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Embargos de declaração no processo penal

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17/05/2022 às 18:00

Resumo:


  • Os embargos de declaração são um recurso utilizado para esclarecer uma decisão judicial que contenha obscuridade, omissão ou contradição.

  • Os embargos de declaração não possuem caráter infringente ou modificativo do julgado.

  • Os embargos de declaração devem ser utilizados para solicitar o reexame da decisão a fim de esclarecê-la, dissipar dúvidas ou corrigir erros, sem ter o objetivo de modificar o julgado.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Recurso para que seja declarada extinta a punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva estatal.

Sumário. Ainda que se pretenda superior a toda a crítica, pode a decisão judicial conter defeitos de vária ordem: omissão, obscuridade, erro ou contradição. Para conjurá-los, a lei processual previu o uso dos embargos de declaração.


I. Se “até nas obras de Deus há claros e escuros”, pois “da luz e das trevas compôs o dia natural”, como escreveu grave autor[1]; se “até o Sol tem manchas”, conforme asseveram os astrônomos, que muito encerre uma decisão, ainda que com bem de pesar de seu prolator, baldas e senões?! Produto do entendimento humano, adivinham-se-lhe as imperfeições e fraquezas!

Daqui a instituição dos embargos declaratórios, espécie de recurso cuja finalidade precípua é provocar o reexame de decisão para esclarecê-la, dissipando-lhe as dúvidas ou expungindo-a de erros (art. 619 do Cód. Proc. Penal).

Pelo comum, não possuem caráter infringente ou modificativo do julgado[2].

“Melhor será que a sentença não erre. Mas, se cair em erro, o pior é que se não corrija”, escreveu o excelso Rui (Oração aos Moços, 1a. ed., p. 45).

Nos casos em que se amparem a razões atendíveis, nenhum escrúpulo deve obstar que o Juiz acolha de boa sombra embargos declaratórios opostos às suas decisões.

Temos, a esse propósito, lição de nosso mais eminente jurisconsulto:

“A toga do magistrado não se deslustra, retratando-se dos seus despachos e sentenças, antes se relustra, desdizendo-se do sentenciado ou resolvido, quando se lhe antolha claro o engano em que laborava, ou a injustiça que cometeu” (Rui Barbosa, Obras Completas, vol. XLV, t. IV, p. 205)[3].

Magistrados que, num impulso de consciência reta — e talvez não vulgar coragem moral —, não hesitarem em rever suas decisões e até mudar de opinião em bem da Justiça e da Verdade[4], esses terão por si o aplauso e a reverência dos espíritos esclarecidos e honrados (o que bastará a recomendar-lhes o nome à estima pública).


II. Em conformidade com a doutrina mais bem recebida e sob o patrocínio de abalizada jurisprudência, foi que a 15a. Câmara do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo decidiu os Embargos de Declaração, cuja cópia vai adiante reproduzida:

PODER JUDICIÁRIO - Tribunal de Alçada Criminal - Décima Quinta Câmara

Embargos de Declaração nº 1.214.913/5 1 - Comarca: Pirajuí

Embargante: LCS - Embargada: 15a. Câmara do Egrégio Tribunal de Alçada Criminal

Voto nº 2697

Relator

“Em caso de dúvida sobre a tempestividade do recurso, deve ser admitido” (STF; Rev. Trim. Jurisp., vol. 89, p. 799).

“Proferida a sentença de mérito, o juiz encerra a atividade jurisdicional sobre a imputação” (Vicente Greco Filho, Manual de Processo Penal, 1997, p. 327); pelo que, já não pode modificá-la, senão para emendar erros materiais.

— Lição de Rui: “Quer dizer que o juiz, depois de proferir a sentença, deixou de ser juiz a este respeito. É esse o direito dominante entre nós” (Obras Completas, vol. XXXII, t. I, p. 141).

“Os embargos de declaração não se devem revestir de caráter infringente do julgado” (Julgados do Supremo Tribunal Federal, vol. 217, p. 266; rel. Min. Néri da Silveira).

1. Assistido de ilustre advogado, LCS opôs embargos de declaração ao ven. acórdão de fls. 767/779, sob color de que encerrava nulidade; ao demais, era contraditório e omisso.

Requer, destarte, o acolhimento do recurso, a fim de que seja anulado o acórdão, ou afastada sua condenação, por “injusta e sem qualquer base legal” (fls. 792/807).

A arguição de nulidade consistira no cerceamento do direito de defesa, por falta de intimação do patrono do réu para o julgamento de sua apelação.

Ao aviso do embargante, foi omisso o acórdão porque não reconhecera a nulidade do processo, à qual dera causa a falta de “intimação específica” da defesa para manifestar-se a respeito da remessa dos autos ao Juízo de Direito da Comarca de Pirajuí.

Teria sido também contraditório ao sustentar que a alegação de cerceamento de defesa respeitava somente à fase de instrução do processo, não à inquisitorial.

Acrescenta que incidiu em equívoco a decisão colegiada ao manter-lhe a condenação por crime que não cometera, pois não estava obrigado a efetuar repasses de recursos correspondentes a dotações orçamentárias destinadas aos órgãos do legislativo.

À derradeira, afirma que a escassez das finanças do Município de Pirajuí era óbice irremediável à realização do pagamento aos Vereadores.

Pleiteia, assim, o recebimento dos embargos.

É o relatório.

2. A r. sentença proferida pelo MM. Juízo de Direito da 2a. Vara Criminal da Comarca de Pirajuí condenou o réu à pena de 10 dias-multa por infração do art. 1º, nº XIV, do Decreto-lei nº 201/67, combinado com o art. 71 do Código Penal.

Confirmou-a em sua inteireza o ven. acórdão desta colenda Câmara, ao julgar-lhe improcedente a apelação.

O embargante, porém, increpando-o de nulidade, contradição e omissão, pretende-lhe a reforma.

3. Conheço dos embargos, porque opostos no prazo e em forma legal.

A dúvida acerca da tempestividade da interposição do recurso, interpreto-a em favor do embargante. É que, embora disponha o art. 798, § 6º, alínea a, do Código de Processo Penal que “os prazos correrão da intimação” — e esta se deu aos 27.11.2000 (fl. 791) —, o embargante manifestou-se a tempo, ainda que somente aos 6.12.2000 tenha seu recurso entrado no Protocolo de Segunda Instância (fl. 792).

A petição de fl. 792, protocolou-a o embargante no Fórum da Comarca de Pirajuí, como lho facultava o sistema de protocolo integrado, criado pelo Provimento nº 462, de 14.10.91, do Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo, com a redação que lhe deu o Provimento nº 3/92, o qual autorizou os protocolos dos foros do Estado a receber as petições destinadas ao Tribunal de Justiça e aos Tribunais de Alçada. Fê-lo no dia 29.11.2000, como consta do selo adesivo de fl. 792, portanto no prazo do art. 619 do Código de Processo Penal.

Vem aqui a ponto o magistério do Colendo Superior Tribunal de Justiça:

“A interposição de recurso, no Estado de São Paulo, em comarca diversa, pelo sistema de protocolo integrado, dentro do prazo legal, considera-se tempestiva mesmo que a petição tenha sido juntada aos autos posteriormente” (Revista do Superior Tribunal de Justiça, vol. 57, p. 377; apud Theotonio Negrão, Código de Processo Civil, 26a. ed., p. 399).

Ainda:

“Em caso de dúvida sobre a tempestividade do recurso, deve ser admitido” (STF; Rev. Trim. Jurisp., vol. 89, p. 799; apud Damásio E. de Jesus, Código de Processo Penal, 13a. ed., p. 404).

À vista do que levo expendido, conheço dos embargos de declaração e entro a examiná-los.

4. A alegação de nulidade do julgamento, porque cerceada a defesa do embargante, não procede, “data venia”.

Não fora o combativo patrono do embargante intimado a tempo da sessão de julgamento da apelação: este, o argumento com que pretende invalidar a r. decisão colegiada.

Ainda que, por assistir longe da Capital, lhe tenha chegado às mãos com atraso o órgão da imprensa oficial em que foi publicada a intimação da sessão de julgamento — e por isso a ela não pôde comparecer para a sustentação oral de suas razões —, não se mostra atendível sua pretensão.

Deveras, o julgamento da causa de interesse do embargante obedeceu à disposição do art. 129, § 1º, do Regimento Interno do Tribunal, que obriga à publicação da ordem do dia no órgão oficial, com a antecedência mínima de 48h; o que, aliás, foi feito, como o reconheceu o próprio embargante (fl. 795).

A circunstância de que soubera tardiamente da data do julgamento não é poderosa a carrear-lhe nulidade.

Deveras:

“A intimação de advogado, devidamente constituído, das decisões proferidas em 2a. Instância, deverá ser feita por publicação no órgão oficial ou no órgão da imprensa incumbido da publicidade dos atos judiciais da comarca, nos termos do art. 370, § 1º, do Cód. Proc. Penal, com a redação dada pela Lei nº 9.271/96” (STF; Min. Carlos Velloso; Rev. Tribs., vol. 754, p. 543).

Rejeito, por isso, a preliminar de nulidade suscitada pelo embargante.

5. O embargante assentou o ferrete de omisso ao ven. acórdão porque não decretara a nulidade do processo por alegada afronta ao princípio do contraditório e da ampla defesa: faltara intimação específica de seu patrono para dizer a respeito da remessa dos autos ao Juízo de Direito da Comarca de Pirajuí.

Não lhe acho, todavia, razão.

Com efeito, versando o tema, afirmou textualmente o ven. acórdão:

[4. Também não procede, com a devida vênia, a argumentação do recurso de que estaria nulo o processo por falta de intimação do despacho de fl. 650 à Defesa.

Tal alegação, posto a não considere este obscuro juiz obra de malícia, de equívoco é certamente.

Em verdade, do aludido despacho foram as partes regularmente intimadas (fl. 677 v.).

Da certidão do cartório, ao demais, constou que “não veio aos autos manifestação da Defesa” (ibidem).

Ora, se intimada na forma da lei, deixou a Defesa corresse “in albis” o prazo para falar nos autos, direito era esse que lhe assistia: tratavase de ato que se achava no circuito dos ônus.

De feito:

“Agir ou omitir-se, na ocasião própria, dentro do processo, é uma dimensão de liberdade processual. Cada parte age, ou não age, em certas ocasiões, a seu risco. Só o interesse próprio lhe ditará se deve ou não atuar” (Eliézer Rosa, Dicionário de Processo Civil, 1973, p. 304).

À derradeira, a prova do prejuízo é requisito da decretação da nulidade processual.

No caso, ainda que alguma nulidade triunfasse — o que admito sem contudo conceder —, não era de reconhecê-la, ante a ausência de prova cabal do prejuízo.

Assim dispõe o art. 563 do Código de Processo Penal:

“Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”.

Por manifestamente improcedentes, rejeito as questões preliminares suscitadas no apelo do réu.]

6. De contraditório também o embargante qualificou o ven. acórdão, que proclamara ser inaplicável ao inquérito policial o princípio da ampla defesa. Sustenta que, “a contrario sensu”, ao menos na fase judicial, deveria ser-lhe garantido o exercício da plena defesa, com possibilidade de realização de perícia, em ordem a restabelecer a verdade dos fatos.

Abraçando doutrina que os críticos mais exatos observam e ensinam, afirmou o acórdão recorrido que o contraditório pertencia para a instrução criminal judicial, “in verbis” (fls. 773/774):

[A razão é que, embora “indispensável à administração da justiça” (art. 133 da Const. Fed.), não há exigir a presença do advogado, exceto naqueles atos em que opera como requisito de sua validade.

O caso dos autos não está nesse número.

A perícia contábil contra que se rebela o apelante, efetuada a instância da Procuradoria-Geral de Justiça (fls. 304 e 311/315), não armava senão ao fito de obter os elementos necessários à instauração do processo-crime. A “persecutio criminis” não passara ainda da esfera policial.

Ora, segundo a comum opinião dos doutores, não é indeclinável, no curso da investigação policial, a prática do contraditório, que entende só com o processo (o qual só entra a existir com o recebimento da denúncia ou queixa).

Entendimento é este que tem por fiador não menos que ao Colendo Supremo Tribunal Federal:

“A investigação policial, em razão de sua própria natureza, não se efetiva sob o crime do contraditório, eis que é somente em Juízo que se torna plenamente exigível o dever estatal de observância do postulado da bilateralidade dos atos processuais e da instrução criminal. A inaplicabilidade da garantia do contraditório ao inquérito policial tem sido reconhecida pela jurisprudência do STF. A prerrogativa inafastável da ampla defesa traduz elemento essencial e exclusivo da persecução penal em Juízo” (Rev. Tribs., vol. 689, p. 439; rel. Min. Celso de Mello).

Ainda:

“Não cabe alegar cerceamento de defesa na fase do inquérito. O contraditório é próprio da instrução criminal judicial” (STJ; RHC nº 4.358-0; rel. Min. Edson Vidigal; DJU 4.8.95, p. 24.035; apud Alberto Silva Franco et alii, Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, 1999, vol. I, pp. 40-41).]

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7. Os embargos ferem também a questão relacionada com suposto equívoco do ven. acórdão, por haver mantido a condenação do réu pela prática de crime que não cometera. Invoca em seu prol motivo de força maior: a Prefeitura do Município de Pirajuí carecia dos recursos para o pagamento dos salários de seus vereadores.

Mas, ao tratar, no âmbito dos embargos de declaração, de matéria já sovada e que entende com sua culpabilidade, por sem dúvida que o réu não guardara, como lhe cumpria, inteira observância à finalidade dessa espécie recursal, limitada ao esclarecimento do acórdão.

Assim — escreveu Bento de Faria —, “não devem ser admitidos quando o seu objetivo for a infringência ou a nulidade do julgamento” (Código de Processo Penal, 1960, vol. II, p. 340).

Não é, portanto, pela via judicial dos embargos de declaração que o réu haverá de impugnar a conclusão do acórdão que lhe foi desfavorável. Pretender, como faz, que a colenda Câmara lhe reaprecie a tese da inocência, o mesmo seria que pressupô-la dotada de qualidade que não tem, i.e., de juízo de retratação.

A alegada injustiça da decisão — se a houve — já não será a turma julgadora quem vai repará-la.

8. Em verdade, é princípio jurídico, observado entre nós sem quebra, que, “proferida a sentença de mérito, o juiz encerra a atividade jurisdicional sobre a imputação” (Vicente Greco Filho, Manual de Processo Penal, 1997, p. 327); já não poderá modificá-la, senão para retificar erros materiais.

Quer dizer — é a lição de Rui — “quer dizer que o juiz, depois de proferir a sentença, deixou de ser juiz a este respeito. É esse o direito dominante entre nós” (Obras Completas, vol. XXXII, t. I, p. 141).

Pelo mesmo teor, João Monteiro:

“A sentença termina o ofício do juiz, e por isso é irretratável; quer dizer que, proferida a sentença definitiva, finda a jurisdição do respectivo juiz prolator” (apud Rui, op. cit., p. 142).

Nisto de alcance e finalidade dos embargos de declaração, vem aqui a pelo a jurisprudência do Pretório Excelso:

a)  “O recurso de embargos de declaração não tem cabimento quando, a pretexto de esclarecer uma inocorrente situação de obscuridade, contradição, dúvida ou omissão do acórdão, vem a ser utilizado com o objetivo de infringir o julgado” (ED em RE nº 159.228-DF; rel. Min. Celso de Mello);

b)   “Os embargos de declaração não se devem revestir de caráter infringente do julgado. A maior elasticidade que se lhes reconhece, excepcionalmente, em casos de erro material evidente ou de manifesta utilização para questionar a correção do julgado no mérito e obter sua modificação” (Julgados do Supremo Tribunal Federal, vol. 217, p. 266; rel. Min. Néri da Silveira; apud Alberto Silva Franco et alii, Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, 1999, vol. II, p. 3.035).

Estas, as razões que me inclinam a não admitir, com bem de pesar meu, os embargos de declaração opostos ao acórdão de fls. 768/779 pela estrênua e talentosa Defesa do réu.

9. Pelo exposto, rejeito os embargos de declaração.

São Paulo, 2 de janeiro de 2001

Carlos Biasotti

Relator

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Sobre o autor
Carlos Biasotti

Desembargador aposentado do TJSP e ex-presidente da Acrimesp

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BIASOTTI, Carlos. Embargos de declaração no processo penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6894, 17 mai. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/97765. Acesso em: 22 dez. 2024.

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