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Os anos negligenciados: o que contribui na morosidade dos processos de adoção?

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4. BUROCRACIA E MOROSIDADE NOS PROCESSOS DE ADOÇÃO

4.1. Fatores técnicos que ocasionam a burocracia do processo

Tendo todo processo de adoção previamente resumido em seus pontos cruciais e principais em vista, não é irracional a conclusão de que qualquer tipo de morosidade no trâmite pode prejudicá-lo, e assim o faz. A seguir são explorados alguns fatores técnicos jurídicos que muitas vezes causam frustração, fazendo com que adotantes desistam do processo e, mais alarmante, negligenciam a lei pensada para incentivar o ato da adoção, causando o efeito oposto.

A Lei nº 12.010 de 2009 legisla que o período de acolhimento das crianças em abrigos não poderá se dar para além do prazo de 1 (um) ano e seis meses, exceto quando houver autorização judicial para tal. Ressalta-se que a duração máxima do estágio de convivência, que funciona como período de adaptação dos envolvidos – e que antes não possuía prazo - passou a ser fixada em 90 dias. Quando essa criança já se encontra destituída do poder familiar, ela passa a constar no Cadastro Nacional da Adoção (CNA), uma ferramenta digital do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que auxilia os juízes das Varas da Infância e da Juventude na condução dos procedimentos dos processos de adoção em todo o país. Esse é, por lei, o tempo de trâmite decente para esse tipo de processo. No entanto, esta lei é normalmente descumprida por motivos a seguir explorados. O Diagnóstico sobre o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, promovido anualmente pelo Conselho Nacional de Justiça, expõe alguns dados que mostram que, até 2020, 43,5% das ações de adoção realizadas foram concluídas em mais de 240 dias, o tempo médio entre o início do processo e a data da sentença de adoção foi de 10,5 meses e 38,6% das ações em processo de adoção estão sem conclusão a mais de 240 dias.

Irregularmente, não são todas as adoções que acontecem através do CNA. A Juíza titular da 16ª Vara da Infância de Aracaju (SE), Rosa Geane Nascimento conta que existem situações em que pessoas escolhem não se inscrever no cadastro, onde as crianças já estão destituídas, e acabam indo à Vara com dois processos: o de adoção, junto com o de destituição do poder familiar. Em casos como esse, em que há a entrega da criança sem destituição, antes de permitir a adoção, é necessário uma análise da possibilidade de manter essa criança em sua família biológica ou com parentes próximos, além de confirmar a vontade legítima dos genitores de entregar esta criança.

Outro conflito no processo de adoção que vem acoplado ao de destituição, é que muitos pais que realizam a entrega direta dos seus filhos, na maioria dos casos, residem em um município ou estado diferente dos adotantes e, pelo fato da criança não poder ser destituída e adotada sem se ouvir os genitores e ser feita análise social da família, esses procedimentos acabam causando considerável morosidade no processo, chegando a passar do prazo legal. A juíza da 16ª Vara de Aracaju afirma que “São esses processos que mais demoram, infelizmente. E sem contar que ainda corre o risco de o pai e a mãe se arrependerem, contestar a ação, recorrer. Demora mais ainda”.

A baixa na equipe técnica em alguns estados tem sido também apontada como uma das causas da morosidade dos processos de adoção. Em muitos estados, faltam assistentes sociais e psicólogos. A Lei 13.509 prevê que na insuficiência de servidores públicos integrantes do Poder Judiciário, para realização dos estudos psicossociais ou qualquer outra espécie de avaliação, a autoridade poderá proceder à nomeação de perito. Assim, embora o ideal seja que as Varas tenham sua própria equipe, essa flexibilização da lei traz celeridade a esses processos.

Compreende-se, no entanto, a importância do processo de adoção e suas exigências legais em nome do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.

4.2. Fatores sociais que ocasionam a burocracia do processo

Além das questões técnicas que dificultam o processo brasileiro de adoção, existem também aquelas que dominamos sociais, tal como a discrepância de perfil entre adotantes e adotados. Os adotantes geralmente constroem socialmente uma preferência por crianças brancas, de até quatro anos de idade, que não tenham irmãos nem doença ou deficiência física. De todo grupo de adotantes que aguarda uma criança, somente cerca de 4% aceitariam adotar crianças maiores de 8 anos, por exemplo. Esse fator faz com que o processo demore ainda mais. Além disso, no Brasil, mais de 50% dos adotantes só aceitam crianças com até três anos. Entre todas as crianças disponíveis para adoção, apenas cerca de 3% se encaixam nessa faixa etária.

O Diagnóstico sobre o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento de 2020 também traduz as diferenças entre o perfil das crianças e adolescentes adotados e aquelas em processo de adoção. Até o ano de lançamento do diagnóstico, o número de adotados é menor à medida que a idade dos adotados é maior: 5.204 das adoções (51%) foram de crianças de até 3 anos completos, 2.690 (27%) foram de crianças de 4 até 7 anos completos, 1.567 (15%) foram de crianças de 8 até 11 anos completos e 649 (6%) foram de adolescentes (maiores de 12 anos completos). Além disso, a idade média das crianças e adolescentes na data da sentença de adoção é de 4 anos e 11 meses e a idade média das crianças e adolescentes em processo de adoção é de 5 anos e 3 meses no início do processo.

Percebe-se também que a adoção tardia é problemática. Muitos pais acreditam que uma criança mais velha terá maior dificuldade de adaptação em uma nova família, crença que, mais uma vez, faz com que a possibilidade de compatibilidade entre adotantes e adotados diminua e tanto a espera por pais adotantes quanto por filhos adotados saia prejudicada.

Em sua obra, “Adoção tardia: Da Família Sonhada à Família Possível”, Marlizete Maldonado Vargas explica que uma adoção é considerada tardia quando a criança passa de 2 anos. Apesar do nome, foi constatado que é possível que crianças abandonadas reconstruam sua identidade a partir de novas figuras parentais com base segura. No entanto, é mais difícil para uma criança retirada judicialmente de sua família refazer laços afetivos.

Acima de 6 meses já é considerado que a criança perdeu sua época de apego seguro. Ademais, a criança que sofreu ruptura com as figuras às quais esteve vinculada pode reconstruir o seu primário a partir de novas representações dela própria, das quais participa, fundamentalmente, a interiorização das novas imagens parentais.

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A criança adotada tardiamente vive um processo psíquico de regressão, visando resolver melhor as fases da reconstituição de seu ego. Um dos modelos desse processo de desenvolvimento se externaliza a partir da vontade de querer “morar na barriga da nova mãe”, logo antes da fase em que a criança busca semelhança física com os pais. Depois, passa uma fase mais agressiva em que a criança nega os pais por não ter nascido deles. Essa fase advém tanto da confusão entre mãe biológica e adotiva quanto da vontade de testar os novos pais e sua vontade de ter o novo filho. A quarta e última fase consiste numa idealização dos pais biológicos, no qual o adotado acredita que irão voltar para resgatá-lo, negando o abandono. Essa projeção dos pais imprime características ao longo do processo de adoção tardia e é importante que haja uma flexibilidade em relação às características imaginadas.

Assim, dado o exposto, é nessa seara dos fatores sociais que cabe falar em outro problema relativo ao processo adotivo: o da responsabilidade civil pela desistência da adoção. Tal desistência pode ocorrer, em geral, durante três estágios. Primeiro, no estágio de convivência em sentido estrito, deslocado da guarda provisória dos adotandos, que pode ser aferido do artigo 46 do ECA, segundo o qual: “A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo máximo de 90 (noventa) dias, observadas a idade da criança ou adolescente e as peculiaridades do caso”. Aqui, o exercício do direito de desistir da adoção não autoriza o reconhecimento da responsabilidade civil dos adotantes, devendo, contudo, atentar-se às situações excepcionais - tais como rupturas imotivadas e contraditórias ao comportamento apresentado no decorrer do processo -, haja vista que, dada a característica peculiar desta fase de ser uma espécie de teste acerca da viabilidade da adoção, a desistência é legítima e não dá margem para a reparação civil.

O segundo estágio no qual a desistência pode ocorrer refere-se ao âmbito da guarda provisória para fins de adoção. Aqui, a desistência gera responsabilidade civil, pois configura um abuso que, por sua vez, advém da formação concreta e robusta de um vínculo entre adotante e adotado que é rompido pela atitude de desistência. Tal abuso encontra amparo no artigo 187 do Código Civil e é formulado pela quebra brusca do prolongamento do estágio de guarda provisória então em curso. Por fim, desistência também pode operar-se no estágio depois do trânsito em julgado da sentença de adoção. Como aqui, legalmente, a adoção se torna irrevogável (art. 39, §1º, ECA), não existe, portanto, base jurídica para a devolução do adotado após sua adoção efetiva. A ocorrência da “devolução” caracteriza um ilícito civil, que suscita um dever de indenizar.

A breve análise realizada acima traz à tona um ponto importante no processo de adoção: a criação do vínculo afetivo que é tecido no decorrer do processo adotivo. Assim, muito além das previsões legais estabelecidas, a reprovação e o desvalor da ação presente na arguição da desistência nas respectivas etapas baseia-se, sobretudo, no grau de reprovabilidade da “devolução”, oriundo justamente do estado no qual esse vínculo emocional está - isto é, se está mais ou menos desenvolvido, se possui mais ou menos chances de deixar sequelas psicológicas na criança. Evidencia-se, assim, a delicadeza das nuances do processo burocrático, refletidas, como analisado, em desistências e devoluções motivadas por razões diversas.

4.3. Estatísticas sobre as preferência dos adotantes

O Diagnóstico sobre o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento de 2020 reflete, através dos dados apresentados, a preferência dos adotantes. Assim, considera-se que, neste ano, somente 0,3% dos pretendentes desejavam adotar adolescentes, apesar destes apresentarem 77% do total de crianças e adolescentes disponíveis e não vinculados ao SNA. Essa preferência por crianças de pouca idade também é observada entre os adotados, uma vez que o número de crianças e adolescentes adotados diminui na medida em que a idade aumenta. Do total de adoções realizadas, 51% foram de crianças com até 3 anos completos, 26% de crianças de 4 até 7 anos completos, 16% de crianças de 8 a 11 anos e 7% de adolescentes. A idade média das crianças e adolescentes é de 4 anos e 11 meses dos adotados; de 5 anos e 3 meses dos em processo de adoção; de 8 anos e 10 meses dos em acolhimento; e de 9 anos e 2 meses dos disponíveis para adoção.

A região Sudeste é a região brasileira mais populosa, com 42% da população brasileira, ela concentra 32% do total de adoções realizadas, 49% das crianças e adolescentes em processo de adoção, 48% dos em acolhimento e 44% dos disponíveis para adoção. Já a região Sul do país se destaca por ser a única a apresentar mais pretendentes disponíveis com preferência de etnia do que sem preferência. Essa região apresenta crianças e adolescentes da etnia branca em 50% dos em processo de adoção, 58% dos em acolhimento e 45% dos disponíveis para adoção. Ao considerar todas as regiões, a etnia parda apresentou os maiores percentuais, com percentuais entre 46% e 49% do total de crianças e adolescentes em processo de adoção, em acolhimento e disponíveis para adoção. Os percentuais de crianças e adolescentes por sexo não divergem consideravelmente, tendo entre 49% e 54% dos adotados, em acolhimento, em processo de adoção ou disponíveis para adoção do sexo masculino. Destaca-se, também, o elevado percentual de crianças e adolescentes disponíveis para adoção com deficiência intelectual, 8,5% do total de disponíveis, enquanto o percentual de adotados é de 0,2%, em processo de adoção de 1,1% e em acolhimento de 3%. Já as crianças e adolescentes com deficiência física representam 3,2% do total de disponíveis, 0,2% do total de adotados, 0,7% do total em processo de adoção e 1,2% do total em acolhimento. Crianças e adolescentes com outros problemas de saúde representam 9,7% do total de disponíveis, 1,8% do total de adotados, 5,7% do total em processo de adoção e 4,4% do total em acolhimento.

4.4. A adoção de crianças e adolescentes com necessidades especiais

Entre as diversas crianças negligenciadas no processo de adoção, destacam-se aquelas portadoras de necessidades especiais. De acordo com o Guia para Adoção de Crianças e Adolescentes – “Três vivas para a adoção!”, realizado pela MAIS (Movimento de Ação e Inovação Social):

Tendo em vista o [...] Cadastro Nacional de Adoção, gerido pelo Conselho Nacional de Justiça: mais de 73,48% são maiores de 5 anos, 65,85% são negras ou pardas, 58,52% possuem irmãos, 25,68% têm alguma doença ou deficiência.

Já entre os adotantes cadastrados, 77,79% só aceitam crianças até 5 anos, 17% querem apenas crianças brancas, 63,27% não optam adotar aquelas que têm doenças ou deficiências e 64,27% não estão abertos a receber irmãos.

Essa situação é enfatizada por Aquino:

que sugere que as crianças deficientes merecem um olhar diferenciado pelos poderes públicos e pela sociedade em geral, uma vez que necessitam além de uma família que possa propiciar sua acolhida e reintegração, todo amparo e atenção necessários ao desenvolvimento de suas capacidades, em virtude de suas necessidades e demandas peculiares, que se diferenciam em relação às crianças não deficientes. (AQUINO,2009, p.1)

À vista disso, estabelece a lei número 12.955/2014 prioridade de tramitação aos processos de adoção em que o adotando for criança ou adolescente com deficiência ou com doença crônica. Esse dispositivo legal busca mostrar a necessidade de priorizar os processos de adoção de pessoas com deficiência, uma vez que a adoção especial reclama mecanismos mais eficazes para a sua efetividade.

4.5. A adoção de irmãos

Importante também, discorrer a respeito da adoção de irmãos e os seus desafios, umas vez que também tem papel na questão da morosidade nos processos de adoção. O artigo 50, § 15, do ECA preconiza que “será assegurada prioridade no cadastro a pessoas interessadas em adotar criança ou adolescente com deficiência, com doença crônica ou com necessidades específicas de saúde, além de grupo de irmãos”. Também diz seu artigo 28, § 4º que

Os grupos de irmãos serão colocados sob adoção, tutela ou guarda da mesma família substituta, ressalvada a comprovada existência de risco de abuso ou outra situação que justifique plenamente a excepcionalidade de solução diversa, procurando-se, em qualquer caso, evitar o rompimento definitivo dos vínculos fraternais.

A adoção de grupos de irmãos é pouco privilegiada pelos adotantes. Apesar de ser privilegiada por lei com fundamentos bem provados e argumentados visando o bem dos adotados, não chamam muita atenção dos adotantes, seja por incapacidade de sustento físico ou emocional. Essa realidade causa muita instabilidade nas equipes da Justiça Infantojuvenil, pois não é rara a possibilidade de um dos irmãos em questão ter grandes possibilidades de ser adotado caso não estivesse prescrita a necessidade de que seja mantido junto aos seus familiares, enquanto para os com idades mais avançadas a possibilidade de adoção diminui. O ideal é o da adoção conjunta, entretanto, a realidade mostra que a maioria das famílias pretendentes opta por crianças sem irmãos e com idades menores.

Apesar dos dispositivos legais conspirarem a favor do bem social do adotando, nota-se que sem querer acaba contribuindo com a morosidade dos processos na medida em que impedem crianças de serem adotadas por impor à adoção uma condição algumas vezes insustentável.

4.6. Morosidade e questões processuais

A morosidade presente nos processos de adoção no Brasil, além de prejudicar o processo em si, também infringe o princípio da celeridade processual, fato que traduz a irresponsabilidade da questão para com as raízes da lei.

Em seu artigo 5º, inciso LXXVIII, dispõe a Constituição Federal que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, enfatizando a necessidade jurídica da utilização de todos os meios possíveis para garantir que todo e qualquer processo tenha duração razoável e decente, garantindo consequentemente que não se arrastam por anos a fio, sem qualquer resolução por conta da natural burocracia do serviço público associada às dilações recursais procrastinatórias que dificultem o resultado. Considerando-se todos os aspectos do processo de adoção e sua importância social já explorada, intensifica-se a importância desse evitamento nesse tipo de ação por tratar-se de tentativa de acolhimento de indivíduos no âmbito familiar.

Assim, o foco no problema desenvolvido no presente artigo é relevante não apenas por estudar uma questão social de extrema importância para a evolução do indivíduo e a possibilidade da construção de uma família, mas também por refletir uma infração na jurisdição.

Ademais, diz a Constituição Federal em seu art. 5º, inciso LXXVIII, que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação", traduzido o princípio da razoável duração do processo. Assim, a prestação jurisdicional deve ser entregue de maneira eficaz e tempestiva, qualquer que seja o seu resultado. Explicita André Pagani de Souza em “Teoria Geral do Processo Contemporâneo”:

O direito de acessar a ordem jurídica justa exige uma prestação qualificada que, entre outros atributos, há de ser concedida em um prazo razoável. Este o teor do artigo 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal de 1988, por meio da emenda constitucional 45 de 2004: "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".

O dispositivo constitucional em comento explicita o direito fundamental a um processo com duração razoável, nos âmbitos judicial e administrativo, bem como os meios que garantam esta sua qualidade, de sorte integrar o rol dos direitos fundamentais previstos em nossa Carta Constitucional.

Tendo o seguimento pleno desse princípio em vista, espera-se que os processos de adoção no Brasil tenham duração máxima de 120 dias, de acordo com a lei. Entretanto, como muitas vezes já mencionado, essa não é a realidade desses processos no país. Observa-se a ementa

RECURSO DE APELAÇÃO. Estatuto da Criança e do Adolescente. Ação de destituição do poder familiar cumulada com pedido de adoção. Genitora-ré citada por edital. Apelo da Curadoria Especial em face da r. sentença de primeiro grau que julgou procedente a demanda. Recurso que se limita a buscar a declaração de nulidade da citação editalícia, por suposto não esgotamento das tentativas de localização e citação pessoal da genitora, com consequente nulificação do processo por falta de citação válida. Vício inexistente. Genitora sabidamente dependente química, em paradeiro completamente ignorado há mais de 07 (sete) anos. Diligências em seu único logradouro conhecido que restaram infrutíferas. Esgotamento de todos os meios de identificação do paradeiro do réu que não é exigido para a realização da citação por edital, bastando a presença dos requisitos elencados nos artigos 256 e 257 do CPC/2015. Precedente deste E. TJSP. Hipótese dos autos, ademais, sujeita à dispensa legal de envio de ofícios para a localização da genitora em local incerto e não sabido, conforme dicção do artigo 158, § 4º, do ECA, com redação dada pela lei nº 13.509/2017. Norma que, longe de ser inconstitucional, dá vazão aos princípios da celeridade processual e da duração razoável do processo (artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal), fazendo com que se dispensem formalidades processuais estéreis, garantindo-se o rápido equacionamento da questão posta na lide, sem que isso represente qualquer violação das garantias da ampla defesa e do contraditório das quais dispõe a apelante, tecnicamente defendida nos autos por curador especial. Recurso ao qual se nega provimento. (TJ-SP - AC: 1031539-40.2019.8.26.0506 SP 1031539-40.2019.8.26.0506, Relator: Issa Ahmed, Data de Julgamento: 18/05/2021, Câmara Especial: 18/05/2021)

Dessa maneira, conclui-se que além da morosidade aqui estudada impactar diretamente no respeito ao princípio da celeridade processual, também infringe o princípio da razoável duração do processo.

4.7. Responsabilidade do Estado pela perda de uma chance

Dado o exposto ao longo dos capítulos anteriores, torna-se evidente que o Estado possui um papel fundamental no sustento e na existência do instituto da adoção, obtendo para si competências e responsabilidades que devem ser cumpridas com o devido modo e atenção. Tal responsabilidade se estende por todos os Poderes que compõem o Estado, a saber, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.

Neste aspecto, nota-se que, em vista da burocracia em excesso e dos diversos entraves presentes dentro da própria máquina estatal, os danos causados às crianças e adolescentes na fila da adoção tornam-se evidentes, visto que é justamente devido à tal demasia de obstáculos burocráticos que esses indivíduos perdem ou, no mínimo, tem chances reduzidas de obterem um futuro melhor. Tais danos podem ser vistos tanto dentro quanto fora do exercício regular das competências do Estado, pois, mesmo que as atividades administrativas estejam sendo feitas dentro da regularidade, elas ainda assim são capazes de gerar dano, o que justifica a responsabilização sob esta lógica. Não é surpresa que a corrente que sustenta a penalização do Estado devido aos danos ao processo de adoção vem crescendo, tendo em Venosa sua principal figura. O doutrinador é favorável à ideia de que o Estado deve ser responsabilizado pelos danos causados pela sua atuação, que acabam por levar a perda de uma chance.

Em se tratando de atos ilícitos, o nexo de causalidade aparece como importante fator a ser levado em conta, pois a responsabilidade só poderá ser reclamada se a relação entre o ato ilícito e o dano produzido for demonstrada. Não havendo essa relação, não se admite a indenização. O próprio Código Civil, em ser artigo 186, preceitua que: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Sobre os autores
Camilly Venegas de Oliveira

Estagiária na equipe de Contratos e Societário no IBS Advogados | Graduanda na Universidade Presbiteriana Mackenzie no Curso de Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Camilly Venegas; WEINBERG, Adele Mendes et al. Os anos negligenciados: o que contribui na morosidade dos processos de adoção?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7143, 21 jan. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/102103. Acesso em: 19 nov. 2024.

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