13. Conclusão
A grande conclusão que se extrai é que o bem de família tem uma importância social fabulosa, pois protege a família -- precisamante o imóvel residencial -- excluindo da penhora por quaisquer execuções, salvo raras exceções.
Historicamente, serviu nos Estados Unidos da América – berço do instituto – não só para fomentar o povoamento do vasto território americano, mas desde então para proteger a moradia das famílias em face das vicissitudes da vida e diante da ação quase sempre abusiva dos credores.
Introduzido no Brasil pelo Código Civil de 1916, sob a modalidade voluntária, de fato não teve aceitação popular, quer seja pelo costumeiro desconhecimento das leis pela população, mas também, e principalmente, pela dificuldade na sua implementação, à vista da exigência de escritura pública ou testamento, bem como os custos desses atos decorrentes.
Malgrado, com o advento da Lei 8.009/90, o instituto tomou novo influxo, vindo a ser recorrentemente aplicado nas lides judiciais, posto que por força dessa lei fora adotado a modalidade legal ou involuntária, ditada pela vontade mesma do Estado, a fim de proteger a família e sua residência, constituindo-se assim num importantíssimo microssistema jurídico, o qual, seguramente, já livrou da penhora milhares de casas de moradia dos brasileiros, ricos ou pobres.
E nesse cotejo, com a edição da Lei 8.009/90, o fiador da locação também estava amparado pela regra geral da impenhorabilidade, não obstante os reclamos do mercado imobiliário, que entendia nefasta a não penhora do bem de família do fiador, ao ponto de, portanto, o mercado pressionar e, por fim, através do artigo 82 da Lei nº 8.245/91 acrescentar uma outra exceção ao artigo 3º da Lei 8.009/90, tornando penhorável a casa de morar do fiador da locação.
Doravante, a situação do fiador fragilizou-se, abrindo-se uma dissensão doutrinária e jurisprudencial, que atingiu seu ápice com a promulgação da Emenda Constitucional nº 26/2000, segundo a qual introduziu o direito à moradia no rol dos direitos sociais do artigo 6º da Constituição Federal, ocasionando a polarização da questão em duas correntes bastantes díspares, ou seja: aqueles que defendiam a recepção e a compatibilidade entre a Lei 8.009/90 e a Emenda referida, e aqueles que sustentavam a não recepção e a incompatibilidade entre tais normas.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, fez a opção pela corrente da recepção e da compatibilidade, concluindo ser possível a penhora do bem de família do fiador de locação – defendendo que o cidadão é livre para contratar, para avalizar, e que, portanto, deve assumir os riscos dessa contratação.
Não obstante a decisão do STF, comungo da tese vencida, dos votos minoritários, e com base em sólida doutrina entendo que o contrato de locação residencial, assim como costumeiramente difundido nas médias e grandes cidades brasileiras, é contratado sob a forma adesiva, isto é, é contrato de adesão e também de consumo, vez que intermediados pelas empresas imobiliárias – que auferem lucros, via taxa de administração – e que por sua vez ditam as regras do contrato, sem qualquer discussão prévia com o inquilino e seu fiador, sendo que este, de regra, renuncia ao benefício de ordem sem a mais mínima advertência prática sobre o que isso significa, ou seja: a possibilidade de vir a perder a casa de moradia(o bem de família) para pagar uma dívida do inquilino, e sem qualquer possibilidade de ressarcimento por parte deste, via ação regressiva, uma vez que o casa de morar do inquilino acha-se amparada pela regra da impenhorabilidade.
E seguindo essa corrente – que advoga a tese impenhorabilidade do bem de família do fiador locatício, pela não recepção da Lei 8.009/90 frente à Emenda Constitucional nº 26/2000 – é que convencido estou que ao contrato de locação residencial deve ser aplicada toda a principiologia consumerista e civilística, em simbiose, além dos princípios que regem o direito civil constitucional.
Por fim, concluo que uma das formas de abrandar a voracidade do mercado imobiliário, afastando suas garras do bem de família do fiador da locação, é o Governo, via Dirigismo Estatal nas esferas executiva e legislativa, promover uma forte reestruturação do seguro fiança locatícia, minorando a abusividade dos sistemas bancário e securitário, que de há muito ditam as regras dessa garantia locatícia, impossibilitando a sua contratação por parte dos protagonistas da locação, locador e locatário.
Alfim, entendo que, com a revitalização do seguro fiança, essa será, seguramente, a melhor e mais eficiente garantia locatícia, contratada de forma impessoal e sem a inconveniência de penhorar a casa de morar de um fiador, de um pai de família, implicando na ruína de mais um brasileiro – pelo fato de, singelamente, e com estribo no vetusto princípio do pacta sunt servanda -- ter assumido e pago uma dívida dos outros!
14. Bibliografia
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TARTUCE, Flávio. Direito civil. Direito das obrigações e responsabilidade civil. São Paulo: editora Método, 2005, v. 2.
Notas
01
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Bem de Família Com comentários à Lei 8.009/90. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 2802
Op. cit., p. 3303
BEVILáQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Edição histórica. 7ª Tiragem. Rio de Janeiro: Rio, 1975, v. 1, p. 31004
SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de Direito Civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1988, v. I, p. 352/35305
CARVALHO SANTOS, J. M. de. Código Civil Brasileiro Interpretado. 12ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1985, v. II, p. 19106
AMARAL, Francisco. Direito Civil. Introdução. 3ª ed. Rio de Janeiro-São Paulo: Renovar, 2000, p. 32707
Op. cit. p. 9308
BEVILáQUA, Clóvis. Op. cit., p. 31009
RIBEIRO SANTIAGO, Mariana. Da instituição de bem de família no caso de união estável. Revista de Direito Privado nº 18. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.17610
Op. cit., p. 16511
GONÇALVES, Denise Willhelm. Bem de família e o novo código civil brasileiro. Revista de Direito Privado nº 17. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, 12012
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005, v. VI., p. 52713
MONTEIRO, Washington Barros de. Curso de Direito Civil. Direito das obrigações. 2ª parte. 34ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 5. p. 37514
GOMES, Orlando. Contratos. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 43515
Op. cit., p. 16616
VASCONCELOS, Rita de Cássia Corrêa de. A impenhorabilidade do bem de família e as novas entidades familiares. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, v. 51, p. 4617
ALBERTON, Genacéia da Silva. Impenhorabilidade de bem imóvel residencial do fiador. A Penhora e o bem de família do fiador de locação. José Rogério Cruz e Tucci(coordenação), São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 11918
DINIZ, Maria Helena. Lei de locações de imóveis urbanos comentada. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 32919
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 82-8320
SICA, Heitor Vitor Mendonça. Questões polêmicas e atuais acerca da fiança locatícia. A Penhora e o bem de família do fiador de locação. José Rogério Cruz e Tucci(coordenação), São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 5221
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Op. cit., p. 4723
JÚNIOR, Clito Fornaciari. O bem de família na execução da fiança. A Penhora e o bem de família do fiador de locação. José Rogério Cruz e Tucci(coordenação), São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 10324
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MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 3ª ed., 2ª tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, V. 1, p. 166-16728
Op. cit., p. 15129
LÕBO, Paulo Luiz Neto. Constitucionalização do direito civil. Revista de informação legislativa. Brasília: Senado Federal, 1999, v. 141, p. 100.30
TARTUCE, Flávio. Direito civil. Direito das obrigações e responsabilidade civil. São Paulo: editora Método, 2005, v. 2, p. 25431
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