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O bem de família, a fiança locatícia e o direito à moradia

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Agenda 17/07/2007 às 00:00

13. Conclusão

            A grande conclusão que se extrai é que o bem de família tem uma importância social fabulosa, pois protege a família -- precisamante o imóvel residencial -- excluindo da penhora por quaisquer execuções, salvo raras exceções.

            Historicamente, serviu nos Estados Unidos da América – berço do instituto – não só para fomentar o povoamento do vasto território americano, mas desde então para proteger a moradia das famílias em face das vicissitudes da vida e diante da ação quase sempre abusiva dos credores.

            Introduzido no Brasil pelo Código Civil de 1916, sob a modalidade voluntária, de fato não teve aceitação popular, quer seja pelo costumeiro desconhecimento das leis pela população, mas também, e principalmente, pela dificuldade na sua implementação, à vista da exigência de escritura pública ou testamento, bem como os custos desses atos decorrentes.

            Malgrado, com o advento da Lei 8.009/90, o instituto tomou novo influxo, vindo a ser recorrentemente aplicado nas lides judiciais, posto que por força dessa lei fora adotado a modalidade legal ou involuntária, ditada pela vontade mesma do Estado, a fim de proteger a família e sua residência, constituindo-se assim num importantíssimo microssistema jurídico, o qual, seguramente, já livrou da penhora milhares de casas de moradia dos brasileiros, ricos ou pobres.

            E nesse cotejo, com a edição da Lei 8.009/90, o fiador da locação também estava amparado pela regra geral da impenhorabilidade, não obstante os reclamos do mercado imobiliário, que entendia nefasta a não penhora do bem de família do fiador, ao ponto de, portanto, o mercado pressionar e, por fim, através do artigo 82 da Lei nº 8.245/91 acrescentar uma outra exceção ao artigo 3º da Lei 8.009/90, tornando penhorável a casa de morar do fiador da locação.

            Doravante, a situação do fiador fragilizou-se, abrindo-se uma dissensão doutrinária e jurisprudencial, que atingiu seu ápice com a promulgação da Emenda Constitucional nº 26/2000, segundo a qual introduziu o direito à moradia no rol dos direitos sociais do artigo 6º da Constituição Federal, ocasionando a polarização da questão em duas correntes bastantes díspares, ou seja: aqueles que defendiam a recepção e a compatibilidade entre a Lei 8.009/90 e a Emenda referida, e aqueles que sustentavam a não recepção e a incompatibilidade entre tais normas.

            Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, fez a opção pela corrente da recepção e da compatibilidade, concluindo ser possível a penhora do bem de família do fiador de locação – defendendo que o cidadão é livre para contratar, para avalizar, e que, portanto, deve assumir os riscos dessa contratação.

            Não obstante a decisão do STF, comungo da tese vencida, dos votos minoritários, e com base em sólida doutrina entendo que o contrato de locação residencial, assim como costumeiramente difundido nas médias e grandes cidades brasileiras, é contratado sob a forma adesiva, isto é, é contrato de adesão e também de consumo, vez que intermediados pelas empresas imobiliárias – que auferem lucros, via taxa de administração – e que por sua vez ditam as regras do contrato, sem qualquer discussão prévia com o inquilino e seu fiador, sendo que este, de regra, renuncia ao benefício de ordem sem a mais mínima advertência prática sobre o que isso significa, ou seja: a possibilidade de vir a perder a casa de moradia(o bem de família) para pagar uma dívida do inquilino, e sem qualquer possibilidade de ressarcimento por parte deste, via ação regressiva, uma vez que o casa de morar do inquilino acha-se amparada pela regra da impenhorabilidade.

            E seguindo essa corrente – que advoga a tese impenhorabilidade do bem de família do fiador locatício, pela não recepção da Lei 8.009/90 frente à Emenda Constitucional nº 26/2000 – é que convencido estou que ao contrato de locação residencial deve ser aplicada toda a principiologia consumerista e civilística, em simbiose, além dos princípios que regem o direito civil constitucional.

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            Por fim, concluo que uma das formas de abrandar a voracidade do mercado imobiliário, afastando suas garras do bem de família do fiador da locação, é o Governo, via Dirigismo Estatal nas esferas executiva e legislativa, promover uma forte reestruturação do seguro fiança locatícia, minorando a abusividade dos sistemas bancário e securitário, que de há muito ditam as regras dessa garantia locatícia, impossibilitando a sua contratação por parte dos protagonistas da locação, locador e locatário.

            Alfim, entendo que, com a revitalização do seguro fiança, essa será, seguramente, a melhor e mais eficiente garantia locatícia, contratada de forma impessoal e sem a inconveniência de penhorar a casa de morar de um fiador, de um pai de família, implicando na ruína de mais um brasileiro – pelo fato de, singelamente, e com estribo no vetusto princípio do pacta sunt servanda -- ter assumido e pago uma dívida dos outros!


14. Bibliografia

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            CARVALHO SANTOS, J. M. de. Código Civil Brasileiro Interpretado. 12ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1985, v. II.

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            LôBO, Paulo Luiz Neto. Constitucionalização do direito civil. Revista de informação legislativa. Brasília: Senado Federal, 1999, v. 141

            MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 3ª ed., 2ª tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, v. 1.

            MONTEIRO, Washington Barros de. Curso de Direito Civil. Direito das obrigações. 2ª parte. 34ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 5.

            RIBEIRO SANTIAGO, Mariana. Da instituição de bem de família no caso de união estável. Revista de Direito Privado nº 18. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

            RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. 28ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 3.

            SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de Direito Civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1988, v. I.

            SICA, Heitor Vitor Mendonça. Questões polêmicas e atuais acerca da fiança locatícia. A Penhora e o bem de família do fiador de locação. José Rogério Cruz e Tucci(coordenação), São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

            TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002.

            TUCCI, José Rogério Cruz. Penhora sobre bem do fiador de locação. A Penhora e o bem de família do fiador de locação. José Rogério Cruz e Tucci(coordenação), São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

            VASCONCELOS, Rita de Cássia Corrêa de. A impenhorabilidade do bem de família e as novas entidades familiares. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, v. 51

            TARTUCE, Flávio. Direito civil. Direito das obrigações e responsabilidade civil. São Paulo: editora Método, 2005, v. 2.


Notas

            01

AZEVEDO, Álvaro Villaça. Bem de Família Com comentários à Lei 8.009/90. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 28

            02

Op. cit., p. 33

            03

BEVILáQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Edição histórica. 7ª Tiragem. Rio de Janeiro: Rio, 1975, v. 1, p. 310

            04

SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de Direito Civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1988, v. I, p. 352/353

            05

CARVALHO SANTOS, J. M. de. Código Civil Brasileiro Interpretado. 12ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1985, v. II, p. 191

            06

AMARAL, Francisco. Direito Civil. Introdução. 3ª ed. Rio de Janeiro-São Paulo: Renovar, 2000, p. 327

            07

Op. cit. p. 93

            08

BEVILáQUA, Clóvis. Op. cit., p. 310

            09

RIBEIRO SANTIAGO, Mariana. Da instituição de bem de família no caso de união estável. Revista de Direito Privado nº 18. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.176

            10

Op. cit., p. 165

            11

GONÇALVES, Denise Willhelm. Bem de família e o novo código civil brasileiro. Revista de Direito Privado nº 17. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, 120

            12

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005, v. VI., p. 527

            13

MONTEIRO, Washington Barros de. Curso de Direito Civil. Direito das obrigações. 2ª parte. 34ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 5. p. 375

            14

GOMES, Orlando. Contratos. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 435

            15

Op. cit., p. 166

            16

VASCONCELOS, Rita de Cássia Corrêa de. A impenhorabilidade do bem de família e as novas entidades familiares. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, v. 51, p. 46

            17

ALBERTON, Genacéia da Silva. Impenhorabilidade de bem imóvel residencial do fiador. A Penhora e o bem de família do fiador de locação. José Rogério Cruz e Tucci(coordenação), São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 119

            18

DINIZ, Maria Helena. Lei de locações de imóveis urbanos comentada. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 329

            19

TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 82-83

            20

SICA, Heitor Vitor Mendonça. Questões polêmicas e atuais acerca da fiança locatícia. A Penhora e o bem de família do fiador de locação. José Rogério Cruz e Tucci(coordenação), São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 52

            21

TUCCI, José Rogério Cruz. Penhora sobre bem do fiador de locação. A Penhora e o bem de família do fiador de locação. José Rogério Cruz e Tucci(coordenação), São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 17-18

            22

Op. cit., p. 47

            23

JÚNIOR, Clito Fornaciari. O bem de família na execução da fiança. A Penhora e o bem de família do fiador de locação. José Rogério Cruz e Tucci(coordenação), São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 103

            24

NOTÍCIAS,pesquisa@stf.gov.br.Disponível em: http://wm186.ig.com.br/inmail/inamil.pl?acao=ler&msgnum=5&UIDL=1591913200061.Acesso em: 27/3/2006

            25

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005, v.III, p. 75

            26

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. 28ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 3, p. 44

            27

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 3ª ed., 2ª tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, V. 1, p. 166-167

            28

Op. cit., p. 151

            29

LÕBO, Paulo Luiz Neto. Constitucionalização do direito civil. Revista de informação legislativa. Brasília: Senado Federal, 1999, v. 141, p. 100.

            30

TARTUCE, Flávio. Direito civil. Direito das obrigações e responsabilidade civil. São Paulo: editora Método, 2005, v. 2, p. 254

            31

JUNIOR, Nelson Nery. A defesa do consumidor no Brasil. Revista de Direito Privado. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2004, v. 18, abril-junho, p. 223.
Sobre o autor
João Hora Neto

juiz de Direito no Estado de Sergipe, professor de Direito Civil da Universidade Federal de Sergipe (UFS), mestre em Direito Público pela Universidade Federal do Ceará (UFC), especialista em Novo Direito Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HORA NETO, João. O bem de família, a fiança locatícia e o direito à moradia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1476, 17 jul. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10149. Acesso em: 23 dez. 2024.

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