Defesa preliminar em furto de celular

19/08/2014 às 15:24
Leia nesta página:

Defesa preliminar em furto qualificado, indicando teses doutrinárias de inocência, requerendo o não recebimento da denúncia.

EXCELENTISSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA Xª VARA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA CAPITAL – ESTADO DE SÃO PAULO

 

O Juiz é o intermediário entre a norma e a  vida

         CALAMANDREI
 

Processo n° 0XXXXXXXXXX

FULANO DA SILVA, já qualificado nos autos, vem com o devido acatamento e respeito, na presença de Vossa Excelência, por intermédio de sua Advogada signatária, que esta subscreve, em

DEFESA PRÉVIA

para dizer que, “data venia” não concorda com os termos da denúncia ofertada,  porém, ao tempo que requer seja julgada improcedente a denúncia absolvendo sumariamente o réu pelas razões assacadas.

DOS FATOS E DO DIREITO.

Embora não seja esta a perfeita oportunidade processual para atacar os fatos em sua totalidade, bem como dizer dos fatos antecessores da conduta em tese criminosa, esta defesa, pede a vênia de Vossa Excelência, para brevemente, tecer alguns fatos de extrema relevância a alcance da verdade real.

Imperioso destacar que na data dos fatos criminosos que lhe são imputados o Réu ANDERSON DOS SANTOS OLIVEIRA ESTAVA A CAMINHO DE UMA INTERNAÇÃO MÉDICA PARA TRATAMENTO DE UM LINFOMA QUE O ACOMETE HÁ MAIS DE 01 (UM) ANO. – guia médica de internação acompanha esta defesa datada de 21 de janeiro de 2014.

Muito embora resida na zona leste e tenha emergido das camadas sociais mais humildes, JAMAIS enveredou-se pelo caminho do crime.

É ainda responsável por projeto social que tem hoje 60 (sessenta) menores de idade que jogam futebol de salão , e inclusive, este projeto já foi aceito pelo TROFÉU CRAQUE NETO 2014 (e mail da participação acompanha esta defesa e fotos)

Por conta da agressividade do câncer, bem como o tratamento que inclui um CATETER junto a artéria do coração para recebimento de quimioterapia, o Réu ANDERSON DOS SANTOS OLIVEIRA perdeu cerca de vinte quilos nos últimos dois meses e sua aparência atual nos remete as regiões de extrema fome do Continente Africano.

Diga-se, ainda, que naquela data o Réu trazia consigo um celular modelo SAMSUNG TREND LIGHT  e um NOTEBOOK – (cada um avaliado em cerca de R$1.000,00) . Os dois bens tiveram sua propriedade comprovada, e após a soltura,  já foram restituídos ao Réu pela Autoridade Policial.

Assim, em início já salta aos olhos que não teria o réu ANDERSON DOS SANTOS OLIVEIRA qualquer motivo para participar de uma conduta criminosa de furto.

De dizer , ainda, que o Réu tem meios de subsistência.

À época do diagnóstico de sua doença trabalhava como lavador de carros, e desde então recebe AUXÍLIO DOENÇA do Instituto Nacional da Previdência Social, conforme também se comprova por documentos.

Esta defesa não está tentando “canonizar o Réu”, mas apenas quer aclarar a Vossa Excelência que a acusação não passa de uma confusão que culminou com longos 04 (quatro) dias no cárcere, e o pesadelo de responder a um processo criminal.

DA DATA DOS FATOS

No dia dos fatos estava o Réu na linha verde do Metrô, a caminho da Estação Paraíso.

Ao descer do trem havia outro trem parado em sentido contrário, o que normalmente acontece.

Neste trem contrário ao seu saíram o outro Réu a frente e várias pessoas o perseguindo e gritando ‘PEGA LADRÃO” !!!

Em um instinto resolveu o réu ANDERSON DOS SANTOS correr atrás do homem que subia as escadas rolantes no sentido contrário.

O Réu Anderson e os demais populares alcançaram o meliante  dentro de outro trem, já na parte superior daquela estação.

No mesmo vagão havia a Policial Militar ora testemunha desta acusação, que efetuou a prisão em flagrante do primeiro Réu.

Diante daquela agitação Anderson dos Santos Oliveira permaneceu ali, junto dos demais populares.

Surpreendeu-se com a chegada de funcionários do metrô que passaram a acusa-lo de estar junto do primeiro Réu, pessoa que sequer conhecia e que ainda estava em trem diverso do dele.

Passaram ainda a dizer que os dois Réus combinaram de encontrar-se naquela estação, o que parece um absurdo e muito difícil de imaginar.

Disseram ainda, que provariam a participação do Réu ANDERSON DOS SANTOS OLIVEIRA  com as filmagens obtidas na SSO.

As filmagens nunca foram apresentadas.

Nada foi encontrado em poder do Réu Anderson dos Santos Oliveira.

Nem mesmo a vítima soube informar se Anderson dos Santos Oliveira participou da conduta criminosa

Em que pese todos estes fatos Anderson dos Santos Oliveira foi conduzido a Autoridade Policial competente, sendo-lhe dada voz de prisão em flagrante delito como incurso na conduta criminosa contida no artigo 155 do Código Penal.

Permaneceu na carceragem em companhia do outro Réu que NUNCA VIU NA VIDA.

Pesando menos de 40 kg, doente e debilitado, passou a receber ameaças de seu dito “comparsa” para que nada dissesse em Delegacia.

Com  medo de represália, optou por calar-se perante a Autoridade Policial.

Foram 04 (quatro) dias encarcerado e durante este período 05 (cinco) visitas a Enfermaria do local.

O Réu Anderson dos Santos Oliveira foi libertado na sexta-feira daquela mesma semana.

Na segunda-feira compareceu ao fórum para assinar o termo de compromisso.

No mesmo dia internou-se no Hospital Beneficiência Portuguesa.

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Era o que cabia a esta defesa relatar.

DA FALTA DE JUSTA CAUSA PARA ESTA AÇÃO PENAL EM RELAÇÃO AO RÉU ANDERSON DOS SANTOS OLIVEIRA

  Salta aos olhos que não há qualquer motivo para manter-se a acusação em desfavor do Réu ANDERSON DOS SANTOS OLIVEIRA.

Falta justa causa à ação penal onde estão ausentes o mínimo de prova para que a ação penal tenha condições de viabilidade.

Verifica-se “prima facie” a não participação do acusado ANDERSON DOS SANTOS OLIVEIRA na conduta criminosa aqui denunciada pelo Douto Representante Ministerial.

Manifesta-se a doutrina:

 

“A acusação não tem nada de provado se não conseguiu estabelecer a certeza da criminalidade, ao passo que a defesa tem tudo provado se conseguiu abalar aquela certeza, estabelecendo a simples e racional credibilidade, por mínima que seja, da inocência”.

 

As obrigações de quem quer provar a inocência são muito mais restritas que as obrigações de quem quer provar a criminalidade” (F. MALATESTA – A lógica das Provas – Trad. De Alves de Sá – 2ª Edição, págs. 123 e 124).

 

O ministro CELSO DE MELO, um dos mais importantes juristas da atualidade, quando em um dos seus votos em acórdãos da sua lavra definiu que o ônus da prova recai EXCLUSIVAMENTE ao MP:

“É sempre importante reiterar – na linha do magistério jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal consagrou na matéria – que nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete, ao réu, demonstrar a sua inocência. Cabe ao contrário, ao Ministério Público, comprovar, de forma inequívoca, para além de qualquer dúvida razoável, a culpabilidade do acusado. Já não mais prevalecem em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência (Decreto-lei nº. 88, de 20/12/37, art. 20, nº. 5). Precedentes.” (HC 83.947/AM, Rel. Min. Celso de Mello).

De igual modo a doutrina de maneira uníssona ampara o acusado:

“O processo criminal é o que há de mais sério neste mundo. Tudo nele deve ser claro como a luz, certo como a evidência, positivo como qualquer grandeza algébrica. Nada de ampliável, de pressuposto, de anfibológico.

“É melhor absorver um culpado do que condenar um inocente”(ROBERTO LYRA)

“Condenar um possível delinqüente e condenar um possível inocente (NELSON HUNGRIA)

“A condenação exige certeza, não basta sequer a alta probabilidade”.

O julgamento não é um ato de ciência, mas de consciência. O juiz deve pensar e, sobretudo, sentir a causa para assegurar, propiciar, acompanhar o futuro do condenado.

Está se tratando aqui da acusação de furto de uma pessoa portadora de câncer em estágio avançado , que assiste sua vida esvair de suas mãos, nos parece muito pouco provável, para não dizer impossível, que alguém nestas condições cometa crime de qualquer natureza.

Ainda mais o furto de um aparelho celular!!!

Além da formação técnica, e porque o processo não  é fruto de ciência exata e nem mesmo a sentença o produto ou resultado de uma soma, deverá  o juiz julgar, acima de seu conhecimento,  com sua própria consciência.

Pelo exposto, e por todos os fatos aqui narrados é que esta defesa suplica PELO NÃO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA POR FALTA DE JUSTA CAUSA, ou ainda

DO PEDIDO.

Assim, requer que  denúncia não seja sequer recebida por falta de fundamento para o processamento da presente ação penal; ato contínuo, se a peça acusatória já foi recebida requer a improcedência da denúncia e vem dizer  “data venia” QUE NÃO PODERÁ SER CONDENADO POR FATO CRIMINOSO QUE SEQUER PARTICIPOU.

Neste ato protesta pela oitiva das testemunhas da denúncia, bem como as de defesa arroladas abaixo, REQUER AINDA, QUE ESTE JUÍZO ENVIE OFÍCIO AO METRÔ – COMPANHIA DO METROPOLITANO DE SÃO PAULO sito a Rua Augusta nº1626, 14º andar para que encaminhe a este Juízo as filmagens do dia 21 de janeiro de 2014 estação PARAÍSO por volta de 13hrs / 14 hrs, bem como eventuais relatos sobre o fato , em tese criminoso, envolvendo o Réu ANDERSON DOS SANTOS OLIVEIRA.

ROL DE TESTEMUNHAS QUE DEVERÃO SER INTIMADAS:

1)ROBSON     a Rua SSSSS,  São Paulo

2)RITA K. , brasileira, médica Oncopediatra, com endereço profissional na Rua XPTO, São Paulo;

3) JOÃO X.,  brasileiro, solteiro,  autônomo, residente e domiciliado na Rua XPTO, SÃO PAULO

Termos em que

Pede e Aguarda Deferimento.

São Paulo, 15 de março de 2014.

NARA FERNANDES ALBERTO

OAB/SP 274.365

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Sobre a autora
Nara Fernandes Alberto

Advogada cível, trabalhista e criminal. Atuante há dez anos. Escritório próprio no centro de São Bernardo do Campo/SP

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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