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As fake news e a guinada do STF sobre liberdade de expressão

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Agenda 03/03/2023 às 15:48

7. A nova conformação da liberdade de expressão pelo STF.

Diferentemente do contexto sob o qual produziu as balizas do julgamento da ADPF n º 130 34, atualmente a Suprema Corte precisa interpretar a liberdade de expressão sob a perspectiva de que a posterior responsabilização do propagador de conteúdo falso ou mentiroso pode ser insignificante diante do potencial ofensivo que a informação divulgada de forma massiva e instantânea por redes sociais como whatsapp, telegram, twitter, instagram, facebook e youtube pode trazer às pessoas, às instituições e à democracia brasileira.

Felizmente, o STF, em tais casos concretos, tem agido acertadamente ao repelir o abuso de direito e a violação aos princípios democrático e republicano, determinado a supressão das redes sociais de conteúdo falso ou mentiroso, a investigação e até mesmo a prisão daqueles que violam o princípio republicano e democrático, utilizando-se de fake news para ameaçar pessoas, incitar a violência contra instituições e contra a democracia brasileira; ou seja, para cometer crimes previstos na legislação penal 35.

O julgado mais categórico desta nova forma de interpretar a liberdade de expressão, sob a perspectiva de que não se pode admitir a consideração da liberdade de expressão como um direito absoluto, que não possa ser restringido pelo Poder Judiciário, deu-se no recente julgamento da ADPF nº 572 36, a qual foi ajuizada com a pretensão de anular a portaria da Presidência do STF que instaurou na Suprema Corte o Inquérito das Fake News (INQ 4781).

No referido julgamento, a Suprema Corte delimitou os contornos jurídicos da liberdade de expressão e afirmou categoricamente que a mesma não é um direito fundamental absoluto, podendo haver a sua limitação quando a divulgação do conteúdo ou informação falsa seja feita para ameaçar outras pessoas, as instituições e a democracia brasileira.

Nos seus votos na referida ADPF nº 572, o Ministro Celso de Mello afirmou que "a incitação ao ódio público e a propagação de ofensas e ameaças não estão abrangidas pela cláusula constitucional que protege a liberdade de expressão e do pensamento" e a Ministra Rosa Weber assentou que “vemo-nos às voltas com ataques sistemáticos que em absoluto se circunscrevem com críticas e divergências abarcadas no direito de livre expressão e manifestação assegurados constitucionalmente, traduzindo, antes, ameaças destrutivas às instituições e a seus membros com a intenção de desmoralizá-las” 37.

Já a Ministra Carmen Lúcia disse que "não é possível considerar como protegidos pela liberdade de expressão atos que atentem contra a Constituição, incitem o ódio ou o cometimento de crimes" 38, estando seu pensamento alinhado com o do Ministro Alexandre de Moraes, segundo o qual a “liberdade de expressão não é liberdade de agressão, de destruição da democracia, das instituições e da honra alheia, nem se confunde com ameaças, coações, atentados” e “a Constituição Federal não permite que criminosos se escondam, sob o manto da liberdade de expressão, para a prática de discurso de ódio, antidemocrático, de infrações penais e de atividades ilícitas” 39.

Já o Ministro Gilmar Mendes chamou a atenção para o fato de que "o uso sistemático de robôs para divulgar notícias falsas e ameaças não é liberdade de expressão, mas um movimento orquestrado para afetar a credibilidade do STF" 40 e das instituições de defesa do estado democrático brasileiro.

Também vale a pena expor as sempre bem lançadas palavras do Ministro Luís Roberto Barroso: "Numa democracia, há espaço para conservadores, liberais e progressistas, mas não há espaço para violência, ameaças e discursos de ódio" 41.

Um pouco antes, no julgamento da Tutela Provisória Antecedente (TPA) nº 39 , o Ministro Edson Fachin fez importantes considerações a respeito da possibilidade de limitação da liberdade de expressão quando esta baseia-se em afirmações notória e sabidamente falsas ou que só visam tumultuar o ambiente democrático, pois “não existe direito fundamental a atacar à democracia a pretexto de se exercer qualquer liberdade, especialmente a liberdade de expressão” e “não se deve confundir o livre debate público de ideias e a livre disputa eleitoral com a autorização para disseminar desinformação, preconceitos e ataques à democracia” 42.

E, ainda mais recentemente, o Plenário do STF firmou maioria na ação direta de inconstitucionalidade (ADI) nº 7261/DF para reconhecer a constitucionalidade da recente resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que ampliou seus poderes no combate às fake news e que permite à Corte Eleitoral a determinação de retirada imediata das postagens das redes sociais quando se já tenha constatado anteriormente ser o conteúdo ou informação por ela divulgada falsa, mentirosa ou fake news 43.

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Reforçou o Ministro relator Edson Fachin a necessidade de que o Poder Judiciário adote providências quando a liberdade de expressão seja exercida de forma abusiva por meio de “fake news e teorias conspiratórias calculadas”, “bots sociais, contas-fake autônomas nas mídias sociais” que se passam por “pessoas de verdade” que “postam, tuítam, curtem e compartilham” e “propagam fake news, calúnias e comentários de ódio”, pois tal abusividade coloca em risco a própria liberdade de expressão das demais pessoas, especialmente dos eleitores, eis que, em tal ambiente tóxico, “a liberdade se converte em ausência de liberdade, porquanto desconectada da realidade, da verdade e dos fatos” e “esse exercício abusivo coloca em risco a própria sociedade livre e o Estado de Direito democrático”. 44

Sob esse contexto, entendeu o relator, devidamente seguido por seus pares, que “o direito à liberdade de expressão pode ceder, em concreto, no caso em que ela for usada para erodir a confiança e a legitimidade da lisura político-eleitoral. Trata-se de cedência específica, analisada à luz da violação concreta das regras eleitorais e não de censura prévia e anterior” 45.

Ainda é cedo para afirmar como se comportará a jurisprudência do STF sobre o tema, mas tudo leva a crer que, sob uma realidade distinta daquele julgamento da ADPF nº 130, o STF determinará novas respostas para o enfrentamento dos casos em que as pessoas abusem de sua liberdade de expressão: a tendência é que agora a Suprema Corte entenda não só pela responsabilização posterior do responsável pela divulgação, mas também pela possibilidade de restrição mais efetiva da liberdade de expressão, com a determinação judicial de retirada imediata do conteúdo falso ou mentiroso das redes sociais e da internet, visando a evitar ou diminuir a propagação e a abrangência de conteúdos falsos e massivos que possam colocar em risco a segurança, a honra e a imagem de pessoas, de instituições e da própria democracia no Brasil.

Assim, tudo leva a crer, especialmente diante dos atos de destruição e vandalismo levado a efeitos por golpistas no último dia 08/01/2023 - quando as sedes dos três Poderes da república em Brasília foram invadidas e barbarizadas, com especial atenção para a destruição plena e absoluta do prédio histórico do STF -, que a tendência de nossa Suprema Corte seja efetivamente restringir a publicação de conteúdo falso ou mentiroso das redes sociais, especialmente quando isto coloque em risco a independência do Poder Judiciário e da própria Corte e a integridade de seus ministros e do próprio Estado democrático de direito.

Até porque os ministros do STF não são autômatos ou uma autoridade estatal absolutamente afastado de sentimentos pessoais, mas são sim homens e mulheres da sociedade brasileira que, muitas vezes, se afetam pelos temas ou controvérsias sob seu julgamento, sendo, por evidente, afetados por condutas e comportamentos que coloquem em xeque a própria autoridade da Corte que compõem e o Estado democrático constitucional de direito que lhes cabe proteger 46.


8. Conclusão.

Como dito anteriormente, os tempos atuais são outros: os tempos em que o conteúdo da liberdade de expressão, ou a informação jornalística, era exposto em jornais e revistas impressas e na televisão ficaram para trás; atualmente, a opinião ou o conteúdo jornalístico são essencialmente disponibilizados de forma massiva em redes sociais e na internet e pode ser compartilhado de forma instantânea com milhares ou mesmo milhões de pessoas, em um ambiente tóxico permeado por fake news, deepweb, direcionamento do discurso pelos algoritmos das grandes redes sociais e aplicativos, “robotização” dos usuários de redes sociais, polarização ideológica e discurso de ódio contra minorias (racismo, misognia, homofobia, dentre outros).

Diante do risco que o exercício abusivo da liberdade de expressão traz não só para as pessoas, como também para as instituições e para o próprio Estado democrático de direito - como bem se viu como consequência a destruição das sedes dos três poderes por vândalos golpistas no recente e fatídico dia 08 de janeiro de 2023 -, o STF tem produzido julgados que evidenciam uma tendência de intensificação da possibilidade de restrição judicial da liberdade de expressão em tais casos.

Como a realidade fática e social atual é absolutamente distinta do contexto em que foi julgada a ADPF nº 130, parece-nos que a tendência seja o STF adotar novas respostas judiciais para o enfrentamento dos casos em que as pessoas abusem de sua liberdade de expressão; como bem mostram os julgamentos efetuados na ADPF nº 572/DF, na TPA 39 MC-REF/DF e na ADI nº 7261/DF, a tendência é que, ao invés de decidir apenas pela responsabilização posterior do ofensor, a Corte caminhe pela intensificação da restrição mais efetiva da liberdade de expressão, com a determinação judicial de retirada imediata do conteúdo falso ou mentiroso das redes sociais e da internet, visando a evitar ou diminuir a propagação e a abrangência de conteúdos falsos e massivos que possam colocar em risco a segurança, a honra e a imagem de pessoas, de instituições e da própria democracia no Brasil.


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Sobre o autor
Dalton Santos Morais

Professor da graduação do Centro Universitário FAESA e de pós-graduação lato sensu da Escola da Advocacia-Geral da União, da Escola Superior de Advocacia da OAB/SP e do Centro Universitário FAESA.. Mestre em Direito pela UFES e Especialista em Direito do Estado pela Universidade Gama Filho. Procurador Federal da Advocacia-Geral da União.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAIS, Dalton Santos. As fake news e a guinada do STF sobre liberdade de expressão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7184, 3 mar. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/102188. Acesso em: 22 dez. 2024.

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