Capa da publicação Ação civil pública é proposta para suspender as obras do BRT em Salvador
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Ação civil pública visando suspender as obras do BRT em Salvador

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25/09/2018 às 13:13
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III. DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS

III. 1 DA AUSÊNCIA DE OUTORGA DE USO DO CORPO HÍDRICO

A Política Estadual de Recursos Hídricos no Estado da Bahia é regulamentada pelo CONSELHO ESTADUAL DE RECURSOS HÍDRICOS - CONERH, que, no uso das atribuições que lhe foram legalmente conferidas, especialmente a prevista no art. 46, IX, da Lei Estadual nº 11.612/2009, publicou a Resolução Nº 96, de 25 de fevereiro de 2014, estabelecendo diretrizes e critérios gerais para a outorga do direito de uso dos recursos hídricos de domínio do Estado da Bahia.

A mencionada resolução, em seu art. 5º, determina:

Art. 5º. São sujeitas à outorga de direito de uso de recursos hídricos e à outorga preventiva de uso de recursos hídricos do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos - INEMA as atividades ou empreendimentos previstos no art. 18 da Lei no 11.612/2009.

Por sua vez, a Lei Estadual nº 11.612/2009, em seu art. 18, caput e II, preceitua:

Art. 18. Ficam sujeitos à outorga de direito de uso de recursos hídricos ou manifestação prévia do órgão gestor e executor da Politica Estadual de Recursos Hídricos, conforme regulamento: (...)

II - as atividades, ações ou intervenções que possam alterar a quantidade, a qualidade ou o regime das águas superficiais ou subterrâneas, ou que alterem canais, álveos, margens, terrenos marginais, correntes de águas, nascentes, açudes, aquíferos, lençóis freáticos, lagos e barragens. (destacou-se)

Deste modo, o órgão gestor e executor da Política Estadual de Recursos Hídricos no Estado da Bahia, o INEMA, é o responsável para autorizar qualquer obra civil em cursos d’água que potencialmente pode alterar a sua vazão.

Como aduzido, no empreendimento BRT/Salvador há a previsão de tamponamento de trechos de 02 (dois) rios urbanos, são eles, o Rio Lucaia e o Rio Camarajipe, sendo intervenção que representa a impermeabilização do solo, alterando a absorção dos excessos pluviométricos nos cursos dos rios tamponados. Tal intervenção tem o escopo justamente de modificar o regime de vazão da água e, por este motivo, necessita de autorização prévia do INEMA a ser concedida após a análise do projeto solicitante e dos estudos que indiquem quais serão os reais níveis de alteração do regime hídrico.

Segundo informações do arquiteto e urbanista Carl Manfred Otto Rudolf Von Oheimb Hauenschild, que esteve presente na sessão promovida pelo MPE/BA para discutir o empreendimento, em 22 de maio de 2018, do valor total a ser gasto no BRT/SALVADOR, 59,3% será destinado a atender e melhorar o transporte INDIVIDUAL; 32,9% atenderá o transporte PÚBLICO e 7,8% será destinado para MACRODRENAGEM, ou seja, quase oito por cento dos recursos serão destinados a intervenções que visam justamente alterar o uso do corpo hídrico dos dois rios mencionados.

Apesar da exigência legal, as obras do BRT/Salvador tiveram início sem que o INEMA concedesse a outorga necessária, o que já torna o início das obras, por este motivo, ato nulo.

Ad Cautelam, não é possível se admitir a alegação de que a obra do BRT/SALVADOR, por ser de interesse social e utilidade pública, seria intervenção que prescindiria de outorga do direito de uso dos recursos hídricos, com base no art. 16 da Resolução nº 96/2014 do CONERH, pois tal dispositivo dispensa a outorga de uso quando as atividades empreendidas não são capazes de interferir no regime, na disponibilidade ou na qualidade da água existente no corpo hídrico. Vejamos a literalidade da mencionada norma:

Art. 16. Independem de outorga, por não se enquadrarem nas hipóteses previstas no art. 18 da Lei nº. 11.612/2009, as seguintes atividades:

I – pontes, passarelas, passagens molhadas, travessias aéreas, subaquáticas e subterrâneas e demais obras de travessia de corpos de água que não interfiram na quantidade, qualidade ou regime das águas;

II – serviços de limpeza e conservação de margens, incluindo dragagem, canalização, retificação e desvio de leito do curso de água, desde que não alterem o regime, a disponibilidade ou qualidade da água existente no corpo de água. (destacou-se)

Entretanto, a canalização em concreto e o tamponamento dos rios para que sirvam de plataforma de ocupação urbana, além de grave erro de planejamento urbanístico, segundo especialistas, aumenta a impermeabilização do solo, altera os meandros naturais e consequentemente a vazão hídrica atual natural, modificando a resiliência, o padrão de escoamento e a dinâmica de absorção dos excessos pluviométricos nos cursos dos rios, além de impossibilitar posteriores e prudentes ações de limpeza e desobstrução dos leitos.

Como informado, tal intervenção de macrodrenagem e tamponamento, baseada no conceito chamado de “eficiência hidráulica”, tem o escopo justamente de alterar o regime de vazão da água, que passa a escoar em maior volume e velocidade à jusante (em direção ao mar).

Estranhamente, o INEMA emitiu, em 31/01/2018, o “CERTIFICADO DE INEXIGIBILIDADE DE OUTORGA” nº 2018.001.000008, certificando ao CONSÓRCIO BRT/SALVADOR, sem fundamentação razoável e através de um simples parágrafo generalista, verbis:

“que a atividade de Drenagem e/ou captação de águas pluviais a ser realizada no município de Salvador/BA é inexigível quanto ao procedimento de autorização de outorga de uso de recursos hídricos, dada a especificidade do empreendimento, uma vez que a outorga de direito de uso de recursos hídricos, regulamentada pela Lei Estadual nº 11.612, de 08/10/2009, que dispõe sobre a Política Estadual de Recursos Hídricos, e pela Resolução CONERH nº 96, de 25/02/2014, a qual estabelece as diretrizes e critérios gerais para a outorga do direito de uso dos recursos hídricos de domínio do Estado da Bahia, não contempla as intervenções realizadas para fins de (drenagem e lançamento de águas pluviais).”

Entretanto, como já transcrito acima, a mencionada Lei Estadual nº 11.612/2009, em seu art. 18, II, preceitua que ficam sujeitos à outorga de direito de uso de recursos hídricos as atividades, ações ou intervenções que possam alterar a quantidade, a qualidade ou o regime das águas superficiais ou subterrâneas, ou que alterem canais.

Sendo que 7,8% do total a ser gasto com o primeiro trecho do BRT/SALVADOR será destinado para macrodrenagem (alargamento e canalização em concreto de marges dos rios) e tamponamento de trechos dos rios Lucaia e Camarajipe, intervenções que visam justamente alterar os canais e o regime das águas, como o INEMA pode fornecer tal certificado de dispensa de uso de corpo hídrico, sem levar em consideração os detalhes do projeto e afirmando, genericamente, “que a atividade de Drenagem e/ou captação de águas pluviais a ser realizada no município de Salvador/BA é inexigível quanto ao procedimento de autorização de outorga de uso de recursos hídricos, dada as especificidades do empreendimento, uma vez que a outorga de direito de uso de recursos hídricos (…) não contempla as intervenções realizadas para fins de drenagem” ?

Tal dispensa carece completamente de fundamentação razoável que evidencie o motivo pelo qual a intervenção de macrodrenagem do BRT SALVADOR não serviria para alterar o regime hídrico dos mencionados rios, sendo este, contraditoriamente, o escopo de qualquer intervenção de macrodrenagem.

Por esta razão é que o INEMA figura no polo ativo desta demanda.

Neste aspecto, a Câmara Municipal de Salvador encaminhou em 02/04/2018, ofício à Secretaria de Mobilidade de Salvador solicitando a Outorga do Direito de Uso dos Recursos Hídricos, considerando que a obra de macrodrenagem constante no edital implicaria no tamponamento dos rios Camarajibe e Lucaia, no trecho da Avenida ACM (fl. 124 do IC nº 1.14.000.002854/2016-55). Entretanto, não consta nos autos notícia de que o referido documento foi concedido pelo INEMA e nem apresentado pela Prefeitura Municipal de Salvador.

Importante destacar também que o próprio MINISTÉRIO DAS CIDADES8, desde 2009, determina que obras convencionais de galerias de águas pluviais e de canalização (macrodrenagem e tamponamento), que aceleram o escoamento, serão admitidas somente nos casos onde os impactos gerados pela intervenção serão de baixa magnitude e mitigados.

Entretanto, a intervenção de macrodrenagem e tamponamento de trechos dos rios Lucaia e Camarijipe jamais poderia ser considerada como uma intervenção de “baixa magnitude” e a falta dos estudos, que deveriam avaliar quais os reais impactos desta intervenção, não permitiu um levantamento do efetivo dano ambiental que será causado, muito menos os meios para sua mitigação.

Por estes motivos, para a concessão da outorga de uso do corpo hídrico, o INEMA precisa se manifestar fundamentadamente sobre a possibilidade, utilidade e consequências da macrodrenagem e tamponamento de tais rios em regiões que já sofrem historicamente com alagamentos, através de estudos sérios que avaliem as reais consequências de tais intervenções.

III.2 DA AUSÊNCIA DE ESTUDO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA (EIV) E DA AUSÊNCIA DO ESTUDO DE VIABILIDADE TÉCNICA, ECONÔMICA E AMBIENTAL (EVTEA)

O Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) é um dos instrumentos de política urbana, previsto na Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001, denominada de Estatuto da Cidade, que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelecendo diretrizes gerais e instrumentos da política urbana, tais como a gestão democrática das cidades e o plano diretor.

Com efeito, sabe-se que lei municipal definirá os empreendimentos e atividades privados ou públicos em área urbana que dependerão de elaboração de estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV) para obter as licenças ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento a cargo do Poder Público municipal (art. 36 do Estatuto da Cidade).

É dever, insculpido em lei (art. 37, parágrafo único, do Estatuto da Cidade), dar-se publicidade aos documentos integrantes do EIV, que devem ficar disponíveis para consulta, no órgão competente do Poder Público municipal, por qualquer interessado, assim como deve ser fornecida cópia do Estudo de Impacto de Vizinhança gratuitamente, quando solicitada pelos moradores da área afetada ou suas organizações representativas.

O órgão público responsável pelo exame do Estudo de Impacto de Vizinhança deverá realizar audiências públicas, antes da decisão sobre o projeto, sempre que sugerida, na forma da lei, pelos moradores da área afetada ou suas organizações representativas, como forma de garantir o pleno alcance do interesse coletivo. Assim, com base no EIV, o poder público poderá aprovar o empreendimento ou atividade, estabelecendo condições ou contrapartidas para sua implantação ou funcionamento, ou descartar sua realização. No caso concreto, o EIV consta como uma das condicionantes da licença prévia precariamente concedida (doc. anexo – CD pg. 32 – licença prévia).

Entretanto, apesar de o BRT/SALVADOR ser empreendimento que deveria ser precedido de tal estudo, o mesmo se iniciou sem que tenha sido elaborado o EIV, contrariando frontalmente a lei de regência.

O Município de Salvador também não apresentou e/ou disponibilizou o Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) das obras relativas ao BRT.

Em reunião realizada no dia 02/05/2018 na sede desta Procuradoria da República, foi aduzido por representantes da sociedade que a Secretaria de Mobilidade ainda não havia apresentado estudos essenciais para o início da execução da obra (fl. 147 do IC nº 1.14.000.002854/2016-55). Posteriormente, em nova REUNIÃO ocorrida no dia 08/05/2018, foi aduzido que o EVTEA inexistia ou estaria sob sigilo, já que não foi fornecido pela Prefeitura de Salvador (fls. 138/139 do IC nº 1.14.000.002854/2016-55).

Da mesma forma, em audiência pública ocorrida no auditório do Ministério Público Estadual em 22/05/2018, o referido documento foi cobrado por representantes da comunidade que estavam presentes, sem qualquer resposta por parte da Prefeitura de Salvador. Verifica-se, portanto, que até o momento atual não foram fornecidos os parâmetros para atestar a viabilidade econômica, técnica e ambiental da obra, sendo que as questões relacionadas à mobilidade urbana deveriam constar do referido documento.

Sobre os prejuízos causados pela ausência de EVTEA numa obra complexa, colaciona-se trecho de texto publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)9, que relaciona a falta de EVTEA ao fracasso na execução do projeto, já que deixam de ser avaliadas questões fundamentais como análise de benefícios e custos para a sociedade embasada em viabilidade técnica robusta, impactos ambientais significativos etc., in verbis:

(…) A dificuldade de coordenação governamental entre as etapas de avaliação, planejamento e análises de viabilidade técnica, econômica e ambiental amplia as incertezas e tem impactos significativos sobre a execução dos projetos. Boa parte dos problemas encontrados na fase de implementação dos projetos tem apontado falhas no planejamento como causas principais. De fato, diversos atrasos nos licenciamentos ambientais ocorrem por estudos ambientais incompletos, superficiais, ou mesmo omissão de impactos ambientais relevantes. (…) Dois problemas, particularmente, têm ocorrido quanto a isso: i) alguns projetos são iniciados sem um Evtea (…) Como esses fatores podem afetar a escolha da alternativa de solução para o problema em questão, é fundamental que a elaboração dos Evteas os considere em mais detalhes. Falta de detalhamento e estimativas superficiais também são observadas nas fases posteriores, de projetos de engenharia, estudos de impacto ambiental, de desapropriação, etc. O efeito é conhecido, como atrasos nos licenciamentos, sobre custos na fase de construção, paralisações por órgãos de controle e pelas demandas judiciais, entre outros. (grifei)

Logo, mostra-se inviável o início de uma obra sem os estudos técnicos e ambientais necessários para embasá-la.

A alocação dos recursos financeiros para determinada obra deveriam acompanhar a aprovação do projeto em suas etapas essenciais, já que a falta de planejamento a longo prazo e a baixa qualidade técnica dos projetos, dentre outros fatores, terminam por colaborar com a probabilidade de insucesso do empreendimento.

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Ainda sobre este ponto, corroborando o quanto aduzido, o engenheiro e professor de engenharia ambiental da UFBA, Dr. Severino Soares Agra Filho, em nota técnica apresentada, informa que, in verbis:

(…) Como se pode depreender das referidas determinações, o EIA e o EIV são estudos indispensáveis para as instâncias de decisão. Entretanto, como se pode observar na resolução COMAM nº. 03/2014, foram estabelecidas diversas condicionantes que deveriam ser consideradas previamente como requisitos da apreciação do Colegiado, tais como: o EIV; autorização da supressão de vegetação; as intervenções no sistema de drenagens e suas implicações nos recursos hídricos, possibilitando inclusive o encapsulamento sem conhecimento prévio dos métodos construtivos, locais e autorização (outorga) etc. O cunho reativo dessas condicionantes, além de comprometer o princípio de prevenção da gestão ambiental, pode se tornar irreversíveis ameaças aos propósitos de qualidade ambiental preconizados pela política ambiental municipal. Em relação à legitimidade social, segundo se observa, a proposta foi submetida a uma audiência pública e à apreciação do COMAM. Caberia observar que, conforme consta da ata anexa do COMAM, foi uma reunião bastante polêmica com apresentação de vários questionamentos, revelando a necessidade de ajuste no projeto e a manifestação do dirigente do LA da Prefeitura afirmando que a licença será expedida “após análise de todas as considerações apresentadas pelos conselheiros revisores”, como também destacamos que se menciona que é um projeto conceitual que deve ser detalhado em fase posterior. Contudo, esse procedimento adotado não está respaldado na legislação vigente do Município, definindo o mérito de cada licença. A prática e normatização vigente considera eventualmente os procedimentos do órgão estadual que adota para o mérito da Licença prévia, fase de concepção e de localização, um projeto básico. As decisões registradas na ATA, além de simplificar as questões suscitadas sem a devida aprovação e assinatura dos participantes, sugere que houve uma apreciação preliminar delegando ao licenciador as definições de atribuição do Colegiado. Diante das considerações expostas, fica constatado que os procedimentos previstos do LA para subsidiar as decisões públicas foram comprometidos no seu papel preventivo e na sua capacidade de proposta de legitimar as decisões tomadas (…) (grifei)

Ao contrário do que determina nosso ordenamento, repita-se, a obra do BRT em Salvador foi iniciada sem os devidos Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) e Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA), cobrados exaustivamente em sucessivas reuniões ocorridas na sede da PR/BA, bem como reivindicados em audiência pública ocorrida em 22/05/2018 no auditório do Ministério Público Estadual, sem que os documentos fossem apresentados até o momento pelo Município de Salvador, razão pela qual torna-se urgente a suspensão imediata das obras já iniciadas.

III. 3 DA GESTÃO DEMOCRÁTICA DAS CIDADES

Conte-me e eu esquecerei. Mostre-me e eu me lembrarei. Envolva-me e eu entenderei. Confúcio, filósofo, 551–479 a.C.

As normas jurídicas são um gênero que comporta duas espécies, quais sejam: regras e princípios normativos, que permitem que os valores passam do plano ético para o mundo jurídico.

As regras são detentoras de um valor, ou seja, a segurança jurídica, pois é a partir delas que o Direito torna-se mais objetivo, mais previsível, realizando melhor assim o valor da segurança jurídica.

Os princípios, todavia, devem servir de referencial para o intérprete, e por possuírem o conteúdo aberto, eles permitem a atuação integrativa e construtiva do intérprete, facilitando a produção de uma melhor solução para o caso em análise.

Nos termos do artigo 1º, II, da Constituição Federal/88, o Brasil é uma República Democrática que tem como um de seus fundamentos a cidadania, e segundo o seu artigo 225, caput, é dever do poder público e da coletividade a proteção do meio ambiente, de modo que dever de todos, ou seja, as organizações não-governamentais, os sindicatos, as indústrias, os comerciantes, os agricultores, cidadãos brasileiros e estrangeiros residentes no país e o poder público, uma vez que o meio ambiente é um bem e um dever de todos.

A declaração do Rio, de 1992, tratou expressamente, em seu princípio 10, do princípio da participação quando afirmou que:

A melhor maneira de tratar questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo deve ter acesso adequado a informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar em processos de tomada de decisões. Os Estados devem facilitar e estimular a conscientização e a participação pública, colocando a informação à disposição de todos. Deve ser propiciado acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que diz respeito à compensação e reparação de danos. (SILVA, Geraldo, 2002, p. 330)

A Agenda 21 também abarcou o princípio da participação com a noção de gestão participativa, pois, no seu dizer, um projeto deve abranger planejamento e ações, buscando incessantemente o desenvolvimento sustentável, social, ambiental e econômico, com ampla discussão e gestão participativa.

A Lei 6.938/81, da Política Nacional do Meio Ambiente, desde a sua promulgação, no artigo 2°, inciso X já tratava do princípio da participação, quando afirmou que, através da educação ambiental, em todos os seus níveis, levaria efetivamente o cidadão a participar das decisões que envolvem o meio ambiente. A participação é novamente recomendada pela Lei 6.938/81, quando se analisa a composição do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), do qual são membros integrantes o poder público, a sociedade civil organizada, os órgãos de classe e as organizações não-governamentais. É oportuno destacar que a referida lei foi precursora na adoção do princípio da participação nos processos de decisões que envolvem o meio ambiente, que a sua promulgação ocorreu durante o governo militar, período em que a liberdade de expressão, participação e as igualdades foram totalmente ceifadas.

O Brasil é uma República Democrática que tem como um de seus fundamentos a cidadania (artigo 1º, II, da Constituição Federal/88).

O exercício da cidadania pressupõe, por sua vez, políticas de desenvolvimento urbano, de usos e ocupações dos espaços das cidades, de moradia digna, de saneamento, de transporte e mobilidade urbana, compondo o chamado direito difuso a cidades sustentáveis e socialmente justas, exercido através de políticas de desenvolvimento urbano que devem ser formuladas e geridas de maneira planejada e participativa.

Inúmeros dispositivos normativos podem ser mencionados para lastrear as afirmações acima: o art. 48 e parágrafos da Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), o artigo 19, V, da Lei 11.445/2007 (Lei de Diretrizes da Política Nacional de Saneamento), e o artigo 21 da Lei 12.587/2012 (Lei de Diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana) determinam que a gestão das cidades deve garantir mecanismos e procedimentos para a avaliação sistemática da eficiência e eficácia das ações programadas, permitindo a transparência e a participação popular no planejamento estratégico dos centros urbanos.

Em especial, o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), em seus artigos 2°, II, IV, 4º, I, II e III, f; 40, I, II e III; 43, II, III e 44, também aborda a necessidade da gestão democrática das cidades. Dentre os dispositivos mencionados, destacam-se:

Art. 2º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: (...)

II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;

Art. 43. Para garantir a gestão democrática da cidade, deverão ser utilizados, entre outros, os seguintes instrumentos: (...)

II – debates, audiências e consultas públicas;

III – conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional, estadual e municipal;

Art. 45. Os organismos gestores das regiões metropolitanas e aglomerações urbanas incluirão obrigatória e significativa participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade, de modo a garantir o controle direto de suas atividades e o pleno exercício da cidadania. (grifei)

Portanto, audiências públicas, debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade, publicidade e acessibilidade a qualquer interessado dos documentos e informações produzidas são requisitos essenciais à validade e a legitimidade do processo de construção e implementação das políticas públicas relacionadas ao direito à cidade.

O fomento da cultura de gestão participativa das grandes cidades é imprescindível para se conseguir efetivar uma política urbana que garanta melhores condições de vida da população e que, de fato, promova um desenvolvimento sustentável e inclusivo, voltado para a redução das desigualdades sociais.

Em relação ao BRT/SALVADOR, como informado, tem-se notícia da realização de uma única audiência pública no dia 30 de maio de 201410, promovida pela Prefeitura de Salvador. Os demais encontros sobre o empreendimento não foram promovidos pela PMS, mas sim, por outras entidades interessadas no projeto, como a que ocorreu em 22 de fevereiro de 2017, no MPE/BA, em 26 de abril de 2017, promovida pela Assembleia Legislativa da Bahia, quando o projeto já estava em fase de licitação ou em execução, e a ocorrida no auditório do Ministério Público Estadual em 22 de maio de 2018, com a obra já em curso.

Entretanto, o único encontro promovido pelo executor do projeto não serviu para que a população usuária do sistema pudesse trazer ideias para construir, em conjunto com o poder público, o formato ideal de intervenção na mobilidade. Não houve efetivo e significativo envolvimento da população em relação ao projeto, que foi apenas comunicado aos cidadãos.

Para se garantir a ampla participação da população em um projeto desta envergadura, seria necessário ter realizado, no mínimo, três audiências públicas, comunicadas, com um prazo mínimo, de 45 dias de antecedência, para a apresentação e discussão do projeto, contemplando as seguintes etapas, que devem ser discutidas nas fases de projeto conceitual e projeto básico, antes do seu processo licitatório, conforme estabelecido no “Manual de BRT – Guia de Planejamento”: a) análise de demandas; b) planejamento operacional; c) serviço ao usuário; d) infraestrutura; e) integração modal; f) tecnologia veicular e tecnologia de cobrança; g) custeio, financiamento, avaliação, planejamento de construção e contratação.

Este mesmo manual informa, quanto aos Processos de Participação Pública11, o seguinte:

que as comunicações não são apenas importantes em termos de obtenção de aprovação pública do projeto, mas também para trazer ideias para o projeto das pessoas que usarão o sistema. Informações vindas do público sobre os prováveis corredores e serviços alimentadores podem ser inestimáveis. A incorporação das visões do público nas feições do projeto e do serviço ao usuário também ajuda a assegurar que o sistema seja mais amplamente aceito e utilizado pelo público. Planejadores profissionais e engenheiros obviamente têm um papel central no projeto do sistema, mas, muitas vezes, tais profissionais não usam frequentemente sistemas de transporte público e assim não possuem algumas ideias de projeto que o público em geral tem.

Gerenciar e encorajar amplo envolvimento público pode ser um desafio para agências e departamentos desacostumados a processos públicos participativos. Organizações não governamentais algumas vezes estão mais bem preparadas para gerenciar tais processos.

Mesmo que a participação pública possa, às vezes, parecer uma abordagem superficial que terá pouco efeito no sucesso do projeto, ela é um elemento central no longo prazo. Por exemplo, se as preocupações das pessoas não são tratadas adequadamente ou um grupo em particular não está satisfeito com o processo, pode haver efeitos negativos como vandalismo, manifestações ou medidas legais tomadas contra o sistema e seu desenvolvimento. O processo de comunicações é um passo em direção a esse objetivo, mas há outras atividades permanentes do gerenciamento do projeto que podem assegurar uma abordagem mais integradora ao planejamento e desenvolvimento do sistema. (grifei)

Nota-se que o Manual de BRT descreveu, há dez anos, exatamente a situação que se experimenta hoje na capital baiana, uma espécie de prenúncio dos problemas atuais, por conta da ausência da participação da população no projeto.

Ademais, a ausência de efetiva transparência e ampla publicidade de todas as fases e procedimentos do processo de licitação, em sítio eletrônico, fere também as diretrizes da Lei do RDC, em especial, o art. 4º, VI, da Lei nº 12.462/2011.

Percebe-se, deste modo, como a efetiva e significativa participação da população em empreendimentos de grande porte e impacto são fundamentais para a compreensão, aceitação e, se necessário, a reformulação do projeto, levando-se em consideração os anseios populares, fato descrito e alertado pelo próprio MINISTÉRIO DAS CIDADES, mas não observado no caso do BRT/SALVADOR, contrariando portanto o Estatuto da Cidade e as diretrizes do próprio ente financiador da obra civil.

Em um cenário de real diálogo e de significativa participação da sociedade, ainda a ser buscado, a população, uma vez ciente de todos os reais custos sociais, urbanísticos e ambientais, em parceria com os poderes públicos, poderá, enfim, escolher o modal de transporte e traçado que seja a melhor expressão de seus anseios, representando o que melhor se entende por justa aplicação dos recursos da própria população.

Em linha com a identificada ausência de participação popular, necessária para conferir maior legitimidade representativa à atuação do Poder Público, colhe-se no Parecer Técnico de n. 159/2018 do CEAT do MPE/BA que:

Dentro do Procedimento Ministerial não foi evidenciada a existência do instrumento “consultas públicas” por parte da Prefeitura Municipal de Salvador, conforme previsto na Lei Federal nº 12.587, art. 15, inciso III. (grifei)

III. 4 DAS IRREGULARIDADES NA ADOÇÃO DO REGIME DE CONTRATAÇÃO INTEGRADA

Do quanto apurado nas audiências públicas realizadas, no EDITAL DE LICITAÇÃO – RDC Nº 001/2017 e no PROCESSO SUCOP N.º 079/2017, o empreendimento do BRT SALVADOR apresenta outras irregularidades.

Contrariando o quanto disposto no art. 9º, incisos I, II, III, da Lei 12.462/1011 (Lei do RDC), não consta fundamentação no Termo de Referência, nem no Edital sobre a necessidade do RDC. Sem esta fundamentação, é irregular o uso do regime de contratação integrada, que possibilita a contratação do Projeto Básico, do Projeto Executivo e Execução da obra conjuntamente, num mesmo certame. Vejamos o mencionado dispositivo legal:

Art. 9º – Nas licitações de obras e serviços de engenharia, no âmbito do RDC, poderá ser utilizada a contratação integrada, desde que técnica e economicamente justificada e cujo objeto envolva, pelo menos, uma das seguintes condições:

I – inovação tecnológica ou técnica;

II – possibilidade de execução com diferentes metodologias; ou

III – possibilidade de execução com tecnologias de domínio restrito no mercado. (grifei)

Iluminando a temática, o Tribunal de Contas da União, em decisão lavrada no Acórdão 1.388/2016/TCU-Plenário, assentou que:

a opção pelo regime de contratação integrada com base no inciso II do art. 9º da Lei 12.462/2011 deve ser fundamentada em estudos objetivos que a justifiquem técnica e economicamente e considerem a expectativa de vantagens quanto a competitividade, prazo, preço e qualidade em relação a outros regimes de execução, especialmente a empreitada por preço global, e, entre outros aspectos e quando possível, a prática internacional para o mesmo tipo de obra, sendo vedadas justificativas genéricas, aplicáveis a qualquer empreendimento. Observe-se que, por mandamento legal, a fiscalização da aplicação dos recursos financeiros para o caso concreto também é de competência do Ministério das Cidades. Nesse contexto, o Ministério das Cidades tinha o poder-dever de fiscalizar o empreendimento, incluindo os estudos de viabilidade; pois, por mandamentos legais, técnicos e jurisprudenciais, fazem parte do processo licitatório, conforme explorado no relatório de auditoria (peça 38, p. 12-23), em instrução anterior (peça 45, p. 17-18) e também nesta instrução, na análise da manifestação da Secretaria Municipal de Acessibilidade, Mobilidade, Trânsito e Transporte de Palmas/TO. Além disso, sem a garantia de viabilidade do empreendimento, não está resguardada a regularidade da aplicação dos recursos financeiros federais transferidos (...).

Ademais, a Lei do RDC também exige como diretriz nas licitações e contratos firmados e executados no regime diferenciado, o parcelamento do objeto contratado, visando à ampla participação de licitantes, sem perda de economia de escala. Destarte, a ausência de justificativa fundamentada para o não parcelamento do objeto representa restrição indevida à ampla participação dos licitantes, ferindo o quanto disposto no art. 4º, VI, da Lei nº. 12.462/2011.

III. 5 DAS “AUDIÊNCIAS PÚBLICAS” COM A OBRA JÁ EM CURSO

A expressão “audiências públicas” está entre aspas no título deste tópico pois este diz respeito às sessões organizadas para se debater sobre o tema do BRT/SALVADOR mas não no sentido estrito da expressão, que propugna o Estatuto da Cidade, em seu art. 43, II.

Na inteligência da Lei nº. 10.257 de 10 de julho de 2001 (Estatuto da Cidade), audiências públicas são encontros precedentes à execução das intervenções públicas, que devem fazer parte da etapa de elaboração e discussão do projeto.

Encontros realizados após o início do procedimento licitatório ou mesmo após o início da execução do empreendimento não se prestam a modificar, complementar e envolver a população na intervenção, como já aduzido, escapando, portanto, do conceito de “audiência pública” determinado em lei para a real gestão democrática das cidades.

Em que pese esta ponderação, mencionaremos a seguir importantes trechos de “audiências públicas”, realizadas após o início das obras do BRT/SALVADOR, mas que foram de grande valia para que fossem levantados inúmeros questionamentos relativos ao mencionado empreendimento, importantes para a presente lide e para os quais os prepostos da Prefeitura Municipal de Salvador, então presentes nessas sessões, não apresentaram respostas satisfatórias.

No dia 11 de maio de 2018, às 14:30 h, na sede da OAB/BA, foi realizada sessão organizada pela Comissão de Defesa do Meio Ambiente da OAB/BA para discutir aspectos jurídicos da obra do BRT/Salvador. Esteve presente nesta sessão o Sr. Samir Abdala, gerente de licenciamento ambiental da SEDUR – SECRETARIA MUNICIPAL DE DESENVOLVIMENTO URBANO de Salvador, que explicou o projeto para os presentes, defendendo a utilidade do projeto para a mobilidade urbana e informando que a obra foi precedida de EIA/RIMA.

Nesta ocasião, também manifestou-se sobre o BRT de Salvador o arquiteto e urbanista Carl Von Hauenschild, representante do CAU/BR – Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil, que traçou um panorama histórico da ideia de implantação do BRT em Salvador, informando que, em 2009, surgiram as primeiras sugestões de traçados do BRT para facilitar o sistema de transporte viário em Salvador, tendo em vista que o projeto do Metrô de Salvador, àquela época, estava parado. Das 5 (cinco) sugestões iniciais de traçado do BRT restaram duas propostas de corredores de transporte: o traçado Ligação Iguatemi-Paralela (LIP) até a Lapa e o traçado Pituba até o Aeroporto. Destes dois traçados, o projeto em curso fará a ligação LIP/Lapa.

Ressaltou o arquiteto e urbanista que, em 2009, o BRT era de fato uma alternativa moderna, com exemplos positivos em Curitiba, Bogotá etc. Entretanto informou que, atualmente, as mesmas cidades estão planejando ou executando modificações nos sistemas de BRT existentes para outras tecnologias de transporte coletivo que deveriam ser preferencialmente implementadas em Salvador, a exemplo do BHLS (Bus with High Level of Service) e do BRS (Bus Rapid System), que envolvem faixas exclusivas de ônibus mas sem a necessidade de construção de novas vias elevadas em concreto, opções que causam menos impacto ambiental e são mais baratas e eficientes. Citou o exemplo de Niterói e Londrina que já mudaram o projeto de BRT para BHLS.

Ponderou ainda o arquiteto e urbanista ser contrário também à qualquer intervenção de obra civil que envolva o tamponamento de rios urbanos, como será o caso do BRT LIP/Lapa onde 2 rios serão tamponados, informando que vários passivos ambientais são experimentados e as inundações nos rios que já foram anteriormente tamponados em Salvador, como na Av. Centenário e no Imbuí, só aumentaram depois do tamponamento. Argumentou que o tamponamento de rios para possibilitar a ocupação urbana, como no caso do BRT, servindo de plataforma de circulação de pessoas, é uma grave falha de estratégia de planejamento urbano, que, ao invés da intervenção proposta, deveriam ser projetados os efeitos do empreendimento a médio e longo prazo (15 ou 20 anos) visando a recuperação da balneabilidade e a reintegração dos rios ao convívio social, a exemplo de outras cidades como Chicago, Munique e Londres.

Ainda sobre o BRT/Salvador, Carl Von Hauenschild afirmou que o projeto atual foi dividido em duas etapas: o 1º trecho do Iguatemi até o Parque da Cidade e o 2º trecho do Parque da Cidade até a Lapa, sendo que apenas o primeiro trecho “se pagaria” do ponto de vista financeiro. Afirmou que se o BRT fosse alterado para BHLS custaria cerca de 40% do valor atual do empreendimento no formato BRT, prestando o mesmo serviço só que com muito menos concreto e impacto ambiental muito menor.

Já no dia 22 de maio de 2018, às 14:30 h, no auditório do MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA, Nazaré/Salvador, foi outra “audiência pública” sobre o BRT/Salvador. Aberta a sessão pelo Promotor de Justiça Dr. Heron Gordilho, o representante da Secretaria de Mobilidade Urbana (Semob), Roberto Mussalem, explicou o projeto para os presentes, através de apresentação em projetor, defendendo a utilidade do projeto para a mobilidade urbana e informando que já havia iniciado o primeiro trecho da obra do BRT SALVADOR, que compreenderá a ligação da LIP (Ligação Iguatemi Paralela) até a entrada do Parque da Cidade. Após a apresentação do projeto para os presentes, iniciou-se uma rodada de perguntas e respostas do preposto da Prefeitura Municipal de Salvador.

O primeiro a fazer as perguntas foi o Promotor de Justiça Dr. Heron Gordilho, que solicitou ao preposto da Prefeitura de Salvador acesso ao estudo que a empresa ENGMIND CONSULTORES elaborou sobre a definição conceitual do BRT SALVADOR, com extensão da Av. Garibaldi até a Pituba, envolvendo duas vertentes: a) estudo de demanda de passageiros para o novo sistema de BRT e b) estudo de inserção viária do corredor do BRT na rede viária existente. Informou que tais estudos são mencionados no próprio site da Prefeitura de Salvador mas que não estão acessíveis à população. O segundo questionamento de Dr. Heron Gordilho foi se haveria a possibilidade de se trocar a frota de ônibus convencionais por ônibus elétricos, afirmando que o Prefeito de Salvador havia se comprometido pessoalmente em incluir esta ideia no projeto.

Em seguida, manifestou-se sobre o BRT de Salvador o arquiteto e urbanista Carl Von Hauenschild, que esteve presente também neste encontro, informando que a Construtora PRADO VALADARES foi contratada pela Prefeitura de Salvador para desenvolver o projeto do BRT SALVADOR no trecho que se está iniciando a obra (Lapa/Iguatemi); que a ENGEMIND CONSULTORES foi contratada para pesquisar o BRT SALVADOR também especificamente no mesmo trecho, sendo que traçado atual do BRT foi definido sem ter havido o EVTEA (Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental) e sem avaliar se o sistema é adequado; que todo o Edital do projeto foi feito sem mencionar alternativas locacionais, exigidas neste tipo de projeto. Afirmou que a falta do EVTEA impossibilita um estudo comparativo entre as diferentes possibilidades de traçados e de sistemas de modais. Alegou que, na grande maioria dos projetos de BRT pelo mundo não há tanta presença de elevados como no projeto do BRT/SALVADOR. Informou que, do valor total a ser gasto no BRT/SALVADOR, 59,3% será destinado a atender e melhorar o transporte INDIVIDUAL; 32,9% atenderá o transporte PÚBLICO e 7,8 % será destinado para MACRODRENAGEM, questionando a discrepância entre tais percentuais, uma vez que a verba do empreendimento deveria ter sua maior parte destinada a melhorar o transporte PÚBLICO, sendo estranho à fonte de financiamento público do MINISTÉRIO DS CIDADES (PAC/FGTS, Programa 2048, Ação 10SS), que é especialmente destinado para transporte coletivo urbano público.

Em seguida, se manifestou a Professora de Engenharia de Tráfico da UFBA, Ilce Marilia Dantas Pinto, abordando aspectos técnicos. Afirmou que ninguém, tecnicamente, pode ser contra o modal “BRT” em si, ou contra qualquer outro modal (VLT, Metrô etc), mas sim avaliar, caso a caso, qual é o mais justo socialmente. Afirmou que o BRT deve atender a população mais carente, o transporte público e o projeto atual não atenderá bem a região metropolitana como um todo. Outros trechos deveriam ser priorizados. Aduziu que serão 8 faixas para o transporte individual, mas que os investimentos deveriam ser destinados para faixas de transporte público e sua melhoria; que as outras opções, VLT, BHLS deveriam ter sido cogitadas na fase do projeto, o que não foi feito; que o projeto atual está sendo elaborado para os veículos, não para as pessoas, quando deveria ter sido feito para as pessoas e não para os veículos. Explicou ainda a necessidade de atender a maior demanda de passageiros, que não está sendo respeitada no caso, sendo apenas um dos critérios para o financiamento de tais projetos, que devem levar em consideração também outras questões, como as socioambientais.

Depois, manifestou-se a Promotora de Justiça Dra. Hortênsia Gomes Pinho, solicitando a apresentação por parte da Prefeitura de Salvador dos dados técnicos do projeto de BRT/Salvador, para que pudesse ser avaliado com maior rigor se o projeto está ou não em desacordo com a Lei de Política Nacional de Mobilidade. Informou que já solicitou à PMS inúmeros documentos e dados operacionais sobre o BRT, que ficou de dar uma resposta em 11 de junho; solicitou também informações sobre as linhas que vão alimentar o sistema, os pontos de conexão e principalmente o estudo sobre a demanda, uma vez que o estudo técnico existente e disponibilizado pela prefeitura é de 2014 – portanto antes do Metrô entrar em operação atendendo os mesmos destinose estabelece que o trecho LIP/LAPA tem uma demanda de 6.000 passageiros/hora no horário de pico, sendo que para a implantação do BRT seria necessária uma demanda de 12.000 a 30.000 passageiros/hora. Aduziu que o Plano de Mobilidade Urbana, que deve preceder este tipo de empreendimento, ainda não foi finalizado, tendo sido estabelecido de forma impositiva a necessidade do BRT; que o projeto atual do BRT terá vários “elevados”, será “mumificado”, diferentemente do que ocorre em outros locais, o que impossibilitará que o projeto do BRT/SALVADOR seja reaproveitado posteriormente para implantação de um outro modal no futuro; que a ausência de estudos atualizados de integração espacial e operacional compromete a análise da demanda de passageiros, fundamental para a análise do próprio empreendimento como um todo. Quanto aos aspectos jurídicos, Dra. Hortênsia Gomes Pinho informou que para um correto licenciamento ambiental é necessária a apresentação de documentação que permita a precisa avaliação do projeto; que o EIA/RIMA existente se baseou em informações de 2014, sem o projeto básico do empreendimento, mas apenas com o projeto conceitual que não levou em consideração o funcionamento do Metrô, o que, para a Promotora, não parece juridicamente aceitável, diante de uma obra civil de alto impacto.

Em resposta aos questionamentos efetuados até este momento, o Secretário Roberto Mussalem informou que a Prefeitura Municipal de Salvador já respondeu a vários ofícios do Ministério Público Estadual que abrangem aos questionamentos feitos.

De tudo quanto informado nos mencionados encontros, percebe-se quantos pertinentes questionamentos urgem ser debatidos entre a população, especialistas e o poder público municipal para que a melhor solução de mobilidade seja implementada.

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Sobre o autor
Leandro Bastos Nunes

Procurador da República. Ex-Advogado da União. Especialista em direito penal e processo penal. Articulista. Autor da obra "Evasão de divisas" (Editora JusPodivm). Professor da pós-graduação em direito penal econômico da FTC (Faculdade de Tecnologia e Ciências), e em cursos do Ministério Público da União. Palestrante em crimes financeiros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NUNES, Leandro Bastos. Ação civil pública visando suspender as obras do BRT em Salvador. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5564, 25 set. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/67517. Acesso em: 22 dez. 2024.

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