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Ação civil pública visando suspender as obras do BRT em Salvador

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25/09/2018 às 13:13
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IV. A NECESSIDADE DE CONCESSÃO DE TUTELA DE URGÊNCIA LIMINARMENTE

A magistratura ocupa uma função singular nessa nova engenharia institucional. Além de suas funções usuais, cabe ao Judiciário controlar a constitucionalidade e o caráter democrático das regulações sociais. Mais ainda: o juiz passa a integrar o circuito de negociação política. Garantir as políticas públicas, impedir o desvirtuamento privatista das ações estatais, enfrentar o processo de desinstitucionalização dos conflitos – apenas para arrolar algumas hipóteses de trabalho – significa atribuir ao magistrado uma função ativa no processo de afirmação da cidadania e da justiça substantiva. (FARIA, José Eduardo. Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. 1ª ed., 4ª tiragem, Malheiros Editores, 2005, pág. 49)

A Lei nº 7.347/85 previu, em seus artigos 11 e 12, a possibilidade de deferimento de pedido liminar em sede de ação civil pública para garantir a efetividade da própria decisão final, que, em face do tempo do processo, pode restar comprometida em sua inteireza, de maneira a prejudicar o direito material tutelado.

A presente lide é a típica demanda em que a tutela de urgência se une de modo indissociável ao próprio pedido principal, sendo que aquela visa o não agravamento dos danos ambientais já ocorridos ao passo que este visa a reparação dos danos já experimentados.

A defesa do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado exige uma rápida e efetiva atuação do poder público, de modo a prevenir (e reparar) os danos ambientais, ainda que potenciais, conforme orientam os princípios da precaução, prevenção e do desenvolvimento sustentável.

Os documentos constantes nos autos da Notícia de Fato nº 1.14.000.000681/2018-01 e do Inquérito Civil nº 1.14.000.002854/2016-55, além de outros documentos acostados à presente ACP, comprovam os fatos narrados e evidenciam a probabilidade do direito e o perigo da ocorrência de dano, ou seu agravamento, ao meio ambiente.

No caso concreto esboçado nos autos, verifica-se que as obras relativas ao trecho 1 do BRT/SALVADOR já foram iniciadas, com a supressão de inúmeras árvores, mesmo após 02 (duas) recomendações expedidas pelo Ministério Público Estadual para a paralisação destas.

Como pode ser observado nos autos do IC nº 1.14.000.002854/2016-55 (fls. 21/22 do arquivo, 122/123 do IC), em 20/04/2018 o MPE recomendou à Gerência de Obras do Consórcio BRT que suspendesse a obra; em 27/04/2018 o MPE recomendou à SUCOP a SUSPENSÃO IMEDIATA da execução do Projeto BRT, até a conclusão do laudo pericial de impacto ambiental do CEAT, a fim de instruir o procedimento preparatório nº 00.3.953794/2018.

Em resposta datada de 23/04/2018, o Consórcio BRT Salvador informou por meio do Ofício BRT/CT/EXT/2018/0027 (fl. 20 do arquivo), que “(…) a execução do projeto BRT é objeto do Contrato nº 029/2017, celebrado com a Superintendência de Obras Públicas de Salvador (SUCOP), o qual estabelece diversas penalidades ao Consórcio no caso de atraso ou paralisação dos serviços, sem prévia aprovação do Contratante(...)”, de forma que “(…) não possui prerrogativa de suspensão das obras conforme solicitado no ofício em referência”.

Logo, não resta outra medida a ser adotada exceto a judicialização do feito, a fim de que, por decisão liminar, seja determinado ao CONSÓRCIO BRT e o ao MUNICÍPIO DE SALVADOR a suspensão/paralisação imediata das obras iniciadas, e à CAIXA ECONÔMICA FEDERAL e à UNIÃO (Ministério das Cidades) a proibição de efetuar repasses financeiros para a execução do empreendimento.

O fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação surge da necessidade de impedir o avanço das obras, com a supressão de inúmeras árvores e demais atos concretos prejudiciais ao meio ambiente, sem que exista um embasamento técnico suficiente para a sua continuidade. Necessária, portanto, a paralisação imediata dos serviços decorrentes do avanço da obra do BRT/SALVADOR, a fim de evitar um prejuízo ainda maior à área já afetada.

É notório que o avanço das obras implicará em drástica redução de área verde ainda existente na cidade, gerando inúmeros efeitos secundários na região, como alterações no microclima, elevação de temperatura, alterações no regime de chuvas, alagamentos devido à falta de superfícies permeáveis e outros que competem à qualidade de vida e à saúde pública.

Tais impactos não podem ser desconsiderados, já que podem provocar alterações na composição, estrutura e dinâmica da comunidade, caracterizando-se como um impacto permanente. Não restam dúvidas de que torna-se mais eficaz impedir/evitar o dano ambiental, avaliando-o e controlando-o do que atuar posteriormente, de modo compensatório.

Sobre o tema, vejamos a jurisprudência pátria:

CONSTITUCIONAL, AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEGRADAÇÃO AMBIENTAL EM ÁREA SITUADA NA AMAZÔNIA LEGAL. LANÇAMENTO DE CRÉDITOS VIRTUAIS NO SISTEMA DOF/IBAMA. ESTORNO OPORTUNO. AUSÊNCIA DE UTILIZAÇÃO. DANO AMBIENTAL NÃO CONSUMADO. I – "Na ótica vigilante da Suprema Corte, "a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a "defesa do meio ambiente" (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral (…). O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações" (ADI-MC nº 3540/DF - Rel. Min. Celso de Mello - DJU de 03/02/2006). Nesta visão de uma sociedade sustentável e global, baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura de paz, com responsabilidades pela grande comunidade da vida, numa perspectiva intergeracional, promulgou-se a Carta Ambiental da França (02.03.2005), estabelecendo que "o futuro e a própria existência da humanidade são indissociáveis de seu meio natural e, por isso, o meio ambiente é considerado um patrimônio comum dos seres humanos, devendo sua preservação ser buscada, sob o mesmo título que os demais interesses fundamentais da nação, pois a diversidade biológica, o desenvolvimento da pessoa humana e o progresso das sociedades estão sendo afetados por certas modalidades de produção e consumo e pela exploração excessiva dos recursos naturais, a se exigir das autoridades públicas a aplicação do princípio da precaução nos limites de suas atribuições, em busca de um desenvolvimento durável. A tutela constitucional, que impõe ao Poder Público e a toda coletividade o dever de defender e preservar, para as presentes e futuras gerações, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, como direito difuso e fundamental, feito bem de uso comum do povo (CF, art. 225, caput), já instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da precaução (quando houver dúvida sobre o potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, toma-se a decisão mais conservadora, evitando-se a ação) e a conseqüente prevenção (pois uma vez que se possa prever que uma certa atividade possa ser danosa, ela deve ser evitada - CF, art. 225, § 1º, IV)" (AC 0002667-39.2006.4.01.3700/MA, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, QUINTA TURMA, e-DJF1 p.172 de 12/06/2012). (...) (TRF-1ª Região, 5ª Turma, Apelação 00114096420084013900, Rel. Souza Prudente, DJF1 23/03/2018).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. FERROVIA TRANSNORDESTINA. SUPOSTA ÁREA DE VALOR ARQUEOLÓGICO CULTURAL. IGREJA E ADJACÊNCIAS. COMUNIDADE DOS QUILOMBOLAS. PLEITO DO MPF DE SUSPENSÃO TOTAL DAS OBRAS NO TRECHO. TUTELA PARCIALMENTE PROVIDA PELO MAGISTRADO DE PRIMEIRO GRAU. OBRIGAÇÃO IMPOSTA À CONCESSIONÁRIA DE MANUTENÇÃO E CONSERVAÇÃO DO CONJUNTO ARQUITETÔNICO. MEDIDA MITIGADORA/COMPENSATÓRIA CABÍVEL. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. RECURSO DESPROVIDO. 1 - Recurso conexo ao Agravo de Instrumento n.º 127.825-PE, trazido à apreciação deste Colegiado para apreciação simultânea nesta sessão de julgamento, no qual figura como parte ativa o MPF, almejando a suspensão total das obras de engenharia. 2 - A TRANSNORDESTINA LOGÍSTICA S/A interpõe agravo de instrumento contra decisão proferida na Ação Civil Pública n.º 0000494-20.2011.4.05.8303, em relação à obrigação de fazer imposta pela tutela antecipada parcialmente deferida para o Parquet: "b) Elaborar um projeto de recuperação e manutenção da Igreja São Luiz Gonzaga, no prazo de 90 (noventa) dias, considerando a possível influência das vibrações ao longo do tempo, como medida compensatória, cujo cumprimento operacional se iniciará com a instalação da linha férrea na área adjacente à Capela e perdurará durante toda a exploração comercial da Ferrovia Transnordestina, obrigações essas que deverão ser transmitidas a eventuais sucessores da TLSA". 3 - O impacto da construção da Ferrovia Transnordestina nas imediações da Igreja São Luiz Gonzaga, Sítio Carvalho, Município de Custódia, Pernambuco, exige uma proteção especial e profunda investigação técnica, com amplo debate na seara probatória. 4 - O princípio do livre convencimento do julgador lhe autoriza requerer a elaboração de perícias e estudos, além daquelas já apresentadas no início da demanda, notadamente na seara da ação civil pública e em reverência ao princípio da precaução. 5 - No tangente à obrigação imposta à TRANSNORDESTINA LOGÍSTICA S/A de elaborar um plano lhe atribuindo a missão de zelar pela conservação e manutenção do imóvel tombado, enquanto durar a exploração do empreendimento, mister este a ser exercido inclusive por eventuais sucessores empresariais, ela deve ser mantida como salutar medida mitigadora/compensatória para evitar possíveis danos estruturais graves ao conjunto arquitetônico. 6 - Não merece acolhida a tese de competir exclusivamente à União o papel de preservá-lo: a) primeiro porque não se está transmitindo essa obrigação à concessionária indefinidamente, mas apenas durante a exploração comercial da obra; b) segundo, na seara ambiental a imposição desse tipo de obrigação é perfeitamente cabível. Agravo de instrumento desprovido (TRF-5 Região, 1ª Turma, AG - 128244, DJE 25/01/2013).

PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. OCUPAÇÃO IRREGULAR. DETERMINAÇÃO DE ABSTENÇÃO DE NOVAS CONSTRUÇÕES NA LOCALIDADE E DE CONCESSÃO DE LICENÇA AMBIENTAL PARA NOVAS EDIFICAÇÕES ATÉ REALIZAÇÃO DE PERÍCIA JUDICIAL PARA AFERIR A ESPECIALIDADE DE PROTEÇÃO DA ÁREA. RAZOABILIDADE. TUTELA DO MEIO AMBIENTE. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO DETERMINAÇÃO DE DELIMITAÇÃO DOS BENS SOB DOMINIALIDADE DA UNIÃO NA REGIÃO. REFORMA DO PROVIMENTO MONOCRÁTICO. 1. Agravo de instrumento manejado pelo Ministério Público Federal contra decisão que, nos autos de ação civil pública, indeferiu o pedido liminar, através do qual objetivava que a ULTRAPAR-ULTRADATA PARTICIPAÇÕES LTDA fosse impedida de promover qualquer alteração na área compreendida pelos 18 lotes da quadra 11 do Loteamento Jardim Fortaleza até a realização de perícia judicial, que o Município de Fortaleza se abstivesse de conceder licença ambiental ou de construção nesses limites e que a União delimitasse os bens sob sua dominialidade compreendidos na referida localidade. 2. O comando inserto no art. 23 da Constituição da República preconiza que se insere na competência comum administrativa da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios o dever de proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas. 3. O Parquet Federal comprovou a verossimilhança de suas alegações respeitantes à caracterização dos 18 lotes da quadra 11 do Loteamento Jardim Fortaleza, no Município de Fortaleza/CE, como área de proteção permanente, através da juntada de dois laudos periciais, sendo um produzido pelos técnicos do IBAMA e outro elaborado pela Associação Técnico-Científica Engenheiro Paulo de Frotin - ASTEF, nos quais se atesta que a região apontada se encontra inserida no interior da poligonal que delimita área de interesse social para fins de desapropriação para a criação e ampliação do Parque Ecológico do Cocó, conforme determinado pelos Decretos Estaduais nº 20.253/89 e nº 22.587/93. 4. Temática versada nos autos que já recebeu os contornos por esta Corte quando do julgamento do Agravo de Instrumento nº 0000281-91.2011.4.05.0000, determinando que o Município de Fortaleza, por meio da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Controle Urbano (SEMAM), se abstenha de outorgar quaisquer novas licenças ambientais para qualquer obra ou atividade localizada na região do referido parque. 5. Em vista da relevância do bem que se pretende tutelar - meio ambiente – e da aplicação ao caso do princípio da precaução, reputa-se pertinente na espécie a abstenção de promoção de qualquer alteração na área litigiosa até a superveniência da perícia judicial, medida essa indispensável à proteção do bioma de especial proteção. 6. Caso em que se mostra igualmente adequado que a União proceda à delimitação dos bens de sua dominialidade que estariam insertos na dita área de proteção permanente. 7. Agravo de instrumento provido (TRF-5ª Região, 3ª Turma, AG-140963, Rel. Paulo Machaco Cordeiro, DJE 04/04/2016).

(grifos nossos)

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Logo, presentes os requisitos autorizadores, mostra-se imprescindível a concessão de tutela de urgência a fim de se evitar e minimizar a ocorrência de impactos socioambientais resultantes do avanço das obras relativas ao trecho 1 do BRT/SALVADOR, bem como os danos ambientais destas decorrentes, os quais já se verificam, em razão do início da execução do contrato, conforme se demonstra na imagem abaixo, recebida por intermédio das redes sociais:

Trecho da Avenida Juracy Magalhães com retorno ao Parque da Cidade

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Sobre o autor
Leandro Bastos Nunes

Procurador da República. Ex-Advogado da União. Especialista em direito penal e processo penal. Articulista. Autor da obra "Evasão de divisas" (Editora JusPodivm). Professor da pós-graduação em direito penal econômico da FTC (Faculdade de Tecnologia e Ciências), e em cursos do Ministério Público da União. Palestrante em crimes financeiros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NUNES, Leandro Bastos. Ação civil pública visando suspender as obras do BRT em Salvador. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5564, 25 set. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/67517. Acesso em: 22 dez. 2024.

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