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O bem de família, a fiança locatícia e o direito à moradia

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17/07/2007 às 00:00
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10.A recente decisão do Supremo Tribunal Federal

            Recentemente, precisamente em 08 de fevereiro do ano presente(2006), o Supremo Tribunal Federal(STF), em sede de Recurso Extraordinário nº 407688, da Relatoria do Ministro Cezar Peluso, por maioria de votos(7 votos a 3), negou provimento ao Recurso Extraordinário e, por conseguinte, manteve a decisão do Tribunal de Alçada de São Paulo, que determinou a penhora do bem de família do fiador.

            Em síntese, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o único imóvel(bem de família) de uma pessoa que assume a condição de fiador em contrato de locação pode ser penhorado, em caso de inadimplência do inquilino.

            Na casuística, a tese do recorrente(o fiador) era de que a exceção do artigo 3º inciso VII da Lei nº 8.009/90 ofendia o artigo 6º da Carta Magna, alterado pela Emenda Constitucional nº 26/2000, que incluiu a moradia no rol dos direitos sociais constitucionalmente amparados.

            Conforme extrato de notícia produzida pela Seção de Pesquisa de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal(STF) [24], "durante o julgamento pelo plenário do STF, os ministros debateram duas questões: se deve prevalecer a liberdade individual e constitucional de alguém ser ou não fiador, e arcar com essa respectiva responsabilidade, ou se o direito social à moradia, previsto na Constituição, deve ter prevalência.

            Isso implicaria dizer se o artigo 3º, inciso VII da Lei 8.009/90 estaria ou não em confronto com o texto constitucional, ao permitir a penhora do bem de família do fiador, para o pagamento de dívidas decorrentes de aluguel.

            O relator da matéria, ministro Cezar Peluso, entendeu que a Lei 8.009/90 é clara ao tratar como exceção à impenhorabilidade o bem de família de fiador. Segundo o ministro Peluzo, o cidadão tem a liberdade de escolher se deve ou não avalizar um contrato de aluguel e, nessa situação, o de arcar com os riscos que a condição de fiador implica.

            O ministro Peluzo não vê incompatabilidade entre o dispositivo da lei e a Emenda Constitucional 26/2000 que trata do direito social à moradia, ao alterar o artigo 6º da Constituição Federal, sendo acompanhado por seis outros ministros.

            Contrariamente, o ministro Eros Grau divergiu do relator, no sentido de afastar a possibilidade de penhora do bem de família do fiador, citando como precedentes dois Recursos Extradordinários(RE 352940 e 449657), relatados pelo ministro Carlos Velloso(aposentado) e decididos a fim de impedir a penhora do único imóvel do fiador. Nesses dois recursos entendeu-se que o dispositivo da lei ao excluir o fiador da proteção contra a penhora de seu imóvel feriu o princípio constitucional da isonomia.

            O voto divergente do ministro Eros Grau foi acompanhado pelos ministros Carlos Ayres Britto e Celso de Mello, sob o argumento de que a Constituição ampara a família e a sua moradia, nos termos do artigo 6º da Carta Magna, de forma que o direito à moradia seria um direito fundamental de 2ª geração, que tornaria indisponível o bem de família para a penhora.

            Ao fim, prevaleceu o entendimento do Relator, por 7 votos a 3, que negou provimento ao RE, mantendo a decisão do Tribunal de Alçada de São Paulo, que determinou a penhora do bem de família do fiador."


11. O contrato locatício, o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil

            Nesse tópico, inicio com a seguinte indagação: o contrato de locação, como costumeiramente difundido nas médias e pequenas cidades do Brasil, deve ser classificado como um contrato paritário ou como um contrato de adesão? E mais: em sendo um contrato de adesão, deve ser regido pelo Código Civil ou pelo Código de Defesa do Consumidor, ou mesmo por ambos?

            E para responder tais questões, é pertinente expor os significados das respectivas modalidades contratuais.

            Informa a doutrina que contrato paritário, conforme magistério de Carlos Roberto Gonçalves [25], "é aquele do tipo tradicional, em que as partes discutem livremente as condições, porque se encontram em situação de igualdade (par a par). Nessa modalidade há uma fase de negociações preliminares, na qual as partes, encontrando-se em pé de igualdade, discutem as cláusulas e condições do negócio."

            No tocante ao contrato de adesão, assim o define Silvio Rodrigues [26]: "Contrato de adesão, nome que lhe deu SALEILLES, é aquele em que todas as cláusulas são previamente estipuladas por uma das partes, de modo que a outra, no geral mais fraca e na necessidade de contratar, não tem poderes para debater as condições, nem introduzir modificações, no esquema proposto. Este último contraente aceita tudo em bloco ou recusa tudo por inteiro."

            Como visto, a diferenciação primacial entre ambos é que, de referência ao contrato de adesão, há a ausência de uma fase pré-negocial, em face da predisposição unilateral das cláusulas contratuais pelo policitante ostensivo, restando ao outro contratante a faculdade de aderir ou não às cláusulas, em bloco, ou, para usar uma expressão popular: é pegar ou largar!

            No contrato de adesão, pois, conforme ressalta a doutrina, persiste uma mínima liberdade de contratar – sendo, contudo, um poderoso instrumento de contratação na sociedade moderna, cada dia mais massificada, consumista e complexa -- de tal sorte que ao contratante mais fraco resta uma mínima parcela de liberdade, se pretende obter a prestação do serviço ou a aquisição do objeto.

            E nesse diapasão, pois, não é outro raciocínio que se opera em relação ao contrato de locação residencial – qual seja, de que se trata de um contrato de adesão, ficando afastado, obviamente, o tipo contratual da locação não residencial.

            A meu juízo, pois, entendo que a contratação locatícia hodierna, em larguíssima hipótese, é regida sim sob a modalidade adesiva e não paritária, até porque os contratos locativos são celebrados com a interveniência das administradoras de imóveis, ou seja, de empresas imobiliárias, as quais redigem as condições e cláusulas previamente e unilateralmente, impondo ao locatário e fiador – estes na condição de aderentes – todas as estipulações contratuais, restando apenas aos contratantes mais fracos (os oblatos) a liberdade mínima ou nenhuma de liberdade de contratar, haja vista que aos aderentes só lhes sobram uma única alternativa: aderir em bloco ou recusar em bloco, sendo que, na prática, quando assinam o contrato, sequer o lêem ou compreendem o seu conteúdo.

            De tal sorte, quando celebram o instrumento -- contratam e se vinculam nos moldes do pacta sunt servanda -- aderindo às cláusulas no mais das vezes abusivas, obscuras, ambíguas, sem que o contratante mais forte lhes advirta previamente, elucidando, por exemplo, sobre o real significado da renúncia ao benefício de ordem, em sede de fiança, e perante o atual posicionamento jurisprudencial dominante, qual seja: que se o inquilino não adimplir com sua obrigação(pagar os aluguéis), o locador executará o fiador(devedor solidário, em face da renúncia ao benefício de ordem), e o fiador perderá seu único imóvel residencial(bem de família), para quitar uma dívida que não lhe pertence, sendo que o fiador, depois, ao fazer a ação regressiva contra o inquilino, este nada pagará, posto que sua casa de morar acha-se protegida pelo manto da impenhorabiliadade. E é essa advertência, que, sem dúvida, deveria está inscrita com letras garrafais nos contratos de locação – mas que, na prática, nada disso acontece, vez que as cláusulas são redigidas de forma pouco clara, obscura, levando ao fiador a assinar o instrumento por mera amizade ou movido por relação de parentesco com o locatário, até porque a fiança, em regra, é um contrato benéfico.

            Convencido estou, pois, que o contrato de locação residencial é um contrato de adesão por excelência, em sua larguíssima incidência cotidiana, além do que é um contrato de consumo, devendo assim ser regido pelo Código de Defesa do Consumidor.

            De fato, entendo que o locatário e respectivo fiador são eminentemente consumidores, precisamente porque contratam via administradoras de imóveis ou empresas imobiliárias, e se utilizam de um produto (imóvel), por determinado período, como destinatário final, mediante a contrapartida de uma remuneração (aluguel) paga ao fornecedor do produto, o locador (proprietário do produto), ou seja, do imóvel.

            A despeito de uma forte resistência na doutrina e na jurisprudência em admitir a natureza consumerista do contrato de locação residencial, sólida posição doutrinária defende tal postura, como, por exemplo, da lavra da insigne Cláudia Limas Marques [27]: "O contrato mais importante, porém, é o contrato de locação de imóvel. Tratando-se de locação comercial a aplicação do CDC fica afastada, mas tratando-se de locação residencial a aplicação das normas protetivas do CDC será a regra, como concorda a jurisprudência. No caso, trata-se, nas grandes cidades, de contratos de adesão elaborados pelas Imobiliárias; nas pequenas cidades, de contratos de locação ainda paritários e discutidos com cada inquilino. O importante é caracterizar a presença de um consumidor e de um fornecedor em cada pólo da relação contratual."

            À vista disso, pois, entendo que o contrato de locação residencial além de ser um contrato de adesão é também um contrato de consumo, pelo que deve ser aplicado ao mesmo o Código de Defesa do Consumidor, em consonância dialógica com o Código Civil e, como lógico, com a principiologia constitucional.

            Assim, em corolário, em sendo o Código de Defesa do Consumidor uma lei principilógica, um microssitema jurídico, toda a sua principilogia de ordem pública e cogente, materializada pelos princípios da boa-fé objetiva (art. 4º inciso III); da transparência (arts. 4º caput e 46); da confiança (arts. 12, 17 e 18); do equilibro contratual (art. 4º inciso III); da proteção contra cláusulas abusivas (art. 6º inciso IV); da revisão de cláusula ou do contrato do consumo (art. 5º inciso V), dentre outros, devem sim ser aplicados em sede de contratos de locação residencial, em total sintonia com a moderna principiologia contratual civilística – naquilo que a doutrina denomina de "diálogo das fontes" -- muito bem estampada pelo Novo Código Civil, a saber: o princípio da função social do contrato(art. 421); o princípio da boa-fé objetiva(art. 422, 187 e 113) e o princípio do equilíbrio material do contrato, que busca amparar o contratante mais vulnerável, o aderente(arts. 423 e 424), afora, é lógico, a principiologia constitucional que ilumina o direito civil moderno.

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12. Meu posicionamento jurídico: o direito civil constitucional e uma proposta para a abrandar a voracidade do mercado locatício

            À vista de tudo nesse estudo exposto, passo a emitir meu entendimento jurídico, data vênia.

            Re vera, ouso em discordar da decisão do Supremo Tribunal Federal já referida. A meu juízo, entendo que decisão da Corte Constitucional emprestou uma ênfase exagerada ao princípio da irretratabilidade das convenções ou do pacta sunt servanda – segundo o qual o contrato deve ser fielmente cumprido, o contrato é lei entre as partes -- em detrimento de outros princípios contratuais de maior valoração axiológica, ou de conteúdo social mais acentuado, como, por exemplo, os princípios que informam o Código de Defesa do Consumidor e os modernos princípios contratuais do Código Civil de 2002, afora, e isso é fundamental – os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia.

            Concessa vênia, entendo que há um equívoco na decisão do STF – haja vista que fez prevalecer, por maioria de votos, a tese do positivismo extremado, do legalismo pelo legalismo, vitoriando enfim o entendimento de que o cidadão tem a liberdade de escolher se deve ou não avalizar um contrato de aluguel e, de conseguinte, arcar com os riscos de sua condição de fiador, pressupondo uma contratação locatícia paritária e não adesiva, como assim se opera e se realiza no mundo dos fatos.

            Ora, incontestavelmente, a decisão majoritária não enfrentou outros quadrantes do tema, todos eles iluminados pelo Direito Civil Constitucional, o qual, segundo a dicção de Francisco Amaral [28], significa "materialmente o direito civil contido na Constituição" ou, no magistério de Paulo Luiz Neto Lobo [29], a percepção de que "....deve o jurista interpretar o Código Civil segundo a Constituição e não a Constituição segundo o Código Civil, como ocorria com freqüência(e ainda ocorre)."

            O direito civil constitucional, segundo abalizada doutrina, é o direito civil interpretado e aplicado à luz da Constituição Federal e não o inverso, levando-se em conta, primordialmente, que a Carta Magna é o centro do ordenamento jurídico, e que o Código Civil é o seu planeta principal e que os demais microssistemas jurídicos são os satélites desse sistema normativo, aqui exemplificado como se sistema solar fosse, à luz da simbologia usada por Ricardo Lorenzetti, apud Flávio Tarturce [30].

            Ademais, o direito civil constitucional acha-se amparado em três princípios fundamentais, todos de matriz constitucional, ou seja: o princípio da dignidade da pessoa humana(artigo 1º inciso III da CF); o princípio da solidariedade social(artigo 3º inciso I da CF) e, por fim, o princípio da igualdade ou isonomia(artigo 5º caput da CF), princípios esses que se irradiam por todo o sistema jurídico, dando concretude à normativa constitucional, para fins de incentivar uma mentalidade constitucional que tanto se almeja.

            Malgrado isso, volto a dizer, data vênia, entendo que a posição do Supremo afastou-se deveras de tal perspectiva civil-constitucional, centrada numa tese de um mero positivismo romântico, de um liberalismo econômico incipiente, historicamente distante do Brasil de hoje, do século XXI – uma das dez maiores economias do mundo – como se os contratantes de uma locação residencial sentassem num banco de uma bucólica praça pública ou mesmo em calçadas interioranas tranqüilas e nesses locais discutissem, frente à frente, passo a passo, detalhe por detalhe, a locação a ser consumada!...

            Lêdo engano, errônea constatação do Supremo, a meu juízo; pessoalmente, quisera até que assim fosse a contratação, conforme assim estudei e aprendi nos bancos da minha querida Universidade Federal de Sergipe, cujas lições eram inspiradas no modelo liberal de contratação do Código de Bevilácqua.

            Contudo, o fato concreto, real, inabalável, inconcusso, induvidoso e inafastável – e a realização prática é a essência do Direito(Rudolf Von Ihering) – é que, em verdade, de há muito vivemos numa sociedade injusta, complexa, violenta, consumista, massificada, plural, veloz, imediatista e nada solidária, razão pela qual os proprietários, já rescaldados e um tanto desconfiados com o mercado, entregam seus imóveis às imobiliárias – ou porque os locadores não têm tempo para conseguir inquilinos, ou mesmo por receio de manter contato com estranhos e supostos inquilinos – e então as administradores de imóveis, objetivando lucro(a taxa de administração, por exemplo), redigem os contratos de locação residencial, de adesão e de consumo, e lançam os imóveis no mercado mediante oferta pública permeada de voraz publicidade, à caça de inquilino e que este, por seu turno, em seguida consegue um fiador, o qual, em última instância – não obstante devedor de uma obrigação acessória, terminará por assumir, pagar e por fim perder sua casa de morar para quitar a dívida do inquilino seu amigo, e no mais das vezes seu parente, que jamais lhe ressarcirá, em regressiva, até porque o imóvel do seu amigo ou parente inquilino é impenhorável, diferentemente do imóvel do infeliz fiador.

            Em suma, essa é a taciturna história do fiador, mas que, segundo o Supremo, é uma história lícita e constitucional. No meu entendimento, contudo, filio-me à corrente que defende a tese da impenhorabilidade do bem de família do fiador, pelas razões que insisto em enfatizar, ou seja:

            1ª) Porque viola o princípio da isonomia, tratando desigualmente os iguais, uma vez que declara impenhorável a casa de morar do inquilino, diferentemente da casa de morar do fiador, que declara penhorável, não obstante o direito à moradia seja um direito fundamental de 2ª geração, um direito social, previsto no artigo 6º da Carta Magna, atinente e pertinente a ambos os personagens(inquilino e fiador);

            2ª) Porque a Emenda Constitucional nº 26/2000, que introduziu o direito à moradia, não recepcionou o artigo 3º inciso VII da Lei 8.009/90, sendo essa norma constitucional auto-aplicável, de eficácia plena, imediata e direta;

            3ª) Porque a exceção do inciso VII do artigo 3º da Lei 8.009/90 foi ditada por motivos meramente mercadológicos, a fim de fortalecer o mercado imobiliário, diferentemente das demais exceções previstas no referido artigo, que tutelam bens ou interesses jurídicos de patamar superior ou igual à proteção do bem de família;

            4ª) Porque ofende o princípio da isonomia exarado no artigo 5º caput da Constituição Federal, vez que, em sendo a fiança um contrato acessório e subsidiário –por depender da existência do contrato principal e ter sua execução subordinada ao não-cumprimento deste, pelo devedor principal – não é justo e lícito que o fiador assuma obrigações mais onerosas do que o afiançado(o devedor principal), ainda que ele(fiador) renuncie ao benefício de ordem(art. 827 c/c art. 828 inciso I), pois mesmo assim o fiador estará pagando uma dívida que não lhe pertence e que de fato interessa exclusivamente ao devedor principal, o locatário(art. 285);

            5ª) Porque o contrato de locação residencial, onde naturalmente habita a fiança locatícia, é um contrato de adesão e de consumo e que, como tal, deve ser regido pelo Código de Defesa do Consumidor – lei principiológica e de interesse social relevantíssimo -- em consonância com o Novo Código Civil, pois, segundo a dicção do emérito Nelson Nery Junior [31], "ambas as leis(CC e CDC) têm, hoje, a natureza de serem corpos normativos constituídos de socialidade, em que avulta o interesse social, coletivo, em detrimento do meramente individual."

            Ad summan, entendo que há uma incompatibilidade flagrante entre o artigo 3º inciso VII da Lei 8.009/90 e a Emenda Constitucional nº 26/2000, que alterou o artigo 6º da Constituição Federal, introduzindo o direito à moradia, razão pela qual defendo que o bem de família do fiador de locação residencial não pode ser penhorado.

            De lege ferenda, em termos de proposta para acalmar a voracidade do mercado imobiliário – para fins de excluir, oxalá, a penhora sobre o bem de família do fiador – entendo que o Governo deve intervir no mercado, via executivo e via legislativo, no sentido de reestruturar a garantia locatícia denominada seguro de fiança locatícia, prevista no artigo 37 inciso III da Lei 8.245/91, hoje praticamente sem uso devido a uma regulamentação legal débil, lacunosa, que praticamente não funciona em razão da usura do sistema bancário ou securitário, e que impõe condições abusivas em detrimento dos interesses do locador, além de afrontar à própria Lei do Inquilinato, repleta de regras cogentes e imperativas.

            Nesse diapasão, pois, advogo que a revitalização do seguro fiança locatícia fomentaria o mercado imobiliário, atendendo aos anseios de todos, locadores e locatários, tornando-se doravante uma garantia eficiente, usual, prática, justa e fundamentalmente impessoal, na medida em que diminuiria em muito a procura pela fiança locatícia pessoal -- pois esta somente seria usada para os fiadores com mais de um imóvel, permitindo-se apenas a penhora àquele bem que não fosse o bem de família.

            Contudo, do contrário, a persistir o quadro atual sufragado pela posição do Supremo, apenas o inquilino estará se beneficiando da locação, uma vez que morará no imóvel e não pagará os aluguéis, pois quem pagará será o fiador, com o seu bem de família, ou seja, em suma o inquilino estará fazendo "cortesia com o chapéu alheio", apenas para usar um adágio popular já conhecido do STF e recentemente vocalizado pelo insigne Ministro sergipano, Carlos Britto, quando do julgamento da questão do nepotismo no judiciário.

            Enfim, é o que penso, concessa vênia – sempre na certeza de que a Justiça Contratual é um ideal a perseguir, na esteira e no lastro de um caminho permeado pela tábua axiológica da Constituição, como de há muito preleciona o mestre Gustavo Tepedino, o precursor e o maior nome do Direito Civil Constitucional no país, e de cujas lições sou seu eterno discípulo.

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Sobre o autor
João Hora Neto

juiz de Direito no Estado de Sergipe, professor de Direito Civil da Universidade Federal de Sergipe (UFS), mestre em Direito Público pela Universidade Federal do Ceará (UFC), especialista em Novo Direito Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HORA NETO, João. O bem de família, a fiança locatícia e o direito à moradia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1476, 17 jul. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10149. Acesso em: 28 mar. 2024.

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