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Páginas de fofocas das redes sociais

Agenda 04/11/2022 às 05:10

Existindo interesse público na imputação desonrosa feita a alguém, não é cabível questionar se tal conduta foi praticada com animus diffamandi.

A difamação é considerada como um fato criminoso pelo art. 139 do CP. Segundo o legislador, "difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação" é crime. Para o Código Penal Brasileiro, entretanto, se o ofendido é funcionário público, o agente pode afastar o caráter criminoso de sua conduta se comprovar que a imputação feita ao servidor público é verdadeira.

Em todos os manuais de Direito Penal a doutrina é unânime em afirmar que o que justifica a exceção da verdade no crime de difamação é o interesse do Estado em saber que seus funcionários exercem suas funções dignamente, com decoro. Ademais, entende os doutrinadores que o servidor público deve ficar exposto de forma mais intensa à censura, razão pela qual se admite a exceptio veritatis em casos envolvendo funcionários públicos. Daí só se admitir a exceção da verdade nesses casos se o fato estiver relacionado ao exercício da função pública.

No tocante ao elemento subjetivo do crime sob análise, a doutrina também exige consensualmente para a caracterização do crime de difamação que o agente tenha que agir, além de com o dolo de dano (vontade consciente de difamar o ofendido imputando-lhe a prática de fato desonroso), também com o animus diffamandi ao praticar a conduta (intenção de ofender, vontade de denegrir, o desejo de atingir a honra).

Por sua vez, cabe à vítima o ônus de provar que o fato desonroso fora praticado intencionalmente para obter a condenação e a quem o imputou demonstrar a ausência de seu animus diffamandi para afastar-se do tipo penal.

Apesar de todos os aspectos narrados acima serem consensualmente admitidos pela doutrina, não se vê no Direito Penal uma análise do crime ora estudado a partir de uma leitura hermenêutica constitucional feita sob a ótica do princípio constitucional da liberdade de expressão em sentido lato. Uma leitura que privilegia ou, ao menos, considere a liberdade de expressão.

Esse direito fundamental, não se pode esquecer, é consagrado entre nós desde a Constituição do Império de 1824, sendo explicitado pela Constituição da República em vigor nos artigos 5°, incisos IV (liberdade de pensamento), IX (liberdade de expressão) e XIV (acesso à informação) e no 220, parágrafo 1° (liberdade de informação propriamente dita).

Diante dessa previsão constitucional e do consagrado entendimento de que os direitos fundamentais, além de uma dimensão subjetiva, possuem também uma dimensão objetiva, sendo considerados hoje não mais apenas como um direito subjetivo (de defesa) do indivíduo em face do Estado, mas também consubstancializados como valores ou fins que a sociedade (toda a sociedade) deve promover e perseguir, a leitura criminalista correntemente feita para o crime de difamação ainda é cabível? Se alguém publica uma notícia extremamente difamatória para uma pessoa, mas se nessa divulgação existe interesse público, há margem ainda para se vislumbrar a prática do crime de difamação? Há possibilidade de se admitir a afirmação no sentido de que o fato desonroso foi praticado intencionalmente sendo, portanto, a respectiva conduta criminosa, salvo somente se o autor da conduta conseguir comprovar que não agiu comanimus diffamandi? Por outro lado, será que não seria mais adequado admitir a exceção da verdade em todas as hipóteses capazes de se vislumbrar interesse público na imputação, ao invés de se restringir a exceptio veritatis apenas para os casos restritos que envolverem a atuação funcional de um agente público?

O que está em jogo nessa discussão, na verdade, é o conflito de dois direitos fundamentais: liberdade de expressãoversus direito à honra (art. 5°, X, da CF/88) e a respectiva ponderação entre esses dois direitos. A questão sob análise não é pertinente somente para o Direito Penal, mas também para o Direito Constitucional, especialmente para os direitos fundamentais. À época da construção do dispositivo penal estudado, não se questionavam essas variantes, pois estávamos no auge do Positivismo, aplicando-se, sempre, um mero raciocínio de subsunção na aplicação do Direito, não havendo espaços para ponderação.

Uma leitura do dispositivo mencionado do Código Penal visto agora (sob o marco filosófico do Pós-positivismo) apenas e tão somente sob a ótica do direito à honra diante desse potencial conflito nos parece equivocada.

Em um país que pretende se qualificar como democrático, havendo expressa opção do constituinte originário neste sentido já no Preâmbulo da Carta Maior, a liberdade de expressão precisa ser valorada e sopesada corretamente quando em conflito com os direitos da personalidade. Neste sentido, a liberdade de expressão deve ser tutelada de forma heterogênea, sendo protegida mais intensamente quando relacionada com assuntos de interesse público e de forma mais tênue quando envolver assuntos de interesse privado.

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O argumento democrático autoriza que a liberdade de expressão seja protegida mais intensamente nos casos envolvendo interesse público, materializando esse entendimento a lembrança de que, em uma democracia, o ponto de partida é a liberdade de expressão, sendo as restrições a esse direito fundamental apresentadas como meras exceções que demandam uma sólida justificação.

Não obstante, não há interesse público capaz de justificar uma proteção da liberdade de expressão de forma mais intensa somente nos casos que envolver funcionários públicos. Se nesta hipótese o interesse público é evidente, essa situação retrata apenas uma das possibilidades de se evidenciar o interesse público, entre outras existentes.

Assim, em existindo interesse público na imputação desonrosa feita a alguém, não é cabível questionar se tal imputação foi feita com animus diffamandi, pois a liberdade de expressão e informação autoriza a prática dessa conduta sem maiores questionamentos.

Se uma pessoa privada está envolvida, juntamente com pessoas públicas, na prática de atos de improbidade administrativa, o ordenamento jurídico deve fomentar a divulgação dessa informação e não possibilitar que o informante esteja sujeito ao crime de difamação, pois esse raciocínio acabaria inibindo e amedrontando o responsável pela informação (chilling effect).

É certo que a liberdade de expressão e informação não deve converter, gratuitamente, em insultos. Entretanto, existem fatos que, só por si, são extremamente ofensivos à honra alheia. Desta forma, permitir que a divulgação desse fato possa sujeitar o seu autor à prática do crime de difamação, impondo-lhe o dever de provar, em juízo, que não agiu com animus diffamandi, significar inverter uma ordem democrática, impondo um excessivo ônus argumentativo ao responsável pela informação.

O ordenamento jurídico deve fomentar a liberdade de expressão. A democracia, por sua vez, deve garantir que assuntos de interesse público sejam levados ao conhecimento do público da forma mais aberta possível, afinal o povo tem o total direito de saber sobre os assuntos de interesse público.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BISPO, Paulo Henrique Menezes. Páginas de fofocas das redes sociais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7065, 4 nov. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/100912. Acesso em: 2 nov. 2024.

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