Defesa preliminar em caso de tráfico ilícito de entorpecentes

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23/11/2017 às 11:38
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Trata-se de defesa preliminar onde os réus estariam, em tese, sendo acusados dos crimes de tráfico, associação criminosa e porte ilegal de armas.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 1ª VARA JUDICIAL DA COMARCA DE CAÇAPAVA.

Autos de nº 000000.0000/0000

TÍCIO DE TAL, CICRANO E FULANO, já devidamente qualificados nos autos do procedimento em destaque, respeitosamente vem à presença de Vossa Excelência, com fundamento no artigo 55 da Lei nº 11.343/2006, oferecer:

 DEFESA PRELIMINAR,

conforme as razões de fato e de direito a seguir pormenorizadas:


DA INÉPCIA DA DENÚNCIA

  Narra a denúncia que os denunciados “transportavam e guardavam treze tijolos de Cannabis Sativa L. (maconha) – pesando 8.343,5g-, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para fins de comércio”.

Narra ainda que, “em data anterior, na cidade e comarca de São Paulo, os denunciados, associaram-se para o fim de praticar, reiteradamente ou não, o tráfico de drogas”.

Por fim, assevera a denúncia que os denunciados“ tinham em depósito e mantinham sob sua guarda armas de fogo e munições. De uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar”

A denúncia oferecida pelo Douto Representante do Ministério Público encontra-se em desrespeito aos preceitos do nosso sistema processual penal, devendo, pois, ser rejeitada, conforme o artigo 395, I, do Código de Processo Penal, por ser inepta.

Tal afirmação se faz verdade porque na peça inaugural, os denunciados foram acusados por fatos descritos genericamente, sem qualquer respaldo fático, o que inviabiliza suas defesas, restringindo seus direitos constitucionalmente garantidos pelo princípio da ampla defesa.                                     

Ora, Digníssimo Julgador, como se defender de imputações feitas de forma tão ampla e genérica?

Se os denunciados entregariam a droga a consumo, deveríamos, no mínimo, saber a consumo de quem, ou pelo menos, quais foram às condutas dos denunciados que levaram à conclusão de tal acusação.

Não podemos permitir que imputações genéricas prosperem em nosso ordenamento processual, inviabilizando o direito que os acusados têm de se defenderem amplamente.

É o que diz a jurisprudência da Suprema Corte:

"HABEAS CORPUS" - CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL - RESPONSABILIDADE PENAL DOS CONTROLADORES E ADMINISTRADORES DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA - LEI Nº 7.492/86 (ART.17) - DENÚNCIA QUE NÃO ATRIBUI COMPORTAMENTO ESPECÍFICO E INDIVIDUALIZADO AOS DIRETORES DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA - INEXISTÊNCIA, OUTROSSIM, DE DADOS PROBATÓRIOS MÍNIMOS QUE VINCULEM OS PACIENTES AO EVENTO DELITUOSO - INÉPCIA DA DENÚNCIA - PEDIDO DEFERIDO. PROCESSO PENAL ACUSATÓRIO - OBRIGAÇÃO DE O MINISTÉRIO PÚBLICO FORMULAR DENÚNCIA JURIDICAMENTE APTA.

O sistema jurídico vigente no Brasil - tendo presente a natureza dialógica do processo penal acusatório, hoje impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrático - impõe, ao Ministério Público, notadamente no denominado "reato societario", a obrigação de expor, na denúncia, de maneira precisa, objetiva e individualizada, a participação de cada acusado na suposta prática delituosa. - O ordenamento positivo brasileiro - cujos fundamentos repousam, dentre outros expressivos vetores condicionantes da atividade de persecução estatal, no postulado essencial do direito penal da culpa e no princípio constitucional do "dueprocessoflaw" (com todos os consectários que dele resultam) - repudia as imputações criminais genéricas e não tolera, porque ineptas, as acusações que não individualizam nem especificam, de maneira concreta, a conduta penal atribuída ao denunciado. Precedentes. A PESSOA SOB INVESTIGAÇÃO PENAL TEM O DIREITO DE NÃO SER ACUSADA COM BASE EM DENÚNCIA INEPTA.

 - A denúncia deve conter a exposição do fato delituoso, descrito em toda a sua essência e narrado com todas as suas circunstâncias fundamentais. Essa narração, ainda que sucinta, impõe-se ao acusador como exigência derivada do postulado constitucional que assegura, ao réu, o exercício, em plenitude, do direito de defesa. Denúncia que deixa de estabelecer a necessária vinculação da conduta individual de cada agente aos eventos delituosos qualifica-se como denúncia inepta. Precedentes. DELITOS CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL - PEÇA ACUSATÓRIA QUE NÃO DESCREVE, QUANTO AOS DIRETORES DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, QUALQUER CONDUTA ESPECÍFICA QUE OS VINCULE, CONCRETAMENTE, AOS EVENTOS DELITUOSOS - INÉPCIA DA DENÚNCIA. - A mera invocação da condição de diretor ou de administrador de instituição financeira, sem a correspondente e objetiva descrição de determinado comportamento típico que o vincule, concretamente, à prática criminosa, não constitui fator suficiente apto a legitimar a formulação de acusação estatal ou a autorizar a prolação de decreto judicial condenatório. - A circunstância objetiva de alguém meramente exercer cargo de direção ou de administração em instituição financeira não se revela suficiente, só por si, para autorizar qualquer presunção de culpa (inexistente em nosso sistema jurídico-penal) e, menos ainda, para justificar, como efeito derivado dessa particular qualificação formal, a correspondente persecução criminal. - Não existe, no ordenamento positivo brasileiro, ainda que se trate de práticas configuradoras de macrodelinqüência ou caracterizadoras de delinqüência econômica, a possibilidade constitucional de incidência da responsabilidade penal objetiva. Prevalece, sempre, em sede criminal, como princípio dominante do sistema normativo, o dogma da responsabilidade com culpa ("nullumcrimensine culpa"), absolutamente incompatível com a velha concepção medieval do "versari in reillicita", banida do domínio do direito penal da culpa. Precedentes. AS ACUSAÇÕES PENAIS NÃO SE PRESUMEM PROVADAS: O ÔNUS DA PROVA INCUMBE, EXCLUSIVAMENTE, A QUEM ACUSA. - Nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete, ao réu, demonstrar a sua inocência. Cabe, ao contrário, ao Ministério Público, comprovar, de forma inequívoca, para além de qualquer dúvida razoável, a culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência (Decreto-lei nº 88, de 20/12/37, art. 20, n. 5). Precedentes. - Para o acusado exercer, em plenitude, a garantia do contraditório, torna-se indispensável que o órgão da acusação descreva, de modo preciso, os elementos estruturais ("essentialia delicti") que compõem o tipo penal, sob pena de se devolver, ilegitimamente, ao réu, o ônus (que sobre ele não incide) de provar que é inocente. - Em matéria de responsabilidade penal, não se registra, no modelo constitucional brasileiro, qualquer possibilidade de o Judiciário, por simples presunção ou com fundamento em meras suspeitas, reconhecer a culpa do réu. Os princípios democráticos que informam o sistema jurídico nacional repelem qualquer ato estatal que transgrida o dogma de que não haverá culpa penal por presunção nem responsabilidade criminal por mera suspeita. Decisão A Turma, à unanimidade, deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os Senhores Ministros Joaquim Barbosa e Eros Grau. 2ª Turma, 25.08.2009. (STF . Relator Min. CELSO DE MELLO, HC 84580 / SP).

Neste diapasão, a  r. denuncia não tem condições mínimas de provar a autoria, posto que calcada somente em presunções.                                     

Desnecessário, porém oportuno lembrar que, a denúncia deve ser minuciosa, explícita para que a defesa tenha oportunidade de enfrentar todos os ângulos da acusação.

Se assim não fosse, em qualquer denúncia para dar-lhe validade, bastaria a acusação dizer que se reportava ao relatório da autoridade policial, nada mais acrescentando. A lei, porém, não quer que isso ocorra, daí disciplinou a feitura da denúncia, que pode ser resumida, mas deve, para atender ao princípio da lealdade processual e do contraditório, descrever sempre o fato que imputa ao acusado e do qual este deverá se defender.


DA SITUAÇÃO FÁTICA

Segundo consta, policiais militares receberam denúncia anônima, dando conta de uma possível reunião de traficantes em uma chácara localizada nesta Comarca.

Segundo a versão policial, nas diligências efetivadas, não fora encontrado na posse e/ou com os acusados qualquer substância entorpecente, armas, papeis ou objetos que pudessem ligá-los à prática dos crimes provisoriamente imputados.

Melhor explicando, a substância entorpecente apreendida teria sido localizada no interior de dois veículos, os quais, diga-se de passagem, não pertencem aos acusados.

Da mesma forma, as armas apreendidas e apresentadas à autoridade policial foram localizadas em local diverso da prisão, logo, não há que se falar em flagrante delito de posse ou porte ilegal de armas.

No local da abordagem, havia uma festa com vários convidados, sendo que na ocasião algumas pessoas (segundo o relato dos próprios milicianos), teriam se evadido, ou seja, a droga apreendida poderia pertencer à qualquer um, inclusive aos que teriam se evadido do local.

Apresentados à autoridade competente, os denunciados negaram a autoria da prática delitiva, informando que não tinham qualquer envolvimento nos delitos imputados, alegando, em síntese, que estariam no local participando de uma festa, juntamente com as testemunhas FULANA E CICRANA (melhor qualificadas no Boletim de Ocorrência), também participantes da festa.

No caso em tela, o juízo da autoridade policial fundamentou-se exclusivamente nas informações prestadas pelos milicianos, desprezando por completo a versão dos acusados e demais testemunhas.

Assim, foi lavrado auto de prisão em flagrante em desfavor do acusados, os quais se encontram detidos até então, em flagrante ilegalidade, como passaremos a demonstrar.

Não poderia a autoridade policial valer-se exclusivamente das informações prestadas pelos milicianos para formar um juízo acerca da suspeita de prática do crime pelos requerentes, sendo imprescindível que tivessem, antes de proceder à prisão, colhido elementos de convicção suficientes para embasar as fundadas suspeitas da prática criminosa.

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Em que pese à gravidade da acusação em face dos denunciados, certamente serão absolvidos por Vossa Excelência, porque os termos da denúncia não condizem com a verdade dos fatos, vez que na fase policial não restou evidenciado qualquer conduta delituosa cometida por estes.

Ressalte-se em cores fortes que os acusados NÃO FORAM LEGALMENTE PRESOS EM FLAGRANTE, ou seja, não havia fundamento para uma autuação por tráfico de drogas, UMA VEZ QUE NÃO FICOU ESCLARECIDO À QUEM PERTENCIA OS VEÍCULOS APREENDIDOS.

Os depoimentos dos policiais refletem apenas a abordagem e a suposta apreensão das drogas. Em outro momento depõem sobre a apreensão das armas, em outro local.

HÁ SÉRIAS DÚVIDAS SOBRE A ORIGEM E O DESTINO DAS DROGAS E ARMAS APREENDIDAS.

Excelência, data venia, em que pese o esforço empreendido no objetivo de incriminar os denunciados, não procedem aos argumentos utilizados pelo douto representante do MPE. Data vênia são argumentos frágeis, oriundos de conclusões apressadas que partem de premissas equivocadas contidas no auto de prisão em flagrante.

As testemunhas de acusação são policiais, que rigorosamente tenderão a depor contra os acusados, até para efeito de legalizar os atos arbitrários que praticaram, logo se encontram desprovidos da imparcialidade necessária a formar isenta prova em processo penal.

A denúncia teve por base a peça investigatória, que atribui, através de presunções, a autoria do crime aos denunciados. Na verdade, não existe nenhuma prova nos autos que demonstre com isenção que os denunciados são os responsáveis por qualquer iniciativa para o tráfico de entorpecentes ou porte de armas.

Desnecessário, porém oportuno lembrar que haviam testemunhas civis no local dos fatos, PORÉM ESTRANHAMENTE NENHUMA DELAS PRESENCIOU O ENCONTRO DAS DROGAS OU ARMAS.

O contexto probatório desenhado pelos policiais e ratificado no processo pela denúncia pelo Ilustre representante do Ministério Público é ILUSÓRIO, NÃO EXISTE, pois está calcado apenas em declarações duvidosas, não se pode acreditar que os veículos teriam sido vistoriados pelos policiais no local dos fatos onde havia diversas testemunhas sem que nenhuma delas tivesse acompanhado.

  A quem interessaria este procedimento?

O princípio da não-culpabilidade previsto na Constituição da República e o princípio da inocência estabelecido nas convenções internacionais conferem aos denunciados segurança processual. O Ministério Público enfrenta o ônus de comprovar a materialidade e a autoria delituosa.

Os acusados não carecem provar inocência quanto à posse de armas e entorpecentes, posto que apenas participavam de uma festa, o que ficará provado o que realmente aconteceu naquele dia.

Apesar de constatar-se, por meio de laudos periciais e termos de exibição e apreensão, a materialidade dos delitos, não pode ser atribuir aos acusados a autoria, posto que a versão extraída da prova oral e limitada aos depoimentos dos policiais será desmentida por testemunhas no decorrer da instrução processual.

A questão fica ainda mais complexa pelo fato de que a notícia da prática dos delitos ADVEIO DE DENÚNCIA ANÔNIMA.

Isto porque a Constituição, em seu artigo 5º, inciso IV, afirma que é vedado o anonimato. A jurisprudência e parte da doutrina, baseando-se neste dispositivo, vêm asseverando que não se pode admitir qualquer medida restritiva à liberdade baseando-se em notícia anônima.

Desnecessário, porém oportuno lembrar que a jurisprudência do STF, ao tratar de notícia anônima, tem exigido que a autoridade policial faça diligências prévias, ou seja, se receber noticia anônima de que em determinado local está sendo praticado um crime permanente, como o tráfico de drogas, deve realizar campanas para verificar se há movimentação incomum, perquirir pessoas, realizar diligências veladas, etc.

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Sobre o autor
José Roberto Telo Faria

Advogado Criminalista, Bacharel em Direito pela Universidade de Guarulhos (2002); Pós Graduado em Direito Penal e Direito Processual Penal pela FMU (2015); Secretário Adjunto da Comissão do Tribunal do Júri da OAB/SP - Sub Seção de Santo Amaro (2011).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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