Contrarrazões em recurso em sentido estrito que discute excesso de linguagem em pronúncia e falta de elementos suficientes para remeter o réu ao plenário

13/08/2017 às 01:58
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Trata-se de contrarrazões em recurso em sentido estrito que discute excesso de linguagem em decisão de pronúncia e falta de provas para se manter a decisão, visando-se, assim, evitar que o réu seja remetido ao julgamento perante o Conselho de Sentença

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da __ª Vara Criminal da Comarca de Anápolis em Goiás:

Autos do processo nº______



 


            ___________, já qualificado nos autos de nº em epígrafe, que lhe move a Justiça Pública, por seu advogado signatário, inconformado com a r. decisão, que o pronunciou, vem, respeitosamente, dentro do prazo legal, perante Vossa Excelência, apresentar as razões do recurso em sentido estrito devidamente interposto e recebido por Vossa Excelência.

Nesses Termos

Pede Deferimento.

Anápolis, 11 de agosto de 2017

Adriano Gouveia Lima

OAB/Go 20459

RAZÕES DE RECURSO EM SENTIDO ESTRITO:

EGRÉGIO TRIBUNAL

COLENDA CÂMARA

EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR RELATOR

DOUTO PROCURADOR DE JUSTIÇA:

R E L A T Ó R I O

            Trata-se a insurgência de recurso em sentido estrito contra a decisão interlocutória que pronunciou ________ por incursão no tipo do art. 121, §2º, I, III e IV do Código Penal Brasileiro.

            Narra a denúncia que o acusado, no dia 05 de janeiro de 2016, teria, em tese, matado dolosamente a vítima ______, por motivo fútil e com impossibilidade de defesa da vítima, por ter desferido 06 golpes de faca, conforme descrito em laudo médico legal de exame cadavérico.

            A denúncia foi recebida, fundamentadamente, em 18/04/2016.

            O acusado ofereceu resposta à acusação nas folhas 155/156, onde alegou a inocência.

            Ouvidas testemunhas em audiência de instrução e julgamento, o acusado não confessou os fatos como narrados na denúncia, porém, alegou, em seu favor, a tese de legítima defesa e, também, alegou que não era o dono da arma com a qual foi praticada a infração.

            O Representante do Ministério Público ofereceu alegações finais às fls. 220/228, pleiteou a pronúncia do acusado nas penas do art. 121, §2º, I, III e IV c/c 29, todos do Código Penal.

            A defesa, em alegações finais (fls. 230/238), requereu impronúncia do acusado por entender que não existem provas suficientes para a pronúncia e, alternativamente, alegou excesso da acusação por pedir em seus memoriais finais além do contido da denúncia.

            Na decisão interlocutória de pronúncia, o MM. Juiz de Direito entendeu o réu como incurso nas penas do Artigo 121, parágrafo 2º, I, III e IV, conjugados com o Artigo 29, todos do Código penal.

            Irresignado, o réu interpõe, agora, razões do Recurso em Sentido Estrito nos termos legais.

Não há reparos.

É o relatório.

 DA ILEGALIDADE DA PRONÚNCIA  E DO SEU EXCESSO.

            Excelentíssimo Desembargador Relator, pela análise da denúncia, observa-se que o Denunciado foi incurso nas penas do Artigo 121, parágrafo 2º, incisos II e IV, combinados com o Artigo 29, todos do Código Penal.

            Estranhamente, e sem o devido procedimento de mutatio libelli, o Juízo de 1º Grau de jurisdição pronunciou o acusado nas penas do Artigo 121, paragrafo 2º, I, III, e IV, combinados com o Artigo 29, todos do Código Penal.

            Nota-se, então, que há excesso na capitulação jurídica da pronúncia que inseriu o inciso I do Artigo 121 do CP e modificou o inciso II contido na denúncia para o inciso III, não contido na denúncia, não narrado nos fatos e para o qual o réu não se defendeu durante o devido processo legal.

            Excelentíssimo Desembargador Relator, salta aos olhos o error in judicando da pronúncia e o error in procedendo no que se refere ao devido processo legal pois, antes de mudar a capitulação jurídica do fato, inserindo mais um inciso na qualificadora e modificando outro, o MM. Juiz de Direito não observou o procedimento de mutatio libelli com aditamento.

            Portanto, nobre e digno Desembargador Relator, a decisão interlocutória de pronúncia é nula, e assim deve ser declarada para que outra seja proferida nos termos legais.

            O Excelentíssimo Juiz de Direito pronunciante, além de não fundamentar devidamente a pronúncia, excede em linguagem que não se aproveita tecnicamente e não possui pertinência com relação à instrução processual.

             Em outras palavras, transcreve depoimentos na pronúncia em excesso, com violação inaceitável ao princípio da ampla defesa e do contraditório. Sob o tema, veja-se o seguinte julgado:

PROCESSO PENAL - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - HOMICÍDIO QUALIFICADO - NULIDADE ABSOLUTA DA PRONÚNCIA RECONHECIDA DE OFÍCIO - AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO E EXCESSO DE LINGUAGEM - DESCUMPRIMENTO DO ARTIGO 408 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - REVOGAÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR E EXCLUSÃO DO NOME DO RECORRENTE DO LIVRO ROL DOS CULPADOS - AFASTAMENTO DO MARÇO INTERRUPTIVO - RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA - EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE - RECURSO PROVIDO. (1) O magistrado, ao proferir decisão de pronúncia, deve demonstrar a materialidade do crime bem como os indícios de autoria que recaem sobre o acusado, ou seja, deve colacionar, através da prova colhida, em que consistem tais indícios a justificar a submissão do acusado a julgamento popular, o que também se aplica à manutenção da qualificadora descrita na denúncia. Não é o que se vislumbra no presente caso, pois o julgador além de não demonstrar os motivos de seu convencimento para pronunciar o recorrente, afirmou "que a prova é convincente e plena para a condenação do acusado e segura a manutenção da qualificadora", o que configura excesso de linguagem, proibido no sumário da culpa, pois pode influir significativamente no ânimo dos jurados. Assim, deve ser reconhecida, de ofício, a nulidade absoluta da pronúncia. (2) Como efeito decorrente da nulidade da pronúncia, impõe-se a revogação da prisão preventiva do recorrente, a qual foi decretada em duas linhas e também desprovida de qualquer motivação, devendo ser expedido de imediato o alvará de soltura pertinente. (3) É de rigor que a escrivania exclua o nome do recorrente do "Rol dos Culpados", erroneamente determinada pelo dr. juiz, não só pelo fato de ter sido reconhecida a nulidade da pronúncia, mas também porque tal determinação vulnera norma da Constituição Federal de 1988, posto que, nos termos do artigo 5º, inciso LVII, "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". (4) Nula a pronúncia, afasta-se o março interruptivo da prescrição e, considerando que desde o recebimento da denúncia já se passaram mais de 20 anos, declara-se extinta a punibilidade do recorrente ante a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, nos termos do artigo 107, inciso IV, do Código Penal. Recurso provido.

(TJ-PR - RSE: 4178390 PR 0417839-0, Relator: Oto Luiz Sponholz, Data de Julgamento: 19/07/2007,  1ª Câmara Criminal, Data de Publicação: DJ: 7445)

            Nobre Desembargador Relator, o julgado acima se encaixa perfeitamente ao que se está analisando nos presentes autos, sendo importante precedente de jurisprudência. Às folhas 245 da pronúncia, o Excelentíssimo Juiz de Direito afirmou que “ante a certeza da existência do fato, em tese, delituoso, e de indícios suficientes de que o réu seja seu autor, encaminho o caso sub judice para deliberação e julgamento por parte do Juiz Natural...”.

            Ora, pode-se notar inaceitável excesso de linguagem e erro na fundamentação jurídica!

            Não menos importante, e também fundamento para nulificação da decisão de pronúncia por excesso de linguagem e fundamentação, é a existência de extensa transcrição na peça das declarações do acusado e das testemunhas, o que não é cabível neste momento processual.

            Agravando a situação de nulidade da pronúncia, como dito, o Excelentíssimo Juiz de Direito mudou a capitulação dos fatos para pior sem dar aos sujeitos processuais a oportunidade de mutatio libelli com aditamento.

            Por tudo isso, requer-se que a pronúncia seja declarada nula para que outra seja proferida em seu lugar em termos técnicos e juridicamente admissíveis.

DA AUSÊNCIA DE DOLO ACERCA DO ANIMUS NECANDI DO ACUSADO E DA EXCLUDENTE DE ANTIJURIDICADIDADE DE LEGÍTIMA DEFESA.

             Apesar da nulidade que se alega e atendendo a mais ampla defesa possível, analisa-se, agora, a existência da conduta amparada pela excludente de antijuridicidade de legítima defesa, qual deveria ter sido reconhecida, absolvendo-se sumariamente o acusado.

            Pelo que foi colhido durante a instrução processual e digitalmente documentado, o pronunciado ______, ao chegar em casa, deparou-se com seu carrinho de vendas ambulante caído e, apenas, foi perguntar para a vítima sobre o ocorrido.

            Pelo que dos autos consta, especialmente, pelos esclarecimentos do próprio acusado em seu interrogatório judicial, acostados no CD, foi a vítima que, na posse de uma faca, correu atrás do acusado, o qual, para salvar-se, subiu no telhado e caiu se machucando.

            Nesse ínterim foi golpeado com uma facada no pé, o que caracteriza a agressão injusta por parte da vítima.

            Em momento algum foi comprovado, acima de qualquer dúvida razoável, que o acusado portava ou possuía previamente a faca. Não há provas de dolo antecedente ou de qualquer motivo específico que fundamente que a conduta foi dolosa.

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            De acordo com o contido no CD foi o denunciado que tomou a faca do agressor que, antes, havia lhe investido contra e desferiu golpe em defesa, o que caracteriza legítima defesa própria.

            Sobre o tema, veja-se o seguinte entendimento:

HOMICÍDIO - LEGÍTIMA DEFESA CONFIGURADA - ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA - ART. 411, CPP. Revelando o conjunto probatório ter o acusado, sem excesso no emprego do meio de que dispunha, agido apenas para se defender de agressão injusta e atual perpetrada pela vítima, resta caracterizada excludente da ilicitude, a autorizar, nos termos do art. 411, do Código de Processo Penal, a sua absolvição sumária. RECURSO PROVIDO.

(TJ-PR - RSE: 969417 PR 0096941-7, Relator: Telmo Cherem, Data de Julgamento: 30/11/2000,  2ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 5812)

            Não há, nos autos, em nenhum momento, qualquer elemento que caracterize o dolo de matar do acusado. De outra forma, a decisão de pronúncia não levou em consideração a justificante da legítima defesa, sendo que o denunciado deveria ser absolvido sumariamente.

Conforme o artigo 25 do Código Penal, entende-se em legítima defesa quem, “usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.

            No mesmo sentido e não menos importante aduz a doutrina mais pertinente sobre a legítima defesa que:

‘Legítima defesa é a repulsa a uma agressão injusta, atual ou iminente, a qualquer direito, próprio ou alheio, por meio do uso moderado dos meios necessários. Seus requisitos são: agressão injusta, atual ou iminente, a qualquer direito, e repulsa com a utilização dos meios necessários, usados moderadamente, além, é claro, do elemento subjetivo: consciência e vontade’ (TELES, Ney Moura. Direito Penal I – parte geral. Atlas, 2004, p. 259).[7]

            Excelentíssimo Desembargador Relator, está mais do que claro que a vítima, anteriormente, agrediu o denunciado ____ com uma faca e acertou antes o seu pé. Também consta que o acusado, antes de se defender, tentou correr do agressor, não logrando êxito.

            Por tudo isso, a defesa entende que o acusado deve ser absolvido sumariamente em razão da legítima defesa própria em face da agressão atual comprovada nos autos.


 

DOS PEDIDOS:

Em face de todo o exposto, requer a este Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás que:

a) Preliminarmente, reconheça a nulidade da pronúncia por excesso de linguagem e erro na capitulação jurídica do fato sem o devido procedimento legal de mutatio libelli, o que prejudicou o acusado.

b) Superada a fase de análise da preliminar de nulidade, que reconheça a presença da causa de exclusão da antijuridicidade de legítima defesa própria e absolva sumariamente o acusado _______.

Termos em que

Pede deferimento.

Anápolis, 11 de agosto de 2017

Adriano Gouveia Lima

OAB/Go 20459


 

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Sobre o autor
Adriano Gouveia Lima

Professor de direito penal e direito processual penal na UniEvangélica de Anápolis. Advogado. Mestre e Especialista.

Informações sobre o texto

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