6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Brasil possui uma série de problemas na administração do sistema carcerário. E essa realidade é derivada, principalmente, da forma de atuação do Estado, que não consegue implementar medidas efetivas na construção de uma Política Carcerária compatível com os ditames de um Estado Democrático de Direito. Tais problemas impactam a execução da pena privativa de liberdade, pois os presos acabam não recebendo o tratamento adequado para cumprir a pena de forma digna, nos moldes em que determinam a Constituição Federal de 1988 e a Lei de Execução Penal.
A divergência existente entre as determinações legais, que conferem aos presos garantias e direitos, e a realidade do sistema prisional, demonstra que a população carcerária brasileira se encontra em uma posição de vulnerabilidade. Com isso, a análise de dados acerca do tema se mostra necessária para que se possa dimensionar o quanto a execução da pena privativa de liberdade, da forma em que está sendo aplicada, se encontra distante da pretensão legislativa, que determinou como uma de suas finalidades, a ressocialização do condenado.
Os dados analisados no trabalho, ao demonstrar que a execução da pena privativa de liberdade está sendo realizada de forma contrária às determinações legais, refletem que não há vagas nos estabelecimentos prisionais que sejam suficientes para atender o número excessivo de custodiados, chegando a um déficit de 312.925 vagas no ano de 2019.
Além disso, muitos estabelecimentos prisionais existentes não fornecem os padrões necessários para comportar os presos, ou seja, não atendem as condições de infraestrutura básica, com promoção de lugares reservados à saúde, higiene e educação.
Esse cenário, ocasionado por múltiplos fatores, conta com uma contribuição do Estado para sua intensificação, pois a atuação estatal, ao legislar sobre a pena privativa de liberdade, ao aplicar a lei e ao administrar os estabelecimentos prisionais, tem se apresentado incompatível com a finalidade de se ressocializar o preso.
A ressocialização do apenado, entendida como uma das formas de humanização da pena, torna-se alcançada quando a pessoa aprisionada tem o tempo de cumprimento da pena revertido em prol do seu aprimoramento comportamental. Para tanto, a ressocialização não pode figurar apenas de modo idealizado, é preciso que ela passe a ser instaurada de modo concreto e, para tanto, é necessário enfrentar as questões que lhe criam empecilhos, como por exemplo, o déficit de vagas nos estabelecimentos prisionais e a constante violação aos direitos dos presos.
Por isso, é importante que se promova uma melhor compreensão dos fins da pena, principalmente no que se refere ao fim da ressoacialização, para que o conhecimento ora obtido seja levado para a sociedade de uma forma mais democrática, fazendo com que se torne possível identificar os erros e os acertos na execução da pena privativa de liberdade, que apesar de não ser executada da forma mais harmoniosa com os seus fins é ainda considerada a melhor forma de se aplicar o poder punitivo estatal nos casos em que envolve ofensa ou ameaça à bens jurídicos de maior relevância.
REFERÊNCIAS
BARATTA, Alessandro. Direitos Humanos: entre a violência estrutural e a violência penal. Porto Alegre, Revista de Ciências Penais: Porto Alegre, v. 6, n. 2, p-44 61, abril/maio/jun, 1993. Disponível em:https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5571686/mod_folder/content/0/ALESSANDRO%20BARATA.pdf?forcedownload=1.
BECCARIA, Cesare Bonesana. Dos Delitos e das Penas. Tradução de Paulo M. Oliveira, prefácio de Evaristo de Moraes. São Paulo: Edipro, 1ª edição, 2013.
BECHARA, A. E. L. S. O sentido da pena e a racionalidade de sua aplicação no estado democrático de direito brasileiro. REVISTA DA FACULDADE MINEIRA DE DIREITO, v. 21, p. 10, 2018.
BECHARA, A. E. L. S. As mortes sem pena no Brasil: a difícil convergência entre direitos humanos, política criminal e segurança pública. Revista da Faculdade de Direito (USP) , v. 1, p. 100, 2015.
BITENCOURT, C. R. Falência da Pena de Prisão. Revista dos Tribunais (São Paulo), v. 670, 1991.
BRASIL. Departamento Penitenciário Nacional. Modelo de Gestão para a Política Prisional. Brasília, 2016. Disponível em <https://www.justica.gov.br/modelo-de-gestao_documento-final.pdf> Acesso em 09 de set. 2020.
BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Levantamento Nacional de informações penitenciárias, atualização junho de 2017/ organização, Marcos Vinícius Moura. – Brasília: Ministério da Justiça e Segurança Pública, Departamento Penitenciário Nacional, 2019.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 02 set. 2020.
BRASIL. Lei de Execução Penal. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Brasília. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm> Acesso em: 02 set. 2020.
BRASIL. Exposição de Motivos Nº 211, de 9 de Maio de 1983. Brasília. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-2848-7-dezembro-1940-412868-exposicaodemotivos-148972-pe.html Acesso em: 27 set. 2020.
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça – CNJ. GEOPRESÍDIOS. Painel de dados sobre as inspeções penais em estabelecimentos prisionais. 2020. Disponível em: https://paineisanalytics.cnj.jus.br/single/?appid=e28debcd-15e7-4f17-ba93-9aa3ee4d3c5d&sheet=da3c5032-89ad-48d2-8d15-54eb35561278&lang=pt-BR&opt=currsel. Acesso em: 10 fev. 2021.
BRASIL. Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias. 2020. Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiMTVlMWRiOWYtNDVkNi00N2NhLTk1MGEtM2FiYjJmMmIwMDNmIiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ0NGMtNDNmNy05MWYyLTRiOGRhNmJmZThlMSJ9. Acesso em: 10 fev. 2021.
CARVALHO, Salo de. Penas e medidas de segurança no direito penal brasileiro / Salo de Carvalho. 3. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
COSTA, Helena Regina Lobo da. A dignidade humana: teorias de prevenção geral positiva/ Helena Regina Lobo da Costa; prefácio Juarez Tavares. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral (arts. 1º ao 120). 3ª ed. Salvador: JusPodivm, 2015.
FERREIRA, Carolina Costa. O Estudo de Impacto Legislativo como possível estratégia de contenção do encarceramento em massa no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 129, p. 137-180, 2017.
FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA - FBSP. Anuário Brasileiro de Segurança Pública, edição 14, São Paulo, 2020. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-interativo.pdf. Acesso em: 10 set. 2020.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão; tradução de Raquel Ramalhete. 41 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
FRAGOSO, Heleno Claudio. A Perda da Liberdade: Os direitos dos presos, VIII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Brasília, 1980. Disponível em http://www.fragoso.com.br/wp-content/uploads/2017/10/20171003013008-perda_liberdade.pdf. Acesso em: 12 de set. 2020.
GROHMANN, L. G. M. A separação de poderes em países presidencialistas: a América Latina em perspectiva comparada. Revista de Sociologia e Política, Curitiba - Paraná, v. 17, p. 75-106, 2001.
GUIMARÃES, Claudio A. G. Funções da pena privativa de liberdade no sistema penal capitalista: do que se oculta(va) ao que se declara. 2006. Tese (Doutorado em Direito) - Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Catarina, 2006.
GÜNTHER, Klaus. Crítica da Pena I. Revista Direito GV, v. 2 n. 2, p. 187 – 204, jul-dez, 2006. Disponível em http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/revdireitogv/article/viewFile/35149/33933. Acesso em 04 jun. 2020.
JESUS FILHO, José de. Administração Penitenciária: o controle da população carcerária a partir da gestão partilhada entre diretores, judiciário e facções / José de Jesus Filho. –2017.
KINDHÄUSE, Urs. A Dogmática Jurídico-Penal Alemã entre a adaptação e a autoafirmação: Controle de limites da Política Criminal pela Dogmática?; tradução de Beatriz Corrêa Camargo. Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol. 155/2019.
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de metodologia científica - 5. ed. - São Paulo: Atlas 2003.
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120) – vol. 1 / Cleber Masson. – 13. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2019.
MEDEIROS, F. J. M. Separação de Poderes: de doutrina liberal a princípio constitucional. Revista de Informação Legislativa, v. 178, p. 195-205, 2008.
NICOLITT, André Luiz; CARDOSO, F. H. Política Criminal e Direitos Fundamentais: Legalidade Ou Letalidade? O Necessário Relaxamento das Prisões Ilegais. Revista de Direito da Faculdade Guanambi, v. 4, n. 2, julho-dezembro 2017. Disponível em: http://revistas.faculdadeguanambi.edu.br/index.php/Revistadedireito/article/view/151/pdf. Acesso em: 12 out. 2020.
OLIVEIRA, Márcia de Freitas. O princípio da humanidade das penas e o alcance da proibição constitucional de penas cruéis. 2014. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de São Paulo – USP. São Paulo, 2014.
PEDROSO, Vanessa Alexsandra de Melo; JARDIM, C. J. O. O Castigo Abstrato e o Castigo Concreto: eficácia da estrutura da crueldade institucional pela ausência do direito. SEQUÊNCIA (UFSC), v. 40, p. 202-225, 2019.
PONTIERI, Alexandre. Progressão da pena pode transformar e reintegrar. Consultor Jurídico. São Paulo, 2009. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2009-set-24/sistema-progressivo-pena-mecanismo-transformacao-reintegracao Acesso em: 28 out. 2020.
PRADO, L. R. Teoria dos fins da pena: breves reflexões. Ciências Penais, São Paulo-SP, v. 0, p. 143-158, 2004.
REALE JÚNIOR, Miguel. Fundamentos de direito penal / Miguel Reale Júnior. – 5. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2020.
ROXIN, Claus. Sentidos e limites da pena estatal. In: Problemas fundamentais de direito penal. Trad. Ana Paula dos Santos e Luis Nastscheradetz. Lisboa: Veja, 1998. Disponível em https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4851004/mod_resource/content/1/ROXIN.%20Problemas%20Fundamentais%20de%20Dir%20Pen%20%28Sentido%20e%20limites%20da%20pena%20estatal%29.pdf.Acesso em: 02 set. 2020.
SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo. Finalidades da pena, conceito material de delito e sistema penal integral. 2008. Tese (Doutorado Em Direito) - Universidade de São Paulo – USP, São Paulo, 2008.
SHECAIRA, S. S. Liberdade x Cidadania - O Futuro das Prisões ou as Prisões do Futuro. Anais do Simpósio Sobre o Sistema Penitenciário, São Paulo, 1996.
SILVESTRE, Giane ; MELO, Felipe Athayde Lins de . Encarceramento em massa e a tragédia prisional brasileira. BOLETIM DO IBCCRIM , v. 293, p. 8, 2017. Disponível em: https://arquivo.ibccrim.org.br/boletim_artigo/5947-Encarceramento-em-massa-e-a-tragedia-prisional-brasileira. Acesso em: 10 abr de 2021.
SMANIO, Gianpaolo Poggio. Direito penal: parte geral / Humberto Barrionuevo Fabretti; Gianpaolo Poggio Smanio. – 1. ed. – São Paulo: Atlas, 2019.
TURELA, A. A. ; MELLER, D. L. . A crise da atividade jurisdicional e o hiperencarceramento como resposta estatal. REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS CRIMINAIS, v. 134, p. 387-409, 2017.
VALOIS, Luís Carlos. Conflito entre ressocialização e o princípio da legalidade penal/ Luís Carlos Valois.- 1. Ed. – Belo Horizonte, São Paulo: D’ Plácido, 2020.