidoso, destarte, que podem ser requeridas a indenização cumulativa por dano moral e dano material derivada dessas ofensas à honra. Se houver unicamente dano moral, nos termos da lei, o valor indenizatório será fixado eqüitativamente (...) não haveria o menor sentido em restringir o alcance da indenização para essas condutas contra a honra e permitir ampla indenização para as outras ofensas, como contra a privacidade, a imagem, o nome, a honra dos mortos etc" – (seleção e grifos do autor).

40.Esclarece o autor, ainda, que a questão discutida nesta ação não se encerra no cumprimento do objeto do contrato principal, isto é, a compra e venda do automóvel novo mediante dação em pagamento de veículo antigo, mas sim, e principalmente, no seriado de obrigações-meio e obrigações acessórias dele decorrentes, cujo conjunto pode ser considerado como o todo da relação consumeirista.

"Na primeira modalidade, obrigações de resultado, o que importa é a aferição se o resultado colimado foi alcançado. Só assim a obrigação será tida como cumprida. No segundo caso, obrigações de meio, deve ser aferido se o devedor empregou boa diligência no cumprimento da obrigação.

A idéia fundamental reside na noção de saber e de examinar o que o devedor prometeu e o que o credor pode razoavelmente esperar" – (seleção e grifos do autor).

41.Investida da obrigação de meio, a empresa ré contratou obrigações acessórias com o autor ao fixar, ainda que verbalmente, prazos fixos, descumprindo-as sucessivamente, conforme demonstrado.

"Há obrigações que nascem e existem por si mesmas, independentes. Há outras que surgem unicamente para se agregar a outras, isto é, são obrigações acessórias. Sua existência está na razão de ser da obrigação principal e em torno dela gravitam.

O caráter de acessório e principal pode emanar da vontade das partes ou da lei (...) Quando fixada convencionalmente pelas partes, os sujeitos ajustam uma obrigação a par da obrigação principal" – (seleção e grifos do autor).

42.Desnecessário dizer que seu descumprimento deve gerar indenização à parte prejudicada em sua universalidade de direito.

43.Nestes termos, o autor deve ter seu pedido integralmente provido, pois demonstrou cabalmente a responsabilidade civil da empresa ré, decorrente da prática de ilícitos civis, crime de injúria, e descumprimentos de obrigações, tanto acessórias como de meio.

II.2.c. Da caracterização da relação consumeirista entre o autor e a empresa ré

44.O Código de Defesa do Defesa do Consumidor estabelece, como consumidor, "toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final".

45.O autor é pessoa física que adquiriu produto como consumidor final, para seu uso particular e auxílio nas tarefas do dia-a-dia, desde para o uso doméstico como para a vistoria de painéis, função inerente ao desempenho de seu trabalho como free-lance.

46.É consumidor, na acepção da melhor doutrina e da jurisprudência, todo aquele que se encontra como parte vulnerável de um lado, tendo, por outro, o fornecedor, seja de produtos (contrato de compra e venda de automóvel novo), ou serviços (obrigações acessórias em relação ao contrato principal e obrigações de meio, conforme demonstrado). Pacífica a jurisprudência a respeito do debate:

"Superior Tribunal de Justiça

Recurso Especial n º 476.428 - SC (2002⁄0145624-5)

Relatora: Ministra Nancy Andrighi

Ementa: Direito do Consumidor. Recurso especial. Conceito de consumidor. Critério subjetivo ou finalista. Mitigação. Pessoa Jurídica. Excepcionalidade. Vulnerabilidade. Constatação na hipótese dos autos. Prática abusiva. Oferta inadequada. Característica, quantidade e composição do produto. Equiparação (art. 29). Decadência. Inexistência. Relação jurídica sob a premissa de tratos sucessivos. Renovação do compromisso. Vício oculto.

- A relação jurídica qualificada por ser "de consumo" não se caracteriza pela presença de pessoa física ou jurídica em seus pólos, mas pela presença de uma parte vulnerável de um lado (consumidor), e de um fornecedor, de outro.

- Mesmo nas relações entre pessoas jurídicas, se da análise da hipótese concreta decorrer inegável vulnerabilidade entre a pessoa-jurídica consumidora e a fornecedora, deve-se aplicar o CDC na busca do equilíbrio entre as partes. Ao consagrar o critério finalista para interpretação do conceito de consumidor, a jurisprudência deste STJ também reconhece a necessidade de, em situações específicas, abrandar o rigor do critério subjetivo do conceito de consumidor, para admitir a aplicabilidade do CDC nas relações entre fornecedores e consumidores-empresários em que fique evidenciada a relação de consumo.

- São equiparáveis a consumidor todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas comerciais abusivas.

- Não se conhece de matéria levantada em sede de embargos de declaração, fora dos limites da lide (inovação recursal).

Recurso especial não conhecido" – (seleção e grifos do autor).

47.A situação em debate é ainda mais simples do que aquela tratada pelo venerando acórdão proferido, por votação unânime, pela excelsa Turma, pois se trata o autor de pessoa física claramente hipossuficiente, conforme argumentação que se desenvolverá, sucintamente, a seguir.

(i) Inversão do onus probandi: aplicação do artigo 6º da Lei nº 8.078/1990 em detrimento do inciso I do artigo 333 do Código de Processo Civil

48.O autor, apesar de acostar aos autos provas que acredite serem suficientes para a demonstração da verdade dos fatos ora narrados, para a condução deste exímio juízo à formação de seu livre convencimento, protesta pela inversão do ônus da prova, pois considera ser a medida da boa administração da Justiça e do exercício de seus direitos, conforme disposição do Código de Defesa do Consumidor:

"Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) – Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências" – (seleção e grifos do autor).

49.No presente caso, conforme os documentos carreados, tanto é verossímil a alegação do autor, bem como resta demonstrada a sua hipossuficiência, não cabendo, assim, a aplicação do inciso I do artigo 333 do código instrumental, por prestígio ao princípio da especialidade das leis.

50.A inversão do ônus de provar tem, como objeto, equilibrar a relação de consumo mediante tutela do Estado ao consumidor, reconhecendo-lhe a condição de parte prejudicada e hipossuficiente, conforme expõe o Professor João Batista de Almeida:

"Dentro do contexto de assegurar efetiva proteção ao consumidor, o legislador outorgou a inversão, em seu favor, do ônus da prova. Cuida-se de benefício previsto no rol dos direitos básicos (art. 6º, VII), constituindo-se numa das espécies do gênero ‘facilitação da defesa de direitos’, que a legislação protetiva objetivou endereçar ao consumidor.

Sabe-se que este, por força de sua situação de hipossuficiência e fragilidade, via de regra enfrentava dificuldade invencível de realizar a prova de suas alegações contra o fornecedor, mormente em se considerando ser este o controlador dos meios de produção, com acesso e disposição sobre os elementos de provas que interessam à demanda. Assim, a regra do art. 333, I, do estatuto processual civil representava implacável obstáculo às pretensões judiciais dos consumidores, reduzindo-lhes, de um lado, as chances de vitória, e premiando, por outro lado, com a irresponsabilidade civil, o fornecedor.

Para inverter esse quadro francamente desfavorável ao consumidor, o legislador alterou, para as relações de consumo, a regra processual do ônus da prova, atento à circunstância de que o fornecedor está em melhores condições de realizar a prova de fato ligado à sua atividade" – (seleção e grifos do autor).

51.Neste sentido, o entendimento dos tribunais:

"Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Apelação Cível nº 240.757-2

9ª Câmara Civil

Apelante: Fábrica de móveis São Luiz (fornecedor)

Apelado: Roberto Arantes Godoy (consumidor)

Ementa: PROVA – Ônus – Inversão – Cabimento – Ação de obrigação de fazer – Existência de verossimilhança nas alegações do autor – Provas do adimplemento não apresentadas pelo requerido – Inaplicabilidade do artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil, em face da prevalência do artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, por ser norma específica.

Acórdão: Acordam, (...) por votação unânime, negar provimento ao recurso (...) A requerida, em momento algum, apresentou provas de seu adimplemento. Sendo o caso em tela referente à ‘relação de consumo’, a ela caberia o ônus de provar suas alegações. Nesses casos, inaplicável o artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil, em face da prevalência do artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, por ser norma específica" – (seleção e grifos do autor).

52.E, na mesma toada, a compreensão do Superior Tribunal de Justiça:

"Superior Tribunal de Justiça

Recurso Especial n º REsp 637.608/SP

Relator: Carlos Alberto Menezes Direito

Ementa: Inversão do ônus da prova. Código de Defesa do Consumidor. Honorários do perito. Precedentes da Terceira Turma e Súmulas nºs 7 e 297.

1. O Código de Defesa do Consumidor alcança a relação entre o devedor e as instituições financeiras nos termos da Súmula nº 297 da Corte.

2. O deferimento da inversão do ônus da prova com base na hipossuficiência foi feito considerando a realidade dos autos, o que está coberto pela Súmula nº 7 da Corte.

3. Esta Terceira Turma já decidiu que "a regra probatória, quando a demanda versa sobre relação de consumo, é a da inversão do respectivo ônus. Daí não se segue que o réu esteja obrigado a antecipar os honorários do perito; efetivamente não está, mas, se não o fizer, presumir-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor" (REsp nº 466.604/RJ, Relator o Ministro Ari Pargendler, DJ de 2/6/03). No mesmo sentido, o REsp nº 443.208/RJ, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, DJ de 17/3/03, destacou que a "inversão do ônus da prova não tem o efeito de obrigar a parte contrária a arcar com as custas da prova requerida pelo consumidor. No entanto, sofre as conseqüências processuais advindas de sua não produção". Igualmente, assim se decidiu no REsp nº 579.944/RJ, de minha relatoria, DJ de 17/12/04, no REsp nº 435.155/MG, de minha relatoria, DJ de 10/3/03 e no REsp nº 402.399/RJ, Relator o Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, DJ de 18/4/05.

2. Recurso especial conhecido e provido, em parte" – (seleção e grifos do autor).

53.Desta maneira, por serem verossímeis as alegações do autor, conforme as provas conduzidas aos autos, e pela sua condição de hipossuficiência em relação à empresa ré, é a presente para que se inverta o ônus da prova, em benefício do autor.

(ii) Da aplicação da teoria da responsabilidade objetiva e da teoria do risco

54.Uma vez caracterizada a relação fornecedor-consumidor entre a empresa ré e o autor, cabe a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva, na qual não se discute a existência ou não da culpa do agente, pois nem sempre poderá o consumidor demonstrá-la com efetividade e êxito.

55.A responsabilização objetiva independe de culpa, assumindo o fornecedor, mediante presunção iure et de irure, o ônus de reparar os danos, morais ou materiais, e o próprio risco inerente ao negócio que desenvolve.

"Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) – Art. 12..O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

(...) Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos" – (seleção e grifos do autor).

56.E, na compreensão do Professor Silvio de Salvo Venosa:

"Na responsabilidade objetiva, como regra geral, leva-se em conta o dano, em detrimento do dolo ou da culpa. Desse modo, para o dever de indenizar, bastam o dano e o nexo causal, prescindindo-se da prova da culpa. (...) é crescente, como examinamos, o número de fenômenos que são regulados sob a responsabilidade objetiva" – (seleção e grifos do autor).

57.O nexo etiológico é facilmente demonstrável, na medida em que foram as ações ou omissões da empresa ré que custaram, ao autor, dias seguidos de estresse, preocupações, constrangimentos e ofensas aos seus direitos e garantias fundamentais, tanto de consumidor como de cidadão, conforme se depreende da leitura dos fatos, não havendo sequer um elemento externo que justifique estas perturbações em sua rotina regrada, planejada e equilibrada.

58.Portanto, é a presente para que se aplique a obrigação objetiva de reparação do dano, decorrente, por força de lei federal, da assunção do risco por parte da empresa ré da atividade que explora.

(iii) Das múltiplas infrações ao Código de Defesa do Consumidor cometidas pela empresa ré ensejadoras de reparação de dano

59.Houve má prestação de serviço inerente à venda de produto e um longo seriado de abusos e infrações ao Código de Defesa do Consumidor, gerando, à empresa ré, obrigação de reparar os danos, morais e materiais, causados ao autor, com base em seus já referidos artigos 12 e 14, caput, e em conformidade com seus direitos básicos:

"Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) – Art. 6º..São direitos básicos do consumidor:

VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos" – (seleção do autor).

60.Isto porque, em primeiro lugar, o autor teve desrespeitados os seus direitos à informação e a ser ouvido: ao se comportar a empresa ré de modo esquivo e obscuro; ao não retornar as suas ligações contínuas e, retornando-as, não prestando as informações solicitadas de forma satisfatória; ao estabelecer e prometer repetidas vezes prazos de entrega do produto, frustrando o autor sucessivamente; ao passar ao largo das sugestões do autor para uma solução tranqüila e pacífica do conflito e, finalmente, ao simplesmente ignorá-lo nos dias que se seguiram à entrega do veículo antigo.

"Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) – Art. 6º..São direitos básicos do consumidor:

(...) III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços" – (seleção do autor).

61.Doutrinalmente incontroverso ser a informação um direito inerente ao consumidor:

"São direitos fundamentais e universais do consumidor, reconhecidos pela ONU, por meio da Resolução n. 32/248, de 10 de abril de 1985, e também pela IOCU:

(...) c) direito à informação – o consumidor deve conhecer os dados indispensáveis sobre produtos ou serviços para atuar no mercado de consumo e decidir com consciência;

d) direito a ser ouvido – o consumidor deve ser participante da política de defesa respectiva, sendo ouvido e tendo assento nos organismos de planejamento e execução das políticas econômicas e nos órgãos colegiados de defesa;

e) direito à indenização – é indispensável buscar a reparação financeira por danos causados por produtos ou serviços.

(...) Conquanto seja um direito básico do consumidor, e uma decorrência do princípio da transparência, a informação ao consumidor assume posição relevante para instrumentalizar sua defesa. É obrigação do fornecedor informar ao consumidor todos os dados acerca dos produtos e serviços.

(...) Quanto aos serviços, o fornecedor está obrigado à reparação de danos causados aos consumidores, por defeitos relativos à respectiva prestação, sob qualquer modalidade (...) bem como por insuficiência ou inadequação de informação" – (seleção e grifos do autor).

62.A recusa na prestação de informações, a falta de transparência da empresa ré e, particularmente, a indução do autor a erro ao prestar-lhe dados inadequados, controversos e confusos, sem a sua correta especificação, bem como a elaboração de promessas posteriormente não cumpridas, enquanto o Código de Defesa do Consumidor estabelece a necessidade de informações claras e precisas, constitui publicidade enganosa e abusiva. Neste sentido, a melhor jurisprudência:

"Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Décima-sexta Câmara Civil

Apelação cível nº 249.967-2

Ementa: CONTRATO – Prestação de serviços – Anulação cumulada com declaratória de inexigibilidade de débitos e ressarcimento de danos – Ajuizamento por consumidor – Autor induzido a erro, por meio de promessa verbal, posteriormente não cumprida – Verossimilhança na alegação – Artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor (...).

Acórdão: (...)por maioria de votos, dar provimento ao recurso (...)

Voto: (...) É sintomático que do contrato impresso pela apelada conste a cláusula n. 11 que diz que a empresa ‘não se responsabilizará por promessas verbais, eventualmente feitas por seus agentes, obrigando-se, tão-somente pelo efetivamente impresso no presente contrato que, uma vez assinado, não poderá ser cancelado em hipótese alguma’ (fls. 15 v.). Este dispositivo contratual deixa no espírito do Julgador a certeza de que a apelada não se preocupa em eleger bem os seus representantes, os quais, por isso, podem prometer verbalmente vantagens para os incautos compradores, promessas estas que jamais serão cumpridas pela apelada, pois tem ela o cuidado de imprimir a aludida cláusula que a exime de qualquer responsabilidade. Tem-se até a impressão de que a política de vendas da apelada é a de dar liberdade verbal de promessas a seus vendedores, resguardada sua expressa irresponsabilidade contratual por promessas orais.

Todos estes elementos probatórios não podem ser olvidados pelo Julgador que tem que ser um homem de seu tempo e julgar de acordo com a sua experiência de homem comum, usando as denominadas máximas da experiência (...)" – (seleção e grifos do autor).

64.Isto porque é defeso à empresa ré fazer afirmação falsa ou enganosa, fornecer ou veicular informações do sumo interesse do autor sem, no entanto, cumpri-las, bem como juntar dados mínimos para embasamento da informação fornecida, pois é notório que a promessa vincula o promitente à sua efetiva consubstanciação: independentemente se o prazo foi estipulado em contrato escrito, ou verbalmente.

"A regra básica nesse tema [regime de responsabilização] é que aquele que oferta está obrigado a cumprir a obrigação nos termos propostos. É o chamado princípio da vinculação, acolhido plenamente pelo CDC (art. 30). Da oferta duas conseqüências derivam para o fornecedor: (a) passa a integrar o contrato e (b) obriga ao cumprimento da obrigação subjacente, porquanto a aceitação do consumidor aperfeiçoou o vínculo obrigacional e a relação de consumo (art. 30). Sem esquecer que o fornecedor é solidariamente responsável pelos atos de seus empregados, prepostos, agentes ou representantes" – (seleção, grifos e colchetes do autor).

65.O que se observou foi a prática reiterada de abuso de prazos e uma sucessão injustificada de descumprimento de promessas, conduzindo o autor ao erro e ao dano, tanto moral como material, prescindindo a empresa ré da boa-fé, que deve necessariamente lastrear as relações de consumo.

"Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) – Art. 4º..A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo" – (seleção do autor).

66.A conduta da empresa ré configurou abuso na relação de consumo:

"O CDC elenca, no art. 39, (...) algumas práticas abusivas (...) são as seguintes: (...) XII. Abusos quanto aos prazos: ao contratar o fornecimento de produto ou serviço as partes devem convencionar prazos de entrega e o termo inicial da execução dos serviços, o que proporciona maior segurança para os contratantes e a possibilidade de sua execução forçada em caso de descumprimento. Por isso, a lei sanciona a conduta do fornecedor de ‘deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério’" – (seleção e grifos do autor).

67.Não houve preocupação quanto ao respeito à dignidade ou à saúde do autor, bem como à sua segurança ou qualidade de vida. Como visto, seus interesses econômicos foram lesados e a sua qualidade de vida diminuída. Não houve transparência ou harmonia na relação, apesar dos esforços do autor.

68.Neste sentido mesmo sentido, o aproveitamento da empresa ré sobre a hipossuficiência do autor merece reprovação por parte do Poder Judiciário.

"Prevalecimento abusivo: não poderá o fornecedor ‘prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade’ (...) Busca a lei impedir que o fornecedor inescrupuloso tire proveito do consumidor idoso (...), com isso objetivando preservar os direitos à higidez física e patrimonial e de livre escolha" – (seleção e grifos do autor).

69.Conforme anotação da boa doutrina sobre o tema, é garantido ao consumidor ser indenizado quando afrontada a sua dignidade, quando exposto ao constrangimento, quando submetido a estresse indevido, quando sobre ele se praticam condutas reprováveis pela sociedade, como foi o crime de injúria, expondo-o ao risco e à própria sorte, denotando total ausência de cidadania e de respeito.

70.Da mesma forma, serão devidos ao autor os danos emergentes decorrentes da conduta questionável da empresa ré: os táxis utilizados remontam ao valor de R$ ____,00 (_______________) que, conforme explanado, não poderão ser provados mediante recibos devido ao enorme estresse a que o autor foi submetido quando do socorro à sua esposa.

71.Finalmente, informa o autor a impossibilidade de trazer a este douto juízo a quantia líquida exata de seu lucro cessante na composição dos danos ressarcíveis, oriundo dos dias _______________, nos quais não pôde realizar a verificação de luminosos, pois a percepção de seus lucros é variável, mas esclarece que tal prejuízo lhe custou constrangimentos nunca antes experimentados na empresa para a qual presta serviços.

72.Assim, a má prestação do serviço inerente à compra do automóvel novo foi fonte de danos ao autor e ao diploma consumeirista, de forma que devem ser integralmente reparados mediante sentença condenatória de reparação, nos exatos termos do pedido formulado.

II.2.d. Da quantificação da indenização (determinação do quantum debeatur)

73.A quantificação da indenização deve atender a um binômio: (i) capacidade/possibilidade daquele que indeniza, que não poderá ser conduzido à ruína com o valor condenado, e (ii) suficiência àquele que é indenizado, que deve considerar satisfatório o valor recebido, como forma de compensação pelos danos sofridos, mas que não poderá enriquecer ilicitamente ou explorar o Poder Judiciário como fonte de proventos.

74.Conforme excerto da obra do eminente jurista Humberto Theodoro Júnior: "não pode [a reparação do dano moral] servir de pretexto para enriquecimento da vítima, nem de ruína para seu ofensor". Ao se baixar à espécie, verifica-se que o valor pedido nem de longe causaria ruína à empresa-ré, concessionária de veículos com incontáveis filiais, somente no Estado de São Paulo (documento nº ___).

75.Em igual teor, não se trata de enriquecimento para o autor, mesmo porque elegeu o rito do Fórum Especial Cível para demandar sua pretensão, optando fazê-lo no teto de ___ salários mínimos, e não pelo procedimento ordinário, onde não se figura a limitação econômica. Ademais, para formular seu pedido, atentou à jurisprudência, harmonizando o valor pleiteado àquele estabelecido na longa e paulatina construção pretoriana pátria.

76.O posicionamento incontroverso do Superior Tribunal de Justiça prevê a possibilidade de se cumularem as indenizações por dano moral e material, devendo incidir a correção monetária desde a data do prejuízo:

"Súmula nº 37. São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.

(...) Súmula nº 43. Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo".

77.Para que efetivamente se cumpra o decisório deste douto juízo, necessário se estabelecer, sobre o valor da condenação, multa diária em caso de inadimplemento da obrigação por parte da empresa ré, além dos juros e da correção monetária, conforme a seguinte disposição legal:

"Lei nº 9.099/1995 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais) – Art. 52. A execução da sentença processar-se-á no próprio Juizado, aplicando-se, no que couber, o disposto no Código de Processo Civil, com as seguintes alterações:

I - as sentenças serão necessariamente líquidas, contendo a conversão em Bônus do Tesouro Nacional - BTN ou índice equivalente;

(...) IV - não cumprida voluntariamente a sentença transitada em julgado, e tendo havido solicitação do interessado, que poderá ser verbal, proceder-se-á desde logo à execução, dispensada nova citação;

V - nos casos de obrigação de entregar, de fazer, ou de não fazer, o Juiz, na sentença ou na fase de execução, cominará multa diária, arbitrada de acordo com as condições econômicas do devedor, para a hipótese de inadimplemento. Não cumprida a obrigação, o credor poderá requerer a elevação da multa ou a transformação da condenação em perdas e danos, que o Juiz de imediato arbitrará, seguindo-se a execução por quantia certa, incluída a multa vencida de obrigação de dar, quando evidenciada a malícia do devedor na execução do julgado" – (seleção e grifos do autor).

78.Neste mesmo sentido, conforme orientação do Professor Cândido Rangel Dinamarco, poderá o juiz, sobretudo em sede de Juizado Especial Cível, encontrando nos fatos narrados pelo autor fundamentos outros que possam conduzir ao seu livre convencimento, subsumi-los à norma e utilizá-los como fundamentos para a sua sentença.

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Sobre o autor
Leonardo O. de Araújo Branco

Advogado e consultor tributário em São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRANCO, Leonardo O. Araújo. Indenização em relação de consumo. Juizado Especial.: Petição inicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1733, 30 mar. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16842. Acesso em: 28 nov. 2024.

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