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O bem de família, a fiança locatícia e o direito à moradia

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17/07/2007 às 00:00
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6.A fiança locatícia e a Lei 8.009/90

            Primeiramente, entendo curial conceituar o contrato de fiança, trazendo à baila os seguintes conceitos colacionados, a saber:

            Washington de Barros Monteiro [13]: "O art. 818 do Código Civil de 2002 ministra conceito desse contrato: pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra."

            Orlando Gomes [14]: "Há contrato de fiança quando uma pessoa assume, para com o credor, a obrigação de pagar a dívida, se o devedor não o fizer.

            Quem contrai essa obrigação chama-se fiador. É o devedor da obrigação fidejussória. Denomina-se afiançado o devedor da obrigação principal.

            O contrato de fiança trata-se entre fiador e credor do afiançado. Sua natureza é a de um contrato subsidiário, por ter a execução condicionada à inexecução da obrigação principal. Por outras palavras, a obrigação fidejussória só se torna exigível se a obrigação principal não for cumprida. Contudo, tal sucessividade não é da essência do contrato de fiança. Podem os interessados eliminá-la, estipulando a solidariedade entre o fiador e o afiançado, como, de regra, se procede na prática."

            Doutrinariamente, diz-se que a fiança tem os seguintes caracteres: é um contrato unilateral, porque gera obrigações unicamente para o fiador; é solene, porque depende de forma escrita, imposta por lei(art. 819); é gratuito, em regra, porque o fiador ajuda o afiançado, nada recebendo em troca, salvo, é claro, a fiança onerosa, tipo a fiança bancária; é benéfico, porque não admite interpretação extensiva e apenas interpretação restritiva(art. 114 e 819), sendo por isso mesmo um contrato personalíssimo ou intuitu personae; e é um contrato acessório e subsidiário, porque depende da existência do contrato principal e tem sua execução subordinada ao não-cumprimento deste, pelo devedor principal.

            Quanto à Lei nº 8.009/90, de 29 de março de 1990, que entrou em vigor na data da sua publicação, em 30 de março de 1990 – e que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família -- foi gestada a partir da Medida Provisória nº 143, de 08/03/1990, editada pelo Presidente da República, José Sarney, e em seguida aprovada pelo Congresso Nacional.

            Tão logo entrou em vigor, uma parcela da doutrina questionou acerca de sua constitucionalidade, entendendo alguns doutrinadores, como foi o caso de Carlos Callage, que a dita lei era inconstitucional por violação ao princípio da sujeição do patrimônio do devedor ao pagamento de seus débitos, princípio esse universal e acolhido pela Constituição Federal(art. 5º, inciso LXVII e LIV), pois entendia este autor, citado por Álvaro Villaça Azevedo [15], que a impenhorabilidade geral de bens, instituída pela dita lei, tornava "inócuo o princípio universal da sujeição do patrimônio às dívidas, acolhido pela Constituição brasileira(art. 5º, incs. LXVII, LIV) e atinge o próprio regime econômico básico adotado pela Carta, que pressupõe relações obrigacionais das mais diferentes espécies, suprimindo garantias e a eficácia do direito de crédito". Em igual sintonia, esse mesmo autor(Carlos Callage), dessa feita citado por Rita de Cássia Corrêa de Vasconcelos [16], apontava a inconstitucionalidade da lei em razão da ausência de critérios seguros para definir a habitação familiar abrangida pelo benefício, ou seja: "Carlos Callage, para quem a Lei 8.009/90 está repleta de equívocos, aponta como uma das causas de sua inconstitucionalidade, a inexistência de regulamentação quanto ao valor, localização ou metragem do imóvel residencial familiar."

            Malgrado algumas críticas levantadas sobre a constitucionalidade da Lei 8.009/90, o fato é que a doutrina quase unânime entende ser a mesma constitucional, por se tratar de uma lei de emergência, de manifesto interesse público, pois visa à proteção da residência da família e os móveis nela guarnecidos, e, por via reflexa, objetiva a proteção da própria família, sendo assim uma exceção legal ao princípio universal de que o patrimônio do devedor responde perante seus credores, podendo estes, portanto, constranger outros bens do devedor, afora o bem de família.

            Feita esse importante esclarecimento, quanto à constitucionalidade da Lei 8.009/90, retorno ao instituto da fiança locatícia.

            Vejamos bem. Até a vigência da Lei 8.009/90, em 30 de março de 1990, o mercado de locação de imóveis fluía normalmente, afora, é claro, os percalços já conhecidos provocados pela política habitacional governamental. O fato concreto é que o mercado seguia seu curso normal, servindo como fiador mesmo aquele que tivesse um único imóvel, ainda que residisse com sua família, pois que esse imóvel era sim penhorável na hipótese de inadimplemento por parte do locatário.

            Contudo, com a edição da Lei, que, em última análise, previa ser impenhorável o bem de família também do fiador locatício, o mercado retraiu-se largamente, passando a aceitar como fiador somente aquele que fosse proprietário de mais de um imóvel, uma vez que um dos imóveis era bem de família legal e o outro serviria, em tese, para satisfazer o crédito do credor, ou seja, do locador, acaso o afiançado não pagasse os aluguéis.

            Ocorre que, como notório, o mercado imobiliário em geral incomodou-se com tal situação, na medida em que a Lei 8.009/90 restringiu e limitou as locações em geral, devido a dificuldade para encontrar-se fiador proprietário de mais um imóvel, razão pela qual o legislador foi "pressionado", e, por conseguinte, eliminado foi o embaraço com o advento da Lei do Inquilinato(Lei nº 8.245/91), que acrescentou o inciso VII ao artigo 3º da Lei 8.009/90, ou seja, ampliou o rol de exceções à impenhorabilidade do imóvel residencial do casal ou entidade familiar – tornando assim penhorável o imóvel residencial do fiador.


7. A fiança locatícia e o art. 82 da Lei 8.245/91

            Sem dúvida, com a inclusão do inciso VII da Lei 8.009/90 feita pelo artigo 82 da Lei do Inquilinato(Lei 8.245/91), até mesmo o único imóvel residencial do fiador passou a ser penhorável, uma vez que passou a constituir-se em mais uma exceção à regra geral da impenhorabilidade legal, princípio-mor da Lei 8.009/90.

            E qual a razão para essa alteração, ou melhor, qual o motivo do acréscimo do inciso VII da Lei 8.009/90 feita pela Lei do Inquilinato?

            A resposta é única: a segurança e o fortalecimento do mercado imobiliário, consoante assim bem adverte Genacéia da Silva Alberton [17], verbis:

            "O art. 82 da Lei 8.245/91, ao acrescentar o inc. VII à execução da parte final do art. 3º da Lei 8.009/90, estabelecendo como afastada a impenhorabilidade do imóvel familiar "por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação", visava tão-somente proteger a locação.

            O argumento que se levanta, portanto, é o que, sem essa garantia de penhorabilidade do imóvel do fiador para incentivar a locação, tornar-se-ia difícil trabalhar no mercado imobiliário. Assim sendo, para favorecer a moradia, permitiu-se que sobre o fiador viesse recair a exclusão quanto à impenhorabilidade do imóvel residencial."

            Como dito, a alteração deveu-se ao lobby dos administradores de imóveis, representando os legítimos interesses dos locadores, objetivando a melhoria e expansão do mercado de locações; e com tal alteração, pois, criou-se mais uma exceção prevista no rol do art. 3º da Lei 8.009/90, excluindo da impenhorabilidade o imóvel residencial do fiador da locação.

            E nesse sentido, bem discorrendo acerca do artigo 82 da Lei do Inquilinato, a insigne jurista Maria Helena Diniz [18] assim verbera, verbis:

            "Devido ao acréscimo do inciso VII ao artigo 3º da Lei n. 8.009/90, a impenhorabilidade de imóvel residencial do casal ou da entidade familiar não será oponível em processo de execução civil movido por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. O fiador não poderá, então, beneficiar-se da impenhorabilidade do imóvel onde reside com sua família, na hipótese de processo de execução relativo à fiança que prestou como garantia de um pacto locatício, assegurando o cumprimento das obrigações contratuais ex locato pelo afiançado(inquilino).

            Assim sendo, perante esta disposição normativa, o fiador de contrato de locação não poderá opor a impenhorabilidade do imóvel que lhe serve de moradia, no processo de execução contra ele movido, em razão de fiança prestada. Se o inquilino não cumprir seus deveres locativos, abrir-se-á execução contra o seu fiador, e o imóvel onde este reside não estará coberto pela garantia legal de insuscetibilidade de penhora. O locador, que veio a optar pela caução fidejussória, terá, consequentemente, maior garantia do adimplemento das obrigações locatícias."

            De sorte que, a partir da alteração já referida, assim vinha se dando a casuística, de forma recorrente: acaso o afiançado(o devedor principal, o inquilino ou locatário) não pagasse os aluguéis e, em tendo havido a renúncia ao benefício de ordem(como de costume assim ocorre, na esteira do artigo 828 inciso I do CC), o fiador teria sim seu imóvel residencial penhorado, por força da exceção capitulada no artigo 3º inciso VII da Lei 8.009/90, não mais podendo argüir a exceção da impenhorabilidade; em seqüência, e, por conseguinte, uma vez satisfeito o crédito do credor locador, o fiador, agora na condição de terceiro interessado se sub-rogaria nos direitos do locador(art. 346 inciso III c/c art. 831 1ª parte do CC) e, em seguida, faria uma ação regressiva em face do afiançado para ressarcir-se(art. 285), sendo essa regressiva, contudo, geralmente infrutífera, haja vista que o afiançado defendia-se argüindo a exceção da impenhorabilidade do seu único imóvel residencial.

            Em suma: enquanto impenhorável é o imóvel residencial do afiançado, devedor principal ou inquilino, vez que protegido pela regra geral da impenhorabilidade legal ditada pelo artigo 3º caput da Lei 8.009/90, o imóvel residencial do fiador ou devedor acessório é penhorável, por força da exceção legal prevista no artigo 3º inciso VII da dita lei.


8.A emenda constitucional nº 26 e o direito à moradia

            Em época mais recente, e em seqüência cronológica – inclusive para manter o viés didático que almejo nesse estudo – adveio a Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2.000, que ampliou o rol de direitos sociais, incluindo entre eles a moradia. Dita emenda entrou em vigor em 15/02/2000, na data da sua publicação, com o seguinte texto promulgado, verbis:

            "Art. 1º. O art. 6º da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

            "Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, à proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

            Art. 2º. Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data da sua publicação.

            Brasília, 14 de fevereiro de 2000."

            De conseguinte, a partir da sua vigência, inaugurou-se uma questão vexatória sobre se o direito à moradia, introduzido pela Emenda Constitucional, teria ou não revogado as exceções à cláusula geral de impenhorabilidade capituladas no artigo 3º incisos I a VII da Lei 8.009/90, verbis:

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            "Art. 3º. A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

            I – em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;

            II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;

            III – pelo credor de pensão alimentícia;

            IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;

            V – para execução de hipoteca sobre imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;

            VI – por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens;

            VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.(o grifo é nosso)."

            Em essência, pois, a questão central dizia respeito em saber-se se a Emenda Constitucional nº 26/2000(lex generalis superior) tinha ou não derrogado a Lei Ordinária(lex specialis inferior), isto é, a Lei 8.009/90, ou, em outras palavras, se era um caso de antinomia real ou meramente aparente.


9. Controvérsia sobre a penhorabilidade do bem de família do fiador locatício

            Como natural, à vista de tamanho impasse, duas correntes doutrinárias, bem distintas, lançaram suas teses jurídicas, valendo-se ambas da interpretação conforme a constituição, não obstante a querela não esteja totalmente encerrada, ainda que com o recente posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema e que a seguir faço referência.

            Basicamente, a vexatio quaestio cinge-se em dirimir se o direito à moradia, introduzido pela Emenda Constitucional nº 26/2000, é ou não uma norma constitucional de eficácia plena ou de eficácia limitada(ou programática), sendo essa a questão de fundo relevante.

            Na hipótese de considerar-se uma norma constitucional de eficácia plena, logicamente e por imperativo hierárquico, a exceção prevista no inciso VII do art. 3º da Lei 8.009/90, que dispõe sobre a penhorabilidade do bem de família do fiador locatício, estaria de plano revogada, implicando na sua não recepção pela Carta Magna.

            De outro modo, na hipótese de considerar-se uma norma constitucional de eficácia limitada ou programática, a exceção do artigo 3º inciso VII da Lei 8.009/90 permaneceria em plena vigência e, portanto, plenamente recepcionada pela Constituição Federal.

            Uma vez esquadrinhada o ponto fulcral da contenda, entendo pertinente discorrer, ainda que em breves noções, acerca da eficácia das normas constitucionais, posto que absolutamente necessárias para o preciso entendimento da controvérsia ora em discussão.

            Pois bem. É mais do que conhecida a classificação acerca da eficácia das normas constitucionais, de autoria do eminente constitucionalista José Afonso da Silva, reiteradamente exposta nos manuais de direito constitucional, como assim se acha explicitada pelo Professor André Ramos Tavares [19], verbis:

            "São normas constitucionais de eficácia plena aquelas que têm aplicabilidade imediata, e portanto independem de legislação posterior para sua plena execução. Desde a entrada em vigor da Constituição, produzem seus efeitos essenciais, ou apresentam a possibilidade de produzi-los.

            Consideram-se normas constitucionais de eficácia contida aquelas que têm igualmente aplicabilidade imediata, irrestrita, comparando-se, nesse ponto, às normas de eficácia plena, mas delas se distanciando por admitirem a redução de seu alcance(constitucional) pela atividade do legislador infraconstitucional. Prevêem meios ou conceitos que permitem manter sua eficácia contida em certos limites, dadas certas circunstâncias. Por isso MICHEL TEMER prefere a designação de "normas constitucionais de eficácia redutível ou restringível". Enquanto a lei não exista, aplicam-se sem restrições, tal qual assegurado na Constituição. É o que ocorre na previsão do art. 5º, XII, da C.F.

            Por fim, as normas constitucionais de eficácia limitada são aquelas que dependem de regulamentação futura, na qual o legislador infraconstitucional vai dar eficácia à vontade do constituinte. Não produzem, com a simples entrada em vigor da Constituição, consoante o autor, todos os efeitos essenciais, porque o legislador constituinte, por qualquer motivo, não estabeleceu sobre a matéria uma normatividade para isso bastante, deixando essa tarefa ao legislador ordinário ou a outro órgão do Estado."

            No caso desse estudo, portanto, as correntes doutrinárias lançaram suas teses a partir desse enfoque constitucional, à luz da hermenêutica constitucional, resultando a divergência em um único ponto nevrálgico, qual seja: saber-se se o direito à moradia – direito social e fundamental por excelência -- é uma norma de eficácia plena ou é uma norma de eficácia contida, também chamada de norma programática.

            Doravante, vejamos as teses.

            9.1 Razões dos adeptos à tese da penhorabilidade

            Os partidários dessa tese entendem que a exceção contida no inciso VII do artigo 3º da Lei 8.009/90 – que prevê a penhorabilidade do bem de família do fiador de locação – tem plena eficácia, não obstante o advento do direito à moradia, introduzido com a promulgação da Emenda Constitucional nº 26/2000, aduzindo, para tanto, as seguintes razões:

            1ª) Porque o direito à moradia, em sendo um direito social por excelência, é uma norma constitucional de eficácia limitada(ou programática), conforme assim bem assevera Heitor Vitor Mendonça Sica [20], verbis: "O primeiro obstáculo que a tese não logra superar é o fato de que a norma do art. 6º da Constituição é programática, isto é, estabelece apenas um horizonte de atuação para o Estado, carecendo de regulamentação, sem a qual não tem eficácia plena.". Ou ainda, na dicção de José Rogério Cruz e Tucci [21], discorrendo acerca da eficácia do direito "genérico" à moradia, assentou que "estas – normas de eficácia limitada ou reduzida – são aquelas de aplicação indireta, mediata e reduzida, porque somente incidem no mundo jurídico após uma normatividade posterior que lhes empreste eficácia.";

            2ª) Porque o objetivo da exceção contida no inciso VII do art. 3º da Lei 8.009/90 é o de fomentar o mercado de locação, facilitando o direito à moradia, sobretudo daquelas pessoas de menor poder aquisitivo, que têm dificuldades imensas para conseguir um fiador, e maiores dificuldades teriam em conseguir fiadores com mais de um imóvel, diante da situação de pobreza generalizada do povo brasileiro, aqui incluída a classe média empobrecida, na hipótese da impenhorabilidade do bem de família do fiador de locação;

            3º) Porque se inconstitucional fosse a exceção do inciso VII do artigo 3º da dita lei resultaria também inconstitucionais as demais exceções previstas nos incisos I a VI do referido artigo e que, por conseguinte, seria também impenhorável o bem de família do devedor de créditos trabalhistas da própria residência(inciso I); o bem de família do devedor do financiamento utilizado para a construção ou aquisição do próprio imóvel(inciso II); o bem de família do devedor de pensão alimentícia(inciso III); o bem de família do devedor de impostos, taxas e contribuições devidas em função do imóvel(inciso IV); o bem de família do devedor da hipoteca do próprio imóvel dado em garantia real(inciso V), etc.;

            4ª) Porque não viola o princípio da isonomia(art. 5º caput da CF/88) vez que os contratos de locação e de fiança são distintos, haja vista que "o locatário responde pelas obrigações assumidas no contrato de locação, ao passo que o fiador pelo contrato acessório, de garantia. Muito embora o objeto das prestações devidas por ambos seja o mesmo, os contratos que deram origem a elas são diferentes, com requisitos e vicissitudes próprias.", conforme preleciona Heitor Mendonça Vitor Sica [22];

            5ª) Porque se inconstitucional fosse a exceção do inciso VII do artigo 3º haveria uma redução na oferta de imóveis para locação, bem como uma generalização do uso de "fiadores profissionais", tornando o mercado de locações uma verdadeira "loteria", impondo aos locadores a exigência de outras tantas garantias; ademais, poderia fomentar a má-fé de inquilinos, que propositadamente deixariam de pagar aluguéis, com a certeza de que os bens de seus garantidores(fiadores) estariam a salvo de constrição judicial, posto que impenhoráveis.

            9.2.Razões dos adeptos à tese da impenhorabilidade

            Já os defensores dessa tese sustentam que a exceção contida no inciso VII do artigo 3º da Lei 8.009/90 – que prevê a penhorabilidade do bem de família do fiador de locação – não tem nenhuma eficácia, em face da inclusão do direito à moradia como um direito social, introduzido pela Emenda Constitucional nº 26/2000, sendo esta norma constitucional de eficácia plena e de aplicação imediata, aduzindo, para tanto, as seguintes razões:

            1ª) Porque a Emenda Constitucional nº 26/2000 não recepcionou o artigo 3º inciso VII da Lei nº 8.009/90, uma vez que o direito à moradia, direito social por excelência, deriva de uma norma constitucional auto-aplicável(Emenda Constitucional nº 26/2000), de eficácia plena, imediata e direta, que diz respeito à dignidade da pessoa humana(art. 1º inciso III da CF/88), e que, em sendo uma norma maior deve ser aplicada em detrimento de uma norma menor, consoante assim assevera Clito Fornaciari Júnior [23], verbis: " A disposição da Emenda tem incidência imediata, como é próprio dos preceitos constitucionais, atingindo, destarte, a norma infraconstitucional que com ela é incompatível, não sendo, desse modo, recepcionada.";

            2ª) Porque viola o princípio da isonomia(artigo 5º caput da Carta Magna), na medida em que a exceção prevista no inciso VII do art. 3º da Lei 8.009/90, introduzida pela Lei nº 8.245/91, feriu de morte do princípio isonômico, tratando desigualmente situação iguais, e, por conseguinte, olvidando o brocardo "ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio", isto é, onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito. Nesse sentido, advoga-se que o direito à moradia, em sendo um direito fundamental de 2ª geração – direito social – deve ser amparado e protegido pela regra geral da impenhorabilidade, pois diz respeito à moradia do homem e sua família, na medida em que a moradia é um direito fundamental de todos, locatários ou fiadores. De sorte que, o manto da impenhorabilidade deve ser estendida a ambos(inquilinos e fiadores) e não apenas sobre o bem de família do locatário, ficando ao desamparo o bem de família do fiador, passível de penhora;

            3ª) Porque a exceção capitulada no inciso VII do artigo 3º da Lei 8.009/90 destoa das demais exceções ali previstas(incisos I a VI) – haja vista que estas tutelam valores a serem preservados que estariam em um patamar superior ou igual à proteção do bem de família, como é o caso da proteção do crédito trabalhista e do crédito de natureza alimentar(incisos I e III), a obrigação derivada da aquisição do próprio imóvel(inciso II), a obrigação tributária(inciso IV), a obrigação como garantia real(inciso V) e aquela decorrente de ato ilícito(inciso VII), restando mais do que patente, segundo essa corrente, que a inserção da obrigação decorrente de fiança deveu-se a reclamos do mercado de locação;

            4ª) Porque ofende o princípio da isonomia exarado no artigo 5º caput da Constituição Federal, vez que, em sendo a fiança um contrato acessório e subsidiário –por depender da existência do contrato principal e ter sua execução subordinada ao não-cumprimento deste, pelo devedor principal – não é justo e lícito que o fiador assuma obrigações mais onerosas do que o afiançado(o devedor principal), ainda que ele(fiador) renuncie ao benefício de ordem(art. 827 c/c art. 828 inciso I), pois mesmo assim o fiador estará pagando uma dívida que não lhe pertence e que de fato interessa exclusivamente ao devedor principal, o locatário(art. 285);

            5ª) Porque fere o princípio da boa-fé objetiva, previsto no artigo 422 Código Civil e art. 51 inciso IV do Código de Defesa do Consumidor, haja vista que os contratos de locação, no mundo hodierno, são constituídos não sob a forma paritária, mas majoritariamente sob a forma adesiva, ou seja, efetivados sob a forma de contratos de adesão, o que importa em dizer, como cediço, que as cláusulas já se acham impressas, ditadas pelo contratante economicamente mais forte(no caso, o locador), mediante instrumentos escritos que já se acham previamente redigidos e que são colocados à disposição do locatário e do fiador para um único gesto: aceitar em bloco ou recusar em bloco! Por conseguinte, e como é lógico, à luz da lógica do mercado, nesses contratos já há cláusulas impressas segundo as quais o fiador renuncia ao benefício de ordem, tornando-se um devedor solidário, sem que sequer ser advertido sobre as conseqüências da contratação, ou seja, sobre a possibilidade de vir a ser executado seu bem de família para pagar uma dívida dos outros, isto é, do inquilino, não podendo inclusive fazer uma regressiva contra este, uma vez que o imóvel deste acha-se ao abrigo da impenhorabilidade.

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Sobre o autor
João Hora Neto

juiz de Direito no Estado de Sergipe, professor de Direito Civil da Universidade Federal de Sergipe (UFS), mestre em Direito Público pela Universidade Federal do Ceará (UFC), especialista em Novo Direito Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HORA NETO, João. O bem de família, a fiança locatícia e o direito à moradia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1476, 17 jul. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10149. Acesso em: 22 dez. 2024.

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